terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Profeta do pessimismo está um pouco menos pessimista. Por Pedro Cafardo

Valor Econômico

Estimativas de economistas para o cenário do ano foram um pouco mais próximas da realidade

Nos três primeiros anos do governo Lula 3, o Boletim Focus foi um “profeta do pessimismo”. Focus é o relatório publicado semanalmente pelo Banco Central com base em pesquisas sobre as expectativas de instituições financeiras para os principais indicadores macroeconômicos do país.

A pesquisa Focus previa, em dezembro de 2022, um crescimento do PIB de 0,79% em 2023, mas o índice na realidade foi de 3,2%, três vezes maior. Em dezembro de 2023, a previsão para 2024 era de 1,5%, e a expansão atingiu 3,4%, mais que o dobro do previsto. Também houve viés pessimista nos casos de inflação, dólar, superávit comercial, investimentos diretos etc.

É óbvio que os agentes do mercado financeiro não apoiam o governo Lula e preferem ter um presidente menos esquerdista e mais neoliberal. Assim, parece natural que haja menos previsões otimistas - é o tal do “wishful thinking”. Neste ano, porém, as estimativas, embora na maioria pessimistas, foram um pouco mais próximas da realidade (veja o gráfico preparado pelo economista Robinson Moraes, do Valor Data).

Os dados de 2025 ainda não estão fechados, até porque o ano não terminou. Mas, até o terceiro trimestre, o crescimento do PIB em 12 meses estava em 2,7%. A economia claramente desaquece e a expansão anual deve ficar entre 2,2% e 2,4%, mais próxima da previsão feita pela pesquisa Focus no fim do ano passado, de 2,02%. Parece uma diferença pouco expressiva, mas, considerando-se um PIB de uns R$ 12 trilhões, o desvio de 0,4 ponto percentual significa quase R$ 50 bilhões.

A inflação oficial (IPCA) deve ficar um pouco abaixo da prevista, provavelmente dentro do teto da meta, de 4,5%. O desvio mais grave entre as previsões se deu no caso do IGP-M, índice importante porque corrige contratos, inclusive aluguéis. O ano pode fechar com uma pequena deflação nesse indicador, mas a estimativa Focus era de alta de 4,87%, erro talvez proveniente da visão pessimista do mercado para a cotação do dólar, estimada em R$ 6 neste fim de ano, o que não deve se confirmar.

O déficit em conta corrente, de US$ 77,7 bilhões, considerados os 12 meses até novembro, está 55% acima do previsto. O desvio na projeção se justifica porque ninguém poderia prever o tarifaço cavalar de Donald Trump.

Considerados 25 anos de pesquisa, a Focus se mostra predominantemente otimista. Nos últimos três anos, isso mudou: nos nove principais itens pesquisados a cada ano, houve 16 expectativas que se mostraram pessimistas, três realistas e oito otimistas.

O que esperar de 2026? O mercado e os próprios técnicos do governo preveem um desaquecimento gradual da economia, um pouso suave no jargão do economês, mas um PIB crescendo ainda 1,8%. O fato é que a economia tem resistido à política de juros altos - quase o ano todo em torno de 10% acima da inflação.

Espera-se que o Banco Central comece a baixar a taxa básica, hoje em 15% ao ano, dado que a inflação perde força. Fora dos círculos ortodoxos, há a convicção de que será impossível atingir o centro da meta de 3% ao ano, estabelecida no início do terceiro governo Lula. Os economistas Luiz Fernando de Paula e Eduardo Mantoan, em artigo no Valor, sustentaram que essa meta é incompatível com a economia brasileira face à existência de mecanismos formais e informais de indexação e de ciclos de choques cambiais nos preços.

Dados do passado recente confirmam essa afirmação. Desde o período FHC1, em 1995, a média da inflação anual dos quatro anos de governo (três anos no caso de Lula 3) nunca ficou abaixo de 4,6%. Entende-se que a meta será inatingível enquanto permanecerem as indexações de preços, salários, contratos e títulos da dívida pública. Para mudá-la, todavia, será preciso ter coragem. Em meados do ano passado, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a meta é “exigentíssima e inimaginável”, já foi um fuzuê no mercado.

Ambiciosa demais para as condições estruturais do país, a meta tem grande impacto negativo na economia por causa do custo dos juros necessários para tentar alcançá-la. É fato que a economia foi resiliente em 2025, apesar dos juros astronômicos, mas há dúvidas sobre 2026. Cabe lembrar uma recente declaração do professor Alan Taylor, do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra, alertando para o fato de que as expansões costumam ser lentas e cumulativas: sobem de escada. As recessões, porém, se instalam rapidamente: descem de elevador.

Enel, uma recordação

Por falar em profecias, vale mudar de assunto e citar uma declaração dada ao Valor, em 21 de maio de 2018, por Mario Ruiz-Tagle, então presidente da Neoenergia (grupo espanhol Iberdrola). Era a semana decisiva na disputa entre a Enel e a Neoenergia pelo controle da AES Eletropaulo, vencida pela estatal italiana.

Ruiz-Tagle disse o seguinte: “Não é normal um país que defendeu por 200 anos a energia como um setor estratégico, que tem uma estatal do tamanho que tem [Eletrobras] e está discutindo privatizá-la por ineficiência, abrir as portas para que venha qualquer Estado estrangeiro comprar suas companhias. Não é normal. Veja como está ficando o mapa do setor no Brasil, com a Enel e a chinesa State Grid. (...) Estados não têm o mesmo racional econômico que companhias privadas e quem paga por isso é sempre o consumidor, o cidadão".

Feliz Natal e um bom ano de 2026. Sem ciclones tropicais.

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