Inexiste solução simples para a inoperância da Enel
Por Folha de S. Paulo
Caducidade envolve processo intricado e de
duração incerta; venda é opção, mas contrato já vence em 2028
Repetem-se problemas de anos anteriores, que
deixaram sequelas irreparáveis na relação da concessionária com poder público e
consumidores
Depois de mais uma demonstração de
inoperância da Enel,
incapaz de restaurar de forma tempestiva o acesso à energia de milhares de
residências após o vendaval que atingiu a região metropolitana de São Paulo,
criou-se um raro alinhamento entre prefeitura, governo estadual e Ministério de
Minas e Energia para cobrar a
caducidade da concessão.
O ciclone extratropical do último dia 10 deixou mais de 2,2 milhões de imóveis sem energia, e após mais de uma semana muitos assim permaneciam. Repetem-se problemas exasperantes de anos anteriores, que deixaram sequelas possivelmente irreparáveis na relação da concessionária com o poder público e, sobretudo, com os usuários paulistanos.
A caducidade é a medida mais extrema entre as
previstas no contrato e exige prova de inépcia operacional e financeira. É isso
que precisa ser estabelecido tecnicamente, dadas as dificuldades do processo —e
há o risco de que ações movidas por pressões políticas oportunistas não
eliminem os transtornos.
A duração de um processo do gênero é incerta.
Como o contrato da Enel vence em 2028, dificilmente
será encontrado um novo operador sem que também se contemple
uma renovação antecipada da concessão, algo que já vem ocorrendo em outros
casos.
A interrupção antes do vencimento também
geraria necessidade de indenização por parte do poder público. É fato, de todo
modo, que nenhuma medida menos gravosa, como numerosas multas, surtiram efeito
até agora. Foram R$ 606 milhões aplicados nos últimos cinco anos pela Aneel,
agência reguladora do setor, em três estados, sendo R$ 374 milhões em São
Paulo.
Tecnicamente, os contratos impõem indicadores
como DEC (duração de interrupção) e FEC (frequência), limitando tempo e
proporção de usuários sem energia.
No entanto os termos excluem responsabilidade
por eventos climáticos extremos, como vendavais. Esses fenômenos, cada vez mais
frequentes devido ao aquecimento global, foram a causa principal dos apagões
recentes.
No ano passado, a empresa assinou um termo de
ajuste de conduta (TAC) prevendo investimentos, ampliação de equipes, podas
preventivas e modernização da rede. A empresa alega cumprimento, com melhorias
em indicadores e fiscalizações mensais, mas prefeitura e governo estadual
apontam inobservância parcial em metas de contingência e atendimento
emergencial.
O assunto é complexo e deve ser tratado com
cautela. Uma solução pode passar por transferência acionária, viável em
contexto de renovação da concessão para além de 2028, preservando investimentos
e evitando vácuo operacional. A caducidade também pode ser uma opção, mas não é
imediata e pode gerar instabilidade.
Diante de eventos climáticos extremos mais
numerosos, ademais, urge em qualquer caso incluir nos contratos salvaguardas e
aportes preventivos.
Trump chega à beira da guerra para derrubar
Maduro
Por Folha de S. Paulo
Declaração de que Venezuela é ente terrorista
e bloqueio duvidoso a petroleiros são antessala de conflito
Ditadura de Maduro é execrável, mas uma
derrubada à força pode reabrir capítulos sombrios do domínio americano na
região
A crise causada pela pressão de Donald Trump para
derrubar o ditador da Venezuela, Nicolás
Maduro, chegou a um paroxismo. Na quarta (16), os Estados
Unidos declararam o país caribenho um ente terrorista —o que na
prática significa liberdade para atacá-lo— e ordenaram
bloqueio naval a petroleiros que já estavam proibidos de
transportar o produto venezuelano desde 2019.
Pela Carta das Nações Unidas, porém,
bloqueios só podem ocorrer em caso de determinação do Conselho de Segurança ou
de guerra, hipótese na qual deve-se respeitar uma série de salvaguardas. O
truque de Trump foi alegar que só visaria os cerca de 30 petroleiros
sancionados.
O fato é que o republicano montou a maior
força aeronaval já vista no Caribe, e o mais próximo que chegou de uma
declaração de guerra foi a qualificação de terrorista dada ao regime —o próprio
Maduro é procurado por isso nos EUA desde 2020.
A fragilidade legal de tal acusação e dos
ataques pontuais a barcos de traficantes causa protesto no cenário doméstico
americano, mas importa pouco na prática. Resta saber se o cerco forçará o
ditador a abandonar o poder ou se estimulará, com a coerção a 80% da fonte dos
parcos recursos fiscais da Venezuela, a elite fardada do país a convidá-lo a
sair.
