sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Inexiste solução simples para a inoperância da Enel

Por Folha de S. Paulo

Caducidade envolve processo intricado e de duração incerta; venda é opção, mas contrato já vence em 2028

Repetem-se problemas de anos anteriores, que deixaram sequelas irreparáveis na relação da concessionária com poder público e consumidores

Depois de mais uma demonstração de inoperância da Enel, incapaz de restaurar de forma tempestiva o acesso à energia de milhares de residências após o vendaval que atingiu a região metropolitana de São Paulo, criou-se um raro alinhamento entre prefeitura, governo estadual e Ministério de Minas e Energia para cobrar a caducidade da concessão.

O ciclone extratropical do último dia 10 deixou mais de 2,2 milhões de imóveis sem energia, e após mais de uma semana muitos assim permaneciam. Repetem-se problemas exasperantes de anos anteriores, que deixaram sequelas possivelmente irreparáveis na relação da concessionária com o poder público e, sobretudo, com os usuários paulistanos.

A caducidade é a medida mais extrema entre as previstas no contrato e exige prova de inépcia operacional e financeira. É isso que precisa ser estabelecido tecnicamente, dadas as dificuldades do processo —e há o risco de que ações movidas por pressões políticas oportunistas não eliminem os transtornos.

A duração de um processo do gênero é incerta. Como o contrato da Enel vence em 2028, dificilmente será encontrado um novo operador sem que também se contemple uma renovação antecipada da concessão, algo que já vem ocorrendo em outros casos.

A interrupção antes do vencimento também geraria necessidade de indenização por parte do poder público. É fato, de todo modo, que nenhuma medida menos gravosa, como numerosas multas, surtiram efeito até agora. Foram R$ 606 milhões aplicados nos últimos cinco anos pela Aneel, agência reguladora do setor, em três estados, sendo R$ 374 milhões em São Paulo.

Tecnicamente, os contratos impõem indicadores como DEC (duração de interrupção) e FEC (frequência), limitando tempo e proporção de usuários sem energia.

No entanto os termos excluem responsabilidade por eventos climáticos extremos, como vendavais. Esses fenômenos, cada vez mais frequentes devido ao aquecimento global, foram a causa principal dos apagões recentes.

No ano passado, a empresa assinou um termo de ajuste de conduta (TAC) prevendo investimentos, ampliação de equipes, podas preventivas e modernização da rede. A empresa alega cumprimento, com melhorias em indicadores e fiscalizações mensais, mas prefeitura e governo estadual apontam inobservância parcial em metas de contingência e atendimento emergencial.

O assunto é complexo e deve ser tratado com cautela. Uma solução pode passar por transferência acionária, viável em contexto de renovação da concessão para além de 2028, preservando investimentos e evitando vácuo operacional. A caducidade também pode ser uma opção, mas não é imediata e pode gerar instabilidade.

Diante de eventos climáticos extremos mais numerosos, ademais, urge em qualquer caso incluir nos contratos salvaguardas e aportes preventivos.

Trump chega à beira da guerra para derrubar Maduro

Por Folha de S. Paulo

Declaração de que Venezuela é ente terrorista e bloqueio duvidoso a petroleiros são antessala de conflito

Ditadura de Maduro é execrável, mas uma derrubada à força pode reabrir capítulos sombrios do domínio americano na região

A crise causada pela pressão de Donald Trump para derrubar o ditador da VenezuelaNicolás Maduro, chegou a um paroxismo. Na quarta (16), os Estados Unidos declararam o país caribenho um ente terrorista —o que na prática significa liberdade para atacá-lo— e ordenaram bloqueio naval a petroleiros que já estavam proibidos de transportar o produto venezuelano desde 2019.

Pela Carta das Nações Unidas, porém, bloqueios só podem ocorrer em caso de determinação do Conselho de Segurança ou de guerra, hipótese na qual deve-se respeitar uma série de salvaguardas. O truque de Trump foi alegar que só visaria os cerca de 30 petroleiros sancionados.

O fato é que o republicano montou a maior força aeronaval já vista no Caribe, e o mais próximo que chegou de uma declaração de guerra foi a qualificação de terrorista dada ao regime —o próprio Maduro é procurado por isso nos EUA desde 2020.

