UE é responsável pela sina do acordo com Mercosul
Por O Globo
Protecionistas são poucos, mas fizeram de
tudo para torpedear qualquer tipo de tratado
Em comunicado à Câmara dos Deputados da Itália na semana passada, a primeira-ministra Giorgia Meloni afirmou que a assinatura do acordo de livre-comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul era “ainda prematura”. “É necessário aguardar que o pacote de medidas adicionais para proteger o setor agrícola seja aperfeiçoado e, ao mesmo tempo, apresentá-lo e discuti-lo com nossos agricultores”, disse Meloni. Ela cerrou fileiras contra o tratado com o presidente francês, Emmanuel Macron. Os dois comandaram a barreira erguida na reunião de cúpula dos 27 integrantes da UE em Bruxelas que deveria ter referendado o documento a tempo de ser assinado ontem, em Foz do Iguaçu (PR), na cúpula do Mercosul. Sem aval do Conselho Europeu, o acordo não saiu. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que uma nova data será marcada em janeiro.
Ora, a negociação se arrasta desde 1999. O
tratado anunciado pode ser qualificado como qualquer coisa, menos prematuro. O
texto final foi fechado em dezembro de 2024, atendendo a todas as demandas
europeias sobre termos acordados desde 2019. O movimento de recuo reflete tão
somente mais uma tentativa dos protecionistas europeus de torpedear qualquer
tratado. Na terça-feira, quando o Parlamento Europeu referendou o acordo,
previu novas restrições, autorizando barrar importações se o preço dos produtos
sul-americanos cair mais de 5% ou se o volume exportado crescer mais de 8%.
Trata-se, na prática, de uma limitação aos benefícios que o livre-comércio
traria ao consumidor europeu. Concebidas para aplacar a resistência dos
opositores dentro do bloco, as medidas tiveram efeito oposto. Serviram para
Meloni sobrestar a assinatura.
Os protecionistas são poucos, mas até aqui
têm conseguido impedir a aprovação. Os mais barulhentos estão na França. Lá o
trabalho agrícola só faz cair. Hoje apenas 3% dos franceses estão empregados no
setor, menos que na Espanha ou em Portugal, dois países favoráveis ao acordo. O
que diferencia a força dos franceses do campo é o apoio que eles têm nas
cidades, onde a atividade agrícola é idealizada.
Ineficiente e nadando em subsídios, o
agronegócio europeu teme a competição com argentinos, brasileiros, paraguaios e
uruguaios. Criada na década de 1960, a Política Agrícola Comum europeia ainda
suga um quarto do orçamento do bloco. Entre 2021 e 2027, os agricultores
receberão a fábula de € 387 bilhões. Na batalha para garantir os subsídios e
mobilizar a opinião pública, lançam mão de todos os argumentos a seu alcance.
No passado, chegaram a dizer que a agricultura é uma tradição a preservar.
Recentemente, voltaram a exigir de produtos do Mercosul os mesmos requisitos
ambientais e sanitários impostos aos europeus (tema já debatido ad nauseam).
Nesta semana, tumultuaram as ruas de Bruxelas e bloquearam estradas francesas.
Alemanha, Holanda, Espanha e Portugal,
favoráveis ao livre-comércio com o Mercosul, têm sido incapazes de furar o bloqueio
protecionista. Diante de tanta sabotagem, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva ameaçou abandonar as negociações, mas voltou atrás após falar com Meloni.
Pode ser que o acordo ainda saia, mas o Mercosul faria bem em concentrar
energia em acordos com outras regiões. Se o tarifaço de Donald Trump não serviu
de lição à UE sobre a necessidade de abrir novos mercados, nada mais
conseguirá.
