Bolsonarismo sofre baque com operação da PF
Por O Globo
Depois da cassação de três deputados, outros
dois são alvo de acusações de corrupção com verba parlamentar
Depois da hesitação incompreensível na cassação da então deputada foragida Carla Zambelli (PL-SP), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), soube corrigir o rumo no caso dos também fugitivos Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), cujos mandatos foram cassados pela Mesa da Casa. Espera-se que atue também com rigor perante as acusações que agora pesam contra outros dois deputados do PL fluminense, Carlos Jordy e Sóstenes Cavalcante, líder do partido na Câmara. Ambos foram alvo de operação da Polícia Federal (PF) para coibir desvios de recursos da cota parlamentar.
As investigações expõem uma faceta do
bolsonarismo que nada tem de ideológica e vai além do golpismo ou dos ataques
às instituições democráticas: a corrupção rasteira com verbas parlamentares. Os
fatos se chocam com o feroz discurso moralizador que sempre se ouviu desses
deputados.
A cota parlamentar é destinada a custear
gastos com a atividade legislativa, como viagens, refeições ou funcionários
contratados no gabinete. Não é incomum que recursos sejam desviados para outros
fins. A modalidade mais conhecida é apelidada “rachadinha” — servidores do
gabinete devolvem parte de seus ganhos ao político que os contrata. Foi essa
acusação que pesou contra o então deputado estadual e hoje senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), cujo caso foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
sob o argumento da violação de sigilos fiscal e bancário.
Desta vez, as investigações das verbas
destinadas a Jordy e Sóstenes levaram à Operação Galho Fraco, da PF. Policiais
executaram mandados de busca e apreensão em Brasília e no Rio para apurar se
“agentes políticos, servidores comissionados e particulares teriam atuado de
forma coordenada para o desvio e posterior ocultação de verba pública”. Os
alvos são suspeitos de cometer os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e
formação de organização criminosa. A operação da PF encontrou, num endereço de
Sóstenes em Brasília, R$ 430 mil em dinheiro vivo (ele alega que não depositara
o valor recebido pela venda de um imóvel).
A investigação sugere uma forma mais
sofisticada de “rachadinha”. De acordo com a PF, os deputados usavam servidores
comissionados nos gabinetes para desviar os recursos por meio de pagamentos
fraudulentos a empresas. Uma delas é a Harue Locação de Veículos Ltda.,
locadora que, diz o inquérito, é propriedade de um assessor de Jordy e era
gerenciada por seus familiares para receber por serviços não prestados e
embolsar o dinheiro. Outra empresa investigada sob suspeita de uso para
pagamentos de fachada é a Amazon Serviços e Construções. Ao todo, a PF
identificou, entre 2023 e 2024, R$ 27 milhões movimentados por assessores do PL
sem origem identificada. Atendendo a pedido da Procuradoria-Geral da República,
o ministro do STF Flávio Dino determinou a quebra dos sigilos bancário, fiscal
e telemático dos deputados e demais envolvidos.
As investigações ainda estão em curso, e é
incerta a extensão do esquema. Será preciso aguardar o resultado para tirar
conclusões criminais a respeito. Todos os parlamentares e assessores devem ter
o direito a fornecer explicações dos fatos e a se defender na Justiça. De todo
modo, politicamente, a operação representa sem dúvida novo baque para a bancada
fiel ao ex-presidente Jair Bolsonaro, logo depois da perda de três de seus
expoentes, todos cassados.
Aval do Tesouro a empréstimo para Correios
prolonga agonia da estatal
Por O Globo
Sem plano de privatização, ela segue refém de
sindicatos incapazes de abrir mão até do ‘vale-peru’ de R$ 2,5 mil
A sangria dos Correios segue
sem data para acabar. A estatal vem acumulando prejuízos em série. De janeiro a
setembro, o rombo foi de R$ 6 bilhões. Desesperada por capital, conseguiu enfim
captar R$ 12 bilhões junto a dois bancos estatais e três privados, ao custo
perto do máximo permitido a empréstimos avalizados pelo Tesouro. Garantido o
oxigênio para sobreviver por algum tempo, o esperado seria o governo preparar a
empresa para venda à iniciativa privada. Repetidas gestões já provaram ser
incapazes de oferecer o serviço postal e de entregas com lucro. Mas não é o que
pensa o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Nesta semana, Lula declarou que, “enquanto for presidente, não tem
privatização”.
