segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Europa está numa encruzilhada histórica, por Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

A União Europeia consegue operar em um cenário de rivalidade entre grandes potências?

Depois de séculos exercendo um papel central na ordem internacional e projetando poder para além de suas fronteiras, a Europa encontra-se na defensiva, tentando administrar e conter o peso de China, EUA e Rússia dentro e ao redor de seu território. Esse fenômeno, apelidado de “corrida pela Europa” por analistas como Gideon Rachman, no Financial Times, reflete o novo cenário em que atores de fora disputam influência no continente. A dificuldade europeia de responder à altura à invasão russa à Ucrânia, à concorrência tecnológica chinesa e às tarifas dos EUA são reflexo de sua atual fragilidade e divisão interna.

As negociações intermináveis sobre o acordo UE-Mercosul são mais uma das consequências dessa desarticulação. Enquanto a Alemanha lidera o grupo a favor da ratificação, a França se mobiliza contra. O resultado: há décadas, a Europa vem perdendo espaço político e econômico na América do Sul, onde EUA e China são hoje os protagonistas. O mesmo se vê na África e no Oriente Médio.

A imagem da Europa o Sul Global se desgastou ao longo dos anos. Muitos países emergentes veem o bloco como um ator em declínio e o acusam de hipocrisia por exigir solidariedade na Ucrânia enquanto não se mobiliza com a mesma intensidade em outros conflitos marcados por graves violações de direitos humanos, como Gaza.

CHINA E RÚSSIA. Os desafios vão muito além de perder influência no mundo: sua dependência do comércio e dos insumos chineses é uma vulnerabilidade estratégica construída pelas próprias elites europeias. Como observa o analista alemão Thorsten Benner, arrogância, interesses de lucro de curto prazo e o “não entendimento da estratégia de longo prazo da China nos colocaram nessa situação dramática”.

O avanço chinês em setores de alta tecnologia e em manufaturas de alto valor agregado torna obsoleta a crença de que a Europa sempre encontraria nichos de excelência para compensar a concorrência asiática. Robin Harding, também no FT, resume a situação ao argumentar que a China caminha para um modelo em que quer vender de tudo para o resto do mundo, mas comprar o mínimo possível. Nessa lógica, “torna-se cada vez mais difícil imaginar como a Europa poderá evitar um protecionismo em larga escala se quiser preservar qualquer setor industrial.”

Em paralelo, a Rússia promove campanhas de desinformação para influenciar a opinião pública europeia e aposta que divisões internas farão a UE vacilar no apoio à Ucrânia.

Os EUA, em teoria aliados, também intervém abertamente no cenário político europeu, seja apoiando partidos e candidatos de direita na Alemanha, Polônia e Romênia, seja pressionando governos europeus a adotarem padrões tecnológicos ou de segurança americanos.

A UE consegue operar em um cenário de rivalidade aberta entre grandes potências? Ao que tudo indica, em um ambiente dominado por líderes nacionalistas como Trump, Xi e Putin, a tradicional aposta europeia em soft power será insuficiente para firmar o continente como polo autônomo de poder.

DIVERGÊNCIAS. Além disso, como o próprio Rachman lembra, a estrutura institucional da UE dificulta respostas rápidas: crises que exigem decisões em horas esbarram em um sistema que precisa conciliar 27 governos. Divergências internas abrem ainda mais espaço para interferências externas: Pequim seduz governos com investimentos, Moscou encoraja líderes eurocéticos, Washington negocia diretamente com capitais europeias quando isso ajuda a contornar posições comuns do bloco.

Para evitar que a Europa se torne periférica no jogo das potências, seria necessário reforçar a autonomia estratégica do continente: investimentos mais robustos em defesa, em tecnologia de ponta e na transição energética; redução da dependência em relação à China e aos EUA; simplificação dos processos de decisão política; e desburocratização para impulsionar o crescimento. Em tempos normais, isso já seria um enorme desafio. Com o avanço de partidos eurocéticos nas duas maiores economias do bloco – Alemanha e França – talvez isso seja politicamente impossível. Cabe aos europeus decidir se serão autores do próprio destino ou espectadores das ambições alheias.

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