‘Stalking’ em alta revela uma face perversa
da violência contra mulher
Por O Globo
Prisão de acusado de perseguir atriz Ísis Valverde
mostrou que crime pode ser origem de agressões e feminicídios
A prisão de um homem acusado de perseguir a
atriz Isis Valverde por
duas décadas deu visibilidade a um crime pouco conhecido — o stalking, ou
perseguição. Infelizmente, é prática mais comum do que se imagina. Em
depoimento à polícia, a atriz afirmou temer não só por sua integridade física,
mas também pela segurança de sua família. O acusado, do Rio Grande do Sul, chegou
a contratar detetive particular para descobrir endereço e telefone da vítima e,
desde o início do ano, passou a apresentar comportamento obsessivo e invasivo.
O stalking é mais um no longo rol de crimes
contra as mulheres. De 2023 a 2024, os feminicídios cresceram 0,7%, as
tentativas de feminicídio 19%, os registros de violência psicológica
6,3%. No ano passado, o país registrou o maior número de estupros (e estupros
de vulneráveis) da História — 87.545 vítimas, quase dez por hora. Dos mais
graves aos menos graves, todos fazem parte de um mesmo contexto vergonhoso.
No ano passado foram registrados 95.026 casos
de stalking no país, 260 por dia, ou mais de dez por hora, segundo o Anuário
Brasileiro de Segurança Pública. Houve aumento de 18,2% em relação ao ano
anterior. O número real é provavelmente maior, já que o crime nem sempre é
denunciado. “A subnotificação é alta porque muitas mulheres e homens normalizam
esse comportamento”, disse ao GLOBO Isabella Matosinhos, pesquisadora do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. “Muitos vivem essa situação, mas não a
entendem como violência.”
A perseguição pode não parecer tão grave diante
de outros horrores cometidos contra mulheres, mas o stalking pode ser um degrau
perigoso na escalada de violência. O que começa com perseguição e ofensa pode
avançar para agressões, descambar para lesões corporais e até feminicídios.
Mulheres que vivem experiências desse tipo passam a se isolar, deixam de
frequentar lugares aonde costumavam ir, padecem de angústia, insônia,
pesadelos, depressão ou síndrome do pânico.
A Lei do Stalking é relativamente nova, só
foi incluída no Código Penal em 2021. O crime é tipificado como perseguir
alguém de forma reiterada, com ameaças à integridade física ou psicológica, de
maneira presencial ou virtual. A pena prevista é de seis meses a dois anos de
reclusão, além de multa. Quando cometido contra uma mulher por motivação de
gênero, a pena dobra. A lei é bem-intencionada, mas na prática ninguém fica
preso por muito tempo. Por se tratar de crime de menor potencial ofensivo, o
agressor consegue em geral alívio na punição.
Cabe às instituições governamentais e ONGs ampliar canais de denúncias e estimular as vítimas a registrá-las, para que autoridades conheçam a dimensão do problema e ajam de acordo. À polícia, cabe investigar os casos. E à Justiça, punir perseguidores, agressores e assassinos de mulheres, com base na legislação robusta que o Brasil construiu nesse campo nos últimos anos. É preciso adotar tolerância zero com esses casos, quaisquer que sejam. Agir com celeridade e rigor diante da perseguição pode evitar um mal maior.
É preciso retomar a doação eleitoral de
empresas
Por Folha de S. Paulo
Gigantismo do financiamento público,
associado a emendas orçamentárias, sabota representação popular
Deve-se retomar a premissa de que partidos
são agentes da sociedade, não do Estado, e na sociedade deveriam obter os seus
recursos
O sistema de financiamento explícito e
implícito de campanhas no Brasil desenvolveu anomalias e incentivos adversos
que têm contribuído para distanciar a representação política do objetivo de
refletir as demandas da sociedade e para aproximá-la de grupos desinteressados
pelo bem comum.
Num exemplo clássico da mania das autoridades
nacionais de combater um excesso com a criação de outro excesso, o Supremo
Tribunal Federal (STF)
julgou inconstitucional, em 2015, a contribuição financeira de empresas para
candidaturas eleitorais.