O escopo maior da crise já se insinua. Na
semana passada, os EUA apreenderam
um navio com óleo venezuelano rumo a Cuba, abrindo uma nova
frente: Havana depende
do produto de Caracas.
Com o bloqueio, a ilha pode ser o palco de
novas manifestações contra a miséria energética. Isso pode levar a mais pressão
sobre Maduro, dado que a ditadura cubana
tem forte influência na Venezuela, onde dá as cartas nos serviços de segurança.
Dada a resiliência do caudilho, talvez reste
só a guerra, o que seria desastroso. Além da tragédia em si, Brasil e vizinhos
teriam de lidar com milhares de refugiados e uma realidade geopolítica para a
qual não estão preparados.
A nova Estratégia de Segurança Nacional
americana defende o domínio hemisférico. Maduro e sua cleptocracia são
execráveis, mas uma derrubada à força pode reabrir
capítulos sombrios do intervencionismo —Trump já mira a Colômbia,
com falhas de governança, mas democrática.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca um tom de moderação, cioso do capital político que a aproximação com Trump lhe conferiu ante o bolsonarismo. Ao fim, não terá muito mais a fazer do que protestar se a marcha insensata dos EUA não esposar alguma autocontenção.
O nome do pai
Por O Estado de S. Paulo
O sobrenome que impulsiona o senador Flávio
Bolsonaro nas pesquisas para presidente é o mesmo que lhe transfere rejeição
elevada, prejudica a direita democrática e facilita a vida de Lula
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pode até
ter se animado com o principal dado da mais recente pesquisa Genial/Quaest.
Ungido candidato pelo pai, ele surge em segundo lugar nos cenários de primeiro
turno, à frente dos demais candidatos da direita. Enquanto o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva varia entre 41% e 34%, o filho “zero um” do ex-presidente
Jair Bolsonaro aparece entre 27% e 21%, superando os governadores Ratinho
Junior (PSD-PR), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e
Ronaldo Caiado (União Brasil-GO). No segundo turno, seus números também superam
os do governador de São Paulo.
A euforia bolsonarista, porém, logo esbarra
em outro dado decisivo da pesquisa: o altíssimo índice de rejeição do senador.
Entre os eleitores independentes – grupo que representa 32% do eleitorado e que
será crucial em 2026 –, 69% afirmam que não votariam em Flávio Bolsonaro,
porcentual superior ao registrado por Jair Bolsonaro (68%) e pelo próprio Lula
(64%). No eleitorado geral, 62% dizem que não votariam nele “de jeito nenhum”.
Trata-se de um teto baixo demais para quem aspira a disputar o Palácio do
Planalto.
Tais números ganham ainda mais relevância
quando se observa que Flávio Bolsonaro é desconhecido por uma parcela
expressiva do eleitorado. Entre os independentes, por exemplo, 17% afirmam não
saber quem ele é. A ciência política ensina que candidatos pouco conhecidos
tendem, em fases iniciais, a exibir baixos índices de rejeição, justamente
porque a maioria do eleitorado ainda não formou juízo a seu respeito. A
rejeição pressupõe informação, experiência ou associação simbólica negativa.
Quando ela surge antes mesmo da campanha, normalmente não se dirige ao
indivíduo, mas ao que ele representa.
É aí que reside o dilema do senador. Flávio
Bolsonaro não é votado por ser quem ele é, mas por ser filho de quem é. Não tem
trajetória executiva relevante, não liderou reformas de peso no Senado nem
construiu uma identidade política própria. Em condições normais, um candidato
com esse perfil despertaria pouco sentimento – nem entusiasmo nem rejeição. Mas
Flávio não concorre como indivíduo. Ele concorre como herdeiro. O sobrenome
Bolsonaro opera, simultaneamente, como ativo e como passivo.
De um lado, garante recall imediato e
transfere parte do capital eleitoral do ex-presidente. Para uma parcela do
eleitorado conservador, Flávio é visto como o nome indicado pelo patriarca para
representar a família na cédula. Isso explica por que larga à frente de outros
candidatos da direita: não por mérito próprio, mas por delegação simbólica. De
outro lado, o mesmo sobrenome impõe um fardo difícil de contornar. Qualquer
Bolsonaro numa disputa presidencial carrega uma rejeição estrutural elevada.
Embora atribuída a Flávio, ela recai, na prática, sobre o legado de Jair. O eleitor
rejeita o que o nome passou a significar: ruptura institucional, desprezo pelas
regras democráticas, flertes golpistas reiterados e ataques às instituições da
República.
