terça-feira, 23 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ultraliberal Milei hesita em adotar o câmbio livre

Por Folha de S. Paulo

Argentina permitirá maior variação do dólar a partir de janeiro, mas governo teme impacto nos preços

Presidente herdou inflação de mais de 200% da esquerda peronista, que a duríssimas penas para a população foi reduzida a cerca de 30%

O Brasil adotou a livre flutuação do câmbio em janeiro de 1999, rompendo com uma longa tradição de controle das cotações do dólar e de outras divisas ante a moeda nacional. Hoje o regime faz parte da rotina econômica do país, mas a decisão foi dificílima na época.

A rigor, nem mesmo foi uma decisão. O governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) se viu forçado a deixar o preço do dólar variar livremente porque as reservas em moeda forte do Banco Central estavam se esgotando.

O Plano Real, lançado havia menos de cinco anos, conseguira derrubar a inflação mantendo artificialmente baratas a divisa americana e as importações. Com déficits comerciais elevados e intervenções frequentes do BC no mercado, as reservas se aproximavam do fim —que nos levaria de volta à crise de insolvência externa dos anos 1980.

Se tudo isso parece um passado remoto, a vizinha Argentina enfrenta hoje o mesmo dilema: é preciso adotar o câmbio livre, para garantir a oferta de dólares de que o país desesperadamente precisa, mas teme-se que uma disparada das cotações ponha a perder o controle da inflação.

Adepto proclamado de terapias de choque, o governo ultraliberal de Javier Milei é muito mais cauteloso na seara cambial. Em abril, depois de conseguir um socorro de US$ 20 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), adotou um sistema de bandas, permitindo que o dólar flutue entre um piso e um teto —como o Brasil também tentou nos anos 1990.

Não foi o suficiente, e a Argentina continua carente de moeda forte. Em setembro, com a incerteza trazida pela proximidade das eleições legislativas, o país foi salvo de uma crise cambial por uma ajuda do aliado Donald Trump.

Anunciou-se agora mais um passo rumo à liberalização. A partir de janeiro de 2026, as bandas serão corrigidas mensalmente pela alta dos preços, que foi de 2,5% em novembro, não mais pela taxa fixa de 1%, como hoje.

São compreensíveis os cuidados de Milei. O mandatário herdou uma inflação de mais de 200% anuais do populismo de esquerda peronista, que a duríssimas penas —para a população— foi reduzida para a casa dos 30% neste 2025. A despeito do progresso feito, o patamar atual está longe de confortável.

Uma desvalorização do peso, que parece provável, tornará mais baratos os produtos argentinos em dólar e favorecerá as exportações, contribuindo para fortalecer as reservas do país. Em contrapartida, encarecerá as importações e pressionará os índices de preços domésticos.

Em 1999, o Brasil enfrentou os efeitos colaterais imediatos do câmbio livre com ajuste fiscal, juros nas alturas e a adoção do sistema de metas de inflação, que dura até hoje e impulsionou diversos aperfeiçoamentos institucionais na política monetária, como a autonomia do BC. A Argentina começou a ajustar suas contas públicas, mas ainda tem um longo atraso a superar.

Endosso às câmeras policiais é bom começo

Por Folha de S. Paulo

Novo secretário da Segurança de SP acerta ao respaldar tecnologia, mas ainda falta expandi-la à toda PM

Há em torno de 15 mil equipamentos para cerca de 80 mil policiais no estado; câmeras são fundamentais para conter abusos de força

"Eu sou a favor da câmera. Isso protege o bom policial, você entendeu? Em todo lugar do mundo, todo policial anda com câmera. Sou a favor. Tanto é que a gente comprou mais câmeras."

Desta forma, o novo secretário da Segurança Pública de São Paulo, Osvaldo Nico Gonçalves, expressou endosso ao programa de câmeras corporais na Polícia Militar, em entrevista à Folha na última sexta-feira (19)

Trata-se de respaldo sensato a um tema que tem sido objeto de disputa política fervorosa nos últimos anos. Mesmo que não sejam panaceia, os dispositivos são cruciais para propiciar maior transparência à ação dos agentes.

Nomeado neste mês pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), Nico se alinha à recente mudança de visão de seu antecessor, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP).

