quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Código de conduta para o STF é urgente. Por Vera Magalhães

O Globo

A democracia brasileira não precisa de um Supremo acuado, tampouco de um Supremo hipertrofiado e blindado a controles

O Supremo Tribunal Federal foi, sem exagero, uma das colunas que impediram o desabamento institucional do país nos últimos anos. Quando outros Poderes vacilaram, se omitiram ou flertaram com a ruptura tentada por Jair Bolsonaro, coube ao STF impor limites, afirmar regras do jogo e garantir que a democracia sobrevivesse a seu momento mais crítico desde a redemocratização. Esse papel histórico é inegável — e precisa ser reconhecido.

Justamente por isso, o tribunal não pode se comportar como instância imune a críticas, escrutínio público ou mecanismos mínimos de prestação de contas. A força que o Supremo acumulou, por necessidade e por omissão alheia, cobra agora um preço: quanto maior o protagonismo, maior a obrigação de transparência, autocontenção e exemplaridade. As controvérsias recentes não são detalhes laterais nem ruídos fabricados por inimigos da democracia, como muitos tentam fazer crer.

Quando vem a público a informação, revelada pela colunista Malu Gaspar, do GLOBO, de que Alexandre de Moraes, justamente um dos magistrados mais atuantes nos embates que asseguraram a vigência da democracia, procurou o Banco Central para tratar do caso do Banco Master, e não há, por parte dele nem da autoridade monetária, uma negativa peremptória, a gravidade é extrema. Ainda mais quando se leva em conta o fato de o escritório da mulher do ministro, Viviane Barci de Moraes, manter um contrato milionário para atuar pelos interesses do enrolado banco de Daniel Vorcaro.

Pouco importa a forma como o assunto foi introduzido, se em meio a discussões sobre os efeitos da Lei Magnitisky arbitrariamente aplicada a Moraes e seus familiares ou de forma isolada. Não há nenhuma circunstância em que Moraes, que não é relator das ações envolvendo o Master (nem poderia), possa falar a respeito desse caso. Não se trata, aqui, de presumir ilegalidades nem de aderir à retórica que tenta deslegitimar a vital atuação do Supremo como um todo. O ponto é mais simples, e mais sério. Em democracias maduras, a aparência de independência e imparcialidade importa tanto quanto a independência real.

A confiança pública não se sustenta apenas na legalidade estrita dos atos, mas também na percepção da maioria da sociedade de que regras claras valem para todos e são por todos respeitadas, sobretudo por quem está no topo da hierarquia institucional e tem a prerrogativa constitucional de impor o cumprimento da lei ao conjunto da população.

Quando decisões que impactam diretamente o sistema político e econômico são tomadas sem transparência suficiente, quando relações pessoais dos ministros entram em zonas cinzentas, como o flagrante absurdo de Dias Toffoli ir assistir a uma partida de futebol noutro país em avião de advogados de casos em que atua, o tribunal alimenta a desconfiança de que depois se diz vítima. E, ao fazê-lo, enfraquece exatamente a autoridade moral que foi decisiva para conter aventuras autoritárias de Bolsonaro et caterva.

É nesse contexto que a discussão sobre um código de conduta para ministros do Supremo precisa deixar de ser tabu ou bandeira isolada do presidente da Corte, Edson Fachin, e se impor como necessidade imediata. Não como instrumento de retaliação política ou encolhimento institucional do Judiciário, nem como concessão ao discurso anti-STF, mas como afirmação de compromisso com padrões republicanos gerais.

Regras claras sobre interlocução com autoridades, relações com partes interessadas, uso de benefícios privados e transparência de agendas não diminuem o tribunal. Ao contrário: o protegem. A democracia brasileira não precisa de um Supremo acuado, tampouco de um Supremo hipertrofiado e blindado a controles.

O tribunal que teve coragem de enfrentar ameaças reais à ordem constitucional precisa ter a grandeza de reconhecer que seu poder extraordinário exige freios ao alcance da cidadania. Defender o STF é, também, defender que ele seja forte o suficiente para se submeter a regras — e respeitado o bastante para não precisar se esconder delas ou gritar que é perseguido a cada vez que é cobrado por isso.

 

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