Folha de S. Paulo
Diversos direitos e garantias não passam de
letra fria para a maioria negra da população nacional
A intolerância em relação à prática de
religiões de matriz africana é outro exemplo de violação constitucional
É imperativo admitir que a perenidade
do racismo no
Brasil é fruto do estado inconstitucional das coisas. Independentemente do que
preconizam as leis e as normas, a distância entre o direito formalizado
(formal) e o que se materializa (material) é monumental.
Diversos direitos e garantias não passam de letra fria (ou melhor dizer morta?)
para a maioria negra (56%, IBGE) da população nacional. A interseção
étnico-racial presente na violação de direitos fundamentais (vida, liberdade,
segurança, igualdade e propriedade estão previstos no Art. 5º da Constituição Federal) é gritante e deixa claro que
características típicas desses preceitos, como universalidade e
inalienabilidade, não se aplicam a todos.
Enquanto a CF protege a vida e proíbe a pena
de morte, salvo em caso de guerra declarada, pretos e pardos são as principais vítimas
de homicídios e da violência policial. O risco de um negro sofrer homicídio é
quase o triplo em relação aos não negros. A situação é ainda mais drástica
quanto à letalidade causada pela polícia: 86% dos mortos pelas forças policiais em 2024 eram
pessoas negras (Atlas da Violência).
A intolerância em relação à prática de religiões de matriz
africana é outro exemplo de violação constitucional. Fere o direito à liberdade
religiosa. Ainda assim, 74% dos terreiros do país foram ameaçados, depredados ou
destruídos nos dois últimos anos (Respeite o Meu Terreiro). E, para além dos
ataques a locais de culto, a violência atinge sacerdotes, adultos fiéis e
crianças. Em SP, a polícia invadiu uma escola porque uma aluna desenhou a orixá Iansã numa atividade em sala de
aula; no RJ, uma flor amarela associada à orixá Oxum presenteada por
uma menina de cinco anos foi rejeitada pela professora evangélica que afirmou
se tratar de "florzinha do Diabo."
Enfrentar o racismo institucionalizado na tentativa de reverter as
desigualdades étnico-raciais normalizadas e naturalizadas ao longo dos séculos
implica reconhecer o estado inconstitucional de muitas coisas e as coisas
inconstitucionais do Estado no Brasil.

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