Tratou-se de mais uma interpretação
heterodoxa da Constituição,
em que a corte pretendeu fazer as vezes de legislador e atuar como instância
retificadora dos problemas nacionais. Daquela feita os ministros estavam
incensados pelo clima, então favorável, à Lava Jato. Depois a maioria mudou de
ideia, mas as doações empresariais continuaram proibidas.
A comunidade política não se frustrou com o
julgamento, porque rapidamente entendeu que tinha carta branca da corte máxima
para afundar o pé
no acelerador do financiamento público de campanhas. Os fundos
eleitoral e partidário de 2026 preveem desembolsos recordes e nababescos que
ultrapassarão R$ 6 bilhões.
Em paralelo a isso, deputados federais e
senadores transformaram as verbas
discricionárias do Orçamento da União no seu território
exclusivo de caça. Hoje determinam a execução de R$ 60 bilhões anuais, recursos
de escassa eficiência para as políticas públicas federais e de difícil
rastreio.
Nesses dois movimentos, as oligarquias
partidárias abocanharam dezenas de bilhões de reais que, a cada ciclo, são
utilizadas preponderantemente sob a lógica da perpetuação de seu poder.
O crime e a corrupção, que se quiseram
combater fechando as portas ao financiamento empresarial, entram por outras
passagens que foram escancaradas.
A malversação de emendas dá ensejo a
frequentes operações da Polícia
Federal contra congressistas. O dinheiro do crime
organizado, que não encontra barreiras como as que foram erguidas
contra as corporações do setor legal, irriga as contas, dentro e fora das
campanhas, daqueles que, em governos e parlamentos, defendem a sua agenda de
delinquências.
Da forma como o amálgama entre emendas e
fundos eleitorais se reforça pelas regras criadas por quem tem interesse na sua
permanência, quanto mais se espera para combater o problema, mais difícil será
a tarefa.
É preciso retomar a premissa, de resto óbvia,
de que partidos são organizações a serviço da sociedade, não do Estado, e na
sociedade deveriam se financiar.
Restabelecer, talvez via reforma
constitucional, a doação eleitoral por empresas —desde que transparente e
limitada a valores monetários razoáveis— e reduzir fundos públicos de campanha
e emendas parlamentares tornaria o sistema mais representativo da sociedade e
menos do cartorialismo, da ineficiência e do crime.
Apreensão de dinheiro vivo pega bolsonarismo
no contrapé
Por Folha de S. Paulo
Operação da PF mira Sóstenes Cavalcante e
Carlos Jordy, deputados federais e aliados próximos de Bolsonaro
Investigação reúne indícios fortes; a PF
encontrou R$ 430 mil em espécie em um imóvel usado por Sóstenes, que é líder do
PL
Sóstenes
Cavalcante e Carlos Jordy,
ambos deputados federais pelo PL-RJ, estão entre os mais
aguerridos apoiadores de Jair
Bolsonaro (PL). Os dois não medem palavras para defender o ex-presidente
das acusações que ele enfrenta na Justiça.
Pois agora parecem dispostos a utilizar o
mesmo expediente em benefício de si próprios. Na sexta-feira (19), tornaram-se
alvo de uma operação da Polícia
Federal que investiga o
possível desvio de recursos de cotas parlamentares —verbas
públicas destinadas ao custeio do mandato.
A PF e a Procuradoria-Geral da República
suspeitam que Sóstenes e Jordy, além de dois de seus assessores, organizaram um
esquema para embolsar o dinheiro ilegalmente. A fraude envolveria repasses
irregulares a uma empresa de locação de carros.
Os indícios, colhidos por meio de relatórios
financeiros e conversas extraídas de celulares dos investigados, incluem o
fracionamento de saques e depósitos de até R$ 9.999, bem como movimentações
elevadas sem identificação de origem dos recursos.
Diante dessa situação, o ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal, determinou a quebra dos sigilos bancários dos
deputados, de maio de 2018 a dezembro de 2024, e autorizou sete mandados de
busca a apreensão, no Rio e no Distrito Federal.
