Já não me recordo bem porque fui parar ali.
Acredito que visitava um amigo pelas redondezas e, como estava de carro,
resolvi conhecer, ainda que somente pelo lado de fora, a casa do poeta.
Pois é um poeta – e dos grandes – que estou relembrando aqui.
Refiro-me a Louis Aragon, ou o outro nome da consciência sensitiva francesa ao longo do século XX. Mais: de sua consciência política também, pois ninguém, como Aragon, revelou tanta coragem na resistência às tropas nazistas que invadiram seu país em um certo 10 de agosto de 1940.
Louis Aragon teve uma infância dura. Seus
biógrafos dizem que nunca conheceu o pai. Estudante de Medicina, abandonou,
contudo, os estudos universitários: preferiu ser poeta. No fundo, era um
lírico: trocou os cuidados com o corpo pelos cuidados com a alma.
Mas, curiosamente, seria em um hospital,
durante um estágio, que Louis Aragon travaria conhecimento com André Breton,
precisamente em 1917 - ano I da Revolução Russa (e aqui vai mais uma
curiosidade). Ao lado de Breton e Soupault, Aragon lançaria em seguida a
revista Littérature, divulgadora do Surrealismo.
Aragon viu-se, desde o início, diante de um
dilema: como conciliar prática artística e engajamento político, sobretudo numa
era dos extremos? Nos anos 20 e 30, quando Aragon despontava para a criação
intelectual, a realidade política e social da Europa era quase
maniqueísta. Ou pelo menos pendular. Na mesma época em que o poeta lança Feu
de joie (1920) desponta, por exemplo, o movimento fascista na
Itália. Não deve ter sido muito fácil para ele trocar velhas companhias do
período surrealista pelas novas alianças contraídas no interior do Partido
Comunista Francês (PCF). Muitos participantes do movimento surrealista
divergiam abertamente dos comunistas.
Mas o fato é que Aragon saiu-se bem: foi
poeta e comunista a vida inteira, este "fou d´Elsa” - o amante louco
por Elsa Triolet, sua paixão de sempre e com quem se casaria em 1928. Nascida
na Rússia, Elza era irmã de Lilya Brik, casada com outro excepcional poeta –
Vladimir Maiakovski. Ao PCF, Aragon aderiu um ano antes. O belo painel
romanesco Les Communistes retrata a admiração que sentia pelos
militantes do partido de Maurice Thorez e suas lutas todas.
Cheguei a ver os números que L’Humanité,
o órgão do Comitê Central do PCF, imprimia sob a ocupação nazista. Muitos
tinham uma página só e eram escritos à mão. Mas o jornal nunca deixou de
circular um dia sequer. Seu principal redator? Louis Aragon, que, da
clandestinidade mais absoluta, dirigia o movimento cultural de resistência ao
invasor nazista. Por essas e por outras é que, ao morrer, Aragon era
considerado o maior poeta francês. Encarnava seu país. Era homem de letras e
também de coração e de armas.
Ou a França não era o país da liberdade?
Combater a barbárie representada pelo nazismo valia qualquer sacrifício, mas é
preciso dizer que não era monopólio desta ou daquela corrente política. Ainda
bem. A resistência ao ocupante nazista simbolizava a luta de todo um povo, dos
herdeiros da Revolução de 1789 e da Comuna de Paris de 1871. Disso patriotas
como Charles De Gaulle e André Malraux tinham plena consciência.
No pós-guerra, o poeta Louis Aragon
dedicou-se mais ao experimentalismo formal, abandonando a temática abertamente
social que tanto marcou sua obra. Datam desse período Condenado à Morte e A
Semana Santa.
Os poetas são mesmo abençoados. Como os
demais artistas, eles têm a ventura de enfeixar o sentimento de uma nação. Foi
o que fez Aragon pela vida afora.
Eu parei diante daquela casa e não tive
coragem de pedir para entrar.
*Este texto consta do livro A Arte em estado de crônicas, de Ivan Alves Filho., editado prla Aquarius Produções Culturais, de Tiradentes/MG

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.