O Globo
O corporativismo do STM não deve evitar que o
ex-presidente Bolsonaro perca sua patente
A alegação do general Augusto Heleno de que foi diagnosticado com Alzheimer em 2018, com a intenção de escapar da prisão, só faz piorar sua situação. Foi irresponsabilidade aceitar ser ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) com uma doença grave. Por seu lado, a alucinação alegada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para tentar justificar o uso de um ferro de soldar para abrir a tornozeleira eletrônica é uma típica saída de advogado para eximir de culpa o cliente encrencado. Bolsonaro sempre teve atitudes disparatadas, como oferecer cloroquina às emas do Palácio da Alvorada ou ter crise de choro no meio da noite. Desta vez, disse suspeitar que houvesse escuta dentro da tornozeleira, boato espalhado por um seguidor seu nas redes sociais.
Suas atitudes — como colocar bombas para
chamar a atenção para o precário soldo militar ou arroubos paranoicos que o
fizeram abrir mão de assessores próximos como Gustavo Bebianno — mostram que o
desequilíbrio emocional vem de longe. Heleno foi o primeiro a coordenar o
agrupamento militar em torno de Bolsonaro; havia uma sala especial no subsolo
de um shopping em Brasília onde militares se reuniam para tocar os planos de
governo.
Naquela ocasião, pelos relatos de hoje, ele
já estava diagnosticado com a doença, o que só faz aumentar sua
irresponsabilidade. Reconhecido entre os seus como grande militar — ele chefiou
as tropas brasileiras no Haiti e vinha de amplo conhecimento das entranhas do
poder desde que foi chefe de gabinete do então ministro do Exército, Sylvio
Frota, comandante da reação militar contra a abertura política de Geisel e
Golbery —, Heleno continua tendo admiração de seus pares e dificilmente será
condenado pelo Superior Tribunal Militar (STM) a punições desmoralizadoras como
a perda da patente.
Na verdade, ele é o único militar entre os
golpistas que conta com solidariedade interna, apesar de todas as provas contra
si mesmo que forneceu com seu diário ou da participação ativa na reunião
ministerial em que o golpe foi debatido. “Se tiver que virar a mesa, é antes
das eleições”, vociferou Heleno, batendo na mesa. Pode ser efeito do Alzheimer
— se for confirmado, ajudará a decretação de uma prisão domiciliar. Mas, nesse
caso, outros participantes da reunião, gravada em vídeo, também deviam estar
doentes.
Os julgamentos do STM têm sido marcados por
posições corporativistas mesmo quando parecia impossível, como no caso do
músico que morreu fuzilado por militares com mais de 200 tiros em seu carro. Os
coronéis envolvidos foram absolvidos porque, segundo a decisão final, foi
impossível detectar de onde saiu o tiro que o matou. O corporativismo, porém,
não deve evitar que o ex-presidente Bolsonaro perca sua patente. “Mau militar”,
segundo definição do presidente e general Ernesto Geisel, Bolsonaro, com suas
atitudes covardes durante as etapas finais da tentativa de golpe, quando até
viajou para os Estados Unidos, não deve contar com proteção militar em seu
julgamento no STM.
O processo no Supremo Tribunal Federal (STF)
que culminou com a condenação de militares da mais alta patente foi um avanço
histórico. Idealmente deveria ser seguido por uma decisão dos ministros do STM,
mas nada indica que isso seja certo. A presidente do STM, juíza Maria Elizabeth
Rocha, primeira mulher a presidir o tribunal, não encontrou respaldo de seus
companheiros quando pediu desculpas pelos abusos cometidos na ditadura militar,
falando na solenidade em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, assassinado
quando estava preso. Nenhum dos ministros da Corte deu apoio a ela, e um deles,
tenente-brigadeiro Amaral Oliveira, ao contrário, desautorizou sua fala. Não há
sinal de que a maioria do plenário do STM, formado por dez militares e cinco
civis, esteja sintonizado com os novos ares democráticos do país.

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