O Globo
Brasil segue o caminho da normalidade
institucional, superando cada uma das tentativas fracassadas de golpe
A família Bolsonaro reduziu dramaticamente o
espaço para conseguir aquilo que vem tentando fazer pelo menos desde 2022:
virar a mesa. Não foi possível evitar uma derrota eleitoral, não deu certo o
plano para sustar a transmissão do poder, e também não há sinais de que se vá
conseguir impedir o cumprimento da condenação do mentor de tudo isso, Jair
Bolsonaro, e dos que colaboraram com ele.
O Brasil segue o caminho da normalidade institucional, superando cada uma dessas tentativas fracassadas de golpe. Depois do trânsito em julgado da condenação de Bolsonaro e dos demais integrantes do núcleo crucial da trama golpista, não houve a comoção social com que contava a ala mais radical do bolsonarismo. Pelo contrário: o que se viu foi uma execução rápida e sem espetáculo das ordens de prisão daqueles que não fugiram como Alexandre Ramagem, ou não deram indícios de que pretendiam fugir como Bolsonaro.
Não é preciso dizer que a evasão de um e o
gesto tresloucado do outro precipitaram o desfecho inevitável e estreitaram a
possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal (STF) analisasse o caso de
Bolsonaro pela jurisprudência já registrada no caso do também ex-presidente
Fernando Collor, que poderia lhe assegurar prisão domiciliar humanitária. Não
foi culpa de Alexandre de Moraes, de Lula, de forças ocultas nem de ninguém. A
culpa do destino de Bolsonaro é única e exclusivamente dele, de suas escolhas,
de sua índole manifestada desde os tempos do Exército — antiestablishment, golpista
e persecutória.
A percepção dessa circunstância parece
ter se disseminado em franjas cada vez maiores do eleitorado antes disposto a
contemporizar com absurdos cometidos pelo capitão enquanto foi presidente,
inclusive, de forma espantosa, aqueles que agravaram a resposta do Brasil à
pandemia de Covid-19.A narrativa de um Bolsonaro perseguido de forma inclemente
por Moraes, e, por extensão, pelo STF, foi ficando cada vez mais restrita à
bolha mais radicalizada.
Depois que ele próprio confessou ter
empunhado um ferro de soldar para tentar tirar a tornozeleira eletrônica — por
“curiosidade” ou “alucinação”, nas versões mutantes que apresentou —, nem os
governadores de direita que pretendiam receber sua bênção se arriscam mais a
defendê-lo. Romeu Zema chegou a dizer, no minuto seguinte ao trânsito em
julgado da condenação, que os postulantes à candidatura presidencial são mais
“moderados” que aquele de quem, até sábado, esperavam receber a unção.
Esse ritual também foi tremendamente
dificultado pelo surto do patriarca e pela convocação da vigília em tons de
guerra medieval pelo filho Flávio. Isso porque a prisão de Bolsonaro não prevê
visitas políticas, como as que estava autorizado a receber nas próximas semanas
pelo próprio Moraes. Mais: sua inelegilidade, que se estende agora até 2060,
também se estende, de acordo com julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral, à
possibilidade de filiação partidária e ocupação de cargos (remunerados) de
direção, como o que ele ocupa hoje no PL.
É claro que o clã deverá se encarregar de
transmitir os desígnios de Bolsonaro e pressionará por anistia ou, no mínimo,
pela dosimetria menor da pena, mas a normalidade que se seguiu à sua prisão e
às demais desencorajará ainda mais Câmara e Senado a embarcar em mais essa
treta com o Supremo. Nesta terça-feira, aliás, Hugo Motta e Davi Alcolumbre
posavam sorridentes ao lado de Edson Fachin, e não se ouviu deles uma palavra
de contrariedade pelo cumprimento das penas dos golpistas.
O Brasil precisa seguir adiante e não pode
ficar preso com Bolsonaro, que cavou sozinho e de forma persistente o destino
que colheu. O cumprimento inédito de penas por aqueles que tentaram usurpar o
poder e interromper a democracia é um passo necessário para a consolidação do
período mais longo de normalidade democrática de um país que já assistiu a
viradas de mesa demais, mas agora parece cansado desse enredo.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.