A relutância em reconhecer a gravidade da
situação é a certeza de novos prejuízos e da necessidade de novos empréstimos
no futuro. Todas as propostas do governo para reverter a crise dos Correios têm
chances ínfimas de dar certo. Pelo plano de reestruturação, a estatal
regularizará dívidas em atraso, cortará gastos operacionais e com pessoal e
formará parcerias para ampliar serviços. Numa etapa seguinte, contratará uma
consultoria e um banco de investimento para apresentar soluções. Uma das
alternativas consideradas é transformá-la em sociedade de economia mista, com
capital público e privado, como Petrobras ou Banco do Brasil.
Mesmo nos lucrativos setores de finanças e
energia, companhias controladas pelo Estado valem menos. É difícil imaginar
quanto valeriam papéis dos Correios na hipótese remota de a empresa ser saneada
e a abertura de capital despertar algum interesse. Não é preciso nem projetar o
tamanho das dificuldades. Basta acompanhar o noticiário. Desde quarta-feira,
funcionários dos Correios estão em greve. Na quinta-feira, a ministra Kátia
Magalhães Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho, foi forçada a determinar
que os sindicatos parados mantenham 80% do efetivo em atividade.
Ante as evidentes agruras financeiras, os
Correios ofereceram reajuste salarial pela inflação, mas sem o pagamento do
“vale-peru” de fim de ano. Foi o suficiente para despertar a revolta numa
categoria acostumada à complacência do governo, confiante na influência de seu
sindicato junto a Lula. Os sindicalistas querem a manutenção de benefícios,
como adicional de 70% de férias, pagamento de 200% nos fins de semana e o
“vale-peru” de R$ 2,5 mil. Diante de demandas como essas, não existe a menor
chance de negociar corte de vagas ou aumento de produtividade. A situação ajuda
a entender por que as empresas postais mais rentáveis no mundo são privadas.
Sem otimizar custos, não há fórmula capaz de tirar qualquer corporação do
prejuízo.
A resistência ideológica de Lula à privatização condena os Correios a continuar reféns de sindicatos e o país a lidar com uma estatal ineficiente e insaciável na captação de dívidas sempre garantidas pelo Tesouro — e pagas pelo contribuinte. A distância para os concorrentes privados só faz aumentar. Cada ano de adiamento da privatização representa mais prejuízo e mais desvalorização da marca.
Governo Lula volta ao centro da bandalheira
no INSS
Por Folha de S. Paulo
Prisão de número 2 do ministério e suspeita
sobre senador do PDT expõem inoperância em reestruturar o setor
São evidentes a omissão e a incúria na
gestão; o pagamento de benefícios previdenciários anda pela casa de R$ 1
trilhão ao ano
A Polícia
Federal prendeu na
quinta-feira (18) Adroaldo da Cunha Portal, secretário-executivo
da Previdência
Social, segundo nome mais importante da pasta. Portal é suspeito de
ter recebido propina a fim de facilitar o roubo de benefícios previdenciários,
desviados sob pretexto de serem contribuições a associações e sindicatos.
O esquema bilionário foi escancarado em abril
pela Operação Sem Desconto. Portal foi promovido em maio pelo ministro Wolney
Queiroz (PDT), que
substituiu seu correligionário Carlos Lupi,
abatido pelo escândalo.