A fragilidade legal de tal acusação e dos ataques pontuais a barcos de traficantes causa protesto no cenário doméstico americano, mas importa pouco na prática. Resta saber se o cerco forçará o ditador a abandonar o poder ou se estimulará, com a coerção a 80% da fonte dos parcos recursos fiscais da Venezuela, a elite fardada do país a convidá-lo a sair.

O escopo maior da crise já se insinua. Na semana passada, os EUA apreenderam um navio com óleo venezuelano rumo a Cuba, abrindo uma nova frente: Havana depende do produto de Caracas.

Com o bloqueio, a ilha pode ser o palco de novas manifestações contra a miséria energética. Isso pode levar a mais pressão sobre Maduro, dado que a ditadura cubana tem forte influência na Venezuela, onde dá as cartas nos serviços de segurança.

Dada a resiliência do caudilho, talvez reste só a guerra, o que seria desastroso. Além da tragédia em si, Brasil e vizinhos teriam de lidar com milhares de refugiados e uma realidade geopolítica para a qual não estão preparados.

A nova Estratégia de Segurança Nacional americana defende o domínio hemisférico. Maduro e sua cleptocracia são execráveis, mas uma derrubada à força pode reabrir capítulos sombrios do intervencionismo —Trump já mira a Colômbia, com falhas de governança, mas democrática.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca um tom de moderação, cioso do capital político que a aproximação com Trump lhe conferiu ante o bolsonarismo. Ao fim, não terá muito mais a fazer do que protestar se a marcha insensata dos EUA não esposar alguma autocontenção.

O nome do pai

Por O Estado de S. Paulo

O sobrenome que impulsiona o senador Flávio Bolsonaro nas pesquisas para presidente é o mesmo que lhe transfere rejeição elevada, prejudica a direita democrática e facilita a vida de Lula

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pode até ter se animado com o principal dado da mais recente pesquisa Genial/Quaest. Ungido candidato pelo pai, ele surge em segundo lugar nos cenários de primeiro turno, à frente dos demais candidatos da direita. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva varia entre 41% e 34%, o filho “zero um” do ex-presidente Jair Bolsonaro aparece entre 27% e 21%, superando os governadores Ratinho Junior (PSD-PR), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO). No segundo turno, seus números também superam os do governador de São Paulo.

A euforia bolsonarista, porém, logo esbarra em outro dado decisivo da pesquisa: o altíssimo índice de rejeição do senador. Entre os eleitores independentes – grupo que representa 32% do eleitorado e que será crucial em 2026 –, 69% afirmam que não votariam em Flávio Bolsonaro, porcentual superior ao registrado por Jair Bolsonaro (68%) e pelo próprio Lula (64%). No eleitorado geral, 62% dizem que não votariam nele “de jeito nenhum”. Trata-se de um teto baixo demais para quem aspira a disputar o Palácio do Planalto.

Tais números ganham ainda mais relevância quando se observa que Flávio Bolsonaro é desconhecido por uma parcela expressiva do eleitorado. Entre os independentes, por exemplo, 17% afirmam não saber quem ele é. A ciência política ensina que candidatos pouco conhecidos tendem, em fases iniciais, a exibir baixos índices de rejeição, justamente porque a maioria do eleitorado ainda não formou juízo a seu respeito. A rejeição pressupõe informação, experiência ou associação simbólica negativa. Quando ela surge antes mesmo da campanha, normalmente não se dirige ao indivíduo, mas ao que ele representa.

É aí que reside o dilema do senador. Flávio Bolsonaro não é votado por ser quem ele é, mas por ser filho de quem é. Não tem trajetória executiva relevante, não liderou reformas de peso no Senado nem construiu uma identidade política própria. Em condições normais, um candidato com esse perfil despertaria pouco sentimento – nem entusiasmo nem rejeição. Mas Flávio não concorre como indivíduo. Ele concorre como herdeiro. O sobrenome Bolsonaro opera, simultaneamente, como ativo e como passivo.

De um lado, garante recall imediato e transfere parte do capital eleitoral do ex-presidente. Para uma parcela do eleitorado conservador, Flávio é visto como o nome indicado pelo patriarca para representar a família na cédula. Isso explica por que larga à frente de outros candidatos da direita: não por mérito próprio, mas por delegação simbólica. De outro lado, o mesmo sobrenome impõe um fardo difícil de contornar. Qualquer Bolsonaro numa disputa presidencial carrega uma rejeição estrutural elevada. Embora atribuída a Flávio, ela recai, na prática, sobre o legado de Jair. O eleitor rejeita o que o nome passou a significar: ruptura institucional, desprezo pelas regras democráticas, flertes golpistas reiterados e ataques às instituições da República.

