O Globo
O arranjo é conhecido há décadas: o
vencimento básico fica abaixo do teto, mas aí se somam os penduricalhos
À primeira vista, parece não existir qualquer
exagero ou problema econômico na remuneração dos servidores públicos. Desses,
segundo um estudo por amostragem, apenas 1,34% recebem acima do teto
constitucional de exatos R$ 46.336,19 mensais. Haveria aí, no máximo, um
problema moral — a desigualdade salarial dentro do funcionalismo —, mas nenhum
dano econômico substantivo para as finanças do país.
É verdade que existe um problema moral nessa história —, mas não é a desigualdade. Ou, pelo menos, a desigualdade não é o principal desequilíbrio. A verdadeira questão aparece numa segunda vista, quando se olha quem recebe as remunerações acima do teto. São principalmente os juízes — cuja função é fazer cumprir as leis.
Num universo de 4 milhões de servidores
ativos e inativos, que receberam 50 milhões de contracheques no período de
agosto de 2024 a julho de 2025, foram encontrados nada menos que 21 mil juízes
ganhando acima do teto.
A pesquisa foi encomendada por duas
organizações — Movimento Pessoas à Frente e República.org — e dirigida por
Sérgio Guedes-Reis, da Universidade da Califórnia. Encontrou, no total, 53,5
mil servidores federais, estaduais e municipais com vencimentos mensais acima
dos 46 mil. Tudo somado, chega-se a R$ 20 bilhões. Aí já se torna também um problema
econômico grave. É só comparar. Neste ano, o governo federal se esforça para
limitar em R$ 30 bilhões o déficit de todas as suas contas. E luta no Congresso
para conseguir aumentos de impostos que fechem um buraco previsto de R$ 30
bilhões nas contas de 2026.
Tem mais: a maior parte dos servidores que
recebem acima do teto está no Poder Judiciário, que interpreta e aplica as
leis. O arranjo é conhecido há décadas: o vencimento básico fica abaixo do
teto. Mas aí se somam os penduricalhos — auxílios e ajudas disso e daquilo,
considerados não remuneratórios, mas indenizatórios.
O Judiciário é um Poder independente, de modo
que os tribunais administram seus orçamentos, incluindo a fixação dos salários.
Tecnicamente, portanto, há explicações para o extrateto. Para o cidadão comum,
entretanto, soa esquisito: se a Constituição, lei maior, diz que o teto é R$ 46
mil, como aqueles 1,34% podem ganhar acima disso? Tanto para tão poucos?
O Congresso Nacional debate propostas de
reforma administrativa. E há dificuldades para tratar do caso dos
supersalários, recebidos pelos mais altos funcionários dos três Poderes. Eles
têm, digamos, muito poder de persuasão.
Por isso o tema é discutido há anos. Vira e
mexe, surge uma legislação dizendo, para simplificar, que teto é teto. Mas logo
criam-se regras determinando que tais e tais verbas não se incluem sob o teto.
Foi em 2016 que a ministra Cármen Lúcia referiu-se aos “puxadinhos” sempre
colocados sobre os tetos.
Mas, mudando de assunto, outro tema da semana
passada foi a decisão do Congresso a respeito do Programa de Pleno Pagamento
das Dívidas dos Estados, o Propag. Falamos disso porque há uma semelhança
formal com a questão dos salários: a regra definitiva, que é definitiva até
mudar.
No governo FH (1995 a 2002), o Congresso
aprovou uma renegociação das dívidas que os governos estaduais tinham com a
União. As novas regras foram generosas com os estados, estabelecendo juros e
prazos camaradas. O argumento que justificava isso: é a última renegociação.
Muitos governos estaduais não pagaram, e deveriam ser penalizados por isso. Não
foram. Ao contrário, foi logo aprovada uma segunda renegociação definitiva, uma
terceira e assim por diante. Até chegar ao Propag de hoje, que estabelece ainda
melhores condições para os devedores.
Agora vai, se diz, porque o Propag está
definido em Lei Complementar, legislação superior, que complementa a
Constituição. Definitiva, portanto. Mas, como no caso dos tetos móveis, não
perderá quem apostar que essa renegociação das dívidas estaduais é apenas um
outro “Pronãopag”. São dribles na lei dentro do setor público. Vai o cidadão
tentar coisa parecida.

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