O agora ex-secretário-executivo ocupava o
cargo de secretário de Regime Geral de Previdência desde 2023. Antes disso,
fora assessor de mais um pedetista, o senador Weverton
Rocha (MA), também objeto de investigações sobre as fraudes no
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
volta ao centro da bandalheira porque não se ocupou de renovar a administração
de um serviço inoperante, no mínimo, e incrustado de corrupção, a se
confirmarem as suspeitas da PF.
Não se sabe se Portal é pessoalmente culpado,
o que depende da Justiça, mas são evidentes a omissão e a incúria na gestão.
Registre-se que o pagamento de benefícios previdenciários anda pela casa de R$
1 trilhão ao ano, o equivalente a 43% da despesa federal não financeira.
O número de requerimentos de benefícios
previdenciários à espera de solução chegou a 2,862 milhões em outubro, estoque
que cresceu 49% em um ano. Nada se fez de relevante para reformar uma estrutura
decrépita, com problemas no INSS, na Dataprev e na perícia médica.
Com providências duras e tempestivas para
rever esse quadro, o governo poderia ter notado também o roubo do dinheiro de
aposentados e pensionistas.
Nada se fez, porém, nem quando houve alertas
por parte de procuradores federais, Controladoria Geral da União e Tribunal de
Contas da União, além de queixas dos beneficiários e reportagens jornalísticas.
Alega-se que o esquema começou sob outros
presidentes da República, o que é verdade. Mas tal desculpa apenas expõe a
inércia da atual administração, durante a qual os montantes dispararam.
Quando o esbulho se tornou caso de polícia
público, o governo relutou em demitir Lupi. Quando o fez, nomeou para o posto
um aliado e número dois do ministro caído, Queiroz.
O presidente do INSS com Lupi, Alessandro
Stefanutto, foi demitido em abril, entre outros da cúpula do ministério, e preso em
novembro. No entanto integrantes do mesmo grupo político do PDT
continuaram a ter cargos e influência na pasta.
Para Lula, que passa até pelo constrangimento
de ter um filho
citado numa mensagem investigada pela Polícia Federal, não resta
saída correta além de promover uma reestruturação completa do setor. Se vier
mesmo a fazê-lo, já será com enorme atraso.
Mais uma frustração com o acordo Mercosul-EU
Por Folha de S. Paulo
Adesão da Itália ao grupo contrário ao pacto
de livre comércio provoca cancelamento da assinatura
Protecionismo do agro europeu é principal
entrave à medida, que tende a dinamizar as economias dos dois blocos e induzir
investimentos
Após 26 anos de tratativas, a assinatura do
acordo comercial entre Mercosul e União
Europeia esperada neste sábado (20), durante a cúpula do
Mercosul em Foz do Iguaçu (PR), foi adiada
diante da resistência de quatro países politicamente suscetíveis
a pressões domésticas de setores agrícolas.
A adesão da Itália ao
grupo de oposição —formado por Hungria e Polônia com
liderança da França de Emmanuel Macron—
fez desandar sua efetivação.
Mesmo depois de o Parlamento Europeu ter
reforçado as salvaguardas contra potenciais danos a segmentos agrícolas na
terça (16), a primeira-ministra italiana, Giorgia
Meloni, outrora favorável ao acordo, não o aceitou.
O aval da maioria dos eurodeputados à
extensão dessas garantias, a rigor, já desequilibra o pacto e distancia sua
assinatura. A posição de Roma, por sua vez, deu à ala resistente força
suficiente para vetá-lo no Conselho
Europeu, o fórum decisivo dos líderes das 27 nações do bloco.
O órgão apreciaria o tema na quinta (18) em
Bruxelas, mas o centro da cidade foi congestionado por mais de 150 tratores e
confrontos entre policiais e agricultores que protestavam contra o acordo. Sem
alternativas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen, preferiu não apresentá-lo ao plenário.
Um dia antes, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
havia ameaçado engavetar o entendimento, se ele não fosse assinado na cúpula do
Mercosul. Depois de ouvir de Meloni a promessa de aval "em breve",
aceitou uma pouco crível efetivação em janeiro —mesmo prazo dado por Von der
Leyen.
