sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Nuclearização da política. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Perda de mandato de Carla Zambelli é inevitável, se não já, em março, por faltas

Deputados aproveitam imprecisão constitucional para antagonizar STF

Lembram de Trump e Kim Jong-un discutindo, em 2018, quem tinha o maior "botão nuclear"? Os dois terminaram amiguinhos, mas o embate entre eles prenunciava o estilo hiperbólico, com toques de 5ª série, que viria a dar o tom da política nos anos 2020.

polêmica não cassação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) se inscreve nessa tendência, facilitada pelo oceano de imprecisões e contradições que povoam nossa Constituição cidadã.

Em maio, quando o STF condenou a parlamentar a dez anos de cadeia, determinou também que ela perdesse o mandato. Não era uma invencionice dos ministros. O artigo 55, inciso VI da Carta é categórico quando estabelece que o deputado ou senador que sofrer condenação penal definitiva perderá o mandato.

Mas o que a Constituição faz no caput, ela desfaz no parágrafo. Os §§ 2 e 3 do art. 55 distinguem condutas e eventos que implicam perda automática de mandato (determinados pela Mesa) dos que requerem votação em plenário, por maioria absoluta e assegurada ampla defesa.

A condenação pela Justiça, num desafio à lógica, foi colocada na segunda categoria e não na primeira. Um deputado pode perfeitamente alegar que não quebrou o decoro do cargo, uma apreciação subjetiva, aberta a interpretações, mas não que não sofreu condenação penal, o que se verifica com uma simples consulta ao Diário de Justiça.

E mesmo isso não deveria ser um problema. O fato de Zambelli estar presa na Itália, como estaria no Brasil, a impede de comparecer a pelo menos um terço das sessões da Câmara, o que também leva à perda do mandato, aí de forma automática.

O espaço possível para dúvida é se ela deveria perder o mandato já ou em março, quando a Câmara contabiliza as faltas. A ambiguidade constitucional, porém, permitiu aos deputados compararem seu botão nuclear com o do STF.

Vivemos um período histriônico, no qual a política não se faz mais buscando consensos, mas na base do grito, delimitando espaços instagramáveis que podem ser exibidos como um troféu para os membros da tribo.

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