O senador tenta se apresentar como um “Bolsonaro moderado”. Já tentou mostrar que não xinga adversários, não adota linguagem radical e não se comporta como o pai. O esforço é compreensível, mas inócuo. O sobrenome Bolsonaro não é neutro. Carrega um significado político consolidado, associado ao golpismo que levou Jair Bolsonaro à condição de preso e inelegível. Esse estigma não se dissipa com gestos retóricos.

Tudo isso ajuda a explicar por que a presença de Flávio Bolsonaro tende a embaralhar, e não a fortalecer, a direita brasileira. As pesquisas indicam que, carregando esse sobrenome, ele se torna um candidato com enorme dificuldade de vencer um segundo turno, mesmo diante da perspectiva de um eventual Lula 4, cenário certamente desastroso para o País.

A insistência em manter o bolsonarismo como eixo central da direita funciona, assim, como um obstáculo à reorganização de um campo político que poderia oferecer ao eleitorado uma alternativa democrática, republicana e institucionalmente responsável. A direita que aceita o jogo democrático e propõe governar – e não destruir – sai enfraquecida sempre que o debate é sequestrado pelo peso do sobrenome Bolsonaro.

A reforma administrativa patina

Por O Estado de S. Paulo

Mais da metade dos deputados federais não respondeu se apoia ou não a reforma administrativa, o que diz muito sobre as reais chances de aprovação de uma proposta como essa na Câmara

No início deste mês, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse ao Estadão que pretendia submeter a reforma administrativa diretamente ao plenário, sem passar pelas comissões, para acelerar seu andamento na Casa. A proposta foi protocolada no fim de outubro, mas ainda não começou a tramitar. Destravá-la, no entanto, depende apenas de um despacho do próprio Motta, que considera a reforma uma das prioridades de seu mandato.

Quem não está familiarizado com os ritos do Legislativo provavelmente enxergará alguma incoerência entre a fala e as ações do presidente da Câmara, mas uma reportagem publicada pelo Estadão na semana passada ajuda a explicar a razão desse aparente contrassenso. Entre os deputados federais, somente 78, ou 15,2% do total, se declararam abertamente favoráveis à reforma, enquanto 134, ou 26,1%, disseram ser contrários à proposta.

Todos os 513 deputados foram consultados ao longo do mês passado, por telefone, e-mail, assessoria de imprensa e também presencialmente no Congresso e em eventos públicos. A despeito disso, mais da metade deles não quis responder ou não deu retorno à reportagem, o que diz muito sobre as reais chances de aprovação da reforma.

Por ser uma proposta de emenda à Constituição (PEC), ela precisa de maioria qualificada para ser aprovada – ou 308 votos. Se o texto começasse a tramitar sem que mais apoios estivessem garantidos, sessões esvaziadas deixariam ainda mais clara a falta de interesse dos parlamentares para tratar do assunto neste momento, uma desmoralização para Motta perante seus pares e a sociedade.

Faltando menos de um ano para as próximas eleições, nenhum parlamentar, a não ser os que se identificam com o campo político da direita, vai arriscar a chance de perder algum voto por apoiar um tema tão espinhoso e impopular. A pressão de associações de servidores públicos também tem produzido efeitos. Ao menos 30 deputados que haviam manifestado apoio à PEC pediram para que suas assinaturas fossem retiradas da proposta.

Impor limites aos supersalários é um pouco mais palatável aos deputados, mas tampouco há apoio suficiente para aprovar apenas essa medida. Entre os 513 deputados, 217 disseram ao Estadão ser a favor da extinção das remunerações que superem o teto remuneratório do funcionalismo público, que corresponde a R$ 46.366,19, salário pago a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Mas mesmo entre os deputados do PT esse apoio não é unânime. Embora integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva se digam favoráveis ao fim dos supersalários, nenhum ministro declarou apoio formal ao texto da Câmara, apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). É puro cálculo político, pois, afinal, o governo, no fundo, nunca quis uma reforma administrativa – nem ampla nem modesta – e vê nos servidores públicos e funcionários de estatais um relevante ativo eleitoral.

