segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Entrevista | Direita vive atritos sem sinalização de Bolsonaro sobre sucessor

Por Joelmir Tavares / Valor Econômico

Fragmentação em 2026 pode beneficiar Lula, diz cientista política Graziella Testa

Preso na última semana, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) “não está fora do jogo eleitoral”, mas pode ver seu campo político chegar dividido à eleição de 2026, por ter aberto mão de organizar a sucessão política na direita antes de começar a cumprir sua pena, o que pode favorecer o projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A análise é de Graziella Testa, doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Bolsonaro - que foi condenado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a uma pena de 27 anos por tentativa de golpe de Estado e está inelegível até 2060 - deverá ainda ser um cabo eleitoral relevante no próximo ano, na avaliação da especialista, mas é exagerado esperar uma transferência automática de votos do ex-presidente, seja para alguém da família ou não.

Os governadores cotados para a corrida presidencial, como o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tendem a continuar na “tentativa de equilibrar pratinhos”, diz Testa, sobre a postura de evitar um rompimento com o bolsonarismo e acenar ao centro, faixa do eleitorado que ela considera decisiva no resultado.

Apesar dos problemas na oposição, Lula vive uma situação na relação com o Congresso que “sempre tem como ficar pior”, analisa a professora, ao comentar as rusgas com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A proximidade cada vez maior das eleições e o poder anabolizado de partidos do Centrão ajudam a explicar as novas tensões, diz ela.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Qual a sua leitura dos fatos dos últimos dias, com a prisão de Bolsonaro e o vácuo de liderança na direita para as eleições de 2026?

Graziella Testa: O que aconteceu foi uma parte importante de um processo que já vinha acontecendo. Foi até menos brusco do que se poderia imaginar assim que acabou o julgamento no Supremo. Não houve uma grande comoção popular.

Chama atenção que o ex-presidente não tenha organizado sua sucessão. Não é propriamente uma sucessão, porque, evidentemente, ele não tem mandato, mas ele tem um eleitorado muito relevante, para quem o seu apoio impacta na decisão de voto. E não houve nenhum direcionamento de Bolsonaro com relação ao apoio eleitoral.

Mesmo que daqui em diante ele defina esse apoio, mais importante do que saber quem o sujeito apoia na política brasileira é como acontece esse apoio. Já houve muitos apoios eleitorais absolutamente inócuos porque não era suficiente para o eleitor associar um ao outro. O apoio, quando não é efetivo e ostensivo, não tem um impacto. É preciso ter a imagem, a foto, o clima para o eleitor sentir que o apoio é real. E isso não é muito trivial na política brasileira. É difícil esses apoios resultarem em eleição de fato. Com Lula também encarcerado em 2018, Fernando Haddad teve dificuldade de captar o seu espólio político.

Com isso, não estou gerando uma previsão de que o apoio de Bolsonaro não vai importar para 2026. Não acho que Bolsonaro tenha saído do jogo eleitoral. O que estou dizendo é de uma janela de oportunidade que teria sido mais bem aproveitada se essa decisão tivesse sido tomada antes.

A questão agora é entender se a direita vai resolver os seus problemas na prévia ou se vai jogar esses conflitos nas eleições”

Valor: A direita pode abrir mão de Bolsonaro?

Testa: Não pode. Qualquer candidato que esteja na direita não pode denotar que abandonou Bolsonaro. Isso vai pegar muito mal com um eleitorado que tem muita afeição por Bolsonaro, sobretudo neste momento em que ele quer comunicar para o público que está muito frágil.

O equilíbrio delicado do candidato da direita vai ser demonstrar para um determinado eleitorado que é próximo de Bolsonaro e que tem preocupação com o que está acontecendo, ao mesmo tempo que gera um certo descolamento para buscar um eleitorado de centro, que foi decisivo nas últimas eleições, as que elegeram Lula.

Isso já existia antes da prisão de Bolsonaro. Agora fica um pouco mais complicado, porque esse eleitorado fiel a Bolsonaro provavelmente vai ter uma reação um pouco mais visceral àqueles que quiserem se descolar 100% de Bolsonaro.

Não acho que Bolsonaro tenha saído do jogo eleitoral, mas, se ele tivesse feito um movimento mais antecipado com relação ao seu apoio, claramente teria mais chances de ter gerado dividendos políticos disso.

Valor: As questões familiares, como a resistência do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) a apoiar Tarcísio, têm um peso?

Testa: Depende do ponto de vista de quem. Se você está olhando do ponto de vista de alguém que acha que é importante que a direita retome o poder no Brasil, esse conflito é muito negativo.

Claro, se essas pessoas conseguissem resolver os seus problemas internamente, elas têm o potencial de um eleitorado brasileiro que tem muita atenção à direita, seja a ala conservadora, a liberal ou a do antigo PSDB. Agora, do ponto de vista da esquerda, esse conflito na direita é muito bom, porque divide o eleitorado.