Histórico oponente do uso das câmeras, que dizia inibir o trabalho da polícia, Derrite adotou novo discurso a partir de 2024, ao afirmar que o equipamento seria bom para a população e para o policial —Tarcísio também alterou sua posição, que era contrária às câmeras nas eleições de 2022.

De cada 10 moradores da cidade de São Paulo, 8 dizem ser a favor de que os equipamentos sejam usados por todos os agentes, segundo pesquisa do Datafolha de 2024. Mas o estado ainda está longe disso. Há cerca de 15 mil dispositivos para o efetivo de aproximadamente 80 mil policiais.

Instituído no estado em 2021, o programa de câmeras corporais deve ser acompanhado por protocolos claros de uso e armazenamento das imagens, inclusive na formação dos agentes. Casos recentes de mortes de suspeitos desarmados ou rendidos evidenciam a importância da tecnologia na apuração desses abusos.

O novo secretário recebe de seu antecessor um histórico de aumento da letalidade policial. Sob Derrite, houve retrocesso na tendência de redução de mortes causadas por agentes. Entre 2019 e 2022, após implementação dos equipamentos, o número anual caiu de 733 para 275, mas subiu a 676 em 2024 —alta de 76% em relação ao ano anterior.

É necessário que o discurso a favor das câmera corporais se reverta em mudança na prática policial, com a consequente reversão dessa piora inaceitável.

Os dispositivos ajudam a proteger o bom agente, pois inibem ações truculentas e servem como prova em investigações para responsabilizar aqueles que cometem abusos. Sinalização correta do alto comando é bem-vinda; expandir o equipamento para o restante da tropa, mais ainda.

Anac precisa manter restrições no Santos Dumont

Por O Globo

Pressão pela ampliação ignora êxito inegável da medida ao reequilibrar tráfego aéreo com Tom Jobim/Galeão

É preocupante o risco de retrocesso na bem-sucedida operação que recuperou o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro Tom Jobim/Galeão depois de anos de esvaziamento. O principal motivo para as dificuldades do Galeão era a falta de coordenação com o aeroporto doméstico Santos Dumont, no Centro, saturado pelo excesso de voos. Foi fundamental para o reequilíbrio a limitação do movimento no Santos Dumont, hoje em 6,5 milhões de passageiros por ano. Infelizmente, cresce a pressão sobre a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para ampliar voos no Santos Dumont.

“Forças ocultas estão se movimentando na Anac para alterar a política bem-sucedida de restringir os voos no Aeroporto Santos Dumont”, escreveu o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), numa rede social. A Anac disse ter recebido com surpresa a declaração e afirmou cumprir a política estabelecida pelo Ministério dos Portos e Aeroportos e chancelada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Argumentou ainda que a flexibilização nas restrições do Santos Dumont decorre do acordo aprovado no TCU e visa a “assegurar a sustentabilidade do Galeão, inclusive no contexto da relicitação prevista para 2026”. O ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, alegou que as medidas em avaliação não produzem efeito imediato. Segundo ele, a eventual ampliação da capacidade no Santos Dumont “está prevista para ocorrer de maneira gradual, com início estimado a partir do último trimestre de 2026, de forma planejada, responsável e alinhada ao interesse público”.

É verdade que o TCU aprovou um acordo para reformular o contrato com a concessionária RIOgaleão e relicitar o aeroporto. O leilão deve ocorrer em março de 2026. É certo também que o acordo menciona um cronograma, elaborado pelo governo, com estimativas de volume anual de passageiros no Santos Dumont (8 milhões em 2025, 9 milhões em 2026 e 10 milhões em 2027). Mas esses números servem apenas para balizar compensações pagas à União pela concessionária. O próprio TCU assinalou que o governo não tem obrigação de mexer no volume de passageiros do Santos Dumont. A intenção do acordo é melhorar a situação do Galeão, e não torná-la pior.

Está claro que o esquema anterior não funcionava. De um lado, um aeroporto internacional com uma infraestrutura fabulosa largado às moscas. Do outro, um terminal doméstico no centro da cidade completamente saturado, com filas no saguão, atraso em voos e engarrafamentos na área externa. Esse contrassenso era prejudicial não apenas ao Rio, mas a toda a malha aérea brasileira, que sofria o impacto dos atrasos. Prova de que as mudanças deram certo foi a recuperação do Galeão. De janeiro a outubro, ele registrou 14,6 milhões de passageiros, mais que o dobro do mesmo período de 2023.