Coube ao ministro das Relações
Exteriores, Mauro Vieira,
assinalar que as salvaguardas adicionais da UE levarão o
bloco sul-americano a expandir proteções a seus setores
sensíveis na concorrência com os europeus —os industriais. O resultado será
mais travas potenciais ao livre comércio.
A almejada abertura de economias que, juntas,
produzem cerca de US$ 22 trilhões ao ano não chega a ser completa, conforme as
regras atuais. A regulação das importações agropecuárias pelos europeus e
as restrições do
Mercosul ao acesso a suas compras governamentais já limitam
bastante o escopo das trocas.
Mesmo assim, o acordo tende a dinamizar as atividades dos dois blocos, induzir investimentos e criar alternativas num comércio internacional desorganizado pelo tarifaço dos Estados Unidos de Donald Trump. Se a casta agrícola europeia, altamente subsidiada, virá a vergar-se em janeiro é uma incógnita. O que já há é muito tempo e ganhos perdidos.
A recalcitrância dos europeus
Por O Estado de S. Paulo
UE hesita em fechar acordo com o Mercosul e
expõe a contradição de um bloco que prega livre comércio, mas se curva ao
protecionismo, num mundo cada vez mais hostil ao multilateralismo
O novo adiamento da assinatura do acordo
entre Mercosul e União Europeia não decorre de dúvidas técnicas, falhas
jurídicas ou lacunas regulatórias. O tratado está pronto. O que falta é decisão
política. O impasse expõe sem disfarces a dificuldade europeia de conciliar
retórica liberal, ambição geopolítica e custos políticos domésticos. A “hora da
verdade” chegou – e foi empurrada para janeiro.
O jogo interno na União Europeia é conhecido,
mas nem por isso menos revelador. Um punhado de países, liderados pela França e
agora reforçados pela hesitação italiana, conseguiu transformar interesses
setoriais em veto de fato à política comercial de um bloco de 450 milhões de
consumidores. Basta uma minoria de bloqueio, ancorada sobretudo no lobby
agrícola, para paralisar um acordo negociado ao longo de mais de duas décadas.
Trata-se menos de prudência do que de captura política.
A agricultura funciona como o álibi perfeito.
Invocam-se padrões ambientais, segurança alimentar e defesa do “modo de vida
rural”, enquanto se ignora que o impacto econômico do acordo é limitado,
gradual e cercado de salvaguardas inéditas. O setor agrícola europeu é um dos
mais protegidos e subsidiados do mundo. Ainda assim, apresenta-se como vítima existencial
de um tratado que abriria apenas frações controladas do mercado. É
protecionismo antigo vestido com linguagem nova – um caso exemplar de
hipocrisia regulatória.
O paradoxo é evidente. A Europa cobra do
resto do mundo previsibilidade, abertura e respeito a regras, mas recua quando
confrontada com concorrência onde é menos competitiva. Defende o
multilateralismo, mas aceita que interesses nacionais estreitos sabotem
decisões estratégicas do bloco. Proclama liderança climática, mas transforma
exigências ambientais em barreiras comerciais oportunistas. O resultado é um
discurso nobre que não se sustenta na prática.
Esse impasse ocorre no pior momento possível.
O sistema internacional atravessa uma fase de fragmentação, unilateralismo e
uso explícito do comércio como instrumento de coerção. Os Estados Unidos
flertam com tarifas e acordos transacionais; a China avança agressivamente em
mercados, investimentos e cadeias produtivas. A própria Europa admite estar
“ensanduichada” entre Washington e Pequim. Ainda assim, quando surge a chance
de firmar uma parceria estratégica com democracias complementares, opta pela
paralisia.
O custo dessa hesitação é maior do que o
risco político de avançar. O acordo com o Mercosul não é apenas comercial. É um
instrumento de diversificação geoeconômica, segurança de suprimentos, atração
de investimentos e afirmação de relevância global. A procrastinação da Europa
envia ao mundo um sinal de indecisão – e aos seus parceiros, uma mensagem de
imprevisibilidade.
