O Globo
Ele optou por campanha que ofereceu soluções
simples para o problema complexo que é o custo de vida na cidade
Não é todo dia que um socialista ganha uma
eleição no coração do capitalismo prometendo deixar os ricos mais pobres.
Reconhecido o fato extraordinário, é preciso ir devagar com o andor.
Diferentemente do que têm afirmado políticos e comentaristas no Brasil, Zohran
Mamdani não foi eleito prefeito de Nova York pela “classe trabalhadora”, nem
sua vitória é uma prova de que a esquerda vence quando “é mais esquerda”.
O muçulmano nascido em Uganda numa família de artistas e intelectuais não foi erguido em triunfo pelos desvalidos — percentualmente, mais ricos (48%) votaram nele do que pobres (44%). Alavancaram a vitória de Mamdani sobretudo os jovens, em especial millennials com curso superior, moradores dos bairros hipsters do Brooklyn e do Queens.
Depois, Mamdani não ganhou porque “vestiu a
utopia socialista”, como querem alguns, mas porque optou por uma campanha que
ofereceu soluções simples para o problema complexo do custo de vida em Nova
York, simultaneamente uma das cidades mais ricas e mais caras dos Estados Unidos.
Em outras palavras, Mamdani venceu, em
primeiro lugar, porque lançou mão de uma plataforma populista; e, em segundo,
porque soube se aproveitar do antitrumpismo sem cair na cilada de colocar a
guerra cultural como vitrine de campanha. Não que renegue a cartilha
identitária — é a sua, como mostraram seus ataques a Israel e as promessas de
transformar Nova York em “santuário LGBTQIA+”. Mas, ideológica no estilo, a
campanha de Mamdani foi pragmática na essência.
O custo de vida, em especial de moradia,
aparece nas pesquisas como principal preocupação de sete em dez nova-iorquinos.
A promessa de Mamdani de congelar o preço de 30% dos imóveis da cidade,
chamados “estabilizados”, provou-se um formidável acerto eleitoral. Entre
eleitores de até 29 anos que pagam aluguel, o democrata registrou vantagem de
nada menos do que 50 pontos sobre o rival, Andrew Cuomo. No novo mundo
prometido por Mamdani, tudo é mágica. Não apenas os aluguéis não sobem, mas os
ônibus são de graça, as creches existem para todos, e os produtos de
supermercado são baratos porque subsidiados. Para chegar a esse Éden, basta
espremer os ricos.
Se a retórica do “nós contra eles”, do Estado
justiceiro e do “gasto é vida” soa familiar, é porque é mesmo. Lula, em
campanha para a reeleição, já deu fartas mostras de ter simpatias pelo caminho,
o mesmo adotado nas eleições vitoriosas dos presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Luis
Arce, da Bolívia.
Estudo publicado na American Economic Review
em 2023 por economistas do Instituto Kiel confirmou que o populismo costuma
vicejar mais facilmente em lugares onde a economia vai mal; e, instalado, piora
o que já estava ruim. O trabalho mostra que tanto as variantes de esquerda
quanto de direita são danosas, mas que a primeira é mais. Feito em 60 países, o
estudo conclui que, após 15 anos de liderança populista de direita, o PIB real por
habitante fica 10% menor do que ficaria sob um governo não populista. Sob o
populismo de esquerda, a perda chega a 15%.
No caso do experimento de Mamdani, no pior
dos cenários ele poderá resultar em fuga de capitais e queda da arrecadação (lembrando
que o 1% dos ricos malignos de Nova York foi responsável por 40% do total de
impostos de renda municipais recolhidos em 2022). Poderá ainda provocar o
aumento — e não a queda — do valor dos aluguéis, dado que o congelamento de
preços tende a diminuir a oferta de imóveis num mercado já muito apertado. Isso
sem falar no risco de deterioração de serviços públicos — andar de ônibus de
graça não será exatamente uma delícia utópica se eles virarem lugares
ameaçadores e abrigos de sem-teto, como aconteceu em cidades que adotaram a
ideia.
O populismo, assim como o marxismo, encontra
sua derrota tão logo vira prática. Mas, se não é bom para governar, serve muito
bem para eleger, como comprovou o agora prefeito de Nova York.

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