Em uma dessas investidas, agentes federais
encontraram R$ 430 mil em espécie guardados em um imóvel usado por Sóstenes,
que é líder do PL na Câmara. A imagem da pilha de dinheiro pega o bolsonarismo
no contrapé de seu discurso, sempre feroz sobre a corrupção dos outros.
Os dois deputados, como seria de imaginar,
negaram que estejam envolvidos em qualquer falcatrua. E, como assegura o Estado
de Direito, terão a oportunidade de se manifestar nos autos, rechaçando, se for
o caso, os pontos ora considerados suspeitos.
Por enquanto, não fizeram isso. Jordy
classificou a operação como "covarde" e sustentou que a alegação
"é tosca", mas não apresentou evidências concretas para afastar a
desconfiança. Sóstenes disse que o dinheiro apreendido decorre da venda de um
imóvel, mas não mostrou documentos que comprovem sua versão.
O líder do PL, ademais, falou em perseguição
e mencionou o
contrato do escritório da mulher do ministro Alexandre de
Moraes, do STF,
com o Banco Master, no valor de R$ 129 milhões.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas serve para lembrar que, se o STF não cuidar de sua imagem, será cada vez mais difícil preservar a autoridade moral em um cenário polarizado.
STF escolhe a insegurança jurídica
Por O Estado de S. Paulo
Ignorando sua própria decisão de 2009, STF
insiste no erro de rejeitar o marco temporal, confronta o Congresso e amplia a
insegurança no campo, em prejuízo dos próprios indígenas
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou
maioria para reafirmar a inconstitucionalidade do chamado marco temporal para
demarcação de terras indígenas. Desse modo, o Supremo caminha para reincidir no
erro que cometeu em setembro de 2023, quando derrubou a própria tese que fixara
14 anos antes, no julgamento da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em
Roraima.
Ao fazê-lo, o Supremo aprofundou a
insegurança jurídica no campo e perpetuou a vulnerabilidade dos povos
indígenas, alimentando, na prática, intermináveis conflitos pela posse da terra
que poderiam ser dirimidos pela fixação do marco temporal.
O marco temporal é uma tese que fixa como
referência para demarcação de terras as áreas em posse dos indígenas no dia 5
de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Diz o art. 231: “São
reconhecidos aos índios (...) os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens”. Ou seja, os constituintes originários assentaram
na Lei Maior que os indígenas não têm direito sobre qualquer porção de terra
que eventualmente venham a ocupar, e sim “sobre as terras que tradicionalmente
ocupam”. O tempo verbal escolhido pelo Legislativo é inequívoco.
Entende-se o espírito. O que se pretendia –
aliás, uma pretensão tão atual quanto há 37 anos – era impedir o prolongamento
indefinido dos processos de demarcação de terra, retrocedendo-se até sabe-se lá
quando. Ademais, havia o claro objetivo de pacificar o campo por meio da fixação
de um critério objetivo para a definição das áreas demarcadas.
Ao contrário do que apregoam seus críticos, o
marco temporal, ao fixar como referência a data da promulgação da Constituição,
não consiste em uma arbitrariedade, muito menos representa uma “violência
colonial”. Ao contrário, funciona como um critério objetivo para conferir
previsibilidade ao processo demarcatório, encerrando controvérsias históricas e
reduzindo conflitos fundiários. De acordo com o Censo 2022, há 1,7 milhão de
indígenas no Brasil, o que corresponde a 0,83% da população. No entanto, esse
contingente já ocupa cerca de 14% do território nacional, considerando apenas
as terras que foram regularizadas.
A rigor, nada mudou no País que justificasse
a guinada jurisprudencial encampada pelo STF de 2009 para cá. A não ser, claro,
a composição da Corte, bem mais suscetível à pressão política e social de
grupos organizados. Ao descartar um precedente sólido sem qualquer base factual
ou jurídica nova, o STF fragiliza sua autoridade e transmite a mensagem de que
decisões cruciais para o Brasil podem ser revistas ao sabor das circunstâncias.