De certa forma, seria até hipocrisia se o Executivo se colocasse contra os penduricalhos que engordam os salários do Judiciário e do Ministério Público. Afinal, a profusão de pretensas verbas indenizatórias tem sido uma verdadeira inspiração para as carreiras do topo do funcionalismo público do Executivo, como os auditores da Receita Federal e os membros da Advocacia-Geral da União (AGU).

Esses privilégios alcançam poucos, mas contribuem para manchar a imagem da maioria dos servidores junto à população. Apenas 1,34% dos funcionários públicos ativos e inativos recebe mais que o teto, de acordo com estudo conduzido pelo Movimento Pessoas à Frente e pela República.org.

São apenas 53,5 mil pessoas em um universo de mais de 4 milhões, mas, juntos, eles consumiram nada menos que R$ 20 bilhões entre agosto de 2024 e julho deste ano. Não por acaso, eles integram carreiras que estão entre as mais bem articuladas e com maior poder de influência em Brasília, inclusive no Congresso.

Na melhor das hipóteses, a reforma administrativa ficará para 2027; na pior, ficará para depois. Até lá, o Estado brasileiro continuará a ser uma máquina de reprodução de desigualdades, mazela que não parece comover nem os deputados nem o governo Lula.

A Argentina e o câmbio livre

Por O Estado de S. Paulo

Revigorado, Milei anuncia novas regras cambiais e mira na acumulação de reservas

O Banco Central da Argentina anunciou que, a partir de 1.º de janeiro de 2026, o piso e o teto da banda cambial que vigora no país serão ajustados de acordo com a inflação registrada no mês anterior (em novembro, a variação foi de 2,5%), em vez de serem corrigidos por uma taxa fixa de 1% ao mês, como ocorre atualmente.

Trata-se de mais um passo rumo à livre flutuação da moeda, defendida entusiasticamente por Javier Milei quando ainda era candidato presidencial.

Ao longo de 2025, porém, o presidente Milei resistiu a deixar o peso flutuar, temeroso de repiques inflacionários que pudessem prejudicar o desempenho de seu partido, o A Liberdade Avança (LLA, na sigla em espanhol), nas cruciais eleições legislativas de outubro.

Mesmo cercado por controvérsias e escândalos (entre os quais um esquema de corrupção que respingou em sua irmã e principal assessora, Karina Milei), o libertário conseguiu ampliar a representação do LLA no Congresso, tendo como cabos eleitorais o trauma dos argentinos com os anos de incúria dos governos peronistas, além de uma providencial intervenção do presidente dos EUA, Donald Trump.

Aparentemente, os maus momentos de Milei durante este ano ficaram para trás. O libertário ultrapassa a primeira metade de seu mandato com mais apoio na Câmara e no Senado, o que é fundamental para a aprovação de reformas estruturantes, e pode agora adotar medidas como uma maior flexibilidade cambial.

Economistas diversos e o Fundo Monetário Internacional (FMI), de quem a Argentina é uma espécie de cliente crônico, entendem que a desvalorização do peso é essencial para que a economia do país volte a ser competitiva e acumular reservas em dólares.

Ao contrário do Brasil, que tem um confortável colchão cambial, a Argentina sofre com a escassez da divisa norte-americana e acostumou-se nos últimos anos a se endividar ainda mais para pagar dívidas antigas, inclusive com o FMI.

Por isso, além das regras mais frouxas para o câmbio, o banco central do país também anunciou que pretende acumular reservas internacionais ao longo do ano que vem. A meta é comprar US$ 10 bilhões, valor que pode ser revisto a depender do apetite do mercado.

Até agora, a reação dos investidores aos anúncios foi positiva. O risco-país argentino recuou, e os títulos da dívida externa se valorizaram. O mercado sabe que as medidas vão na direção correta, e que Milei já logrou feitos excepcionais, como a derrubada da inflação.

Em se tratando de Argentina, porém, é preciso sempre ter cautela com o otimismo. Embora bem distante do patamar de três dígitos, a inflação segue alta para padrões globais (acima de 30% ao ano em novembro). O país também não cumpriu com todas as metas acordadas com o FMI em 2025 – e pode descumpri-las mais uma vez no ano que vem. Isso sem contar que o estilo beligerante de Milei sempre pode resultar em crises evitáveis com outras lideranças políticas.

Ainda assim, o libertário sobreviveu ao pior de 2025 e, por ora, busca encaminhar transformações necessárias para a Argentina no ano que vem. A conferir.

