O Estado de S. Paulo
Reação estatal encobre a deficiência do
sistema de Segurança Pública e dá a falsa impressão de que o Estado está ativo
na impropriamente chamada ‘luta contra o crime’
É inacreditável, chega às raias da
irracionalidade, a movimentação que o Estado brasileiro faz em face do crime,
em especial aquele que abala a opinião pública. Basta uma retrospectiva para
verificar a exatidão desse fato. Crime ocorrido, reação do Legislativo
imediata, na forma de leis punitivas mais rigorosas. O Executivo as promulga e
o Judiciário as cumpre, por vezes, mesmo que inconstitucionais.
Essa já histórica reação tem por objetivo lançar uma cortina de fumaça sobre o olhar da sociedade. Ela encobre a deficiência do sistema de Segurança Pública e passa a dar a falsa impressão de que o Estado está ativo na impropriamente chamada “luta contra o crime”.
Trata-se de um engodo, de uma mentira, de um
ludibrio. Falsidade das mais flagrantes, que não é desmascarada porque conta
com a cumplicidade de segmentos sociais que aplaudem e estimulam esse embuste.
Em especial a mídia, que fecha os olhos para a ineficácia da repressão tida
como único meio de enfrentamento ao crime.
Ela informa sobre as ações repressivas, mas
não faz nenhuma consideração crítica dos métodos adotados e das suas
consequências para a coletividade. Noticia as mortes de criminosos, de
policiais, de pessoas alheias ao delito, crianças, velhos, vítimas de balas
perdidas, prisões abusivas e outros delitos decorrentes dos abusos de poder. No
entanto, essa mesma mídia não se presta a efetuar a análise dos efeitos dessas
ações, talvez mais danosas do que o próprio crime.
A imprensa está abdicando de um de seus
pilares: o dever de denunciar os erros e as omissões, no caso, dos responsáveis
pela segurança pública.
Nenhuma linha sobre a ineficácia que
representa só prender, invadir moradias de morros, de favelas e de palafitas,
matar. É simples a equação que rege a atuação do Estado: ele enfrenta o crime
com abusiva repressão e nem por isso a criminalidade diminui. Mais prisões,
mais crimes. Esse simples e trágico fato não é denunciado.
Os Executivos de vários Estados se ufanam
dessas ações cruentes de “suas polícias”.
Agora mesmo, estão buscando obter mais
poderes, inclusive diminuindo a atuação da Polícia Federal, que de todas as
corporações é a que tem se mostrado a mais eficiente.
As forças policiais que entram nos locais
onde grassam carências quase absolutas representam Estados que sempre estiveram
ausentes desses bolsões de miséria e deixaram que o próprio crime suprisse suas
omissões. O que o Estado não concedeu ao povo abandonado as organizações
criminosas estão fornecendo. O crime substituindo o Estado em suas obrigações
primárias.
E, agora, repito, a única resposta ao crime
organizado é a matança generalizada, como se viu recentemente no Rio de
Janeiro.
Um exemplo da incúria estatal com reflexos na
segurança pública nós encontramos na criança e no adolescente que estão sendo
requisitados como auxiliares do t r áfi co. Atuam como “aviõezinhos”, que
entregam a droga, ou como “radinhos”, que avisam quando da chegada da polícia.
Para a juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da
Infância e Juventude do Rio de Janeiro, esses jovens encaram as suas funções
como trabalho, e não como crime. É razoável que assim pensem, pois o Estado
nunca lhes deu oportunidades e não desenvolve nenhuma política pública em seu
benefício.
Pode ser perguntado: o que fazer? Muita
coisa: investigar não só dos gabinetes, pela via cômoda da tecnologia, mas nas
ruas, nos antros dos crimes, com infiltração de agentes, campanas (vigilância,
espionagem); utilização da inteligência policial nas suas várias formas;
investigações de todas as circunstâncias envolvidas nos crimes; acompanhamento
das atividades negociais e financeiras dos criminosos; e inúmeras outras
atividades.
Uma das obrigações da Polícia Militar dos
Estados – qual seja, praticar o policiamento ostensivo – não é cumprida. Parece
ser uma realidade que vigora em todos os Estados: as Polícias Militares pouco
vão às ruas. Não fazem a prevenção ao crime. A simples presença física dos
policiais nas ruas inibiria o criminoso. São os furtos de celulares, relógios
e, agora, alianças. Furtos que, desgraçadamente, começam como tal, mas não
poucas vezes terminam em latrocínio.
Parece que a norma constitucional que reza
serem as Polícias Militares “forças auxiliares e reserva do Exército” constitui
a raiz dessa resistência da corporação em ir às ruas. Os contingentes
majoritários permanecem em serviços burocráticos; aquartelados; em órgãos
públicos, dando segurança a agentes do Estado. Mas nas ruas, para evitar o
crime, não estão. Sendo forças auxiliares do Exército, policiar as cidades
parece ser função menor, uma diminuição de sua capacidade de combater tal como
faz o Exército.
Deve-se lamentar que a Constituição de 1988
tenha comparado duas funções distintas. Combater é diferente de proteger. O
combater é guerrear ou intervir nas convulsões sociais. Proteger é dar
tranquilidade ao cidadão no seu cotidiano, por meio da presença do policial nas
ruas.
A pergunta que se impõe é: até quando vamos
permitir que o Estado nos engane e que a criminalidade aumente?

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