sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Janja cobra e Lula entra no combate ao feminicídio, por Andrea Jubé

Valor Econômico

Demorou, mas o governo resolveu se posicionar sobre a escalada dos feminicídio no país, diante dos episódios de barbárie dos últimos dias. Em meio a muito discurso e pouca ação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, na terça-feira (2), que a primeira-dama Rosângela da Silva (Janja) fez um apelo para que ele assumisse a responsabilidade de uma “luta mais dura contra a violência do homem contra a mulher”.

Durante evento da Petrobras em Suape (PE), no dia 2, Lula afirmou que estava lançando, naquele momento, um movimento para conscientizar esse país de que “homem não nasceu para bater em mulher”. Prometeu uma campanha diferente para mostrar que o enfrentamento ao feminicídio não é uma luta das mulheres, porque deve ser uma bandeira dos homens. Pediu que quem estivesse com ele, levantasse as mãos. A multidão obedeceu.

“Vamos criar um novo homem, uma nova consciência, um tratamento digno para que nossas companheiras vivam conosco se quiserem, não porque precisam de um prato de comida ou porque têm medo de apanhar do marido”, exortou. Foi uma manifestação veemente e necessária, só que mais um improviso do presidente, e os brasileiros estão fartos de improvisos.

No mesmo ato, Lula relembrou os crimes cruéis contra mulheres dos últimos dias, e bradou que “até a morte é suave” para aqueles assassinos. Questionou qual pena seria adequada. Há exatamente um ano, ele sancionou a lei que agravou a punição para esses casos. A pena mínima passou de 12 para 20 anos, e a máxima, de 30 para 40 anos. “Mais um passo no combate ao feminicídio”, celebrou.

Porém, mesmo com o agravamento das penas, os crimes escalaram. O Ministério da Justiça e Segurança Pública mostrou nesta semana que quatro mulheres são vítimas de feminicídio por dia, e o maior número de casos se deu no ano passado, quando a pena foi agravada. Já o Ministério das Mulheres revelou que ocorreram, em média, 86 mil agressões contra mulheres em 2025, segundo dados do Disque 180.

Foi o desfile de horrores dos últimos dias que obrigou o presidente a se posicionar. Citando alguns:

Rio de Janeiro, 28/11: O funcionário João Antônio Miranda Gonçalves entrou na sala da direção no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet), onde trabalhava, e usando uma pistola Glock, calibre 380, disparou contra a diretora Allane de Souza Pedrotti Matos, de 41 anos, e a psicóloga Layse Costa Pinheiro, de 40, que morreram. Depois, ele tirou a própria vida. Ele não aceitava ser chefiado por mulheres.

São Paulo, 29/11: Taynara Souza Santos, 31 anos, saía de um bar no Parque Novo Mundo, na Zona Norte, quando foi atropelada e arrastada por mais de um quilômetro até a Marginal Tietê, pelo carro dirigido por um homem de 26 anos, com quem havia se relacionado, e que teve uma crise de ciúmes. Ela já passou por três cirurgias, e teve as duas pernas amputadas. Ela tem dois filhos, de 12 e 7 anos.

Recife (PE), 29/11: Um homem ateou fogo na casa onde vivia com a companheira, Isabele Gomes de Macedo, de 40 anos, e seus quatro filhos, uma menina de 7 anos, e três meninos de 4, 3 e 1 ano, na comunidade Icauã, no bairro da Caxangá. Ela estava grávida. Todos morreram. Além disso, 20 das 30 casas da comunidade foram destruídas pelas chamas. O homem sofreu uma tentativa de linchamento, mas foi detido pela polícia e segue custodiado em um presídio da Grande Recife.

São Paulo, 1/12: Um homem descarregou munição de duas pistolas contra Evelin de Souza Saraiva, de 38 anos, na pastelaria onde ela trabalhava, no bairro Jardim Fontalis, Zona Norte. O crime foi registrado por câmeras de segurança. Ela caiu de joelhos, e ouviu do algoz: "Tá achando que eu tô de brincadeira, né?". E fugiu.

Lula citou todos esses casos nos discursos desta semana. Ele sabe que o desafio de, ao menos, conter a escalada da violência é do governante, e do pré-candidato à reeleição, que depende do voto das mulheres para vencer novamente a eleição. O apoio feminino ao Lula 3 já foi mais expressivo, mas está em recuperação. Pesquisa Quaest de 12 de novembro mostrou que entre as mulheres, 51% aprovam a gestão. O pior resultado se deu em maio, quando 42% disseram aprovar o governo.

O voto das mulheres foi determinante para a vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro em 2022. A três dias da eleição, o Datafolha mostrou que 52% das mulheres pretendiam votar no petista, enquanto 41% se inclinavam para o candidato do PL. Os petistas se esquecem, mas a vitória foi apertada. A vantagem de Lula foi mínima: cerca de 2,1 milhões de votos, ou menos de 1%.

Nessa quinta-feira (4), na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o “Conselhão”, a empresária Luiza Helena Trajano, que integra o colegiado, endossou a fala de Lula de que o enfrentamento da violência contra a mulher também deve partir dos homens, e fez um apelo nesse sentido aos colegas empresários. Lula, por sua vez, reforçou o discurso. “Nós homens temos que assumir essa bandeira.” Ao fim, pediu ao colegiado uma proposta para combater com mais resultados e penas mais rigorosas os feminicídios. “Uma proposta dura que não seja do presidente, que seja da sociedade civil”, encomendou. A ver se o governo migra do discurso para a vida real.

 

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