Crise climática: desafio exige ação coletiva

Por Correio Braziliense

Diante de estatísticas que traduzem vidas perdidas em decorrência de tragédias causadas por chuvas, famílias deslocadas e prejuízos bilionários, cabe à sociedade exigir respostas

À medida que avançamos na atual temporada de chuvas, torna-se impossível ignorar o ciclo dos extremos climáticos que passaram a fazer parte da realidade do Brasil e do resto do mundo. Entre volumes pluviométricos excepcionalmente elevados e ameaça constante de deslizamentos, enchentes e alagamentos, cidadãos, gestores públicos e a sociedade civil enfrentam desafios que vão muito além das previsões meteorológicas.

Entre 2020 e 2023, o país registrou 7.539 desastres climáticos causados por chuvas, um aumento de mais de 220% em relação aos anos 1990. Quase 83% dos municípios brasileiros enfrentaram ao menos um episódio de desastre relacionado à chuva nos últimos quatro anos — um salto considerável frente à realidade de 27% na década de 1990. Os dados são de estudo da série Brasil em transformação, elaborada pelo Programa Maré de Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da Fundação Grupo Boticário.

O levantamento usou dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional. Mostrou, ainda, que, no ano passado, os temporais foram responsáveis por 251 mortes em todo o país, com grande parte desses óbitos ocorrendo no Rio Grande do Sul, que enfrentou uma das maiores catástrofes naturais de sua história. As enchentes devastadoras afetaram 478 das 497 cidades do estado, causando alagamentos, inundações e deslizamentos de terra.

Quase 1 milhão de pessoas em todo o país ficaram desabrigadas ou desalojadas só naquele ano. Somando as últimas décadas, mais de 8,7 milhões de brasileiros foram deslocados por desastres climáticos associados à chuva, o que representa 94% de todos os casos de deslocamento por desastres no país, segundo o levantamento da Unifesp.

Os prejuízos financeiros também são astronômicos. Entre 1995 e 2023, desastres climáticos relacionados às chuvas somaram mais de R$ 146,7 bilhões em prejuízos, incluindo infraestrutura, agricultura e perdas privadas. No caso específico do Rio Grande do Sul em 2024, os danos foram estimados em R$ 88,9 bilhões.

Os números deixam claro que a questão não é apenas meteorológica, mas estrutural. A recorrência de eventos extremos demanda investimentos robustos em sistemas de alerta precoce, capazes de avisar com antecedência populações vulneráveis; infraestrutura de drenagem urbana e manejo de bacias hidrográficas; planejamento territorial e normas que restrinjam ocupações em áreas de risco; e educação pública contínua sobre como agir antes, durante e após episódios de chuva intensa.

É imperativo que políticas de mitigação das mudanças climáticas — responsáveis pelo agravamento desses eventos — sejam integradas ao planejamento federal, estadual e municipal. Diante de estatísticas que traduzem vidas perdidas, famílias deslocadas e prejuízos bilionários, cabe à sociedade exigir respostas: planejamento estratégico, adaptação resiliente e uma agenda climática que proteja vidas e bens.

Apuração de fraude no INSS não deve poupar ninguém

Por O Globo

PF prendeu número 2 da Previdência e apontou elos do pivô do esquema com senador e com filho de Lula

Em mais uma fase da Operação Sem Desconto, que investiga as fraudes bilionárias na folha de aposentados e pensionistas do INSS, a PF prendeu o secretário executivo do Ministério da Previdência, Adroaldo da Cunha Portal, número 2 da pasta. Depois de decretada sua prisão domiciliar, Adroaldo foi demitido do cargo pelo ministro da Previdência, Wolney Queiroz. Surpreende que ainda tenha permanecido por oito meses após o escândalo vir à tona, mesmo citado em fases anteriores. A apuração do esquema fraudulento que lesou os aposentados precisa ser profunda e abrangente.

Um dos alvos da operação foi o senador Weverton Rocha (PDT-MA), vice-líder do governo no Senado. A PF chegou a pedir a prisão dele, alegando que se beneficiava do esquema como sócio oculto, mas o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, negou.

Em maio, O GLOBO mostrou as relações estreitas entre Rocha e o empresário Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, apontado pelas investigações como figura central do esquema. Na época, Rocha disse ter conhecido Antunes num churrasco em sua casa, a que ele compareceu levado por um convidado. De acordo com Rocha, Antunes foi recebido em seu gabinete ao menos três vezes para tratar da legalização da importação de produtos à base de Cannabis para fins medicinais.

