sábado, 8 de novembro de 2025

Um populista em Nova York, por Thaís Oyama

O Globo

Ele optou por campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo que é o custo de vida na cidade

Não é todo dia que um socialista ganha uma eleição no coração do capitalismo prometendo deixar os ricos mais pobres. Reconhecido o fato extraordinário, é preciso ir devagar com o andor. Diferentemente do que têm afirmado políticos e comentaristas no Brasil, Zohran Mamdani não foi eleito prefeito de Nova York pela “classe trabalhadora”, nem sua vitória é uma prova de que a esquerda vence quando “é mais esquerda”.

O muçulmano nascido em Uganda numa família de artistas e intelectuais não foi erguido em triunfo pelos desvalidos — percentualmente, mais ricos (48%) votaram nele do que pobres (44%). Alavancaram a vitória de Mamdani sobretudo os jovens, em especial millennials com curso superior, moradores dos bairros hipsters do Brooklyn e do Queens.

Depois, Mamdani não ganhou porque “vestiu a utopia socialista”, como querem alguns, mas porque optou por uma campanha que ofereceu soluções simples para o problema complexo do custo de vida em Nova York, simultaneamente uma das cidades mais ricas e mais caras dos Estados Unidos.

Em outras palavras, Mamdani venceu, em primeiro lugar, porque lançou mão de uma plataforma populista; e, em segundo, porque soube se aproveitar do antitrumpismo sem cair na cilada de colocar a guerra cultural como vitrine de campanha. Não que renegue a cartilha identitária — é a sua, como mostraram seus ataques a Israel e as promessas de transformar Nova York em “santuário LGBTQIA+”. Mas, ideológica no estilo, a campanha de Mamdani foi pragmática na essência.

O custo de vida, em especial de moradia, aparece nas pesquisas como principal preocupação de sete em dez nova-iorquinos. A promessa de Mamdani de congelar o preço de 30% dos imóveis da cidade, chamados “estabilizados”, provou-se um formidável acerto eleitoral. Entre eleitores de até 29 anos que pagam aluguel, o democrata registrou vantagem de nada menos do que 50 pontos sobre o rival, Andrew Cuomo. No novo mundo prometido por Mamdani, tudo é mágica. Não apenas os aluguéis não sobem, mas os ônibus são de graça, as creches existem para todos, e os produtos de supermercado são baratos porque subsidiados. Para chegar a esse Éden, basta espremer os ricos.

Se a retórica do “nós contra eles”, do Estado justiceiro e do “gasto é vida” soa familiar, é porque é mesmo. Lula, em campanha para a reeleição, já deu fartas mostras de ter simpatias pelo caminho, o mesmo adotado nas eleições vitoriosas dos presidentes Gustavo Petro, da Colômbia, e Luis Arce, da Bolívia.

Estudo publicado na American Economic Review em 2023 por economistas do Instituto Kiel confirmou que o populismo costuma vicejar mais facilmente em lugares onde a economia vai mal; e, instalado, piora o que já estava ruim. O trabalho mostra que tanto as variantes de esquerda quanto de direita são danosas, mas que a primeira é mais. Feito em 60 países, o estudo conclui que, após 15 anos de liderança populista de direita, o PIB real por habitante fica 10% menor do que ficaria sob um governo não populista. Sob o populismo de esquerda, a perda chega a 15%.

No caso do experimento de Mamdani, no pior dos cenários ele poderá resultar em fuga de capitais e queda da arrecadação (lembrando que o 1% dos ricos malignos de Nova York foi responsável por 40% do total de impostos de renda municipais recolhidos em 2022). Poderá ainda provocar o aumento — e não a queda — do valor dos aluguéis, dado que o congelamento de preços tende a diminuir a oferta de imóveis num mercado já muito apertado. Isso sem falar no risco de deterioração de serviços públicos — andar de ônibus de graça não será exatamente uma delícia utópica se eles virarem lugares ameaçadores e abrigos de sem-teto, como aconteceu em cidades que adotaram a ideia.

O populismo, assim como o marxismo, encontra sua derrota tão logo vira prática. Mas, se não é bom para governar, serve muito bem para eleger, como comprovou o agora prefeito de Nova York.

 

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