Não faria sentido mexer no que deu certo. Qualquer desequilíbrio poria a perder os parâmetros usados na relicitação. Seria uma lástima. Em qualquer metrópole do mundo, aeroportos funcionam de forma complementar. Por que no Rio teria de ser diferente?

Governo Lula desmoralizou arcabouço fiscal que ele próprio criou

Por O Globo

Graças à profusão de exceções, gastos cresceram, na média, o dobro do que a lei permite

Prestes a concluir o terceiro ano do atual mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já desmoralizou a política fiscal que seu próprio governo criou em 2023. Pelas regras do novo arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso no primeiro ano de governo, as despesas podem aumentar de um ano para o outro até 2,5% além da inflação. Essa era a promessa da equipe econômica. Na prática, de lá para cá, o gasto total cresceu o dobro disso — em média, 5% ao ano, de acordo com reportagem do GLOBO. Como isso aconteceu? Cada novo gasto, o governo deu um jeito de manter fora do cálculo. De exceção em exceção, a conta foi crescendo. No papel, o Ministério da Fazenda diz que cumpre o combinado. Na prática, o endividamento não para de crescer.

É certo que o governo Lula herdou problemas da gestão de Jair Bolsonaro, caso da montanha de dívidas públicas que não podem mais ser contestadas judicialmente, os precatórios. No fim de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo os quitasse, permitindo a retirada dos gastos do teto das despesas entre 2023 e 2026. No ano passado, o Rio Grande do Sul enfrentou uma tragédia com a devastação provocada pela enchente histórica. Ante o tamanho da catástrofe e seu caráter inédito, a ajuda financeira do governo federal também ficou fora da meta fiscal.

Mas várias outras exceções foram abertas sob justificativas frágeis de todo tipo. Saíram da meta despesas com defesa nacional, gastos temporários com educação e saúde, auxílio emergencial a empresas brasileiras afetadas pelo tarifaço de Donald Trump, ressarcimento de descontos ilegais nos benefícios dos segurados do INSS, investimentos de estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), reestruturação dos combalidos Correios — e sabe-se lá mais o que entrará na lista.

É até certo ponto ocioso discutir se o governo deveria efetuar tais gastos. O que importa: não há dúvida de que não deveriam ter sido retirados da conta de despesas. Nos quatro anos do terceiro mandato, as exceções ao arcabouço ultrapassarão os R$ 170 bilhões, de acordo com projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI).

É ainda mais difícil aceitar as exceções porque, ao formular o arcabouço, a equipe econômica criou um intervalo de tolerância para as metas fiscais. Fez isso justamente para acomodar choques econômicos inesperados. O resultado final de um ano seria considerado cumprido mesmo se variasse dentro de 0,25 ponto percentual do PIB para mais ou para menos. Para um governo gastador, nem isso foi suficiente. Mirando sempre no piso da meta, deu um jeito de driblar a regra aumentando a lista de exceções sempre que preciso. Lula só engana quem quer ser enganado. A dívida não para de crescer — e é nisso que todos estão de olho.

Desavenças na UE atrasam de novo acordo com Mercosul

Por Valor Econômico

Resistências podem ceder diante dos estímulos políticos para Mercosul e UE se unirem, que continuam fortes

Ainda não foi desta vez que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, negociado desde abril de 2000, foi assinado. Após morosas e infinitas idas e voltas, o motivo constante a emperrar a finalização das tratativas foi o histórico protecionismo agrícola europeu, o mais subsidiado do mundo. Não se trata de pretexto, mas de um complicador político enorme, especialmente para o governo francês, o ponta de lança atual da iniciativa para impedir a assinatura de um tratado que reunirá 722 milhões de pessoas e um PIB de US$ 22,2 trilhões.