Para o Mercosul, o contraste é eloquente. Um
bloco historicamente fechado hoje busca abertura, regras e integração. O
Brasil, em particular, vê no acordo uma forma de reduzir dependências
excessivas, equilibrar sua inserção internacional e atrair investimentos
produtivos de longo prazo. Paciência estratégica existe – mas não é infinita.
Quanto mais a Europa hesita, mais incentiva seus parceiros a buscar
alternativas, nem sempre alinhadas a seus valores ou interesses.
Janeiro será um teste de credibilidade. A
assinatura pode destravar o processo e reafirmar a capacidade europeia de agir.
Novos adiamentos, judicialização excessiva ou esvaziamento político
transformariam o tratado em um acordo zumbi: formalmente existente, mas
estrategicamente irrelevante. Em todos os cenários negativos, quem mais perde
não é o Mercosul, mas a própria União Europeia.
Livre comércio não é caridade nem
ingenuidade. É interesse bem compreendido. Não há autonomia estratégica sem
disposição para enfrentar lobbies, nem liderança global sem coerência entre
discurso e ação. Se a Europa permitir que o acordo com o Mercosul naufrague por
medo político interno, não poderá culpar o mundo. Terá escolhido, por conta
própria, seguir a rota da irrelevância.
A rocambolesca união governista
Por O Estado de S. Paulo
Ao punir um ministro por se recusar a
desembarcar do governo, e em seguida articular outro nome para o mesmo cargo, o
União Brasil escancara a barafunda que é a base de apoio de Lula
O União Brasil é, de fato, um fenômeno.
Durante meses, assim como outras legendas centristas ou aquelas classificadas
como parte do Centrão, o partido conseguiu a proeza de permanecer no governo e,
simultaneamente, atacar com frequência o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mais recentemente, no apagar das luzes de 2025, a legenda protagonizou um novo
capítulo de seu enredo politicamente rocambolesco, um exemplo bem-acabado da
barafunda que é a base de apoio do governo.
Mais do que trafegar entre a adesão ao
governo de ocasião, retribuída com cargos e verbas, e a eventual migração para
a oposição, o presidente do União, Antonio Rueda, passou a exibir retórica
francamente oposicionista e alinhamento explícito à candidatura presidencial da
direita. Esse “governismo de oposição” pareceu ter chegado ao fim quando, ao
lado do PP, o União Brasil oficializou a federação que os transformou num
gigante eleitoral e, ao mesmo tempo, anunciou a saída da base de apoio ao
governo, dando um ultimato a seus ministros para deixarem a pasta. A ponto de o
então ministro do Turismo, Celso Sabino, ser expulso do partido por se recusar
a desembarcar do ministério.
Pois bem. Sem qualquer constrangimento lógico
ou político, o União Brasil passou agora a negociar a indicação de outro nome
da própria legenda para ocupar o mesmo ministério que desprezara meses antes. A
articulação foi costurada diretamente entre o Palácio do Planalto e o
presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos, um dos persistentes
comandantes do Centrão, com o aval de Rueda. Poucos dias antes, Celso Sabino
estava em Belém, sua base eleitoral, fazendo planos como ministro do Turismo,
até descobrir que seria substituído – por indicação do mesmo partido que o
desfiliara por se recusar a deixar o cargo. O nome indicado é o do deputado
Damião Feliciano, paraibano como Motta. Não por acaso, a manobra gerou queixas
duras, sobretudo da ala oposicionista da legenda.
É o Brasil. Um partido integra formalmente a
base governista, ocupa ministérios e desfruta dos bônus do poder, mas se
comporta como se estivesse na trincheira oposta, mirando a eleição presidencial
de 2026. Quando convém, posa de aliado; quando o vento muda, veste o figurino
oposicionista; e, quando a incoerência cobra seu preço, improvisa soluções que
apenas aprofundam o desarranjo. O problema não é a flexibilidade política –
virtude legítima em democracias complexas –, mas a ausência completa de
coerência.
