domingo, 21 de dezembro de 2025

Os perigos externos. Por Merval Pereira

O Globo

Lula alerta que uma intervenção armada dos EUA na Venezuela seria “uma catástrofe humanitária” e um “precedente perigoso para o mundo”.

Quando as ameaças dos Estados Unidos cada vez mais se transformam em possibilidade real de uma intervenção armada na Venezuela, o presidente Lula alerta que ela seria “uma catástrofe humanitária” e um “precedente perigoso para o mundo”. Mesmo com o Brasil se afastando da ditadura de Nicolas Maduro depois da eleição fraudada que o manteve no poder, não nos é possível, como principal líder da América do Sul, aceitar uma invasão militar num país vizinho. A questão em jogo tem duas faces, a política e a militar.

Os diplomatas começam a se movimentar em torno do tema. Diante de tal quadro, o embaixador Sergio Moreira Lima, presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, lembra em texto enviado à coluna que “a América do Sul foi historicamente construída com base no direito internacional, na igualdade dos Estados, na solução pacífica de controvérsias e na rejeição à lógica das esferas de influência – princípios que o Brasil ajudou a formular e a consolidar”.

A região, hoje palco de interesses estratégicos dos Estados Unidos e da China, “não se estruturou a partir de pactos militares, nem da dissuasão armada, mas do reconhecimento jurídico de fronteiras, do respeito à soberania e da prevalência do diálogo”. O embaixador vê um risco duplo para a América do Sul e para o Brasil. “Externamente, a região pode ser empurrada para a dinâmica de rivalidade, que lhe é alheia internamente, e erode uma cultura diplomática fundada na autonomia, na moderação e na defesa da legalidade”.

Ele reforça que nossa tradição diplomática – do barão do Rio Branco à Constituição de 1988 – sempre associou segurança à previsibilidade jurídica, ao respeito aos tratados e à cooperação entre estados soberanos. “Reafirmar essa identidade não é neutralidade passiva, mas afirmação ativa de uma visão de ordem internacional baseada em regras e não na lei do mais forte”.

Outros dois embaixadores, Jorio Dauster e Rubem Barbosa, escrevem na próxima edição da Revista Insight Inteligência um ensaio em que o título diz tudo: “Brasil país indefeso”. Sem vírgula depois de Brasil, por uma questão estética de impacto. Para eles, o Brasil necessita com urgência de um planejamento estratégico para deixar de ser um país inerme. Um país com mais de 210 milhões de habitantes e de dimensões continentais não pode se dar ao luxo de ignorar vulnerabilidades em áreas estratégicas, que poderão afetar seus interesses concretos e prejudicar seu desenvolvimento.

“Essas vulnerabilidades ficam evidentes quando se pensa na inexistência de meios adequados para assegurar a soberania nacional na defesa das fronteiras, para proteger as plataformas de petróleo no pré-sal do mar territorial, para derrotar eventuais ambições externas sobre os grandes recursos biológicos, minerais e hídricos na Amazônia, para defender o país de ataques cibernéticos e para preservar as comunicações privadas e governamentais (inclusive militares) dependentes de satélites operados por companhias estrangeiras”.

Eles ressaltam uma série de novas ameaças que não podemos deixar também de enfrentar, como o tráfico de armas e de drogas, o terrorismo e a guerra cibernética. E a esses velhos e novos desafios vem se somar agora o impacto da Inteligência Artificial, capaz de substituir os recursos humanos em numerosas funções militares, desde armas operacionais, recursos para a coleta e análise de inteligência, sistemas de alerta antecipado e mecanismos de comando e controle. E, como é praticamente impossível alterar substancialmente o perfil dos gastos orçamentários das Forças Armadas brasileiras nas próximas décadas, a prioridade um consiste em desenvolver novos modos de financiar os investimentos no setor.

Eles sugerem que a indústria brasileira de defesa, em especial nos setores de cunho estratégico, terá de formar joint ventures com empresas nacionais e estrangeiras para ter acesso a novas tecnologias e financiamento enquanto não houver avanço autóctone significativo em inovação e financiamento.


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