As vontades de ambos os lados variaram de acordo com o pêndulo da política global e regional. Os governos petistas sempre olharam com desconfiança a abertura de mercados e bombardearam no nascedouro a possibilidade de acordo semelhante (Alca) com os EUA. Em seu terceiro mandato, o presidente Lula quis rever o que fora aceito pelo governo de Jair Bolsonaro em relação ao acordo, em especial uma cláusula ambiental imposta pela União Europeia, que exigia ações contra o desmatamento, dado o histórico ambiental de Bolsonaro. A esse ponto, a diplomacia de Lula logo acrescentou outros. O presidente queria o retorno de sua política industrial protecionista e insistiu em rever os termos para incluir, por exemplo, a proteção às compras governamentais.

Com a volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, as regras do mundo do comércio global foram destruídas. Acossado pelas tarifas injustas e unilaterais impostas ao Brasil, várias delas canceladas ou minoradas depois, o governo Lula convenceu-se de que a aliança comercial com a União Europeia faria todo o sentido para o país na nova ordem internacional.

Encurralada de um lado pela primeira guerra de conquista em território europeu desde o fim da Segunda Guerra, com a invasão russa da Ucrânia, e pelos ultimatos econômicos e militares adversos vindos de Trump, a União Europeia também acreditou que era chegada a hora de arrematar um entendimento após meio século de discussões.

Mesmo assim, os velhos problemas do bloco ressurgiram com força, em um contexto político muito mais hostil para os governos democráticos do continente. Partidos políticos autoritários ou antidemocráticos surgiram e ganharam rapidamente força eleitoral. Os governos de centro, como o de Emmanuel Macron, se viram premidos pelos dois extremos, a direita de Marine Le Pen e a esquerda de Jean-Luc Mélenchon. A direita ganhou o poder na Itália, com a ascensão de Giorgia Meloni, alçada a primeira-ministra com apoio de grupos simpatizantes do fascismo.

Tanto a direita como a esquerda francesa são nacionalistas, e Macron, impopular, já havia provado o dissabor de manifestações enormes do campo contra ele, como a revolta contra a taxa ambiental sobre os combustíveis, com os protestos dos revoltosos de coletes amarelos que se disseminaram por todo o país. As marchas de agricultores em Bruxelas, no dia em que se tomariam decisões sobre o destino do acordo com o Mercosul, reforçaram a posição de Macron. Meloni, que se mostrou pouco inclinada a extremismos desde que assumiu o poder, somou-se à França e a outros países para ter o quórum de veto, com a oposição de países com pelo menos 35% da população do bloco.

Para aplacar a ira dos lobbies agrícolas e protecionistas europeus, que não se resumem aos franceses, a UE aprovou uma emenda ao acordo como salvaguarda, bem pior para o Mercosul que sua versão original. A emenda previa a volta da proteção tarifária se os preços dos produtos brasileiros (em especial, carnes, arroz, mel e soja) variassem 10% em três anos. A emenda final prevê variação de apenas 5% dos preços no mesmo período, ou de 8% no volume de importações. O Mercosul não foi formalmente consultado sobre nova medida de restrição, que se juntou a uma variedade de outras constantes no acordo, e obteve pretexto para brecar o acordo.

Ao que tudo indica, o Brasil não está interessado nisso. Poderá contestar esse novo empecilho durante a vigência do acordo e não antes, para impedi-lo. O presidente Lula e o comissário para o Comércio da UE, Maro efcovic, mostraram a mesma posição antes do adiamento da assinatura, na última reunião do Mercosul sob direção brasileira: concordaram que não havia um único motivo para que o acordo não fosse sacramentado já. Lula foi mais longe e disse que se isso não ocorresse agora, não aconteceria mais durante sua gestão. Depois voltou atrás.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, disse que haverá um intervalo de 15 dias até o acordo ser consumado, período que será usado para aparar desavenças na UE. Não é possível ter tanta certeza disso, pois são discordâncias de anos que não dão sinais de enfraquecer. No entanto, podem ceder diante dos estímulos políticos para Mercosul e UE se unirem, que continuam fortes. A UE precisa de apoios políticos e comerciais que não pode encontrar nem na China nem nos EUA. O Brasil, com o alerta das tarifas de Trump, precisa diversificar mercados, e a velha e rica Europa seria parceira ideal para isso.