Ora, o papel contramajoritário da Corte presta-se para lhe garantir a liberdade
para defender a supremacia da Constituição a despeito das pressões de momento.
Não menos grave é o descompasso entre o STF e
o Congresso. Diante da esdrúxula decisão tomada pela Corte em 2023, o Congresso
reagiu dentro das regras do jogo democrático, aprovando uma lei para
restabelecer o marco temporal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o
projeto, mas o veto foi derrubado. Ato contínuo, o debate avançou para o nível
constitucional, com a tramitação da PEC 48/2023, aprovada em dois turnos pelo
Senado há poucas semanas e ora sob análise da Câmara. Em vez de aguardar a conclusão
desse processo, o STF decidiu se antecipar, reafirmando sua posição e, na
prática, contratando mais um embate institucional de consequências
imprevisíveis.
É preciso de uma vez por todas construir um
arranjo institucional para que a questão seja pacificada. Não é impossível: há
o precedente do Código Florestal, uma sofisticada legislação que é exemplo para
o mundo, fruto de um debate democrático em que todos cederam um pouco para
superar uma das questões mais espinhosas da pauta nacional. Se isso não
acontecer no caso do marco temporal, prevalecerão a indefinição, a disputa
entre os Poderes e a insegurança jurídica – não só para os agricultores, mas
também para os povos originários.
A cassação de Eduardo e Ramagem
Por O Estado de S. Paulo
Cassar deputados nunca será trivial,
sobretudo quando se fala de parlamentares com centenas de milhares de votos.
Mas casos de Eduardo Bolsonaro e Alexandre Ramagem eram inapeláveis
A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados
declarou a cassação dos mandatos de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre
Ramagem (PL-RJ) com fundamento no art. 55, inciso III, da Constituição. Segundo
esse dispositivo, perderá o mandato o deputado ou senador “que deixar de
comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da
Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada”. Ou seja,
ambos foram cassados por faltas.
De acordo com o parágrafo 3.º daquele mesmo
dispositivo constitucional, nos casos de faltas ou perda de mandato ordenada
pela Justiça Eleitoral, a cassação será apenas “declarada” pela Mesa Diretora,
vale dizer, não está sujeita à decisão do plenário. Portanto, declarar a
cassação de Eduardo não era mais do que uma obrigação da Mesa Diretora da
Câmara dos Deputados. Em março, o agora ex-deputado fixou residência nos EUA e,
desde então, já extrapolou o limite de faltas injustificadas na atual sessão
legislativa.
O caso de Ramagem, em tese, é mais
complicado. Conforme o art. 55, inciso VI, perderá o mandato o parlamentar “que
sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado” – precisamente o
caso dele. Mas, em primeiro lugar, não foi essa a fundamentação jurídica dada
pela Mesa Diretora para cassar seu mandato. Ademais, a perda não é automática.
O parágrafo 2.º do art. 55 diz que “a perda do mandato será decidida pela
Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta”. Logo, ao
decidir cassar Ramagem sem passar pelo plenário, a Mesa Diretora extrapolou o
que diz a Constituição.
Não é absurdo supor que, ao optar por
declarar a cassação de Ramagem por faltas, o presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), quis evitar um novo constrangimento ao
recorrer a um dispositivo constitucional que o autoriza a não submeter sua
decisão ao crivo do plenário. Motta argumentou que Ramagem “está condenado ao
regime fechado, está no exterior por vontade própria” e “está muito claro que,
se ele decidir ficar no exterior, ele não vai cumprir o mandato” e, “se voltar
ao Brasil, ele também não vai cumprir o mandato, já que foi condenado”.
