sábado, 20 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Bolsonarismo sofre baque com operação da PF

Por O Globo

Depois da cassação de três deputados, outros dois são alvo de acusações de corrupção com verba parlamentar

Depois da hesitação incompreensível na cassação da então deputada foragida Carla Zambelli (PL-SP), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), soube corrigir o rumo no caso dos também fugitivos Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), cujos mandatos foram cassados pela Mesa da Casa. Espera-se que atue também com rigor perante as acusações que agora pesam contra outros dois deputados do PL fluminense, Carlos Jordy e Sóstenes Cavalcante, líder do partido na Câmara. Ambos foram alvo de operação da Polícia Federal (PF) para coibir desvios de recursos da cota parlamentar.

As investigações expõem uma faceta do bolsonarismo que nada tem de ideológica e vai além do golpismo ou dos ataques às instituições democráticas: a corrupção rasteira com verbas parlamentares. Os fatos se chocam com o feroz discurso moralizador que sempre se ouviu desses deputados.

A cota parlamentar é destinada a custear gastos com a atividade legislativa, como viagens, refeições ou funcionários contratados no gabinete. Não é incomum que recursos sejam desviados para outros fins. A modalidade mais conhecida é apelidada “rachadinha” — servidores do gabinete devolvem parte de seus ganhos ao político que os contrata. Foi essa acusação que pesou contra o então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), cujo caso foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento da violação de sigilos fiscal e bancário.

Desta vez, as investigações das verbas destinadas a Jordy e Sóstenes levaram à Operação Galho Fraco, da PF. Policiais executaram mandados de busca e apreensão em Brasília e no Rio para apurar se “agentes políticos, servidores comissionados e particulares teriam atuado de forma coordenada para o desvio e posterior ocultação de verba pública”. Os alvos são suspeitos de cometer os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. A operação da PF encontrou, num endereço de Sóstenes em Brasília, R$ 430 mil em dinheiro vivo (ele alega que não depositara o valor recebido pela venda de um imóvel).

A investigação sugere uma forma mais sofisticada de “rachadinha”. De acordo com a PF, os deputados usavam servidores comissionados nos gabinetes para desviar os recursos por meio de pagamentos fraudulentos a empresas. Uma delas é a Harue Locação de Veículos Ltda., locadora que, diz o inquérito, é propriedade de um assessor de Jordy e era gerenciada por seus familiares para receber por serviços não prestados e embolsar o dinheiro. Outra empresa investigada sob suspeita de uso para pagamentos de fachada é a Amazon Serviços e Construções. Ao todo, a PF identificou, entre 2023 e 2024, R$ 27 milhões movimentados por assessores do PL sem origem identificada. Atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República, o ministro do STF Flávio Dino determinou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telemático dos deputados e demais envolvidos.

As investigações ainda estão em curso, e é incerta a extensão do esquema. Será preciso aguardar o resultado para tirar conclusões criminais a respeito. Todos os parlamentares e assessores devem ter o direito a fornecer explicações dos fatos e a se defender na Justiça. De todo modo, politicamente, a operação representa sem dúvida novo baque para a bancada fiel ao ex-presidente Jair Bolsonaro, logo depois da perda de três de seus expoentes, todos cassados.

Aval do Tesouro a empréstimo para Correios prolonga agonia da estatal

Por O Globo

Sem plano de privatização, ela segue refém de sindicatos incapazes de abrir mão até do ‘vale-peru’ de R$ 2,5 mil

A sangria dos Correios segue sem data para acabar. A estatal vem acumulando prejuízos em série. De janeiro a setembro, o rombo foi de R$ 6 bilhões. Desesperada por capital, conseguiu enfim captar R$ 12 bilhões junto a dois bancos estatais e três privados, ao custo perto do máximo permitido a empréstimos avalizados pelo Tesouro. Garantido o oxigênio para sobreviver por algum tempo, o esperado seria o governo preparar a empresa para venda à iniciativa privada. Repetidas gestões já provaram ser incapazes de oferecer o serviço postal e de entregas com lucro. Mas não é o que pensa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta semana, Lula declarou que, “enquanto for presidente, não tem privatização”.