O episódio sintetiza duas patologias centrais
do atual estado de coisas do sistema partidário brasileiro. A primeira é a
fragmentação interna das grandes legendas, transformadas em federações
informais de interesses regionais e pessoais. A segunda é o oportunismo elevado
à condição de método, na qual cada decisão é guiada exclusivamente pela leitura,
quase sempre errática, do humor do eleitorado e das apostas para o próximo
ciclo eleitoral.
Antes que as gralhas gritem, convém dizer que
Lula e o governo não são vítimas dessa incoerência conjugada com oportunismo,
muito menos observadores passivos. Longe disso. Esse é o preço que o presidente
tem a pagar tanto pela incompetência política no manejo de sua coalizão, que
aguça – em vez de conter – a natureza fluida de Brasília, quanto pela
dificuldade crônica do PT de dividir espaços reais de poder na condução de sua
gestão. Ademais, basta acompanhar o ideário dos partidos envolvidos para
constatar que nada têm a ver com o lulopetismo: a agenda que pregam, como a
defesa de ajuste fiscal, menos impostos e redução do Estado, significa o oposto
do que Lula e seus sabujos defendem. Nessa história, contudo, não há nem
ingênuos nem heróis.
Este jornal insiste que o centro político é
indispensável à governabilidade e à contenção dos extremos. Mas essa função
pressupõe algum compromisso com a estabilidade institucional e com a palavra
empenhada. Quando o pragmatismo degenera em incoerência e o cálculo eleitoral
substitui qualquer noção de responsabilidade, o centro deixa de ser fiador da
governabilidade para se tornar, ao contrário, um fator permanente de instabilidade.
O socorro a um moribundo
Por O Estado de S. Paulo
Empréstimo de R$ 12 bi aos Correios pode
onerar o Tesouro e só resolve dívidas de curto prazo
Sob a expectativa de fechar 2025 com o maior
rombo de sua história, ao redor de R$ 10 bilhões – até setembro o prejuízo já
ultrapassava R$ 6 bilhões –, os Correios receberam aval do Tesouro para um
empréstimo bancário de R$ 12 bilhões. Esse dinheiro não será usado basicamente
em investimentos, mas para o pagamento dos débitos de curto prazo, precatórios
(dívidas de condenações em processos judiciais) e despesas operacionais, como
os salários dos funcionários, que respondem por cerca de 70% dos custos bilionários
da estatal (R$ 11,7 bilhões de janeiro a setembro), além de um plano de
demissão voluntária.
Atolada em dívidas e sem disponibilidade de
caixa, a estatal está em situação gravíssima, mas o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva fala em transformá-la em empresa de economia mista, com o ingresso do
capital privado em uma sociedade com controle estatal. Lula levantou essa
remotíssima possibilidade como se fosse natural que companhias privadas aceitem
se associar a uma estatal que está sob sério risco de insolvência,
submetendo-se à interferência do Estado.
Com essa visão distorcida, Lula parece
enxergar qualquer estatal como uma Petrobras, empresa de capital misto que ele
frequentemente critica por distribuir bons dividendos a seus acionistas. Nada
mais distante da realidade. Refém do jogo político, os Correios viraram uma
empresa com despesas que em muito excedem suas receitas e que, com a abertura
do mercado de entregas de encomendas, não resistiu à livre concorrência. Mesmo
contando com vantagens competitivas importantes, como isenção tributária e
presença em todo o País, sucumbe à eficiência de grandes grupos de logística.
Apesar de todas as evidências de má
administração estatal, a tese do governo petista é de que os Correios são um
exemplo dos malefícios da quebra do monopólio estatal. Em recente entrevista ao
jornal O Globo, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, repetiu a cantilena de que a empresa
ficou com o ônus da universalização do serviço postal e alegou que, “quando se
acaba com um monopólio e todo mundo começa a competir pelo filé mignon da
logística, vai se perder espaço no mercado”.
