Valor Econômico
A prática de aprovar pautas-bomba quando o
Presidente desagrada o Parlamento não vem de hoje, mas precisa ser eliminada do
jogo político brasileiro
Tudo bem o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP),
preferir seu colega Rodrigo
Pacheco (PSD-MG) para ocupar a cadeira de ministro do
Supremo Tribunal Federal. Acontece que essa competência cabe ao chefe do Poder
Executivo - e Lula optou
por Jorge Messias.
Faz parte do jogo. O que não dá é, em retaliação, querer impor uma conta
bilionária para a sociedade devido à sua insatisfação política.
Em nota oficial divulgada nesse domingo (30), Alcolumbre negou que “divergências entre os Poderes são resolvidas por ajuste de interesse fisiológico, com cargos e emendas”. Para ele, o presidente da República tem a prerrogativa de indicar ministros ao STF, enquanto é tarefa dos senadores aprovar ou rejeitar o nome. Se fosse simplesmente assim, estava resolvida a questão.
Acontece que na semana passada o Senado
aprovou, por unanimidade, um projeto que concede aposentadoria especial para
agentes comunitários de saúde e de combate a endemias. De acordo com o PLP nº 185/2024, esses
profissionais poderão deixar de trabalhar com 50 anos (se mulheres) e 52 anos
(homens), muito mais cedo que os demais trabalhadores brasileiros, que precisam
cumprir as idades mínimas de 63 e 65 anos, respectivamente. Além disso, poderão
gozar dos benefícios da integralidade e da paridade de reajuste com seus
colegas da ativa - vantagens que não existem mais após a reforma da Previdência
de 2019.
A conta desse agrado
é de R$ 2 bilhões por ano, segundo consultorias - o que representa mais de R$
100 bilhões para o déficit atuarial da Previdência Social brasileira. Mas a fatura não deve
ficar por aí. O Congresso já derrubou diversos vetos presidenciais e
tornou ainda mais fácil a vida dos Estados para repassar o ônus da sua
irresponsabilidade fiscal para a União. E se a Câmara se unir ao Senado na
pirraça, teremos ainda a expansão dos limites dos benefícios fiscais do MEI e do Simples (mais R$
25 bilhões por ano), a ampliação dos critérios para concessão do Benefício de Prestação Continuada (outros
R$ 25 bi anuais) e a possibilidade de pagamento de adicional de insalubridade para professores (R$
6,5 bi por ano).
A expressão “pauta-bomba” é relativamente nova no nosso léxico
político. Pesquisando nos acervos digitais dos principais jornais do país (Valor, Globo, Folha e Estadão)
é possível identificar que o termo surge logo após as manifestações de junho de
2013. Para acalmar as multidões nas ruas, a presidente Dilma Rousseff havia
proposto a realização de um plebiscito para mudar o sistema político
brasileiro. A ideia foi interpretada pelos parlamentares como uma tentativa de
empurrar para eles a responsabilidade pela crise e em resposta ameaçaram com a
extinção da multa adicional de 10% sobre os depósitos do FGTS em caso de
demissão sem justa causa - dispositivo que só veio a cair em 2019.
Mas o uso de chantagens fiscais para sinalizar
insatisfação com decisões do governo é antiga. Nos seus Diários da
Presidência, Fernando
Henrique Cardoso narra diversos episódios em que partidos
da sua base (como PMDB e PFL) e mesmo a bancada ruralista (que já começava a se
mostrar poderosa naquela época) se colocaram contra dispositivos das reformas
da previdência e administrativa, além de medidas saneadoras nas renegociações
de dívidas do setor agropecuário.
A grande diferença é
que naquele tempo o presidente dispunha da chave do cofre para liberar ou
travar os recursos do orçamento para deputados e senadores conforme a sua
conveniência política. Assim, para evitar prejuízos de bilhões, o governo cedia
alguns milhões para os parlamentares e a crise, na maior parte das vezes, era
contornada.
O cenário começa a mudar a partir de outra
manobra de extorsão parlamentar. Quando, num momento de debilidade política de
Dilma, Eduardo Cunha aprova
a mudança constitucional que tornou obrigatória a execução de emendas
individuais dos parlamentares ao orçamento, abriu-se a caixa de Pandora. Agora os congressistas emparedam o Executivo sempre que
desejam, pois não precisam mais da aprovação do presidente da República para destinar
recursos às suas bases. O caso de Alcolumbre não é o primeiro e nem será o
último.
O mecanismo de pesos e contrapesos de nosso
sistema político tem diversos instrumentos que possibilitam a deputados e
senadores impor derrotas “pedagógicas” ao governo, demonstrando sua
insatisfação com certas decisões tomadas. Derrubada de medidas provisórias,
abertura de CPIs, adiamento de votações importantes e até a rejeição da
indicação de autoridades fazem parte do jogo político.
Já a prática em que deputados e senadores
aprovam projetos que elevam os gastos apenas para trazer dificuldades para o
presidente de plantão deve ser severamente condenada. O problema aqui não é
apenas o desrespeito às regras fiscais que proíbem a criação de gastos sem
indicar de onde virá o dinheiro.
Ao aprovar bombas fiscais como retaliação, o
Congresso impõe um ônus não apenas ao governo atual, mas também aos futuros e,
principalmente, à sociedade que pagará a conta.

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