A relutância em reconhecer a gravidade da situação é a certeza de novos prejuízos e da necessidade de novos empréstimos no futuro. Todas as propostas do governo para reverter a crise dos Correios têm chances ínfimas de dar certo. Pelo plano de reestruturação, a estatal regularizará dívidas em atraso, cortará gastos operacionais e com pessoal e formará parcerias para ampliar serviços. Numa etapa seguinte, contratará uma consultoria e um banco de investimento para apresentar soluções. Uma das alternativas consideradas é transformá-la em sociedade de economia mista, com capital público e privado, como Petrobras ou Banco do Brasil.

Mesmo nos lucrativos setores de finanças e energia, companhias controladas pelo Estado valem menos. É difícil imaginar quanto valeriam papéis dos Correios na hipótese remota de a empresa ser saneada e a abertura de capital despertar algum interesse. Não é preciso nem projetar o tamanho das dificuldades. Basta acompanhar o noticiário. Desde quarta-feira, funcionários dos Correios estão em greve. Na quinta-feira, a ministra Kátia Magalhães Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho, foi forçada a determinar que os sindicatos parados mantenham 80% do efetivo em atividade.

Ante as evidentes agruras financeiras, os Correios ofereceram reajuste salarial pela inflação, mas sem o pagamento do “vale-peru” de fim de ano. Foi o suficiente para despertar a revolta numa categoria acostumada à complacência do governo, confiante na influência de seu sindicato junto a Lula. Os sindicalistas querem a manutenção de benefícios, como adicional de 70% de férias, pagamento de 200% nos fins de semana e o “vale-peru” de R$ 2,5 mil. Diante de demandas como essas, não existe a menor chance de negociar corte de vagas ou aumento de produtividade. A situação ajuda a entender por que as empresas postais mais rentáveis no mundo são privadas. Sem otimizar custos, não há fórmula capaz de tirar qualquer corporação do prejuízo.

A resistência ideológica de Lula à privatização condena os Correios a continuar reféns de sindicatos e o país a lidar com uma estatal ineficiente e insaciável na captação de dívidas sempre garantidas pelo Tesouro — e pagas pelo contribuinte. A distância para os concorrentes privados só faz aumentar. Cada ano de adiamento da privatização representa mais prejuízo e mais desvalorização da marca.

Governo Lula volta ao centro da bandalheira no INSS

Por Folha de S. Paulo

Prisão de número 2 do ministério e suspeita sobre senador do PDT expõem inoperância em reestruturar o setor

São evidentes a omissão e a incúria na gestão; o pagamento de benefícios previdenciários anda pela casa de R$ 1 trilhão ao ano

Polícia Federal prendeu na quinta-feira (18) Adroaldo da Cunha Portal, secretário-executivo da Previdência Social, segundo nome mais importante da pasta. Portal é suspeito de ter recebido propina a fim de facilitar o roubo de benefícios previdenciários, desviados sob pretexto de serem contribuições a associações e sindicatos.

O esquema bilionário foi escancarado em abril pela Operação Sem Desconto. Portal foi promovido em maio pelo ministro Wolney Queiroz (PDT), que substituiu seu correligionário Carlos Lupi, abatido pelo escândalo.

O agora ex-secretário-executivo ocupava o cargo de secretário de Regime Geral de Previdência desde 2023. Antes disso, fora assessor de mais um pedetista, o senador Weverton Rocha (MA), também objeto de investigações sobre as fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) volta ao centro da bandalheira porque não se ocupou de renovar a administração de um serviço inoperante, no mínimo, e incrustado de corrupção, a se confirmarem as suspeitas da PF.

Não se sabe se Portal é pessoalmente culpado, o que depende da Justiça, mas são evidentes a omissão e a incúria na gestão. Registre-se que o pagamento de benefícios previdenciários anda pela casa de R$ 1 trilhão ao ano, o equivalente a 43% da despesa federal não financeira.

O número de requerimentos de benefícios previdenciários à espera de solução chegou a 2,862 milhões em outubro, estoque que cresceu 49% em um ano. Nada se fez de relevante para reformar uma estrutura decrépita, com problemas no INSS, na Dataprev e na perícia médica.

Com providências duras e tempestivas para rever esse quadro, o governo poderia ter notado também o roubo do dinheiro de aposentados e pensionistas.

Nada se fez, porém, nem quando houve alertas por parte de procuradores federais, Controladoria Geral da União e Tribunal de Contas da União, além de queixas dos beneficiários e reportagens jornalísticas.