O governo jamais vai admitir, mas não foi
somente a concorrência que quebrou os Correios. Em lugar de se preparar para
enfrentar os novos tempos, a empresa estatal serviu para acomodar apadrinhados
políticos em cargos de direção, inchando o quadro de funcionários e pagando
salários incompatíveis com a situação da empresa – o auge dessa esbórnia foi a
distribuição de um bônus natalino, no ano passado, no valor de R$ 2,5 mil, em
plena crise.
Os Correios já tiveram mais de 110 mil
funcionários. Planos de demissões a partir de 2017 reduziram o quadro para em
torno de 80 mil. A título de comparação, o Mercado Livre, líder no mercado de
entregas, tinha planos de encerrar o ano com 55 mil funcionários no Brasil.
Depois de retirar a empresa do programa de privatizações, Lula autorizou, em
2024, concurso púbico com 3.511 vagas para a empresa.
Recentemente, o presidente disse que o povo brasileiro não pode pagar pelo prejuízo dos Correios, mas é provavelmente isso o que vai acontecer: o crédito de R$ 12 bilhões para a estatal só foi possível com o Tesouro como avalista. Se a empresa não pagar, quem paga é o Tesouro, com dinheiro do contribuinte.
A responsabilidade ética dos Poderes
Por Correio Braziliense
Democracias não colapsam apenas por golpes,
mas também pelo desgaste cotidiano de seus valores. Recuperar o espírito
republicano, com menos corporativismo e mais virtude cívica, deixou de ser uma
escolha
Judiciário e Legislativo protagonizaram, ao
longo de 2025, sucessivos embates institucionais que tensionaram a ideia de
harmonia e independência entre os Poderes, princípio estruturante da
Constituição de 1988. A aprovação do PL da Dosimetria, as controvérsias em
torno da Lei do Impeachment, os conflitos sobre emendas parlamentares, despesas
obrigatórias e a execução do Orçamento revelam um ambiente de disputa
continuada. Nesse contexto, cada Poder passou a atuar menos como parte de um
sistema cooperativo de freios e contrapesos e mais como corporação empenhada em
preservar e ampliar prerrogativas próprias.
É inegável que, até aqui, as instituições
republicanas resistiram aos ataques mais diretos à ordem democrática. Não houve
ruptura institucional nem desmonte formal das garantias constitucionais. O
sistema de pesos e contrapesos funcionou, bloqueando excessos e evitando
retrocessos mais graves. A democracia brasileira demonstrou resiliência, e esse
dado merece reconhecimento.
O problema, contudo, desloca-se do plano
jurídico para o plano ético. As instituições podem funcionar formalmente e,
ainda assim, sofrerem desgaste profundo perante a opinião pública. É isso que
vem ocorrendo. O comportamento contraditório de autoridades dos Poderes tem
corroído a liderança moral que sustenta a legitimidade republicana. Decisões
tecnicamente corretas não bastam quando acompanhadas de sinais de
corporativismo, casuísmo ou conveniência política. Em vez de fortalecerem a
autoridade institucional, fragilizam-na.
Quando a confiança pública é abalada no plano
ético, instala-se um problema grave. A democracia não se sustenta apenas em
regras, mas também em valores compartilhados entre instituições e sociedade.
Nesse sentido, a reflexão clássica sobre a ética permanece atual. Para
Aristóteles, a ética é um saber prático, voltado à ação orientada pelo bem
comum. A virtude, governada pela razão, é o caminho para a realização humana,
entendida não como interesse individual, mas como compromisso com a vida
pública.
Aplicada à vida republicana, essa noção ajuda
a compreender o impasse atual. Quando instituições passam a agir
prioritariamente em defesa de interesses próprios, sejam poder, prestígio e/ou
autoproteção, afastam-se da ética da virtude e do dever para com a coletividade.