O senador tenta se apresentar como um
“Bolsonaro moderado”. Já tentou mostrar que não xinga adversários, não adota
linguagem radical e não se comporta como o pai. O esforço é compreensível, mas
inócuo. O sobrenome Bolsonaro não é neutro. Carrega um significado político
consolidado, associado ao golpismo que levou Jair Bolsonaro à condição de preso
e inelegível. Esse estigma não se dissipa com gestos retóricos.
Tudo isso ajuda a explicar por que a presença
de Flávio Bolsonaro tende a embaralhar, e não a fortalecer, a direita
brasileira. As pesquisas indicam que, carregando esse sobrenome, ele se torna
um candidato com enorme dificuldade de vencer um segundo turno, mesmo diante da
perspectiva de um eventual Lula 4, cenário certamente desastroso para o País.
A insistência em manter o bolsonarismo como
eixo central da direita funciona, assim, como um obstáculo à reorganização de
um campo político que poderia oferecer ao eleitorado uma alternativa
democrática, republicana e institucionalmente responsável. A direita que aceita
o jogo democrático e propõe governar – e não destruir – sai enfraquecida sempre
que o debate é sequestrado pelo peso do sobrenome Bolsonaro.
A reforma administrativa patina
Por O Estado de S. Paulo
Mais da metade dos deputados federais não
respondeu se apoia ou não a reforma administrativa, o que diz muito sobre as
reais chances de aprovação de uma proposta como essa na Câmara
No início deste mês, o presidente da Câmara,
Hugo Motta (Republicanos-PB), disse ao Estadão que pretendia submeter a reforma
administrativa diretamente ao plenário, sem passar pelas comissões, para
acelerar seu andamento na Casa. A proposta foi protocolada no fim de outubro,
mas ainda não começou a tramitar. Destravá-la, no entanto, depende apenas de um
despacho do próprio Motta, que considera a reforma uma das prioridades de seu
mandato.
Quem não está familiarizado com os ritos do
Legislativo provavelmente enxergará alguma incoerência entre a fala e as ações
do presidente da Câmara, mas uma reportagem publicada pelo Estadão na semana
passada ajuda a explicar a razão desse aparente contrassenso. Entre os
deputados federais, somente 78, ou 15,2% do total, se declararam abertamente
favoráveis à reforma, enquanto 134, ou 26,1%, disseram ser contrários à
proposta.
Todos os 513 deputados foram consultados ao
longo do mês passado, por telefone, e-mail, assessoria de imprensa e também
presencialmente no Congresso e em eventos públicos. A despeito disso, mais da
metade deles não quis responder ou não deu retorno à reportagem, o que diz
muito sobre as reais chances de aprovação da reforma.
Por ser uma proposta de emenda à Constituição
(PEC), ela precisa de maioria qualificada para ser aprovada – ou 308 votos. Se
o texto começasse a tramitar sem que mais apoios estivessem garantidos, sessões
esvaziadas deixariam ainda mais clara a falta de interesse dos parlamentares
para tratar do assunto neste momento, uma desmoralização para Motta perante
seus pares e a sociedade.
Faltando menos de um ano para as próximas
eleições, nenhum parlamentar, a não ser os que se identificam com o campo
político da direita, vai arriscar a chance de perder algum voto por apoiar um
tema tão espinhoso e impopular. A pressão de associações de servidores públicos
também tem produzido efeitos. Ao menos 30 deputados que haviam manifestado
apoio à PEC pediram para que suas assinaturas fossem retiradas da proposta.
Impor limites aos supersalários é um pouco
mais palatável aos deputados, mas tampouco há apoio suficiente para aprovar
apenas essa medida. Entre os 513 deputados, 217 disseram ao Estadão ser a favor da
extinção das remunerações que superem o teto remuneratório do funcionalismo
público, que corresponde a R$ 46.366,19, salário pago a um ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF).
Mas mesmo entre os deputados do PT esse apoio
não é unânime. Embora integrantes do governo Luiz Inácio Lula da Silva se digam
favoráveis ao fim dos supersalários, nenhum ministro declarou apoio formal ao
texto da Câmara, apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). É puro cálculo
político, pois, afinal, o governo, no fundo, nunca quis uma reforma
administrativa – nem ampla nem modesta – e vê nos servidores públicos e funcionários
de estatais um relevante ativo eleitoral.