Alega-se que o esquema começou sob outros presidentes da República, o que é verdade. Mas tal desculpa apenas expõe a inércia da atual administração, durante a qual os montantes dispararam.

Quando o esbulho se tornou caso de polícia público, o governo relutou em demitir Lupi. Quando o fez, nomeou para o posto um aliado e número dois do ministro caído, Queiroz.

O presidente do INSS com Lupi, Alessandro Stefanutto, foi demitido em abril, entre outros da cúpula do ministério, e preso em novembro. No entanto integrantes do mesmo grupo político do PDT continuaram a ter cargos e influência na pasta.

Para Lula, que passa até pelo constrangimento de ter um filho citado numa mensagem investigada pela Polícia Federal, não resta saída correta além de promover uma reestruturação completa do setor. Se vier mesmo a fazê-lo, já será com enorme atraso.

Mais uma frustração com o acordo Mercosul-EU

Por Folha de S. Paulo

Adesão da Itália ao grupo contrário ao pacto de livre comércio provoca cancelamento da assinatura

Protecionismo do agro europeu é principal entrave à medida, que tende a dinamizar as economias dos dois blocos e induzir investimentos

Após 26 anos de tratativas, a assinatura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia esperada neste sábado (20), durante a cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu (PR), foi adiada diante da resistência de quatro países politicamente suscetíveis a pressões domésticas de setores agrícolas.

A adesão da Itália ao grupo de oposição —formado por Hungria e Polônia com liderança da França de Emmanuel Macron— fez desandar sua efetivação.

Mesmo depois de o Parlamento Europeu ter reforçado as salvaguardas contra potenciais danos a segmentos agrícolas na terça (16), a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, outrora favorável ao acordo, não o aceitou.

O aval da maioria dos eurodeputados à extensão dessas garantias, a rigor, já desequilibra o pacto e distancia sua assinatura. A posição de Roma, por sua vez, deu à ala resistente força suficiente para vetá-lo no Conselho Europeu, o fórum decisivo dos líderes das 27 nações do bloco.

O órgão apreciaria o tema na quinta (18) em Bruxelas, mas o centro da cidade foi congestionado por mais de 150 tratores e confrontos entre policiais e agricultores que protestavam contra o acordo. Sem alternativas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, preferiu não apresentá-lo ao plenário.

Um dia antes, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia ameaçado engavetar o entendimento, se ele não fosse assinado na cúpula do Mercosul. Depois de ouvir de Meloni a promessa de aval "em breve", aceitou uma pouco crível efetivação em janeiro —mesmo prazo dado por Von der Leyen.

Coube ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, assinalar que as salvaguardas adicionais da UE levarão o bloco sul-americano a expandir proteções a seus setores sensíveis na concorrência com os europeus —os industriais. O resultado será mais travas potenciais ao livre comércio.

A almejada abertura de economias que, juntas, produzem cerca de US$ 22 trilhões ao ano não chega a ser completa, conforme as regras atuais. A regulação das importações agropecuárias pelos europeus e as restrições do Mercosul ao acesso a suas compras governamentais já limitam bastante o escopo das trocas.

Mesmo assim, o acordo tende a dinamizar as atividades dos dois blocos, induzir investimentos e criar alternativas num comércio internacional desorganizado pelo tarifaço dos Estados Unidos de Donald Trump. Se a casta agrícola europeia, altamente subsidiada, virá a vergar-se em janeiro é uma incógnita. O que já há é muito tempo e ganhos perdidos.

A recalcitrância dos europeus

Por O Estado de S. Paulo

UE hesita em fechar acordo com o Mercosul e expõe a contradição de um bloco que prega livre comércio, mas se curva ao protecionismo, num mundo cada vez mais hostil ao multilateralismo

O novo adiamento da assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia não decorre de dúvidas técnicas, falhas jurídicas ou lacunas regulatórias. O tratado está pronto. O que falta é decisão política. O impasse expõe sem disfarces a dificuldade europeia de conciliar retórica liberal, ambição geopolítica e custos políticos domésticos. A “hora da verdade” chegou – e foi empurrada para janeiro.

O jogo interno na União Europeia é conhecido, mas nem por isso menos revelador. Um punhado de países, liderados pela França e agora reforçados pela hesitação italiana, conseguiu transformar interesses setoriais em veto de fato à política comercial de um bloco de 450 milhões de consumidores. Basta uma minoria de bloqueio, ancorada sobretudo no lobby agrícola, para paralisar um acordo negociado ao longo de mais de duas décadas. Trata-se menos de prudência do que de captura política.

A agricultura funciona como o álibi perfeito. Invocam-se padrões ambientais, segurança alimentar e defesa do “modo de vida rural”, enquanto se ignora que o impacto econômico do acordo é limitado, gradual e cercado de salvaguardas inéditas. O setor agrícola europeu é um dos mais protegidos e subsidiados do mundo. Ainda assim, apresenta-se como vítima existencial de um tratado que abriria apenas frações controladas do mercado. É protecionismo antigo vestido com linguagem nova – um caso exemplar de hipocrisia regulatória.

O paradoxo é evidente. A Europa cobra do resto do mundo previsibilidade, abertura e respeito a regras, mas recua quando confrontada com concorrência onde é menos competitiva. Defende o multilateralismo, mas aceita que interesses nacionais estreitos sabotem decisões estratégicas do bloco. Proclama liderança climática, mas transforma exigências ambientais em barreiras comerciais oportunistas. O resultado é um discurso nobre que não se sustenta na prática.

Esse impasse ocorre no pior momento possível. O sistema internacional atravessa uma fase de fragmentação, unilateralismo e uso explícito do comércio como instrumento de coerção. Os Estados Unidos flertam com tarifas e acordos transacionais; a China avança agressivamente em mercados, investimentos e cadeias produtivas. A própria Europa admite estar “ensanduichada” entre Washington e Pequim. Ainda assim, quando surge a chance de firmar uma parceria estratégica com democracias complementares, opta pela paralisia.

O custo dessa hesitação é maior do que o risco político de avançar. O acordo com o Mercosul não é apenas comercial. É um instrumento de diversificação geoeconômica, segurança de suprimentos, atração de investimentos e afirmação de relevância global. A procrastinação da Europa envia ao mundo um sinal de indecisão – e aos seus parceiros, uma mensagem de imprevisibilidade.

Para o Mercosul, o contraste é eloquente. Um bloco historicamente fechado hoje busca abertura, regras e integração. O Brasil, em particular, vê no acordo uma forma de reduzir dependências excessivas, equilibrar sua inserção internacional e atrair investimentos produtivos de longo prazo. Paciência estratégica existe – mas não é infinita. Quanto mais a Europa hesita, mais incentiva seus parceiros a buscar alternativas, nem sempre alinhadas a seus valores ou interesses.

Janeiro será um teste de credibilidade. A assinatura pode destravar o processo e reafirmar a capacidade europeia de agir. Novos adiamentos, judicialização excessiva ou esvaziamento político transformariam o tratado em um acordo zumbi: formalmente existente, mas estrategicamente irrelevante. Em todos os cenários negativos, quem mais perde não é o Mercosul, mas a própria União Europeia.

Livre comércio não é caridade nem ingenuidade. É interesse bem compreendido. Não há autonomia estratégica sem disposição para enfrentar lobbies, nem liderança global sem coerência entre discurso e ação. Se a Europa permitir que o acordo com o Mercosul naufrague por medo político interno, não poderá culpar o mundo. Terá escolhido, por conta própria, seguir a rota da irrelevância.

A rocambolesca união governista

Por O Estado de S. Paulo

Ao punir um ministro por se recusar a desembarcar do governo, e em seguida articular outro nome para o mesmo cargo, o União Brasil escancara a barafunda que é a base de apoio de Lula

O União Brasil é, de fato, um fenômeno. Durante meses, assim como outras legendas centristas ou aquelas classificadas como parte do Centrão, o partido conseguiu a proeza de permanecer no governo e, simultaneamente, atacar com frequência o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mais recentemente, no apagar das luzes de 2025, a legenda protagonizou um novo capítulo de seu enredo politicamente rocambolesco, um exemplo bem-acabado da barafunda que é a base de apoio do governo.