A questão agora é entender se a direita vai resolver os seus problemas na prévia ou se vai jogar esses conflitos nas eleições. Se houver uma bifurcação, entre uma eventual chapa que tenha “sangue-puro” Bolsonaro e uma dos partidos do Centrão e de direita relevantes, isso pode, sim, dispersar o eleitorado. E quem ganha com isso seria, neste momento, a esquerda, no nosso sistema eleitoral de dois turnos.

Valor: A senhora concorda com as avaliações de que a polarização entre Lula e Bolsonaro deve permanecer em 2026, com a decisão recaindo sobre a parcela do eleitorado mais ao centro?

Testa: Claro que temos dois polos muito fundamentais hoje, quando falamos de campanha presidencial no Brasil, que são Lula e Bolsonaro. Não há dúvidas a respeito disso.

Mas nós temos também um sistema partidário que está em processo de reorganização e de reestruturação depois da reforma eleitoral de 2017. Nós reduzimos o número de legendas, concentrando recursos e poder nas mãos de alguns presidentes de partido. E quem mais ganhou com essa mudança institucional, porque estava muito disperso e se concentrou, foi o Centrão. Então, é inescapável falar do Centrão, que pode ser bolsonarista de ocasião ou pode ser lulista de ocasião, dependendo do Estado.

O poder está muito concentrado no Centrão, que é relevante e tem impacto eleitoral. E eu falo aqui de um PSD, que teve um número surpreendente de prefeitos eleitos pelo país nas últimas eleições. Falo da federação União Brasil e Progressistas, com o União Brasil pegando o espólio do antigo Democratas, que tinha uma capilaridade nacional importante. Esses polos também são relevantes e impactam o resultado eleitoral. Eles querem contar com o apoio de um grande candidato presidencial, mas eles também fazem voto nos locais. E essa turma está obtendo muita fidelidade eleitoral com as emendas parlamentares.

O peso desse segmento pode beneficiar muito o campo da direita, mas, se ele de alguma forma gerar competição com a família Bolsonaro, isso pode ser muito negativo para a direita.

Não há que se esperar que quem vai resolver a questão do governo com o Congresso seja o presidente da Mesa [Motta]”

Valor: A pauta da anistia, que perdeu tração no Congresso, seria uma espécie de pedágio que os governadores interessados no apoio de Bolsonaro têm que pagar?

Testa: Eles estão numa tentativa de equilibrar pratinhos. A verdade é que a pauta da anistia nunca foi abraçada de coração por nenhuma dessas [figuras], e eu diria que nem todas do próprio PL. É algo que não vai gerar o dividendo eleitoral que eles gostariam. O que gera dividendo eleitoral é falar que defende a anistia, mas que outra pessoa não deixa acontecer.

Quando a gente fala de Romeu Zema ou de Ratinho Junior [governadores de Minas Gerais e do Paraná, respectivamente], vai ser uma tentativa de deixar muito claro a [narrativa de] injustiça com Bolsonaro, a injustiça com a velhinha coitada que foi lá só no domingo passear, e todo aquele discurso que vem no Congresso quando vai se falar de anistia dos participantes, mas, ao mesmo tempo, eles vão ter que deixar claro que estão olhando para outras pautas que são relevantes.

É improvável que o tema eleitoral fundante tenha a ver com o 8 de janeiro ou com alguém preso. O que se encaminha e o que as pesquisas eleitorais mostram é que vai ter uma discussão em torno de política pública de fato. E essa discussão tem um potencial grande de ferir o PT, se ela cair para o lado da segurança pública, por exemplo.

Agora, falta quase um ano para as eleições. Muita coisa pode acontecer, temas mudam muito. Os candidatos de oposição estão atrás de um eleitorado que não está mais tão entusiasmado em relação às pautas bolsonaristas raiz, mas que tem incômodo com o governo atual e em questões de políticas públicas.

Valor: Há conexão entre este momento da direita, com o principal líder em seu pior momento, e as retaliações do Congresso ao governo?

Testa: O principal fator relevante são as eleições se aproximando. Alguns tipos de construção de coalizão, quando se chega perto das eleições, não são mais razoáveis e acabam obrigando uma desvinculação.

Somado a isso, há o processo de ganho de relevância do Legislativo, que não bate no teto nunca. Acho curiosa essa ideia de incômodo do Alcolumbre de não poder indicar um ministro do Supremo. Numa perspectiva histórica, isso seria algo sui generis. De fato, o apoio dele é relevante para o Lula, porque o Senado é relevante para o presidente, em virtude do contexto na Câmara. É uma dependência mútua. Agora, o Alcolumbre também não tem outro lado para fugir. Ali é um casamento malsucedido, mas ninguém vai querer se separar.

Valor: Então não seria factível prever a rejeição do nome de Jorge Messias para ministro do STF?