Parece muito lógico, mas não foi assim que
ele decidiu agir no caso da ex-deputada Carla Zambelli (PL-SP), que está
igualmente no exterior e que foi condenada criminalmente, com trânsito em
julgado, a regime fechado de prisão. Motta levou ao plenário a votação sobre o
destino de Zambelli, conforme o que prevê a Constituição, mas a cassação da
deputada foi rejeitada por insuficiência de votos. Ato contínuo, o STF, que
determinara a cassação, anulou a sessão da Câmara e reiterou a ordem para que a
Mesa Diretora declarasse a perda do mandato e desse posse ao suplente, situação
que amplificou o embate entre o Congresso e o STF.
Noves fora os aspectos jurídicos e políticos
dos casos de Eduardo e Ramagem, a cassação de ambos encerra duas trajetórias
notoriamente marcadas por condutas que afrontaram o interesse nacional e os
fundamentos do Estado Democrático de Direito: Eduardo atuou para prejudicar o
Brasil nos EUA a pretexto de salvar o pai, Jair Bolsonaro, da cadeia; Ramagem,
por sua vez, envolveu-se numa tentativa de golpe de Estado e foi condenado por
isso.
Este jornal, fundado sob inspiração dos
ideais republicanos e liberal-democráticos, vê-se na obrigação de registrar que
a cassação de um mandato eletivo é sempre um evento grave e indesejável. Ao fim
e ao cabo, trata-se da frustração de uma delegação conferida pelo voto direto,
expressão maior da vontade livre e soberana dos eleitores, pilar da democracia
representativa. Portanto, não é um desfecho que possa ser celebrado sem
reservas, sobretudo quando se trata de deputados que receberam, somados, pouco
mais de 800 mil votos.
Justamente por isso, a perda do mandato deve
ser vista como medida extrema, a ser adotada apenas quando o próprio
comportamento do parlamentar a torna inevitável. O voto popular não é
salvo-conduto para a irresponsabilidade nem muito menos autorização para
práticas incompatíveis com o exercício do mandato. A legitimidade conferida
pelas urnas exige, como contrapartida, absoluto respeito às instituições,
decoro e compromisso inequívoco com o País – requisitos básicos que, em ambos
os casos, não foram observados.
Uma PEC feita para palanque
Por O Estado de S. Paulo
Redução da jornada de trabalho 6x1 embute
risco semelhante a uma recessão econômica
Às vésperas do recesso parlamentar, a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a proposta de emenda
à Constituição (PEC) que prevê o fim da jornada de trabalho 6x1 (seis dias de
trabalho por um dia de descanso). A PEC, que propõe redução de jornada das
atuais 44 horas para 36 horas semanais, foi incluída como matéria fora da pauta
na reunião da comissão, sem aviso prévio. Aprovada em votação simbólica, será
avaliada no plenário da Casa.
Há muitos senões na proposta, encampada com
euforia pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva – a PEC do Senado é de
autoria de Paulo Paim (PT-RS) e relatada por Rogério Carvalho (PT-SE), e há
outra, semelhante, na Câmara, da deputada Erika Hilton (PSOL-SP). Pudera,
considerando-se o gosto do petismo por projetos demagógicos com potencial
eleitoral, independentemente de seus fundamentos. Trabalhar menos sem queda na
remuneração é, por óbvio, o sonho dos que vivem de salário. O problema está na
conhecida diferença entre sonho e realidade.
O senador Rogério Carvalho citou em relatório
pesquisa do DataSenado indicando que 85% dos trabalhadores acreditam que
jornadas menores melhorariam a qualidade de vida. A conclusão simplista foi a
de que o bem-estar levaria a um aumento de produtividade. Ora, nesse caso, a
surpresa é de que a resposta não tenha se estendido a 100% dos entrevistados.
Quanto ao efeito econômico, acreditar que seja possível reduzir a jornada de
trabalho sem reduzir produtividade, PIB e renda é uma visão simplesmente
errada.