Mais do que trafegar entre a adesão ao governo de ocasião, retribuída com cargos e verbas, e a eventual migração para a oposição, o presidente do União, Antonio Rueda, passou a exibir retórica francamente oposicionista e alinhamento explícito à candidatura presidencial da direita. Esse “governismo de oposição” pareceu ter chegado ao fim quando, ao lado do PP, o União Brasil oficializou a federação que os transformou num gigante eleitoral e, ao mesmo tempo, anunciou a saída da base de apoio ao governo, dando um ultimato a seus ministros para deixarem a pasta. A ponto de o então ministro do Turismo, Celso Sabino, ser expulso do partido por se recusar a desembarcar do ministério.

Pois bem. Sem qualquer constrangimento lógico ou político, o União Brasil passou agora a negociar a indicação de outro nome da própria legenda para ocupar o mesmo ministério que desprezara meses antes. A articulação foi costurada diretamente entre o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos, um dos persistentes comandantes do Centrão, com o aval de Rueda. Poucos dias antes, Celso Sabino estava em Belém, sua base eleitoral, fazendo planos como ministro do Turismo, até descobrir que seria substituído – por indicação do mesmo partido que o desfiliara por se recusar a deixar o cargo. O nome indicado é o do deputado Damião Feliciano, paraibano como Motta. Não por acaso, a manobra gerou queixas duras, sobretudo da ala oposicionista da legenda.

É o Brasil. Um partido integra formalmente a base governista, ocupa ministérios e desfruta dos bônus do poder, mas se comporta como se estivesse na trincheira oposta, mirando a eleição presidencial de 2026. Quando convém, posa de aliado; quando o vento muda, veste o figurino oposicionista; e, quando a incoerência cobra seu preço, improvisa soluções que apenas aprofundam o desarranjo. O problema não é a flexibilidade política – virtude legítima em democracias complexas –, mas a ausência completa de coerência.

O episódio sintetiza duas patologias centrais do atual estado de coisas do sistema partidário brasileiro. A primeira é a fragmentação interna das grandes legendas, transformadas em federações informais de interesses regionais e pessoais. A segunda é o oportunismo elevado à condição de método, na qual cada decisão é guiada exclusivamente pela leitura, quase sempre errática, do humor do eleitorado e das apostas para o próximo ciclo eleitoral.

Antes que as gralhas gritem, convém dizer que Lula e o governo não são vítimas dessa incoerência conjugada com oportunismo, muito menos observadores passivos. Longe disso. Esse é o preço que o presidente tem a pagar tanto pela incompetência política no manejo de sua coalizão, que aguça – em vez de conter – a natureza fluida de Brasília, quanto pela dificuldade crônica do PT de dividir espaços reais de poder na condução de sua gestão. Ademais, basta acompanhar o ideário dos partidos envolvidos para constatar que nada têm a ver com o lulopetismo: a agenda que pregam, como a defesa de ajuste fiscal, menos impostos e redução do Estado, significa o oposto do que Lula e seus sabujos defendem. Nessa história, contudo, não há nem ingênuos nem heróis.

Este jornal insiste que o centro político é indispensável à governabilidade e à contenção dos extremos. Mas essa função pressupõe algum compromisso com a estabilidade institucional e com a palavra empenhada. Quando o pragmatismo degenera em incoerência e o cálculo eleitoral substitui qualquer noção de responsabilidade, o centro deixa de ser fiador da governabilidade para se tornar, ao contrário, um fator permanente de instabilidade.

O socorro a um moribundo

Por O Estado de S. Paulo

Empréstimo de R$ 12 bi aos Correios pode onerar o Tesouro e só resolve dívidas de curto prazo

Sob a expectativa de fechar 2025 com o maior rombo de sua história, ao redor de R$ 10 bilhões – até setembro o prejuízo já ultrapassava R$ 6 bilhões –, os Correios receberam aval do Tesouro para um empréstimo bancário de R$ 12 bilhões. Esse dinheiro não será usado basicamente em investimentos, mas para o pagamento dos débitos de curto prazo, precatórios (dívidas de condenações em processos judiciais) e despesas operacionais, como os salários dos funcionários, que respondem por cerca de 70% dos custos bilionários da estatal (R$ 11,7 bilhões de janeiro a setembro), além de um plano de demissão voluntária.

Atolada em dívidas e sem disponibilidade de caixa, a estatal está em situação gravíssima, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em transformá-la em empresa de economia mista, com o ingresso do capital privado em uma sociedade com controle estatal. Lula levantou essa remotíssima possibilidade como se fosse natural que companhias privadas aceitem se associar a uma estatal que está sob sério risco de insolvência, submetendo-se à interferência do Estado.