De certa forma, seria até hipocrisia se o
Executivo se colocasse contra os penduricalhos que engordam os salários do
Judiciário e do Ministério Público. Afinal, a profusão de pretensas verbas
indenizatórias tem sido uma verdadeira inspiração para as carreiras do topo do
funcionalismo público do Executivo, como os auditores da Receita Federal e os
membros da Advocacia-Geral da União (AGU).
Esses privilégios alcançam poucos, mas
contribuem para manchar a imagem da maioria dos servidores junto à população.
Apenas 1,34% dos funcionários públicos ativos e inativos recebe mais que o
teto, de acordo com estudo conduzido pelo Movimento Pessoas à Frente e pela
República.org.
São apenas 53,5 mil pessoas em um universo de
mais de 4 milhões, mas, juntos, eles consumiram nada menos que R$ 20 bilhões
entre agosto de 2024 e julho deste ano. Não por acaso, eles integram carreiras
que estão entre as mais bem articuladas e com maior poder de influência em
Brasília, inclusive no Congresso.
Na melhor das hipóteses, a reforma administrativa
ficará para 2027; na pior, ficará para depois. Até lá, o Estado brasileiro
continuará a ser uma máquina de reprodução de desigualdades, mazela que não
parece comover nem os deputados nem o governo Lula.
A Argentina e o câmbio livre
Por O Estado de S. Paulo
Revigorado, Milei anuncia novas regras
cambiais e mira na acumulação de reservas
O Banco Central da Argentina anunciou que, a
partir de 1.º de janeiro de 2026, o piso e o teto da banda cambial que vigora
no país serão ajustados de acordo com a inflação registrada no mês anterior (em
novembro, a variação foi de 2,5%), em vez de serem corrigidos por uma taxa fixa
de 1% ao mês, como ocorre atualmente.
Trata-se de mais um passo rumo à livre
flutuação da moeda, defendida entusiasticamente por Javier Milei quando ainda
era candidato presidencial.
Ao longo de 2025, porém, o presidente Milei
resistiu a deixar o peso flutuar, temeroso de repiques inflacionários que
pudessem prejudicar o desempenho de seu partido, o A Liberdade Avança (LLA, na
sigla em espanhol), nas cruciais eleições legislativas de outubro.
Mesmo cercado por controvérsias e escândalos
(entre os quais um esquema de corrupção que respingou em sua irmã e principal
assessora, Karina Milei), o libertário conseguiu ampliar a representação do LLA
no Congresso, tendo como cabos eleitorais o trauma dos argentinos com os anos
de incúria dos governos peronistas, além de uma providencial intervenção do
presidente dos EUA, Donald Trump.
Aparentemente, os maus momentos de Milei
durante este ano ficaram para trás. O libertário ultrapassa a primeira metade
de seu mandato com mais apoio na Câmara e no Senado, o que é fundamental para a
aprovação de reformas estruturantes, e pode agora adotar medidas como uma maior
flexibilidade cambial.
Economistas diversos e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), de quem a Argentina é uma espécie de cliente crônico,
entendem que a desvalorização do peso é essencial para que a economia do país
volte a ser competitiva e acumular reservas em dólares.
Ao contrário do Brasil, que tem um
confortável colchão cambial, a Argentina sofre com a escassez da divisa
norte-americana e acostumou-se nos últimos anos a se endividar ainda mais para
pagar dívidas antigas, inclusive com o FMI.
Por isso, além das regras mais frouxas para o
câmbio, o banco central do país também anunciou que pretende acumular reservas
internacionais ao longo do ano que vem. A meta é comprar US$ 10 bilhões, valor
que pode ser revisto a depender do apetite do mercado.
Até agora, a reação dos investidores aos
anúncios foi positiva. O risco-país argentino recuou, e os títulos da dívida
externa se valorizaram. O mercado sabe que as medidas vão na direção correta, e
que Milei já logrou feitos excepcionais, como a derrubada da inflação.
Em se tratando de Argentina, porém, é preciso
sempre ter cautela com o otimismo. Embora bem distante do patamar de três
dígitos, a inflação segue alta para padrões globais (acima de 30% ao ano em
novembro). O país também não cumpriu com todas as metas acordadas com o FMI em
2025 – e pode descumpri-las mais uma vez no ano que vem. Isso sem contar que o
estilo beligerante de Milei sempre pode resultar em crises evitáveis com outras
lideranças políticas.
Ainda assim, o libertário sobreviveu ao pior de 2025 e, por ora, busca encaminhar transformações necessárias para a Argentina no ano que vem. A conferir.
