sexta-feira, 7 de novembro de 2025

União nacional contra o crime organizado, por Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

Se houver uma concordância de que a questão da segurança pública é uma questão de Estado e implica um trabalho conjunto, as chances de solução são maiores

A questão da segurança pública não é insolúvel, sobretudo quanto à libertação de territórios ocupados pelo crime organizado. Mas ela exige um nível de unidade nacional que não conseguimos obter na pandemia e quase alcançamos nas enchentes no Sul. Existem problemas que são maiores que as divergências políticas. Infelizmente, este é o caso da segurança pública, que, paradoxalmente, acabou acentuando a divisão após a operação policial no Rio de Janeiro. Verdade é que toda esta comoção ocorre próxima de um período eleitoral. Torna-se uma tarefa difícil convencer de que é possível um jogo de ganha-ganha. Mas a verdade é que, isoladamente, nem governo nem oposição conseguem um resultado satisfatório.

O encontro de governadores da oposição no Rio previu uma ação conjunta dos Estados que dirigem. Mas, se reconhecem que o problema é nacional, precisam admitir que os Estados do Norte e do Nordeste devem participar desse processo. Há organizações fortes no Amazonas, Fortaleza vive um processo dramático em que pessoas estão sendo expulsas de casa pelo crime organizado. Sem falar nas rotas do tráfico que atravessam essas duas importantes regiões do Brasil. Finalmente, não se pode dispensar os instrumentos federais: Polícia Federal (PF), Receita Federal, Polícia Rodoviária e Forças Armadas.

Uma das propostas dos governadores de oposição é apoiar o projeto que define o tráfico de drogas como terrorismo. Tratase de um processo geopolítico orientado pelo governo americano. Argentina e Paraguai definiram o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) como organizações terroristas. O próprio governo brasileiro foi aconselhado a tomar essa decisão pelos norte-americanos. Mas essa seria uma saída efetiva? Os americanos estão usando esse caminho para bombardear embarcações no Caribe e no Pacífico. As pessoas morrem, os barcos afundam e não se sabe nem se havia drogas a bordo.

A definição de terrorismo permite uma guerra aberta e ataques que podem atingir a população. Num exemplo extremo, basta ver Gaza, onde o bombardeio a terroristas acabou matando tantas crianças e mulheres.

Por outro lado, o governo federal precisa avançar. Ele propôs a PEC da Segurança, que prevê a necessária integração. Lançou um projeto sobre facções criminosas com várias medidas inovadoras, como a infiltração. O governo argumenta que é preciso inteligência e mostra a operação Carbono Oculto como exemplo. Ela desbaratou a atividade financeira do PCC sem disparar um tiro. Da mesma maneira, o governo argumenta que é preciso asfixiar financeiramente as organizações criminosas, pois esse é o caminho mais eficaz de atacá-las.

No entanto, esses argumentos não respondem à questão básica: como liberar territórios ocupados por homens armados de fuzis, pistolas, drones e metralhadora .30? Como asfixiar financeiramente organizações que exploram o território, taxas sobre o comércio, botijões de gás e mototáxis? É uma fonte inesgotável.

O governo federal terá de evoluir para uma posição de reconquista do território. Isso implica operações, muitas vezes, enfrentadas com violência. Mas, com o poderio conjugado do governo federal e das polícias estaduais, é possível realizar um trabalho com muita superioridade militar e obter a rendição de um grande número de ocupantes. O objetivo da operação deve ser prender, e não pura e simplesmente emboscar e matar. Algumas mortes podem acontecer, mas em número reduzido. Tudo isso implica grandes investimentos, sobretudo quando há um projeto não apenas de desocupar, mas de levar à região os serviços básicos do Estado.

Os investimentos na reconquista de territórios serão altos. Mas as populações dominadas já pagam um alto preço material e psicológico. Além das taxas, em alguns lugares, os criminosos violentam as meninas.

Um grande preço que poderá ser pago pela inércia é a conquista das mentes e corações majoritários para uma alternativa como a de El Salvador, baseada numa repressão ilimitada.

É evidente também que uma política de segurança pública não se limita à desocupação de territórios ocupados. O próprio tráfico de drogas não vai desaparecer. Ele existe nas principais cidades do mundo. Mas a ocupação do território é um problema brasileiro. Se entendermos a ocupação do território como também a liberdade de operações, esse conceito abarca ainda a Amazônia, onde outras atividades ilegais, como a extração de ouro, crescem exponencialmente.

Mas as pessoas sentem mais o problema quando está próximo de seu cotidiano. Basta ver as diferenças de opinião nas pesquisas feitas nas favelas e no asfalto. Nas comunidades pobres, a sensação é de asfixia e há uma demanda por solução urgente.

Neste ano de 2026, vamos viver um grande desafio. Se houver uma concordância de que a questão da segurança pública é uma questão de Estado e implica um trabalho conjunto, as chances de solução são maiores. A pura disputa política e a troca de acusações podem representar um falso ganho eleitoral. Por cima das diferenças políticas, o que as pessoas na sua maioria pedem são soluções eficazes. E é preciso acreditar nesta simples realidade: o Brasil é capaz de solucionar esta crise e alcançar um nível de segurança pública satisfatório, como existe em tantos outros países do mundo.

 

Nenhum comentário: