O Estado de S. Paulo
Quando deveríamos discutir educação e produtividade, o ‘pé para virar o ano’ vira questão nacional
Enquanto a Síria é eleita o país do ano, nós ficamos presos à polêmica das sandálias Havaianas. A revista britânica The Economist elegeu o país do Oriente Médio como o que mais evoluiu em 2025, o que mais avançou em termos políticos, sociais e econômicos. A publicação não elegeu o “país mais rico” ou o “mais poderoso”, mas aquele que mais evoluiu com mudanças profundas em várias dimensões da vida nacional.
Nos âmbitos político e social, a queda do
regime de Bashar alAssad e o fim de mais de 13 anos de guerra civil foram
pontos de inflexão dramáticos na história recente da Síria. Outro aspecto foi o
retorno de três milhões de refugiados e a normalização da vida após o fim do
conflito e o início da transição política. Com a queda do regime, houve
afrouxamento de sanções ocidentais, o que permitiu sinais de recuperação
econômica – mesmo que ainda frágil.
O artigo também menciona a Argentina como um
dos países que mais avançaram em 2025 por razões econômicas – com inflação em
forte queda, redução da pobreza e reformas difíceis de implementar.
Caso aplicássemos o mesmo racional da revista, como seria descrita a evolução do Brasil em 2025? O País mostrou resiliência institucional, afinal mantivemos a democracia estável, instituições funcionando, a despeito dos arranhões do Supremo Tribunal Federal (STF) com alguns de seus ministros entrando em terreno para lá de pantanoso. Além disso, avançamos na reforma tributária e na transição energética.
O Brasil permanece uma democracia tumultuada,
mas resiliente – e isso, em 2025, não foi trivial. Tivemos melhorias social e
econômica moderadas, com inflação mais baixa, mercado de trabalho forte, investimentos
na economia verde, mas ainda lidamos de forma temerária com a questão fiscal.
ACOP 30 ea busca de cooperação crescente com
a UE e a China mostram um país que está aprendendo a usar seu peso – e suas
florestas – como instrumentos de diplomacia. Mas que, paradoxalmente, continua
emocionalmente instável, marcado pela desconfiança estrutural, pela
insegurança, pela crônica desigualdade e por um debate público inflamável.
Nenhum exemplo ilustra melhor essa
contradição do que a polêmica das Havaianas. Uma campanha publicitária
espirituosa protagonizada por Fernanda Torres desencadeou uma tempestade
ideológica. Num país que aspira maior protagonismo global, a interpretação de
um gesto metafórico virou debate nacional. A controvérsia, pequena, revela falha
maior: a incapacidade de construir consenso mesmo em torno de expressões
culturais simples.
O Brasil melhora – mas segue brigando com o
próprio reflexo. Enquanto precisamos discutir produtividade, educação e
crescimento, o pé que se usa para começar o ano vira questão nacional.

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