Crise climática: desafio exige ação coletiva
Por Correio Braziliense
Diante de estatísticas que traduzem vidas
perdidas em decorrência de tragédias causadas por chuvas, famílias deslocadas e
prejuízos bilionários, cabe à sociedade exigir respostas
À medida que avançamos na atual temporada de
chuvas, torna-se impossível ignorar o ciclo dos extremos climáticos que
passaram a fazer parte da realidade do Brasil e do resto do mundo. Entre
volumes pluviométricos excepcionalmente elevados e ameaça constante de
deslizamentos, enchentes e alagamentos, cidadãos, gestores públicos e a
sociedade civil enfrentam desafios que vão muito além das previsões
meteorológicas.
Entre 2020 e 2023, o país registrou 7.539
desastres climáticos causados por chuvas, um aumento de mais de 220% em relação
aos anos 1990. Quase 83% dos municípios brasileiros enfrentaram ao menos um
episódio de desastre relacionado à chuva nos últimos quatro anos — um salto
considerável frente à realidade de 27% na década de 1990. Os dados são de
estudo da série Brasil em transformação, elaborada pelo Programa Maré de
Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e da Fundação Grupo Boticário.
O levantamento usou dados do Sistema
Integrado de Informações sobre Desastres do Ministério da Integração e Desenvolvimento
Regional. Mostrou, ainda, que, no ano passado, os temporais foram responsáveis
por 251 mortes em todo o país, com grande parte desses óbitos ocorrendo no Rio
Grande do Sul, que enfrentou uma das maiores catástrofes naturais de sua
história. As enchentes devastadoras afetaram 478 das 497 cidades do estado,
causando alagamentos, inundações e deslizamentos de terra.
Quase 1 milhão de pessoas em todo o país
ficaram desabrigadas ou desalojadas só naquele ano. Somando as últimas décadas,
mais de 8,7 milhões de brasileiros foram deslocados por desastres climáticos
associados à chuva, o que representa 94% de todos os casos de deslocamento por
desastres no país, segundo o levantamento da Unifesp.
Os prejuízos financeiros também são
astronômicos. Entre 1995 e 2023, desastres climáticos relacionados às chuvas
somaram mais de R$ 146,7 bilhões em prejuízos, incluindo infraestrutura,
agricultura e perdas privadas. No caso específico do Rio Grande do Sul em 2024,
os danos foram estimados em R$ 88,9 bilhões.
Os números deixam claro que a questão não é
apenas meteorológica, mas estrutural. A recorrência de eventos extremos demanda
investimentos robustos em sistemas de alerta precoce, capazes de avisar com
antecedência populações vulneráveis; infraestrutura de drenagem urbana e manejo
de bacias hidrográficas; planejamento territorial e normas que restrinjam
ocupações em áreas de risco; e educação pública contínua sobre como agir antes,
durante e após episódios de chuva intensa.
É imperativo que políticas de mitigação das mudanças climáticas — responsáveis pelo agravamento desses eventos — sejam integradas ao planejamento federal, estadual e municipal. Diante de estatísticas que traduzem vidas perdidas, famílias deslocadas e prejuízos bilionários, cabe à sociedade exigir respostas: planejamento estratégico, adaptação resiliente e uma agenda climática que proteja vidas e bens.
Apuração de fraude no INSS não deve poupar
ninguém
Por O Globo
PF prendeu número 2 da Previdência e apontou
elos do pivô do esquema com senador e com filho de Lula
Em mais uma fase da Operação Sem Desconto,
que investiga as fraudes bilionárias na folha de aposentados e pensionistas
do INSS,
a PF prendeu o secretário executivo do Ministério da Previdência,
Adroaldo da Cunha Portal, número 2 da pasta. Depois de decretada sua prisão
domiciliar, Adroaldo foi demitido do cargo pelo ministro da Previdência, Wolney
Queiroz. Surpreende que ainda tenha permanecido por oito meses após o escândalo
vir à tona, mesmo citado em fases anteriores. A apuração do esquema fraudulento
que lesou os aposentados precisa ser profunda e abrangente.
Um dos alvos da operação foi o senador
Weverton Rocha (PDT-MA), vice-líder do governo no Senado. A PF chegou a pedir a
prisão dele, alegando que se beneficiava do esquema como sócio oculto, mas o
ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, negou.
Em maio, O GLOBO mostrou as relações
estreitas entre Rocha e o empresário Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido
como “Careca do INSS”, apontado pelas investigações como figura central do
esquema. Na época, Rocha disse ter conhecido Antunes num churrasco em sua casa,
a que ele compareceu levado por um convidado. De acordo com Rocha, Antunes foi
recebido em seu gabinete ao menos três vezes para tratar da legalização da
importação de produtos à base de Cannabis para fins medicinais.