No fim de 2024, quando a jornada 6x1 ganhou
as redes sociais, o economista Daniel Duque, da FGV, publicou estudo, divulgado
pelo Estadão/Broadcast,
no qual calculava em 2,6% a perda de renda da economia no caso de redução para
40 horas semanais e de 7,4% na redução para 36 horas. Nesse segundo caso, a
queda do PIB seria semelhante à sofrida pela economia brasileira na recessão de
2014 a 2016.
O debate do Congresso precisa ser realista,
porque, afinal, o País estará, deliberadamente, renunciando a uma parcela
expressiva de seu crescimento se optar pela mudança. Há economistas, por exemplo,
que defendem a remuneração por hora trabalhada, ao invés do salário fixo, para
elevar a flexibilidade da jornada sem alterar a produtividade.
A Constituição determina jornada de trabalho
não superior a oito horas diárias por seis dias da semana. Ao reduzir a jornada
para cinco dias, a proposta traz uma charada ao sugerir a transição progressiva
ao longo de quatro anos, com redução de 44 para 40 horas semanais no ano
seguinte à aprovação (o que já corresponderia a 5x2); a partir daí, uma hora
por ano, até chegar a 36 horas, ou quatro dias e um sexto. O caminho para
chegar a isso é uma incógnita.
Estudo do Observatório da Produtividade Regis
Bonelli, da FGV, mostra que de 1995 a 2024 o único setor a registrar
crescimento robusto de produtividade foi a agropecuária, que ampliou em 5,8% ao
ano. Na indústria, que deveria liderar a economia, o saldo foi de queda de 0,3%
ao ano.
Há um custo econômico profundo na redução da jornada de trabalho, algo que o Congresso e o governo, em nome de imperativos eleitorais, estão ignorando.
Combate ao racismo estrutural é dever do país
Por Correio Braziliense
Mais do que os poderes públicos, a sociedade
brasileira tem o dever de construir mecanismos de equidade racial, a fim de
alcançar uma justa reparação à maior parcela da população
Na última quinta-feira, o Supremo Tribunal
Federal (STF) concluiu julgamento no qual reconheceu a existência de um racismo
estrutural no Brasil. Em decisão unânime, os ministros determinaram a revisão
e/ou a elaboração de um plano nacional de enfrentamento dessa situação social.
A Corte exigiu, ainda, o aprimoramento de medidas inclusivas, como política de
cotas para maior acesso a oportunidades de educação e emprego.
O julgamento no STF ocorreu no âmbito da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 973, apresentada por
sete partidos políticos, todos da linha progressista. Na ação, os autores
requereram ao plenário do STF a constatação de uma violação sistemática e
massiva de direitos fundamentais da população negra no Brasil — caracterizando,
portanto, um "estado de coisas inconstitucional". Pediam, ainda, a
adoção de providências urgentes para enfrentar esse cenário.
Todos os ministros concordaram que o racismo
estrutural está incrustado no país, mas houve divergências em relação ao estado
de coisas inconstitucional. O relator, Luiz Fux, e mais seis integrantes da
Corte consideraram que existem ações, por parte do poder público, voltadas para
mitigar as consequências da desigualdade racial. Em compensação, os ministros
Flávio Dino, Cármen Lúcia e o presidente do STF, Edson Fachin, diagnosticaram
uma omissão estatal sistêmica no enfrentamento das violações sofridas pelos
negros no Brasil. Foram votos vencidos.
Com a decisão final do plenário do STF, o
Executivo tem 12 meses para melhorar o Plano Nacional de Promoção da Igualdade
Racial (Planapir) ou apresentar uma nova versão, tomando-se como referência o
ordenamento definido pela Suprema Corte. Entre as ações propostas, consta um
protocolo de atendimento para pessoas negras em órgãos públicos, como
Ministério Público, Defensoria Pública e polícia. Também estão previstas, no
âmbito dos Três Poderes, campanhas contra o racismo e o preconceito em relação
às religiões africanas.