Com essa visão distorcida, Lula parece enxergar qualquer estatal como uma Petrobras, empresa de capital misto que ele frequentemente critica por distribuir bons dividendos a seus acionistas. Nada mais distante da realidade. Refém do jogo político, os Correios viraram uma empresa com despesas que em muito excedem suas receitas e que, com a abertura do mercado de entregas de encomendas, não resistiu à livre concorrência. Mesmo contando com vantagens competitivas importantes, como isenção tributária e presença em todo o País, sucumbe à eficiência de grandes grupos de logística.

Apesar de todas as evidências de má administração estatal, a tese do governo petista é de que os Correios são um exemplo dos malefícios da quebra do monopólio estatal. Em recente entrevista ao jornal O Globo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, repetiu a cantilena de que a empresa ficou com o ônus da universalização do serviço postal e alegou que, “quando se acaba com um monopólio e todo mundo começa a competir pelo filé mignon da logística, vai se perder espaço no mercado”.

O governo jamais vai admitir, mas não foi somente a concorrência que quebrou os Correios. Em lugar de se preparar para enfrentar os novos tempos, a empresa estatal serviu para acomodar apadrinhados políticos em cargos de direção, inchando o quadro de funcionários e pagando salários incompatíveis com a situação da empresa – o auge dessa esbórnia foi a distribuição de um bônus natalino, no ano passado, no valor de R$ 2,5 mil, em plena crise.

Os Correios já tiveram mais de 110 mil funcionários. Planos de demissões a partir de 2017 reduziram o quadro para em torno de 80 mil. A título de comparação, o Mercado Livre, líder no mercado de entregas, tinha planos de encerrar o ano com 55 mil funcionários no Brasil. Depois de retirar a empresa do programa de privatizações, Lula autorizou, em 2024, concurso púbico com 3.511 vagas para a empresa.

Recentemente, o presidente disse que o povo brasileiro não pode pagar pelo prejuízo dos Correios, mas é provavelmente isso o que vai acontecer: o crédito de R$ 12 bilhões para a estatal só foi possível com o Tesouro como avalista. Se a empresa não pagar, quem paga é o Tesouro, com dinheiro do contribuinte.

A responsabilidade ética dos Poderes

Por Correio Braziliense

Democracias não colapsam apenas por golpes, mas também pelo desgaste cotidiano de seus valores. Recuperar o espírito republicano, com menos corporativismo e mais virtude cívica, deixou de ser uma escolha

Judiciário e Legislativo protagonizaram, ao longo de 2025, sucessivos embates institucionais que tensionaram a ideia de harmonia e independência entre os Poderes, princípio estruturante da Constituição de 1988. A aprovação do PL da Dosimetria, as controvérsias em torno da Lei do Impeachment, os conflitos sobre emendas parlamentares, despesas obrigatórias e a execução do Orçamento revelam um ambiente de disputa continuada. Nesse contexto, cada Poder passou a atuar menos como parte de um sistema cooperativo de freios e contrapesos e mais como corporação empenhada em preservar e ampliar prerrogativas próprias.

É inegável que, até aqui, as instituições republicanas resistiram aos ataques mais diretos à ordem democrática. Não houve ruptura institucional nem desmonte formal das garantias constitucionais. O sistema de pesos e contrapesos funcionou, bloqueando excessos e evitando retrocessos mais graves. A democracia brasileira demonstrou resiliência, e esse dado merece reconhecimento.

O problema, contudo, desloca-se do plano jurídico para o plano ético. As instituições podem funcionar formalmente e, ainda assim, sofrerem desgaste profundo perante a opinião pública. É isso que vem ocorrendo. O comportamento contraditório de autoridades dos Poderes tem corroído a liderança moral que sustenta a legitimidade republicana. Decisões tecnicamente corretas não bastam quando acompanhadas de sinais de corporativismo, casuísmo ou conveniência política. Em vez de fortalecerem a autoridade institucional, fragilizam-na.

Quando a confiança pública é abalada no plano ético, instala-se um problema grave. A democracia não se sustenta apenas em regras, mas também em valores compartilhados entre instituições e sociedade. Nesse sentido, a reflexão clássica sobre a ética permanece atual. Para Aristóteles, a ética é um saber prático, voltado à ação orientada pelo bem comum. A virtude, governada pela razão, é o caminho para a realização humana, entendida não como interesse individual, mas como compromisso com a vida pública.