A investigação também levantou suspeita de
vínculo entre Antunes e Fábio Luís Lula da
Silva, filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há mensagens trocadas por
Antunes com uma amiga do filho de Lula relativas a um repasse de R$ 300 mil
destinados a alguém chamado de “filho do rapaz”, que a PF não identifica em seu
relatório. “Ninguém ficará livre. Se tiver filho meu envolvido nisso, ele será
investigado”, afirmou Lula. Durante a operação da PF foram presos ainda Romeu
Carvalho Antunes, filho de Antunes, e o advogado Eric Fidelis, filho do
ex-diretor do INSS André Fidelis.
O escândalo dos descontos indevidos veio à
tona em abril. O episódio levou à queda do então presidente do INSS, Alessandro
Stefanutto (preso em novembro), e do então ministro da Previdência, Carlos Lupi.
Há muito chamava a atenção a arrecadação crescente de sindicatos e entidades
representativas com descontos em folha dos aposentados. Ao mesmo tempo,
cresciam reclamações de segurados que alegavam não tê-los autorizado. O INSS
desprezou os sinais e alertas de que havia algo de errado.
Descobriu-se nas apurações que a maior parte
dos descontos não havia sido autorizada. As entidades forjavam documentos, e o
INSS aceitava. O esquema operava desde 2019, mas cresceu no atual governo,
quando a arrecadação dos sindicatos disparou. Em meio ao desgaste provocado à
imagem de Lula, o governo decidiu ressarcir os aposentados. Até agora, pagou R$
2,74 bilhões a 3,9 milhões de lesados.
O ressarcimento repara uma injustiça, mas não
encerra a questão. É fundamental detalhar as fraudes, identificar as entidades
representativas que forjaram documentos, entender as falhas que lhes permitiram
funcionar por anos, investigar se houve cumplicidade de agentes públicos, de
modo que os responsáveis possam ir a julgamento. Punir exemplarmente os
integrantes desse vergonhoso esquema fraudulento, sejam quem forem, é a melhor
maneira de desencorajar novas fraudes.
Ambição de Trump ao petróleo da Venezuela
traz risco a todo o continente
Por O Globo
Depois da declaração do presidente americano,
ninguém pode se enganar sobre suas intenções
Donald Trump tornou
explícito seu interesse pelas reservas de petróleo venezuelanas. “A Venezuela está
completamente cercada pela maior armada já mobilizada na história da América do
Sul. Ela apenas aumentará, e o choque para eles será algo jamais visto — até
eles retornarem aos Estados Unidos todo
o petróleo, terra e outros bens que anteriormente foram roubados da gente”,
afirmou. A declaração marca uma reviravolta. Até então, a justificativa para a
pressão militar sobre o ditador Nicolás
Maduro era o combate ao narcotráfico. Agora, Trump mistura uma leitura
mentirosa dos fatos a uma ameaça temerária.
Até onde se sabe, os venezuelanos jamais
roubaram petróleo ou terras dos americanos. Em 1976, quando a criação da PDVSA
levou à nacionalização da produção de petróleo, houve compensação financeira. É
verdade que até hoje empresas americanas se queixam de não ter recebido o valor
devido no rompimento de contratos com a PDVSA pelo regime chavista. Mas
trata-se de uma discussão jurídica. Os Estados Unidos jamais deixaram de
reconhecer a soberania venezuelana sobre seus recursos naturais até agora.
Doravante, todo país da América do Sul rico em petróleo ou minérios estará em
alerta sobre as intenções americanas.
Desde agosto, quando os americanos enviaram
tropas para perto da costa venezuelana, a operação militar tinha um quê de
insólita. A Venezuela não está entre os maiores produtores de cocaína (são os
países andinos). É rota do crime organizado, mas a maior parte da carga tem a
Europa como destino. Trump insistia que seu objetivo era evitar a entrada de
drogas nos Estados Unidos. Lanchas foram afundadas sob a acusação de carregar
entorpecentes. Em novembro, o maior porta-aviões do mundo chegou ao Caribe, e
Maduro foi acusado de ser chefe de um cartel.
Nas negociações secretas entre americanos e
venezuelanos, representantes de Maduro chegaram a oferecer uma participação
majoritária na exploração de petróleo e minérios em troca do fim da pressão.
Para se manter no poder, o ditador prometia dar prioridade a empresas dos
Estados Unidos, enviar a refinarias americanas o petróleo exportado à China e
romper contratos com companhias chinesas, russas e iranianas. Trump não
aceitou. Na semana passada, tropas americanas apreenderam um petroleiro levando
quase 2 milhões de barris de óleo venezuelano com destino a Cuba, depois à
China.