Não resta dúvida de que o Judiciário dá uma
contribuição relevante para combater a maior chaga da formação social do
Brasil. O racismo é filho da escravidão, regime que ditou o sistema político,
econômico e social do país durante quase quatro séculos. O Brasil foi um dos
últimos países a decretar o fim do modelo servil. Nem mesmo Dom Pedro II,
conhecido pela vasta cultura e pelas ideias sofisticadas, foi capaz de dobrar a
resistência de uma elite política e econômica contra o fim do escravagismo.
A abolição de 1888 não se converteu em
cidadania, e o Brasil ainda está em dívida com gerações, passadas e futuras,
que foram gravemente penalizadas por um sistema de dominação e exclusão social.
Mais do que os poderes públicos, a sociedade brasileira tem o dever de
construir mecanismos de equidade racial, a fim de alcançar uma justa reparação
à maior parcela da população.
Enquanto houver racismo no Brasil, essa missão não estará cumprida.
Maria da Penha: denúncia contra violência é exemplar
Por O Povo (CE)
Quatro suspeitos de participação em campanha
de ódio contra a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, de 80 anos de
idade, foram denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE), como O POVO
mostrou na semana que passou. De acordo com a denúncia, essas pessoas agiram de
forma organizada a fim de atacar a honra da ativista e descredibilizar a lei
que leva o nome dela, que é a principal legislação brasileira para combater a
violência doméstica e familiar contra a mulher. Torna-se importante que a
denúncia tenha ocorrido e que o Estado, por meio do Ministério Público,
apresente uma resposta forte e efetiva contra a ação desse grupo,
principalmente nestes tempos em que infelizes e trágicos casos de violência
contra a mulher tenham se tornado rotineiros no Estado e no Brasil como um
todo.
Os denunciados utilizaram, como o MPCE
divulgou, conteúdo ofensivo e de natureza caluniosa, configurando, assim,
crimes de intimidação sistemática virtual ("cyberbullying") e
perseguição ("stalking"/"cyberstalking"). Esses referidos
conteúdos caracterizam misoginia (ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres
ou meninas), deturpam informações e atacam a farmacêutica Maria da Penha, a
história da ativista e a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
A denúncia, que tramita na 9ª Vara Criminal
de Fortaleza, indica que foi praticada intimidação sistemática e perseguição,
com agravantes como motivo torpe e violência contra mulher cometida contra
pessoa de mais de 60 anos. As pessoas foram denunciadas por falsificação de
documento público e uso de documento falso, ao utilizarem um laudo adulterado
num documentário.
Diante da gravidade dos ataques, Maria da
Penha foi incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos
pelo Núcleo de Acolhimento às Vítimas de Violência (Nuavv) do MPCE. Não têm
sido poucos os casos envolvendo a violência contra a mulher pelo País. Atacar a
ativista Maria da Penha, que tem um histórico relevante de luta para o combate
dessa violência, exige uma intervenção estatal eficaz.
Em 2006, a lei que leva o seu nome completa
20 anos. Sancionada em 7 de agosto de 2006, ela tipifica cinco formas de
violência doméstica e familiar: física, psicológica, sexual, patrimonial e
moral. O momento, lamentavelmente, é cada vez mais oportuno para criar medidas
protetivas de urgência, endurecer as punições para os agressores e estabelecer
rede de apoio para as vítimas. Sobretudo, faz-se necessário investir na
educação de meninos e meninas, homens e mulheres para que discutam os direitos
humanos e desconstruam ideias de machismo. A educação, como prevenção, é uma
estratégia fundamental de conscientizar e prevenir. Quando não funciona e
quando infelizes casos acontecem com mulheres, é preciso urgentemente punir
agressores. Por isso, denúncias como essa contra Maria da Penha precisam ser
levadas adiante. E as punições, comprovadas as responsabilidades, devem ser
exemplares para desestimular ações criminosas que a sociedade não pode mais
continuar tolerando.

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