O Estado de S. Paulo
Se houver uma concordância de que a questão
da segurança pública é uma questão de Estado e implica um trabalho conjunto, as
chances de solução são maiores
A questão da segurança pública não é insolúvel, sobretudo quanto à libertação de territórios ocupados pelo crime organizado. Mas ela exige um nível de unidade nacional que não conseguimos obter na pandemia e quase alcançamos nas enchentes no Sul. Existem problemas que são maiores que as divergências políticas. Infelizmente, este é o caso da segurança pública, que, paradoxalmente, acabou acentuando a divisão após a operação policial no Rio de Janeiro. Verdade é que toda esta comoção ocorre próxima de um período eleitoral. Torna-se uma tarefa difícil convencer de que é possível um jogo de ganha-ganha. Mas a verdade é que, isoladamente, nem governo nem oposição conseguem um resultado satisfatório.
O encontro de governadores da oposição no Rio
previu uma ação conjunta dos Estados que dirigem. Mas, se reconhecem que o
problema é nacional, precisam admitir que os Estados do Norte e do Nordeste
devem participar desse processo. Há organizações fortes no Amazonas, Fortaleza
vive um processo dramático em que pessoas estão sendo expulsas de casa pelo
crime organizado. Sem falar nas rotas do tráfico que atravessam essas duas
importantes regiões do Brasil. Finalmente, não se pode dispensar os
instrumentos federais: Polícia Federal (PF), Receita Federal, Polícia
Rodoviária e Forças Armadas.
Uma das propostas dos governadores de
oposição é apoiar o projeto que define o tráfico de drogas como terrorismo.
Tratase de um processo geopolítico orientado pelo governo americano. Argentina
e Paraguai definiram o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital
(PCC) como organizações terroristas. O próprio governo brasileiro foi
aconselhado a tomar essa decisão pelos norte-americanos. Mas essa seria uma
saída efetiva? Os americanos estão usando esse caminho para bombardear
embarcações no Caribe e no Pacífico. As pessoas morrem, os barcos afundam e não
se sabe nem se havia drogas a bordo.
A definição de terrorismo permite uma guerra
aberta e ataques que podem atingir a população. Num exemplo extremo, basta ver
Gaza, onde o bombardeio a terroristas acabou matando tantas crianças e
mulheres.
Por outro lado, o governo federal precisa
avançar. Ele propôs a PEC da Segurança, que prevê a necessária integração.
Lançou um projeto sobre facções criminosas com várias medidas inovadoras, como
a infiltração. O governo argumenta que é preciso inteligência e mostra a
operação Carbono Oculto como exemplo. Ela desbaratou a atividade financeira do
PCC sem disparar um tiro. Da mesma maneira, o governo argumenta que é preciso
asfixiar financeiramente as organizações criminosas, pois esse é o caminho mais
eficaz de atacá-las.
No entanto, esses argumentos não respondem à
questão básica: como liberar territórios ocupados por homens armados de fuzis,
pistolas, drones e metralhadora .30? Como asfixiar financeiramente organizações
que exploram o território, taxas sobre o comércio, botijões de gás e mototáxis?
É uma fonte inesgotável.
O governo federal terá de evoluir para uma
posição de reconquista do território. Isso implica operações, muitas vezes,
enfrentadas com violência. Mas, com o poderio conjugado do governo federal e
das polícias estaduais, é possível realizar um trabalho com muita superioridade
militar e obter a rendição de um grande número de ocupantes. O objetivo da
operação deve ser prender, e não pura e simplesmente emboscar e matar. Algumas
mortes podem acontecer, mas em número reduzido. Tudo isso implica grandes
investimentos, sobretudo quando há um projeto não apenas de desocupar, mas de
levar à região os serviços básicos do Estado.
Os investimentos na reconquista de
territórios serão altos. Mas as populações dominadas já pagam um alto preço
material e psicológico. Além das taxas, em alguns lugares, os criminosos
violentam as meninas.
Um grande preço que poderá ser pago pela
inércia é a conquista das mentes e corações majoritários para uma alternativa
como a de El Salvador, baseada numa repressão ilimitada.
É evidente também que uma política de
segurança pública não se limita à desocupação de territórios ocupados. O
próprio tráfico de drogas não vai desaparecer. Ele existe nas principais
cidades do mundo. Mas a ocupação do território é um problema brasileiro. Se
entendermos a ocupação do território como também a liberdade de operações, esse
conceito abarca ainda a Amazônia, onde outras atividades ilegais, como a
extração de ouro, crescem exponencialmente.
Mas as pessoas sentem mais o problema quando
está próximo de seu cotidiano. Basta ver as diferenças de opinião nas pesquisas
feitas nas favelas e no asfalto. Nas comunidades pobres, a sensação é de
asfixia e há uma demanda por solução urgente.
Neste ano de 2026, vamos viver um grande
desafio. Se houver uma concordância de que a questão da segurança pública é uma
questão de Estado e implica um trabalho conjunto, as chances de solução são
maiores. A pura disputa política e a troca de acusações podem representar um
falso ganho eleitoral. Por cima das diferenças políticas, o que as pessoas na
sua maioria pedem são soluções eficazes. E é preciso acreditar nesta simples
realidade: o Brasil é capaz de solucionar esta crise e alcançar um nível de
segurança pública satisfatório, como existe em tantos outros países do mundo.

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