Os planos de Trump para a América Latina ganharam o endosso, na semana passada, da nova Estratégia de Segurança Nacional. O texto promete cumprir a Doutrina Monroe, política americana para a região criada no século XIX e justificativa a inúmeras intervenções políticas e militares. Ao reeditá-la, Trump pretende negar a concorrentes de fora das Américas “a capacidade de mobilizar forças ou outras capacidades ameaçadoras, ou de possuir e controlar ativos estrategicamente vitais”. Numa Casa Branca dominada por tal doutrina, tomar o controle do petróleo venezuelano parece um passo natural. Por isso o risco de conflito na vizinhança do Brasil não pode ser desprezado.
Governos gastam muito e mal recursos escassos
Por Valor Econômico
A reforma administrativa seria um gigantesco
passo à frente, mas falta vontade política
Desvio de recursos via emendas, apropriação
de supersalários pela elite do funcionalismo, corrupção disseminada,
aparelhamento da máquina estatal e outras mazelas do serviço público fazem
parte de um enredo cujo desfecho é um enorme desperdício de recursos. O Brasil
gasta mais que os países da OCDE, mas mesmo assim obtém muito menos
desenvolvimento e bem-estar que eles na aplicação dos recursos. A conclusão é
do recém-criado Índice de Capacidades Institucionais (ICI) do Centro de Gestão
Pública da Fundação Dom Cabral (Valor,
15-12). A gestão pública é um dos grandes fatores de atraso, e sua reforma é,
há um bom tempo, uma necessidade que não deveria ter sido adiada por tanto
tempo.
Os autores do ICI examinaram 68 indicadores,
quantificou-os e distribui-os em três grandes itens, a qualidade institucional,
a da gestão pública o ambiente de negócios, para formar o ICI. De posse dos
números, verificaram que o gasto público por habitante do Brasil (US$ 10.069
por paridade do poder de compra) é 20% maior que o dos países de renda média
alta, mas gera bem-estar equivalente ao deles dispendendo muito mais verbas.
O índice engloba dados de 145 países, e a
média brasileira foi de 0,484 — de 0 a 1, da menor para a maior nota — diante
de 0,672 da média dos países da OCDE, entre os mais ricos do mundo. O Brasil
perde em todos os grandes itens para eles e não chega a ter desempenho muito
superior ao de países latino-americanos. Seu ICI é menor que o de Chile e Uruguai,
embora maior que o da Argentina. Na qualidade da gestão pública, tem pior
performance que aqueles dois países e também da Colômbia.
O que joga o Brasil para baixo nas
comparações é a baixa eficiência estatal, com má performance na segurança
pública e corrupção, acrescida de fatores gerais como baixa qualidade do
crédito e baixa produtividade da mão de obra. Esses problemas estão há um bom
tempo no diagnóstico dos economistas, que recomendam a reforma administrativa,
que faria mudança geral na gestão do quadro de servidores, ampliaria sua
eficiência, eliminaria a enorme pulverização das carreiras e promoveria mais
justa na distribuição dos salários.
A baixa eficiência é provocada também pelo
inchaço da máquina pública provocada pelo apadrinhamento político expresso nos
cargos comissionados, de livre escolha do grupo político no poder. São também
remunerados com salários maior do que a média e atingiram número recorde de
50,4 mil agora, com a nomeação de mais 4,1 pessoas para esses cargos pelo
governo Lula. O presidente que mais aumentou os cargos de confiança foi Jair
Bolsonaro, com a nomeação de 13,4 mil pessoas apenas em 2022.
Isso significa não só que milhares de postos
de direção, chefia e assessoramento foram preenchidas por indivíduos
tecnicamente despreparados para a missão que exercerão como também sua saída e
ingresso no serviço público quando da troca de governo, o que explica muito
sobre a descontinuidade das políticas públicas no Brasil.
As disparidades salariais no funcionalismo,
com remunerações acima do teto constitucional, se acentuaram recentemente, como
mostram levantamentos feitos pelo Movimento Pessoas à Frente, República.org e
Transparência Internacional. O peso dos supersalários, superiores ao teto de R$
46.366,19, está muito longe de ser desprezível. Estudo do Pessoas e da
Transparência estimou, após a análise de mais de 4 milhões de contracheques,
que R$ 20 bilhões foram pagos acima do teto entre agosto de 2024 e julho de
2025.
