sábado, 27 de dezembro de 2025

O País avança, mas tropeça nas sandálias. Por Fabio Gallo

O Estado de S. Paulo

Quando deveríamos discutir educação e produtividade, o ‘pé para virar o ano’ vira questão nacional

Enquanto a Síria é eleita o país do ano, nós ficamos presos à polêmica das sandálias Havaianas. A revista britânica The Economist elegeu o país do Oriente Médio como o que mais evoluiu em 2025, o que mais avançou em termos políticos, sociais e econômicos. A publicação não elegeu o “país mais rico” ou o “mais poderoso”, mas aquele que mais evoluiu com mudanças profundas em várias dimensões da vida nacional.

Nos âmbitos político e social, a queda do regime de Bashar alAssad e o fim de mais de 13 anos de guerra civil foram pontos de inflexão dramáticos na história recente da Síria. Outro aspecto foi o retorno de três milhões de refugiados e a normalização da vida após o fim do conflito e o início da transição política. Com a queda do regime, houve afrouxamento de sanções ocidentais, o que permitiu sinais de recuperação econômica – mesmo que ainda frágil.

O artigo também menciona a Argentina como um dos países que mais avançaram em 2025 por razões econômicas – com inflação em forte queda, redução da pobreza e reformas difíceis de implementar.

Caso aplicássemos o mesmo racional da revista, como seria descrita a evolução do Brasil em 2025? O País mostrou resiliência institucional, afinal mantivemos a democracia estável, instituições funcionando, a despeito dos arranhões do Supremo Tribunal Federal (STF) com alguns de seus ministros entrando em terreno para lá de pantanoso. Além disso, avançamos na reforma tributária e na transição energética.

O Brasil permanece uma democracia tumultuada, mas resiliente – e isso, em 2025, não foi trivial. Tivemos melhorias social e econômica moderadas, com inflação mais baixa, mercado de trabalho forte, investimentos na economia verde, mas ainda lidamos de forma temerária com a questão fiscal.

ACOP 30 ea busca de cooperação crescente com a UE e a China mostram um país que está aprendendo a usar seu peso – e suas florestas – como instrumentos de diplomacia. Mas que, paradoxalmente, continua emocionalmente instável, marcado pela desconfiança estrutural, pela insegurança, pela crônica desigualdade e por um debate público inflamável.

Nenhum exemplo ilustra melhor essa contradição do que a polêmica das Havaianas. Uma campanha publicitária espirituosa protagonizada por Fernanda Torres desencadeou uma tempestade ideológica. Num país que aspira maior protagonismo global, a interpretação de um gesto metafórico virou debate nacional. A controvérsia, pequena, revela falha maior: a incapacidade de construir consenso mesmo em torno de expressões culturais simples.

O Brasil melhora – mas segue brigando com o próprio reflexo. Enquanto precisamos discutir produtividade, educação e crescimento, o pé que se usa para começar o ano vira questão nacional.

 

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