O teste da autonomia do BC

Por O Estado de S. Paulo

A insólita ordem de um ministro do TCU para que o BC justifique o veto à compra do Master pelo BRB mostra que a pressão contra o Banco Central por causa desse escândalo está apenas no começo

Em uma decisão insólita, tomada na quinta-feira passada, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jhonatan de Jesus deu 72 horas para que o Banco Central justifique a liquidação extrajudicial do Banco Master, descrita por ele como “medida extrema”. No mercado financeiro, o despacho foi recebido com perplexidade por profissionais que já acompanharam diversos processos de liquidação e falência bancária.

Como se sabe, o BC liquidou o Master em novembro após detectar indícios de que o banco do empresário Daniel Vorcaro havia vendido R$ 12,2 bilhões em carteiras de crédito inexistentes ao Banco de Brasília (BRB).

Anteriormente, a autarquia, apesar de forte pressão, já havia vetado a venda do Master ao BRB por entender que a aquisição poderia contaminar o banco público do Distrito Federal com ativos podres.

Tecnicamente corretas, ambas as decisões foram tomadas pelo BC após meses de análise detalhada sobre o melhor desfecho para o Master, banco cujo crescimento vertiginoso há muito causava apreensão no mercado.

Em entrevista ao jornal Valor, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central, Renato Gomes, afirmou que, antes da opção pela liquidação, o BC tem como política permitir “ao máximo” que se encontre uma solução de mercado, mas que “chega um momento em que os problemas de liquidez se tornam críticos demais, em que existe um comprometimento de solvência” – exatamente o caso do Master.

Na entrevista, anterior ao despacho de Jesus, Gomes exaltou ainda a “fortaleza institucional” do BC, cujas decisões são tomadas de maneira “completamente técnica”. Pois é justamente essa “fortaleza institucional”, ancorada na autonomia da qual o BC desfruta por força de lei desde 2021, que o despacho do ministro do TCU parece testar. Esse ministro foi indicado ao tribunal pelo deputado federal Arthur Lira (PP-AL), que, ao que consta, é um dos muitos contatos poderosos de Daniel Vorcaro nos Poderes da República.

As ações recentes mais agressivas contra a autonomia da autarquia surgiram aos primeiros sinais de que o BC não aprovaria a compra do Master pelo BRB. Ainda em setembro, lideranças do Centrão, com quem Vorcaro tem excelente trânsito, tentaram aprovar de supetão um projeto de lei que permitiria ao Congresso destituir presidentes e diretores do BC, prerrogativa que hoje compete única e exclusivamente ao presidente da República. Seria coisa de “republiqueta”, como bem definiu o ex-presidente do BC Arminio Fraga.

A ideia surgiu no momento em que a compra do Master pelo BRB foi barrada pelo diretor Renato Gomes a partir das conclusões da área técnica do banco. Parlamentares do Centrão consideraram a decisão de Gomes uma afronta e articularam a mudança na lei de autonomia do BC com o objetivo óbvio de demitir o diretor. A reação muito negativa do mercado a esse movimento esvaziou a iniciativa.

Há tempos a autonomia do Banco Central está sob teste de estresse, com especial destaque para a recorrente pressão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para que o BC reconsidere a política monetária contracionista e baixe os juros na marra. Mas o caso do Banco Master elevou esse teste a outro patamar.

Claramente inteirado de tudo isso, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, enfatizou que ele pessoalmente está à disposição do Supremo Tribunal Federal para ajudar nas investigações do caso Master e que tem “tudo documentado”, para que se evitassem questionamentos futuros. Segundo ele, há registro de “cada uma das ações que foram feitas, cada uma das reuniões, trocas de mensagens, comunicações”. Não parece ser uma declaração fortuita. O Banco Central, ciente de que está sob ataque de forças poderosas, resguardou-se.

O escândalo, ao que tudo indica, está apenas no início, mas, seja qual for seu desdobramento, não pode resultar, de nenhuma maneira, no enfraquecimento da autonomia do Banco Central – de cuja manutenção dependem tanto a saúde do sistema financeiro como a estabilidade monetária no Brasil.

