segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Chantagens que custam bilhões à sociedade, por Bruno Carazza

Valor Econômico

A prática de aprovar pautas-bomba quando o Presidente desagrada o Parlamento não vem de hoje, mas precisa ser eliminada do jogo político brasileiro

Tudo bem o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), preferir seu colega Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para ocupar a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal. Acontece que essa competência cabe ao chefe do Poder Executivo - e Lula optou por Jorge Messias. Faz parte do jogo. O que não dá é, em retaliação, querer impor uma conta bilionária para a sociedade devido à sua insatisfação política.

Em nota oficial divulgada nesse domingo (30), Alcolumbre negou que “divergências entre os Poderes são resolvidas por ajuste de interesse fisiológico, com cargos e emendas”. Para ele, o presidente da República tem a prerrogativa de indicar ministros ao STF, enquanto é tarefa dos senadores aprovar ou rejeitar o nome. Se fosse simplesmente assim, estava resolvida a questão.

Acontece que na semana passada o Senado aprovou, por unanimidade, um projeto que concede aposentadoria especial para agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. De acordo com o PLP nº 185/2024, esses profissionais poderão deixar de trabalhar com 50 anos (se mulheres) e 52 anos (homens), muito mais cedo que os demais trabalhadores brasileiros, que precisam cumprir as idades mínimas de 63 e 65 anos, respectivamente. Além disso, poderão gozar dos benefícios da integralidade e da paridade de reajuste com seus colegas da ativa - vantagens que não existem mais após a reforma da Previdência de 2019.

A conta desse agrado é de R$ 2 bilhões por ano, segundo consultorias - o que representa mais de R$ 100 bilhões para o déficit atuarial da Previdência Social brasileira. Mas a fatura não deve ficar por aí. O Congresso já derrubou diversos vetos presidenciais e tornou ainda mais fácil a vida dos Estados para repassar o ônus da sua irresponsabilidade fiscal para a União. E se a Câmara se unir ao Senado na pirraça, teremos ainda a expansão dos limites dos benefícios fiscais do MEI e do Simples (mais R$ 25 bilhões por ano), a ampliação dos critérios para concessão do Benefício de Prestação Continuada (outros R$ 25 bi anuais) e a possibilidade de pagamento de adicional de insalubridade para professores (R$ 6,5 bi por ano).

A expressão “pauta-bomba” é relativamente nova no nosso léxico político. Pesquisando nos acervos digitais dos principais jornais do país (Valor, Globo, Folha e Estadão) é possível identificar que o termo surge logo após as manifestações de junho de 2013. Para acalmar as multidões nas ruas, a presidente Dilma Rousseff havia proposto a realização de um plebiscito para mudar o sistema político brasileiro. A ideia foi interpretada pelos parlamentares como uma tentativa de empurrar para eles a responsabilidade pela crise e em resposta ameaçaram com a extinção da multa adicional de 10% sobre os depósitos do FGTS em caso de demissão sem justa causa - dispositivo que só veio a cair em 2019.

Mas o uso de chantagens fiscais para sinalizar insatisfação com decisões do governo é antiga. Nos seus Diários da Presidência, Fernando Henrique Cardoso narra diversos episódios em que partidos da sua base (como PMDB e PFL) e mesmo a bancada ruralista (que já começava a se mostrar poderosa naquela época) se colocaram contra dispositivos das reformas da previdência e administrativa, além de medidas saneadoras nas renegociações de dívidas do setor agropecuário.

A grande diferença é que naquele tempo o presidente dispunha da chave do cofre para liberar ou travar os recursos do orçamento para deputados e senadores conforme a sua conveniência política. Assim, para evitar prejuízos de bilhões, o governo cedia alguns milhões para os parlamentares e a crise, na maior parte das vezes, era contornada.

O cenário começa a mudar a partir de outra manobra de extorsão parlamentar. Quando, num momento de debilidade política de Dilma, Eduardo Cunha aprova a mudança constitucional que tornou obrigatória a execução de emendas individuais dos parlamentares ao orçamento, abriu-se a caixa de Pandora. Agora os congressistas emparedam o Executivo sempre que desejam, pois não precisam mais da aprovação do presidente da República para destinar recursos às suas bases. O caso de Alcolumbre não é o primeiro e nem será o último.

O mecanismo de pesos e contrapesos de nosso sistema político tem diversos instrumentos que possibilitam a deputados e senadores impor derrotas “pedagógicas” ao governo, demonstrando sua insatisfação com certas decisões tomadas. Derrubada de medidas provisórias, abertura de CPIs, adiamento de votações importantes e até a rejeição da indicação de autoridades fazem parte do jogo político.

Já a prática em que deputados e senadores aprovam projetos que elevam os gastos apenas para trazer dificuldades para o presidente de plantão deve ser severamente condenada. O problema aqui não é apenas o desrespeito às regras fiscais que proíbem a criação de gastos sem indicar de onde virá o dinheiro.

Ao aprovar bombas fiscais como retaliação, o Congresso impõe um ônus não apenas ao governo atual, mas também aos futuros e, principalmente, à sociedade que pagará a conta.

 

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