O Globo
Convívio preocupa porque aumentam as chances de briga por divergências políticas
As festas de fim de ano se aproximam e, com
elas, a perspectiva de convívio com a família estendida. Para muitos
brasileiros, esse convívio preocupa porque aumentam as chances de briga por
divergências políticas.
Pesquisa recém-lançada pelo Internet Lab e pela Rede Conhecimento Social mostra que metade (50%) dos brasileiros evita falar sobre política nos grupos de família para evitar briga. Segundo pesquisa da Quaest, 17% dos brasileiros relatam ter cortado relações com familiares e amigos devido ao voto nas eleições de 2022. Outra pesquisa, do Datafolha, mostra que 54% relataram ter vivido situação de constrangimento, ameaça física ou verbal em razão de posições políticas — 15% receberam ameaça verbal e 7% ameaça física. Em tempos de polarização, será possível falar de política no almoço de Natal?
Embora nosso primeiro impulso seja preservar
as relações afetivas evitando assuntos controversos, podemos também fazer o
movimento contrário: usar os laços de afeto como ponto de apoio para diminuir
nossa intolerância às posições políticas adversárias. A ideia é simples: quanto
mais convivemos com quem pensa diferente, mais entendemos seus pontos de vista.
Essa tese foi apresentada pela cientista
política Diana Mutz num instigante livro de 2007, “Hearing The Other Side”
(Cambridge University Press). Para Mutz, a exposição a posições divergentes
desenvolve moderação e tolerância política por meio de mecanismos cognitivos e
afetivos.
Quando descobrimos que alguém de quem
gostamos tem visão política oposta, a afeição cria uma abertura que permite
aceitar divergência e aumentar a tolerância. Para manter a harmonia social,
evitamos o desconforto de tomar posições públicas que possam ofender amigos ou
familiares com visões diferentes. Além disso, a exposição a uma visão
divergente permite compreender que ela se baseia em fundamentos racionais e
morais. E, ao entender as múltiplas perspectivas de um tema, desenvolvemos uma
visão menos extremista, mais equilibrada e mais moderada sobre os problemas
públicos, reconhecendo a complexidade das questões em disputa.
Mas, para poder usar nossos laços de afeto
para despolarizar as posições políticas, é preciso estar antes de tudo com o
espírito aberto. Devemos partir do pressuposto de que quem pensa diferente age
de boa-fé.
A polarização política nos empurra à
condenação moral dos adversários. Para os progressistas, pessoas de direita são
insensíveis que não querem dividir seus privilégios, não aceitam que os pobres
passem a andar de avião. Para os conservadores, pessoas de esquerda não são
apenas apoiadoras de políticos corruptos, são elas mesmas corruptas — que
apoiam governos petistas porque recebem dinheiro da Lei Rouanet ou pão com
mortadela para ir a protestos.
É preciso estabelecer como ponto de partida
para o diálogo que a maioria das pessoas de esquerda age de boa-fé, desejando
um país mais justo; e a maioria das pessoas de direita também age de boa-fé,
buscando um país com mais ordem e estabilidade.
No seu livro, Mutz nota que o convívio com o
diferente, embora produza moderação e tolerância, desestimula participação e
engajamento. Inversamente, cientistas políticos como Alan Abramowitz notam que,
apesar dos problemas, a polarização política torna os indivíduos mais engajados
e mais ideologicamente coerentes, o que sempre foi considerado uma virtude
cívica.
Se tudo isso estiver certo, há uma espécie de
jogo de soma zero. De um lado, temos estabilidade e coesão social, mas pouca
participação e interesse na política. Do outro, temos engajamento e coerência
ideológica, mas intolerância e o risco de ruptura democrática. Deve haver,
porém, uma espécie de ponto ótimo em que consigamos conviver, com respeito à
pluralidade, mas sem perder as diferenças políticas que constituem uma
democracia vibrante.
Vivemos hoje numa sociedade polarizada em que
os problemas são o risco de ruptura democrática e o risco de violência
política. Precisamos temperar esse fervor polarizante com um pouco de
compreensão e tolerância. Não há momento mais propício que o Natal com seu
espírito de reconciliação e fraternidade.

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