Oito em cada dez juízes ganharam acima de R$
685 mil por ano. Isso não apenas torna o Judiciário brasileiro o segundo mais
caro do mundo como faz do Brasil o país que tem mais funcionários (53.488)
recebendo salários acima do chefe de Estado entre 11 países. Os membros da
Advocacia Geral da União, com honorários de sucumbência e penduricalhos,
dispenderam R$ 3,8 bilhões acima do teto no ano até agosto (Valor, 16-12), distribuídos a
11,7 mil advogados. É uma distribuição generosa, que incluiu o pagamento de R$
630 milhões até mesmo a funcionários aposentados da AGU.
A gestão orçamentária, por sua vez, pesa
contra a qualidade institucional. Principal instrumento para definir as
prioridades do país, tornou-se engessado, recheado de programas quase
inamovíveis que beneficiam setores privilegiados e, mais recentemente, com boa
e crescente fatia de recursos destinada a emendas parlamentares que privilegiam
interesses específicos e clientelistas e não a projetos estruturantes.
A reforma administrativa seria um gigantesco passo à frente. Há outros, como a profissionalização da liderança pública e o resgate do planejamento governamental. Para combater os supersalários, há propostas de que servidores não possam mais decidir seus próprios salários, como faz o Judiciário, que os benefícios sejam instituídos por lei e não por atos administrativos, que haja rigidez e definição clara dos benefícios que são indenizatórios, bem como limites para pagamentos retroativos. Não faltam ideias para consertar os erros de gestão pública, mas, sim, vontade política. O Congresso postergou, mais uma vez, a reforma administrativa em curso.
Um passo atrás
Por O Povo (CE)
O Congresso dá um péssimo exemplo ensinando
como livrar golpistas da responsabilidade por atentados contra a democracia
O acordo, que incluiu o PT, permitiu que o PL
da Dosimetria fosse aprovado na madrugada de ontem no plenário do Senado. O
projeto reduz a pena dos condenados pela trama golpista, que culminou no 8 de
janeiro de 2023, inclusive a do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Chamou atenção a atuação tíbia do PT no
episódio, que não mostrou a mesma combatividade que marca a sua militância. O
comportamento da legenda é atribuído a um acordo que o líder do governo no
Senado, Jaques Wagner (PT-BA), teria feito com setores oposicionistas.
Segundo essa explicação, ao sentir que a
proposta seria derrotada na Comissão de Constituição e Justiça, Wagner optou
por agir de forma pragmática, fazendo um "acordo de procedimento" com
a oposição para que a dosimetria fosse votada imediatamente no plenário.
Em troca, propostas de interesse do governo,
como a redução de incentivos fiscais e aumento da tributação das casas de
apostas eletrônicas e de fintechs, seriam aprovadas no mesmo momento.
Porém, esse acordo deixa o PT em dificuldades
para justificar sua atitude. Tanto é que a ministra das Relações
Institucionais, Gleisi Hoffmann, responsabilizou apenas o líder pelo acordo,
ressaltando que ele errou na condução do processo.
Essa concessão do PT — que poderia, por
obstrução regimental, levar a discussão para o próximo ano — vai de encontro às
manifestações de domingo em várias cidades brasileiras, condenando qualquer
transigência na dosimetria, classificada como "anistia light",
portanto inaceitável. Além disso, o PT rompe com seu discurso de "a
democracia é inegociável", aderindo à realpolitik para fechar suas contas.
Quanto à Câmara e ao Senado, salta aos olhos
uma contradição insanável na proposta de dosimetria, partindo do mesmo
Congresso que tornou mais elevadas as penas para faccionados, dificultando
ainda o regime de progressão penal. Ora, se integrar uma facção é crime grave,
por que menos seria liderar uma organização criminosa armada para demolir a
democracia?
Agora, sob críticas de aliados, o PT, com
outros partidos de esquerda, avisou que vai recorrer ao Supremo Tribunal
Federal (STF), alegando ter havido mudança no mérito do texto e, por isso, o
projeto deveria voltar à Câmara. Mas é duvidoso que a corte interfira no
processo.
Por fim, é preciso reconhecer que, em seu
julgamento, o STF deu um exemplo histórico de como a Justiça deve agir contra
aqueles que tramam contra a democracia. O Congresso, por sua vez, deu o mesmo
exemplo em sentido contrário, ensinando como livrar golpistas da
responsabilidade por atentados contra o Estado Democrático de Direito.
O presidente Lula afirmou que vai vetar o projeto, mas os parlamentares podem rejeitá-lo, em sessão conjunta da Câmara e do Senador. Portanto, a tramitação da dosimetria continua, mas é difícil que o resultado se altere, o que é um alento para os golpistas, de agora e futuros.

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