O Estado de S. Paulo
Se a assinatura não ocorrer em janeiro, a paciência estratégica do Mercosul deveria terminar e o grupo deveria informar que as negociações ficam oficialmente encerradas
Depois de 26 anos de negociações, o Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia (UE) com o objetivo de ampliar a cooperação entre os dois mercados regionais em três vertentes (política, cooperação e comércio) estava com a assinatura prevista para sábado passado, dia 20. Pela divisão entre os países da UE que exigiram mais medidas protecionistas contra a exportação de produtos agrícolas, o Mercosul aceitou que a assinatura seja adiada para janeiro.
Embora a Comissão Europeia estivesse disposta
a aprovar o acordo, a França se opôs fortemente à conclusão dos entendimentos e
à assinatura do acordo neste momento. Para impedir a votação pelo Conselho e
pelo Parlamento Europeu, a França conseguiu apoio da Polônia, da Hungria e, na
última hora, da Itália (talvez motivada pelo pedido de caducidade do contrato
da Enel com o governo brasileiro).
O acordo de livre comércio – parte desse
acordo mais amplo – pretende consolidar uma parceria política e econômica e
criar oportunidades para o crescimento sustentável nos dois lados, respeitando
setores econômicos sensíveis, o meio ambiente e preservando os interesses dos
consumidores.
O acordo é composto por capítulos e anexos,
relativos a acesso tarifário ao mercado de bens (compromissos de desgravação
tarifária); regras de origem; medidas sanitárias e fitossanitárias; barreiras
técnicas ao comércio (anexo automotivo); defesa comercial; salvaguardas
bilaterais; defesa da concorrência; facilitação de comércio e cooperação
aduaneira (protocolo de assistência mútua e cláusula antifraude); serviços e
estabelecimento (compromissos em matéria de acesso); compras governamentais
(compromissos em matéria de acesso); propriedade intelectual (indicações
geográficas); integração regional; diálogos; empresas estatais; subsídios;
pequenas e médias empresas; comércio e desenvolvimento sustentável; anexo de
vinhos e destilados; transparência; temas institucionais, legais e horizontais;
e solução de controvérsias. De forma unilateral, a UE decidiu a inclusão de
salvaguarda unilateral impedindo a exportação de produtos do Mercosul que
descumprirem medidas de proteção do meio ambiente, mudança do clima
(observância do Acordo de Paris) e preservação da Floresta Amazônica.
Não resta dúvida sobre a importância do acordo com a UE, terceiro parceiro comercial do grupo e o primeiro em investimentos. As informações divulgadas até aqui dão uma ideia geral do arcabouço e das principais diretivas do acordo de livre comércio entre as duas regiões, mas não permitem ainda uma análise objetiva sobre o resultado das negociações porque não foram divulgadas nem as listas de produtos e seu cronograma de redução das tarifas ao longo de dez anos nem os detalhes relevantes da negociação.
O acordo de livre comércio terminaria um
longo período de mais de 25 anos de isolamento do Mercosul e do Brasil nas
negociações de acordos comerciais. Enquanto o Mercosul assinou cinco acordos
(Egito, Israel, Autoridade Palestina, Singapura e EFTA), segundo a Organização
Mundial do Comércio, foram assinados mais de 250 acordos comerciais no mundo.
Nos últimos anos, como reflexo das grandes transformações globais e da tensão
entre EUA e China, a motivação dos países para a assinatura do acordo foi mais
geopolítica do que comercial, pois oferece uma alternativa a essa polarização
com um mercado de mais de 750 milhões de consumidores.
Do ângulo do Brasil, o acordo coloca grandes
desafios para as empresas industriais. Para aproveitar as preferências tarifárias
recebidas e manter a participação no mercado interno, os produtos industriais
deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber um
tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem que isso
ocorra, será difícil competir no mercado europeu.
No contexto do Mercosul, o momento também é
desafiante pelas ações isoladas da Argentina, ao pedir flexibilização e assinar
um acordo de comércio e investimento com os EUA; e do Uruguai, ao abrir
negociações com a parceria transpacífica.
Além da evidente manobra protecionista,
liderada pela França, não se pode descartar a influência de considerações
geopolíticas, visto que a decisão de não levar adiante o acordo só foi possível
graças ao apoio de países da direita europeia, como a Polônia e a Hungria, e ao
toque final da Itália, cuja presidente é muito próxima de Donald Trump.
Do lado do Brasil, o governo do PT se expôs
duplamente ao anunciar antecipadamente a assinatura do acordo no dia 20 e ao
dizer que não aceitaria o adiamento. Essas declarações voluntaristas forçaram
um recuo e, agora, não deixaram alternativa senão aceitar a incerta postergação
para manter uma posição comum no Mercosul.
Depois de os países do Mercosul terem
aceitado a imposição unilateral de salvaguardas protecionistas e o adiamento
para 12 de janeiro, por carta formal dos europeus, se a assinatura não ocorrer
nessa data, a paciência estratégica dos países do Mercosul deveria terminar e o
grupo deveria informar que as negociações ficam oficialmente encerradas. O
Mercosul deveria dar prioridade à Ásia e juntar-se ao Uruguai na busca de um
acordo com a ex-Trans Pacific Partnership, integrada por 11 países asiáticos,
inclusive o Japão.

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