Na tradição kantiana, a exigência ética é
ainda mais rigorosa: agir corretamente não por conveniência ou cálculo, mas por
dever. Transposta ao plano institucional, essa concepção implica que decisões
devem ser tomadas não porque favorecem este ou aquele Poder, mas porque são
universalmente justificáveis à luz de princípios válidos para todos.
A crise ética da política brasileira não é
recente. Ela está associada ao financiamento da política, à confusão entre
interesses públicos e privados e à captura do Estado por grupos organizados.
Esse ambiente alimenta a desconfiança generalizada e transforma cada movimento
institucional em suspeita de manobra ou autoproteção.
O sistema democrático exige equilíbrio permanente entre convicções políticas e responsabilidade de Estado. Sem isso, os riscos são o esvaziamento da autoridade moral das instituições e a erosão contínua da confiança pública. Democracias não colapsam apenas por golpes, mas também pelo desgaste cotidiano de seus valores. Recuperar o espírito republicano, com menos corporativismo e mais virtude cívica, deixou de ser uma escolha. Tornou-se uma urgência.
Hugo Motta corrige rota ao aceitar cassação
Por O Povo (CE)
O PL afirma que recorrerá da decisão para
manter os mandatos perdidos, mas é duvidoso que consiga sucesso na iniciativa
A Câmara dos Deputados fez uma espécie de
correção de rota ao cassar os mandatos de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre
Ramagem (PL-RJ).
A medida ressalta o erro que o presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), cometeu ao levar a decisão de perda do
mandato da ex-deputada Carla Zambelli (PL-SP) ao plenário da Casa, que rejeitou
a cassação, em confronto com a ordem emitida pelo Supremo Tribunal Federal
(STF).
Na sequência, o ministro Alexandre de Moraes
anulou a deliberação da Câmara, mandando dar posse imediata ao suplente. Nesse
ínterim, a então deputada renunciou ao cargo, o que terminou por resolver o
assunto sem conflito entre o Legislativo e o Judiciário.
Desta vez, Hugo Motta tomou a iniciativa de
retirar o mandato de Ramagem e Eduardo Bolsonaro, consultando apenas a Mesa da
Câmara. Eduardo, autoexilado nos Estados Unidos, afastado por excesso de
faltas. Ramagem foi cassado por determinação do STF, após ser condenado por
tentativa de golpe de Estado, em processo transitado em julgado, não cabendo
mais recursos. O deputado está foragido, morando nos EUA.
Foi com atraso que Motta resolveu tomar essa
decisão, pois não faltavam motivos para sancionar antes ambos os deputados.
Eduardo vinha usando seu mandato parlamentar para atuar contra os interesses do
Brasil, diretamente dos Estados Unidos; Ramagem, foragido da Justiça, tinha
ordem de cassação emitida pelo STF.
O atraso na decisão onerou os cofres
públicos. Quando os três já estavam afastados e fora do País, eles custaram aos
cofres públicos cerca de R$ 400 mil, em outubro, somente com a manutenção dos
gabinetes, segundo cálculo do Congresso em Foco.
Depois do grave equívoco, político e legal,
de ter levado a cassação de Zambelli ao plenário da Câmara, em vez de somente
declarar a perda do mandato, Motta tinha a obrigação de proceder dessa maneira
com Ramagem para não correr o risco de ser enquadrado pelo Supremo. De quebra,
ele resolveu também afastar Eduardo Bolsonaro, situação que há muito pedia para
ser resolvida.
O Partido Liberal afirma que recorrerá da
decisão para manter os mandatos perdidos. Mas é duvidoso que consiga sucesso na
iniciativa. O STF dificilmente mudará sua decisão, sustentada pela
Constituição. Também será difícil que o PL consiga obter apoio do Centrão para
insistir no assunto, em confronto com o Supremo, expondo-se a mais desgaste em
um caso que não atrai o apoio popular.
De qualquer modo, espera-se que esse recuo de
Motta contribua para reduzir a tensão entre os poderes, ainda que a realidade
mostre que essa possibilidade ainda pareça ou pouco distante.

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