O Globo
A democracia brasileira não precisa de um
Supremo acuado, tampouco de um Supremo hipertrofiado e blindado a controles
O Supremo Tribunal Federal foi, sem exagero,
uma das colunas que impediram o desabamento institucional do país nos últimos
anos. Quando outros Poderes vacilaram, se omitiram ou flertaram com a ruptura
tentada por Jair Bolsonaro, coube ao STF impor limites, afirmar regras do jogo
e garantir que a democracia sobrevivesse a seu momento mais crítico desde a
redemocratização. Esse papel histórico é inegável — e precisa ser reconhecido.
Justamente por isso, o tribunal não pode se comportar como instância imune a críticas, escrutínio público ou mecanismos mínimos de prestação de contas. A força que o Supremo acumulou, por necessidade e por omissão alheia, cobra agora um preço: quanto maior o protagonismo, maior a obrigação de transparência, autocontenção e exemplaridade. As controvérsias recentes não são detalhes laterais nem ruídos fabricados por inimigos da democracia, como muitos tentam fazer crer.
Quando vem a público a informação, revelada
pela colunista Malu Gaspar, do GLOBO, de que Alexandre de Moraes, justamente um
dos magistrados mais atuantes nos embates que asseguraram a vigência da
democracia, procurou o Banco Central para tratar do caso do Banco Master, e não
há, por parte dele nem da autoridade monetária, uma negativa peremptória, a
gravidade é extrema. Ainda mais quando se leva em conta o fato de o escritório
da mulher do ministro, Viviane Barci de Moraes, manter um contrato milionário
para atuar pelos interesses do enrolado banco de Daniel Vorcaro.
Pouco importa a forma como o assunto foi
introduzido, se em meio a discussões sobre os efeitos da Lei Magnitisky
arbitrariamente aplicada a Moraes e seus familiares ou de forma isolada. Não há
nenhuma circunstância em que Moraes, que não é relator das ações envolvendo o
Master (nem poderia), possa falar a respeito desse caso. Não se trata, aqui, de
presumir ilegalidades nem de aderir à retórica que tenta deslegitimar a vital
atuação do Supremo como um todo. O ponto é mais simples, e mais sério. Em
democracias maduras, a aparência de independência e imparcialidade importa
tanto quanto a independência real.
A confiança pública não se sustenta apenas na
legalidade estrita dos atos, mas também na percepção da maioria da sociedade de
que regras claras valem para todos e são por todos respeitadas, sobretudo por
quem está no topo da hierarquia institucional e tem a prerrogativa
constitucional de impor o cumprimento da lei ao conjunto da população.
Quando decisões que impactam diretamente o
sistema político e econômico são tomadas sem transparência suficiente, quando
relações pessoais dos ministros entram em zonas cinzentas, como o flagrante
absurdo de Dias Toffoli ir assistir a uma partida de futebol noutro país em
avião de advogados de casos em que atua, o tribunal alimenta a desconfiança de
que depois se diz vítima. E, ao fazê-lo, enfraquece exatamente a autoridade
moral que foi decisiva para conter aventuras autoritárias de Bolsonaro et
caterva.
É nesse contexto que a discussão sobre um
código de conduta para ministros do Supremo precisa deixar de ser tabu ou
bandeira isolada do presidente da Corte, Edson Fachin, e se impor como
necessidade imediata. Não como instrumento de retaliação política ou
encolhimento institucional do Judiciário, nem como concessão ao discurso
anti-STF, mas como afirmação de compromisso com padrões republicanos gerais.
Regras claras sobre interlocução com
autoridades, relações com partes interessadas, uso de benefícios privados e
transparência de agendas não diminuem o tribunal. Ao contrário: o protegem. A
democracia brasileira não precisa de um Supremo acuado, tampouco de um Supremo
hipertrofiado e blindado a controles.
O tribunal que teve coragem de enfrentar
ameaças reais à ordem constitucional precisa ter a grandeza de reconhecer que
seu poder extraordinário exige freios ao alcance da cidadania. Defender o STF
é, também, defender que ele seja forte o suficiente para se submeter a regras —
e respeitado o bastante para não precisar se esconder delas ou gritar que é
perseguido a cada vez que é cobrado por isso.

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