A investigação também levantou suspeita de vínculo entre Antunes e Fábio Luís Lula da Silva, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há mensagens trocadas por Antunes com uma amiga do filho de Lula relativas a um repasse de R$ 300 mil destinados a alguém chamado de “filho do rapaz”, que a PF não identifica em seu relatório. “Ninguém ficará livre. Se tiver filho meu envolvido nisso, ele será investigado”, afirmou Lula. Durante a operação da PF foram presos ainda Romeu Carvalho Antunes, filho de Antunes, e o advogado Eric Fidelis, filho do ex-diretor do INSS André Fidelis.

O escândalo dos descontos indevidos veio à tona em abril. O episódio levou à queda do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto (preso em novembro), e do então ministro da Previdência, Carlos Lupi. Há muito chamava a atenção a arrecadação crescente de sindicatos e entidades representativas com descontos em folha dos aposentados. Ao mesmo tempo, cresciam reclamações de segurados que alegavam não tê-los autorizado. O INSS desprezou os sinais e alertas de que havia algo de errado.

Descobriu-se nas apurações que a maior parte dos descontos não havia sido autorizada. As entidades forjavam documentos, e o INSS aceitava. O esquema operava desde 2019, mas cresceu no atual governo, quando a arrecadação dos sindicatos disparou. Em meio ao desgaste provocado à imagem de Lula, o governo decidiu ressarcir os aposentados. Até agora, pagou R$ 2,74 bilhões a 3,9 milhões de lesados.

O ressarcimento repara uma injustiça, mas não encerra a questão. É fundamental detalhar as fraudes, identificar as entidades representativas que forjaram documentos, entender as falhas que lhes permitiram funcionar por anos, investigar se houve cumplicidade de agentes públicos, de modo que os responsáveis possam ir a julgamento. Punir exemplarmente os integrantes desse vergonhoso esquema fraudulento, sejam quem forem, é a melhor maneira de desencorajar novas fraudes.

Ambição de Trump ao petróleo da Venezuela traz risco a todo o continente

Por O Globo

Depois da declaração do presidente americano, ninguém pode se enganar sobre suas intenções

Donald Trump tornou explícito seu interesse pelas reservas de petróleo venezuelanas. “A Venezuela está completamente cercada pela maior armada já mobilizada na história da América do Sul. Ela apenas aumentará, e o choque para eles será algo jamais visto — até eles retornarem aos Estados Unidos todo o petróleo, terra e outros bens que anteriormente foram roubados da gente”, afirmou. A declaração marca uma reviravolta. Até então, a justificativa para a pressão militar sobre o ditador Nicolás Maduro era o combate ao narcotráfico. Agora, Trump mistura uma leitura mentirosa dos fatos a uma ameaça temerária.

Até onde se sabe, os venezuelanos jamais roubaram petróleo ou terras dos americanos. Em 1976, quando a criação da PDVSA levou à nacionalização da produção de petróleo, houve compensação financeira. É verdade que até hoje empresas americanas se queixam de não ter recebido o valor devido no rompimento de contratos com a PDVSA pelo regime chavista. Mas trata-se de uma discussão jurídica. Os Estados Unidos jamais deixaram de reconhecer a soberania venezuelana sobre seus recursos naturais até agora. Doravante, todo país da América do Sul rico em petróleo ou minérios estará em alerta sobre as intenções americanas.

Desde agosto, quando os americanos enviaram tropas para perto da costa venezuelana, a operação militar tinha um quê de insólita. A Venezuela não está entre os maiores produtores de cocaína (são os países andinos). É rota do crime organizado, mas a maior parte da carga tem a Europa como destino. Trump insistia que seu objetivo era evitar a entrada de drogas nos Estados Unidos. Lanchas foram afundadas sob a acusação de carregar entorpecentes. Em novembro, o maior porta-aviões do mundo chegou ao Caribe, e Maduro foi acusado de ser chefe de um cartel.

Nas negociações secretas entre americanos e venezuelanos, representantes de Maduro chegaram a oferecer uma participação majoritária na exploração de petróleo e minérios em troca do fim da pressão. Para se manter no poder, o ditador prometia dar prioridade a empresas dos Estados Unidos, enviar a refinarias americanas o petróleo exportado à China e romper contratos com companhias chinesas, russas e iranianas. Trump não aceitou. Na semana passada, tropas americanas apreenderam um petroleiro levando quase 2 milhões de barris de óleo venezuelano com destino a Cuba, depois à China.

