Valor Econômico
Demorou, mas o governo resolveu se posicionar sobre a escalada dos feminicídio no país, diante dos episódios de barbárie dos últimos dias. Em meio a muito discurso e pouca ação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, na terça-feira (2), que a primeira-dama Rosângela da Silva (Janja) fez um apelo para que ele assumisse a responsabilidade de uma “luta mais dura contra a violência do homem contra a mulher”.
Durante evento da Petrobras em Suape (PE), no dia 2, Lula afirmou que estava lançando, naquele momento, um movimento para conscientizar esse país de que “homem não nasceu para bater em mulher”. Prometeu uma campanha diferente para mostrar que o enfrentamento ao feminicídio não é uma luta das mulheres, porque deve ser uma bandeira dos homens. Pediu que quem estivesse com ele, levantasse as mãos. A multidão obedeceu.
“Vamos criar um novo homem, uma nova
consciência, um tratamento digno para que nossas companheiras vivam conosco se
quiserem, não porque precisam de um prato de comida ou porque têm medo de
apanhar do marido”, exortou. Foi uma manifestação veemente e necessária, só que
mais um improviso do presidente, e os brasileiros estão fartos de improvisos.
No mesmo ato, Lula relembrou os crimes cruéis
contra mulheres dos últimos dias, e bradou que “até a morte é suave” para
aqueles assassinos. Questionou qual pena seria adequada. Há exatamente um ano,
ele sancionou a lei que agravou a punição para esses casos. A pena mínima
passou de 12 para 20 anos, e a máxima, de 30 para 40 anos. “Mais um passo no
combate ao feminicídio”, celebrou.
Porém, mesmo com o agravamento das penas, os
crimes escalaram. O Ministério da Justiça e Segurança Pública mostrou nesta
semana que quatro mulheres são vítimas de feminicídio por dia, e o maior número
de casos se deu no ano passado, quando a pena foi agravada. Já o Ministério das
Mulheres revelou que ocorreram, em média, 86 mil agressões contra mulheres em
2025, segundo dados do Disque 180.
Foi o desfile de horrores dos últimos dias
que obrigou o presidente a se posicionar. Citando alguns:
Rio de Janeiro, 28/11: O funcionário João
Antônio Miranda Gonçalves entrou na sala da direção no Centro Federal de
Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet), onde trabalhava, e usando
uma pistola Glock, calibre 380, disparou contra a diretora Allane de Souza
Pedrotti Matos, de 41 anos, e a psicóloga Layse Costa Pinheiro, de 40, que
morreram. Depois, ele tirou a própria vida. Ele não aceitava ser chefiado por
mulheres.
São Paulo, 29/11: Taynara Souza Santos, 31
anos, saía de um bar no Parque Novo Mundo, na Zona Norte, quando foi atropelada
e arrastada por mais de um quilômetro até a Marginal Tietê, pelo carro dirigido
por um homem de 26 anos, com quem havia se relacionado, e que teve uma crise de
ciúmes. Ela já passou por três cirurgias, e teve as duas pernas amputadas. Ela
tem dois filhos, de 12 e 7 anos.
Recife (PE), 29/11: Um homem ateou fogo na
casa onde vivia com a companheira, Isabele Gomes de Macedo, de 40 anos, e seus
quatro filhos, uma menina de 7 anos, e três meninos de 4, 3 e 1 ano, na
comunidade Icauã, no bairro da Caxangá. Ela estava grávida. Todos morreram.
Além disso, 20 das 30 casas da comunidade foram destruídas pelas chamas. O
homem sofreu uma tentativa de linchamento, mas foi detido pela polícia e segue
custodiado em um presídio da Grande Recife.
São Paulo, 1/12: Um homem descarregou munição
de duas pistolas contra Evelin de Souza Saraiva, de 38 anos, na pastelaria onde
ela trabalhava, no bairro Jardim Fontalis, Zona Norte. O crime foi registrado
por câmeras de segurança. Ela caiu de joelhos, e ouviu do algoz: "Tá
achando que eu tô de brincadeira, né?". E fugiu.
Lula citou todos esses casos nos discursos
desta semana. Ele sabe que o desafio de, ao menos, conter a escalada da
violência é do governante, e do pré-candidato à reeleição, que depende do voto
das mulheres para vencer novamente a eleição. O apoio feminino ao Lula 3 já foi
mais expressivo, mas está em recuperação. Pesquisa Quaest de 12 de novembro
mostrou que entre as mulheres, 51% aprovam a gestão. O pior resultado se deu em
maio, quando 42% disseram aprovar o governo.
O voto das mulheres foi determinante para a
vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro em 2022. A três dias da eleição, o
Datafolha mostrou que 52% das mulheres pretendiam votar no petista, enquanto
41% se inclinavam para o candidato do PL. Os petistas se esquecem, mas a vitória
foi apertada. A vantagem de Lula foi mínima: cerca de 2,1 milhões de votos, ou
menos de 1%.
Nessa quinta-feira (4), na reunião do
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o “Conselhão”, a empresária
Luiza Helena Trajano, que integra o colegiado, endossou a fala de Lula de que o
enfrentamento da violência contra a mulher também deve partir dos homens, e fez
um apelo nesse sentido aos colegas empresários. Lula, por sua vez, reforçou o
discurso. “Nós homens temos que assumir essa bandeira.” Ao fim, pediu ao
colegiado uma proposta para combater com mais resultados e penas mais rigorosas
os feminicídios. “Uma proposta dura que não seja do presidente, que seja da
sociedade civil”, encomendou. A ver se o governo migra do discurso para a vida
real.

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