Testa: Seria uma surpresa muito grande se os dois não conseguissem resolver seus problemas. Lula precisa de Alcolumbre, e Alcolumbre precisa de Lula. Parece-me que vai chegar um momento em que isso vai se equacionar. Nenhum dos dois ganha se desacordar.

Valor: No caso da Câmara, as últimas derrotas do governo e o risco de que outras pautas sejam inviabilizadas criam uma zona de perigo?

Testa: A Câmara é o grande desafio do governo, desde o início. Uma diferença fundamental é que ela é uma Casa mais partidária do que o Senado, o que muda a chave de análise. Senadores são mais donos do próprio mandato. O sistema partidário está organizado e se colocando em contraposição ao presidente. Mais do que isso, os deputados têm as emendas, que os tornam muito menos dependentes do governo no processo de reeleição.

Valor: Como fica a relação especificamente com Motta, que rompeu ao mesmo tempo com os líderes do PT e do PL na Câmara?

Testa: Sempre tem como piorar. O papel do presidente da Mesa é equilibrar as demandas. Esse papel de fazer meio-de-campo com o governo é muito recente. Quem começou isso talvez tenha sido Rodrigo Maia, mas quem encarnou isso bem foi Arthur Lira, com as emendas de relator e a presidência da Mesa ganhando importância política de fato. Só que Motta não tem as emendas de relator, que permitiram a Lira construir e gerir uma coalizão.

Mas não há que se esperar que quem vai resolver a questão do governo com o Congresso seja o presidente da Mesa [Motta]. Quem precisa resolver isso são os líderes dos partidos. Há algo de injusto em se cobrar o Motta, porque ele não tem nem recurso.

O papel do Motta é muito mais parecido com o de um presidente da Mesa nos tempos em que o presidencialismo de coalizão funcionava, digamos assim, mais em velocidade de cruzeiro, do que o papel de um Eduardo Cunha ou de um Arthur Lira.

Valor: Pode crescer a frequência maior daquelas pautas que o Executivo classifica como “bomba”, caso da aprovação da aposentadoria especial para agentes de saúde?

Testa: Pautas-bomba são um truque bem velho no livrinho de tentar quebrar o governo. Só que há um novo elemento agora, que é o Judiciário, que tem sido acionado pelo governo ao fim de processos legislativos em que há criação de despesa sem fonte de recurso. Esse ator novo faz com que essa ameaça de quebrar o país fique menos crível. E que bom que seja assim, porque não era para isso ser uma arma na conversa política. Há outras mais legítimas e democráticas.

Valor: Quanto dessa movimentação de forças do Congresso contra o governo tem a ver com a pressão pela liberação de emendas e as cobranças do ministro Flávio Dino, numa iniciativa que é vista por muitos políticos como uma operação casada entre Executivo e Supremo?

Testa: O apetite pelas emendas nunca acaba. E é claro que esse tema interfere. Não há nenhuma dúvida de que uma fatia relevante do Congresso está passando ao largo de todos os debates sobre uso de recursos para políticas públicas. Para muitos deles, as emendas são vistas numa perspectiva eleitoral, no sentido de que o papel do parlamentar seria trazer dinheiro de Brasília. É muito difícil pensar em como limitar isso, inclusive o montante, sem a participação do Judiciário.

A tendência da emenda individual é um incentivo perverso, porque, com recurso de política pública, são incentivadas competições locais, de quem manda mais verba. Com as emendas impositivas [de pagamento obrigatório], o parlamentar não depende em nada do Executivo.

Valor: A antecipação da eleição, que é um argumento usado pelos governistas para explicar as derrotas no Congresso, é uma realidade?

Testa: Estamos num momento eleitoral muito mais volátil. Diminuiu muito toda aquela previsibilidade que existia: se sabia que o candidato da esquerda seria do PT, que o da direita seria do PSDB e que quem possuía mais tempo de televisão tinha mais chance de ser eleito.

Isso gera desconforto na classe política. A reforma eleitoral de 2017 e o Orçamento impositivo são movimentos da elite política a fim de evitar essa volatilidade e a alta taxa de renovação. Parte desse incômodo pode ser vista nessa distância com que se começa a discutir eleições.

Soma-se a essa volatilidade o fato de que o principal nome da direita não toma uma decisão. Talvez a turma [da direita] estivesse muito menos preocupada se Bolsonaro tivesse dado uma diretriz clara de como vai se posicionar nas próximas eleições. Esse clima de incerteza resulta na antecipação do debate eleitoral.

O movimento de reestruturação do sistema partidário, que reduziu o número de legendas e concentrou poder em torno de menos líderes, também traz um grau de incerteza. Políticos ainda estão se adaptando de forma muito lenta ao fim das coligações nas eleições proporcionais, por exemplo. É muita incerteza eleitoral reunida. Toda eleição é incerta, ninguém tem certeza de nada. Mas existem graus e graus de volatilidade. Estamos num momento de volatilidade incomum desde 2018.

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