Os planos de Trump para a América Latina ganharam o endosso, na semana passada, da nova Estratégia de Segurança Nacional. O texto promete cumprir a Doutrina Monroe, política americana para a região criada no século XIX e justificativa a inúmeras intervenções políticas e militares. Ao reeditá-la, Trump pretende negar a concorrentes de fora das Américas “a capacidade de mobilizar forças ou outras capacidades ameaçadoras, ou de possuir e controlar ativos estrategicamente vitais”. Numa Casa Branca dominada por tal doutrina, tomar o controle do petróleo venezuelano parece um passo natural. Por isso o risco de conflito na vizinhança do Brasil não pode ser desprezado.

Governos gastam muito e mal recursos escassos

Por Valor Econômico

A reforma administrativa seria um gigantesco passo à frente, mas falta vontade política

Desvio de recursos via emendas, apropriação de supersalários pela elite do funcionalismo, corrupção disseminada, aparelhamento da máquina estatal e outras mazelas do serviço público fazem parte de um enredo cujo desfecho é um enorme desperdício de recursos. O Brasil gasta mais que os países da OCDE, mas mesmo assim obtém muito menos desenvolvimento e bem-estar que eles na aplicação dos recursos. A conclusão é do recém-criado Índice de Capacidades Institucionais (ICI) do Centro de Gestão Pública da Fundação Dom Cabral (Valor, 15-12). A gestão pública é um dos grandes fatores de atraso, e sua reforma é, há um bom tempo, uma necessidade que não deveria ter sido adiada por tanto tempo.

Os autores do ICI examinaram 68 indicadores, quantificou-os e distribui-os em três grandes itens, a qualidade institucional, a da gestão pública o ambiente de negócios, para formar o ICI. De posse dos números, verificaram que o gasto público por habitante do Brasil (US$ 10.069 por paridade do poder de compra) é 20% maior que o dos países de renda média alta, mas gera bem-estar equivalente ao deles dispendendo muito mais verbas.

O índice engloba dados de 145 países, e a média brasileira foi de 0,484 — de 0 a 1, da menor para a maior nota — diante de 0,672 da média dos países da OCDE, entre os mais ricos do mundo. O Brasil perde em todos os grandes itens para eles e não chega a ter desempenho muito superior ao de países latino-americanos. Seu ICI é menor que o de Chile e Uruguai, embora maior que o da Argentina. Na qualidade da gestão pública, tem pior performance que aqueles dois países e também da Colômbia.

O que joga o Brasil para baixo nas comparações é a baixa eficiência estatal, com má performance na segurança pública e corrupção, acrescida de fatores gerais como baixa qualidade do crédito e baixa produtividade da mão de obra. Esses problemas estão há um bom tempo no diagnóstico dos economistas, que recomendam a reforma administrativa, que faria mudança geral na gestão do quadro de servidores, ampliaria sua eficiência, eliminaria a enorme pulverização das carreiras e promoveria mais justa na distribuição dos salários.

A baixa eficiência é provocada também pelo inchaço da máquina pública provocada pelo apadrinhamento político expresso nos cargos comissionados, de livre escolha do grupo político no poder. São também remunerados com salários maior do que a média e atingiram número recorde de 50,4 mil agora, com a nomeação de mais 4,1 pessoas para esses cargos pelo governo Lula. O presidente que mais aumentou os cargos de confiança foi Jair Bolsonaro, com a nomeação de 13,4 mil pessoas apenas em 2022.

Isso significa não só que milhares de postos de direção, chefia e assessoramento foram preenchidas por indivíduos tecnicamente despreparados para a missão que exercerão como também sua saída e ingresso no serviço público quando da troca de governo, o que explica muito sobre a descontinuidade das políticas públicas no Brasil.

As disparidades salariais no funcionalismo, com remunerações acima do teto constitucional, se acentuaram recentemente, como mostram levantamentos feitos pelo Movimento Pessoas à Frente, República.org e Transparência Internacional. O peso dos supersalários, superiores ao teto de R$ 46.366,19, está muito longe de ser desprezível. Estudo do Pessoas e da Transparência estimou, após a análise de mais de 4 milhões de contracheques, que R$ 20 bilhões foram pagos acima do teto entre agosto de 2024 e julho de 2025.