Aplicada à vida republicana, essa noção ajuda a compreender o impasse atual. Quando instituições passam a agir prioritariamente em defesa de interesses próprios, sejam poder, prestígio e/ou autoproteção, afastam-se da ética da virtude e do dever para com a coletividade.

Na tradição kantiana, a exigência ética é ainda mais rigorosa: agir corretamente não por conveniência ou cálculo, mas por dever. Transposta ao plano institucional, essa concepção implica que decisões devem ser tomadas não porque favorecem este ou aquele Poder, mas porque são universalmente justificáveis à luz de princípios válidos para todos.

A crise ética da política brasileira não é recente. Ela está associada ao financiamento da política, à confusão entre interesses públicos e privados e à captura do Estado por grupos organizados. Esse ambiente alimenta a desconfiança generalizada e transforma cada movimento institucional em suspeita de manobra ou autoproteção.

O sistema democrático exige equilíbrio permanente entre convicções políticas e responsabilidade de Estado. Sem isso, os riscos são o esvaziamento da autoridade moral das instituições e a erosão contínua da confiança pública. Democracias não colapsam apenas por golpes, mas também pelo desgaste cotidiano de seus valores. Recuperar o espírito republicano, com menos corporativismo e mais virtude cívica, deixou de ser uma escolha. Tornou-se uma urgência.

Hugo Motta corrige rota ao aceitar cassação

Por O Povo (CE)

O PL afirma que recorrerá da decisão para manter os mandatos perdidos, mas é duvidoso que consiga sucesso na iniciativa

A Câmara dos Deputados fez uma espécie de correção de rota ao cassar os mandatos de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ).

A medida ressalta o erro que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cometeu ao levar a decisão de perda do mandato da ex-deputada Carla Zambelli (PL-SP) ao plenário da Casa, que rejeitou a cassação, em confronto com a ordem emitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Na sequência, o ministro Alexandre de Moraes anulou a deliberação da Câmara, mandando dar posse imediata ao suplente. Nesse ínterim, a então deputada renunciou ao cargo, o que terminou por resolver o assunto sem conflito entre o Legislativo e o Judiciário.

Desta vez, Hugo Motta tomou a iniciativa de retirar o mandato de Ramagem e Eduardo Bolsonaro, consultando apenas a Mesa da Câmara. Eduardo, autoexilado nos Estados Unidos, afastado por excesso de faltas. Ramagem foi cassado por determinação do STF, após ser condenado por tentativa de golpe de Estado, em processo transitado em julgado, não cabendo mais recursos. O deputado está foragido, morando nos EUA.

Foi com atraso que Motta resolveu tomar essa decisão, pois não faltavam motivos para sancionar antes ambos os deputados. Eduardo vinha usando seu mandato parlamentar para atuar contra os interesses do Brasil, diretamente dos Estados Unidos; Ramagem, foragido da Justiça, tinha ordem de cassação emitida pelo STF.

O atraso na decisão onerou os cofres públicos. Quando os três já estavam afastados e fora do País, eles custaram aos cofres públicos cerca de R$ 400 mil, em outubro, somente com a manutenção dos gabinetes, segundo cálculo do Congresso em Foco.

Depois do grave equívoco, político e legal, de ter levado a cassação de Zambelli ao plenário da Câmara, em vez de somente declarar a perda do mandato, Motta tinha a obrigação de proceder dessa maneira com Ramagem para não correr o risco de ser enquadrado pelo Supremo. De quebra, ele resolveu também afastar Eduardo Bolsonaro, situação que há muito pedia para ser resolvida.

O Partido Liberal afirma que recorrerá da decisão para manter os mandatos perdidos. Mas é duvidoso que consiga sucesso na iniciativa. O STF dificilmente mudará sua decisão, sustentada pela Constituição. Também será difícil que o PL consiga obter apoio do Centrão para insistir no assunto, em confronto com o Supremo, expondo-se a mais desgaste em um caso que não atrai o apoio popular.

De qualquer modo, espera-se que esse recuo de Motta contribua para reduzir a tensão entre os poderes, ainda que a realidade mostre que essa possibilidade ainda pareça ou pouco distante.

 



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