sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Ibiaí, por Ivan Alves Filho*

As estrelas, de tão nítidas e próximas, pareciam estar ligadas ao solo por fios invisíveis, como se balões noturnos fossem. Impossível, era praticamente impossível acreditar que aqueles pontos luminosos estivessem simplesmente soltos, flutuando no universo! Onde estavam os fios então? Que mágica seria aquela? Mais: onde se escondiam os moleques travessos soltadores de balões naqueles sertões recuados? Ou tudo não passaria de uma miragem - uma poética e esplendorosa miragem? 

"Uma coisa na cidade se perde: são as estrelas", escreveu certa vez Rachel de Queiroz, uma admiradora do céu do sertão. De um céu tão bonito e iluminado que continuaria assim mesmo sem a lua, mesmo sem a Estrela d'Alva. Até sem o Cruzeiro do Sul.

Esses pensamentos tomaram conta de mim quando me vi diante da beleza do céu de Ibiaí. Li uma vez que Ibiaí tem sua origem mais recuada no antigo povoado da Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São Romão. Pelo visto, guardou o eterno sorriso. Digo logo onde fica Ibiaí: trata-se de cidadezinha aprazível localizada no sertão das Minas Gerais, como que esparramada às margens caudalosas do rio São Francisco. O nosso bom e velho rio Chico, sobre o qual eu fiz um livro, na passagem para o século XXI. Fruto de uma viagem de muitos quilômetros pelos grandes sertões e pequenas veredas do rio, o livro praticamente mudou a minha vida: hoje, não penso em outra coisa a não ser em me embrenhar de vez pelas veredas de Minas Gerais, ouvindo seus rios, seu povo e suas matas.

Navegado por Américo Vespúcio, no longínquo ano de 1501, o velho Chico era conhecido pelo nome de Opará pelos índios que habitavam a região. Hoje, é o velho Chico dos violeiros e dos cantadores. Dos carranqueiros e dos pescadores. Das ceramistas e das bordadeiras. E também o Chico dos mineiros, dos baianos, dos pernambucanos e dos alagoanos. Dos homens e das mulheres. O Velho Chico para lá de brasileiro.

Eu fui parar em Ibiaí quando deixava a cidade de Pirapora, em demanda da casa onde se refugiou, por duas décadas seguidas, o temível capitão Rotílio Manduca, que inspirou o personagem Zé Bebelo, ninguém menos do que o protagonista de o Grande Sertão: Veredas. E pensar que o velho Guimarães Rosa caminhou por debaixo daquele céu estrelado de Ibiaí! O Rosa – eu estou totalmente convencido disso - orvalhou por lá. E espalhou seu perfume por toda aquela bonita região, por seus caminhos e segredos. O Rosa deve ser mais uma dessas estrelas penduradas no céu de Ibiaí. Que digo eu: o Rosa valia por toda uma constelação.

Pequenina tal qual um anel de ouro, Ibiaí é uma jóia do sertão de Minas. A cidadezinha tem histórias tão misteriosas e antigas quanto a luz de suas estrelas. E, como suas estrelas, Ibiaí tem brilho próprio - se não for ainda mais luminosa. 

*Ivan Alves Filho, historiador. 

 

 

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