CartaCapital
A bolha da Inteligência Artificial está
prestes a estourar, e outras não tardarão a se formar
Vamos iniciar a discussão com a advertência
explicitada no Relatório Trimestral do Banco de Compensações Internacionais, o
BIS. “O boom relacionado à Inteligência Artificial (IA) nos preços das ações
continuou a moldar o comportamento dos mercados financeiros. As ações de grande
capitalização da tecnologia continuaram a superar durante grande parte do
período em análise, impulsionadas por lucros fortes. No entanto, eles mostraram
sinais de retração no final do período, devido à maior cautela dos investidores
em relação a avaliações mais longas”, afirma o texto.
Ruchir Sharma, presidente da Rockefeller International, soou mais um alarme no Financial Times. “Em meio à conversa sobre a mania da Inteligência Artificial, as pessoas começaram a brincar com a ideia de ‘uma bolha dentro da bolha’. As buscas no Google por IA associada à palavra ‘bolha’ dispararam, e o clima nos mercados parece exuberante. No entanto, além desses indicadores subjetivos, não existe uma métrica-padrão para definir uma bolha. Meu teste se concentra em quatro ‘Ss’: sobrevalorização, sobrepropriedade, sobreinvestimento e sobrealavancagem.”
O relatório do BIS e o artigo de Sharma
desmontam a enganosa proclamação do “agora será diferente”. Esse mantra valida
uma interpretação dos “episódios especulativos” como meros incidentes que
violariam, de forma excepcional, as regras de equilíbrio e estabilidade
inscritas no espírito sagrado das economias de mercado. No entanto, tais episódios
não são pontuais: denunciam a atuação das forças – sistêmicas e estruturais –
que movem as formas financeiras em todos os tempos do Regime do Capital.
Peço licença ao leitor de CartaCapital para
reproduzir um trecho do livro Dinheiro: O Poder da Abstração Real (Editora
ContraCorrente), que escrevi em parceria com Gabriel Galípolo: “O sistema
financeiro é a instância dominante nas relações econômicas do capitalismo de
todos os tempos e em todos os seus tempos. Um sábio atilado chamou o dinheiro e
suas instituições capitalistas de ‘Comunidade’”.
Em 1933, John Maynard Keynes disparou
petardos contra o bunker das finanças: “As regras autodestrutivas da finança
são capazes de apagar o sol e as estrelas porque não pagam dividendos”.
Nos anos 1920, Keynes operou com perdas e
ganhos nos mercados de contratos futuros e de opções. Nesse período,
estabeleceu uma distinção entre o jogo e a especulação. Jogo aplica-se a
situações em que o risco não é calculável ou não distribuído normalmente, como
o jogo da roleta. A especulação aplica-se a situações em que o risco é
calculável e normalmente distribuído, como no seguro de vida. O critério de
divisão está na quantidade de conhecimento possuída pelo agente em ambos os
casos: “A posse de conhecimento superior (é) a distinção vital entre o
especulador e o jogador”.
Ao longo de anos, Keynes abandonou sua crença
no conhecimento superior dos “especuladores” e consolidou suas convicções a
respeito da natureza dos mercados de avaliação da riqueza financeira. “O
investidor profissional é forçado a preocupar-se com a antecipação das
variações iminentes, nas notícias ou no clima geral, do tipo das que, pela
experiência, são as que exercem maior influência sobre a psicologia de massas
do mercado.” Esse é o resultado inevitável dos mercados de investimento
organizados em torno da chamada ‘liquidez’.”
A expressão “antecipação das variações
iminentes” evidencia, ao mesmo tempo, o domínio da incerteza, que comanda o
caráter das decisões dos possuidores de riqueza, seja ela “real” ou financeira.
A dimensão “real” da riqueza no capitalismo está entre aspas porque a avaliação
da riqueza capitalista é registrada financeiramente nos balanços de empresas
“produtivas” ou de instituições financeiras.
Os mercados financeiros, organizados ou de
balcão, negociam promessas e, portanto, estão sujeitos às oscilações e alterações
no estado de expectativas dos investidores submetidos ao risco de contrações da
liquidez, ou seja, à desventura de negociar um ativo com “perda de capital”.
Esses “episódios especulativos” não são
desvios pontuais, e sim fenômenos recorrentes e inerentes à lógica do próprio
mercado financeiro
A forma financeira do capital, afirma Karl
Marx, reflete a “natureza invertida” desse sistema, no sentido de que, em seu
funcionamento concreto, o capitalismo “parece negar” as determinações de seus
fundamentos ditos produtivos. Quando Marx usa essa expressão, “parece negar”,
está dizendo que as formas abstratas da finança são, ao mesmo tempo, as
instâncias concretas, aquelas que, em “aparente” contradição com os
fundamentos, informam as decisões dos capitalistas.
Formas aparenciais são, ao mesmo tempo,
formas ilusórias, no sentido de que ocultam as conexões fundamentais desse modo
de produção, mas também forma necessária, enquanto expressões das relações de
produção “transformadas” no processo de valorização da riqueza.
Dessa forma, o sistema financeiro constitui a
forma suprema e mais desenvolvida do capital, que busca obter mais valor em seu
próprio processo de circulação (Dinheiro–Mais Dinheiro, D–D’), prescindindo dos
chamados “fundamentos”, ou seja, da utilização da força de trabalho e dos meios
de produção empenhados na criação de renda monetária. Esse processo se realiza
por meio do gasto originário da classe detentora dos meios de produção e
controladora do crédito, pelo circuito Dinheiro–Mercadoria–Mais Dinheiro
(D–M–D’).
“Assim, o juro, não o lucro, aparece como
criação de valor, nascido do capital como tal e, portanto, originário da mera
propriedade do capital: consequentemente, ele é visto como um rendimento criado
pelo capital… Sob esta forma, todas as relações intermediárias são ocultadas e
a aparência fetichista do capital, assim como o conceito de capital-fetiche,
assume sua completude. Essa forma surge necessariamente porque o aspecto
jurídico da propriedade é separado do seu aspecto econômico, e uma parte do
lucro, sob o nome de juro, é apropriada pelo capital, completamente separado do
processo de produção” (Teorias da Mais-Valia, Volume II).
A estabilidade da economia monetária depende
das complexas relações entre os fundos coletivos administrados pelos comitês
privados de avaliação do crédito e da riqueza financeira (bancos e demais
instituições financeiras) e da capacidade do Estado, por meio das decisões do
Banco Central e do Tesouro, de orientar as expectativas dos agentes privados
empenhados na lógica da acumulação de riqueza monetária.
As análises mais certeiras da chamada
“financeirização” estão amparadas em visões do capitalismo que privilegiam suas
relações estruturais e suas leis de movimento ou sua dinâmica. Essa dinâmica
reproduz, em suas formas, o propósito constitutivo desse sistema de relações: a
acumulação de riqueza monetária. “É evidente que, no capital a juros, o capital
se completa como fonte misteriosa e autocriativa de seu próprio
acrescentamento… é o capital par excellence” (Teorias da Mais-Valia, Volume
III).
Publicado na edição n° 1393 de CartaCapital,
em 24 de dezembro de 2025.

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