Oito em cada dez juízes ganharam acima de R$ 685 mil por ano. Isso não apenas torna o Judiciário brasileiro o segundo mais caro do mundo como faz do Brasil o país que tem mais funcionários (53.488) recebendo salários acima do chefe de Estado entre 11 países. Os membros da Advocacia Geral da União, com honorários de sucumbência e penduricalhos, dispenderam R$ 3,8 bilhões acima do teto no ano até agosto (Valor, 16-12), distribuídos a 11,7 mil advogados. É uma distribuição generosa, que incluiu o pagamento de R$ 630 milhões até mesmo a funcionários aposentados da AGU.

A gestão orçamentária, por sua vez, pesa contra a qualidade institucional. Principal instrumento para definir as prioridades do país, tornou-se engessado, recheado de programas quase inamovíveis que beneficiam setores privilegiados e, mais recentemente, com boa e crescente fatia de recursos destinada a emendas parlamentares que privilegiam interesses específicos e clientelistas e não a projetos estruturantes.

A reforma administrativa seria um gigantesco passo à frente. Há outros, como a profissionalização da liderança pública e o resgate do planejamento governamental. Para combater os supersalários, há propostas de que servidores não possam mais decidir seus próprios salários, como faz o Judiciário, que os benefícios sejam instituídos por lei e não por atos administrativos, que haja rigidez e definição clara dos benefícios que são indenizatórios, bem como limites para pagamentos retroativos. Não faltam ideias para consertar os erros de gestão pública, mas, sim, vontade política. O Congresso postergou, mais uma vez, a reforma administrativa em curso.

Um passo atrás

Por O Povo (CE)

O Congresso dá um péssimo exemplo ensinando como livrar golpistas da responsabilidade por atentados contra a democracia

O acordo, que incluiu o PT, permitiu que o PL da Dosimetria fosse aprovado na madrugada de ontem no plenário do Senado. O projeto reduz a pena dos condenados pela trama golpista, que culminou no 8 de janeiro de 2023, inclusive a do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Chamou atenção a atuação tíbia do PT no episódio, que não mostrou a mesma combatividade que marca a sua militância. O comportamento da legenda é atribuído a um acordo que o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), teria feito com setores oposicionistas.

Segundo essa explicação, ao sentir que a proposta seria derrotada na Comissão de Constituição e Justiça, Wagner optou por agir de forma pragmática, fazendo um "acordo de procedimento" com a oposição para que a dosimetria fosse votada imediatamente no plenário.

Em troca, propostas de interesse do governo, como a redução de incentivos fiscais e aumento da tributação das casas de apostas eletrônicas e de fintechs, seriam aprovadas no mesmo momento.

Porém, esse acordo deixa o PT em dificuldades para justificar sua atitude. Tanto é que a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, responsabilizou apenas o líder pelo acordo, ressaltando que ele errou na condução do processo.

Essa concessão do PT — que poderia, por obstrução regimental, levar a discussão para o próximo ano — vai de encontro às manifestações de domingo em várias cidades brasileiras, condenando qualquer transigência na dosimetria, classificada como "anistia light", portanto inaceitável. Além disso, o PT rompe com seu discurso de "a democracia é inegociável", aderindo à realpolitik para fechar suas contas.

Quanto à Câmara e ao Senado, salta aos olhos uma contradição insanável na proposta de dosimetria, partindo do mesmo Congresso que tornou mais elevadas as penas para faccionados, dificultando ainda o regime de progressão penal. Ora, se integrar uma facção é crime grave, por que menos seria liderar uma organização criminosa armada para demolir a democracia?

Agora, sob críticas de aliados, o PT, com outros partidos de esquerda, avisou que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando ter havido mudança no mérito do texto e, por isso, o projeto deveria voltar à Câmara. Mas é duvidoso que a corte interfira no processo.

Por fim, é preciso reconhecer que, em seu julgamento, o STF deu um exemplo histórico de como a Justiça deve agir contra aqueles que tramam contra a democracia. O Congresso, por sua vez, deu o mesmo exemplo em sentido contrário, ensinando como livrar golpistas da responsabilidade por atentados contra o Estado Democrático de Direito.

O presidente Lula afirmou que vai vetar o projeto, mas os parlamentares podem rejeitá-lo, em sessão conjunta da Câmara e do Senador. Portanto, a tramitação da dosimetria continua, mas é difícil que o resultado se altere, o que é um alento para os golpistas, de agora e futuros.

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