Difícil de acreditar

Por O Estado de S. Paulo

Investigação sobre desvios da cota parlamentar lança graves suspeitas sobre os deputados Sóstenes Cavalcante e Carlos Jordy, cujas explicações, até agora, não resistem ao escrutínio público

A Polícia Federal (PF) apura se dois deputados do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do partido na Câmara, e Carlos Jordy (RJ), desviaram recursos da cota parlamentar de seus gabinetes. Os fatos revelados até agora, ainda sob investigação, contrastam com a aura de vestais da moralidade pública com que ambos os parlamentares se recobriram ao longo de suas trajetórias políticas e colocam sob escrutínio versões que, até o momento, não se sustentam à luz do bom senso.

Autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, a operação da PF, deflagrada na sexta-feira passada, cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços dos deputados em Brasília e no Rio. No apartamento de Sóstenes, na capital federal, a PF encontrou R$ 430 mil em espécie. As investigações apontam para um esquema de desvio da cota parlamentar – criada para financiar atividades inerentes ao mandato – por meio de fraudes envolvendo uma locadora de veículos que é suspeita de ser uma empresa de fachada usada para lavar o dinheiro desviado dos gabinetes.

Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) reforçam a gravidade das suspeitas. Assessores dos dois deputados movimentaram um volume de recursos absolutamente incompatível com seus rendimentos. No caso de Sóstenes, um único assessor, Adailton Oliveira dos Santos, registrou R$ 11,5 milhões em créditos e R$ 11,5 milhões em débitos. No gabinete de Jordy, um assessor movimentou R$ 5,9 milhões, seguindo a mesma dinâmica. Ao que parece, os recursos apenas passaram pelas contas dos assessores de Sóstenes e Jordy, o que exige explicações de ambos.

Nesse contexto, a reação de Sóstenes, em particular, é um insulto à inteligência alheia, para não dizer um deboche. Em entrevista coletiva, o deputado afirmou que os R$ 430 mil encontrados em sua residência teriam origem na venda de um imóvel, pago em dinheiro vivo pelo comprador. Apenas por um “lapso”, justificou Sóstenes, ele deixou de depositar o valor no banco. Difícil de acreditar.

Ora, quem compra um imóvel hoje em dia pagando centenas de milhares de reais em dinheiro vivo? Quem guarda R$ 430 mil em casa e simplesmente “esquece” de depositar essa quantia? A explicação remete às práticas consagradas pela família Bolsonaro, tão admirada e apoiada pelo deputado, envolvendo transações imobiliárias em espécie, à margem dos controles próprios do sistema bancário, do Coaf e da Receita Federal.

É preciso registrar, à luz do devido processo legal, que tudo ainda está no terreno das investigações. Nem Sóstenes nem Jordy podem ser considerados culpados de coisa alguma. Mas a presunção de inocência não lhes dispensa do dever de prestar explicações mais respeitosas a toda a sociedade brasileira – não apenas à PF, à Câmara ou a seus eleitores. Tanto um como outro construíram suas personas públicas como expoentes de uma suposta “nova política” que varreria do País a corrupção associada aos governos petistas.

Se o dinheiro tem origem lícita, como alega Sóstenes, bastaria apresentar os documentos referentes ao negócio imobiliário. O que foi vendido? Quem é o comprador? O que diz o contrato? Até agora, nada disso foi mostrado, o que autoriza a suspeita de que uma movimentação dessa magnitude serve para esconder a origem do dinheiro. Não se pode afirmar, neste momento, que seja o caso. Mas tão frágil é a explicação dada pelo parlamentar que não se pode condenar quem suspeite de que se possa estar diante de um crime.

Na falta de respostas convincentes, Sóstenes e Jordy recorreram ao argumento da “perseguição política”, atribuindo a operação ao suposto ânimo hostil do ministro Flávio Dino contra eles. É verdade que o STF tem sido bem mais rigoroso, digamos assim, com representantes da direita, em particular da bolsonarista. Mas rigor institucional não é necessariamente sinônimo de perseguição. Ademais, ser de direita ou bolsonarista não é salvo-conduto para práticas ilícitas.

O que está em jogo nessa investigação vai além do destino judicial de dois parlamentares. Trata-se da credibilidade do Congresso. E até que explicações consistentes sejam apresentadas, o País continuará a fazer perguntas incômodas.

A demagogia na garupa

Por O Estado de S. Paulo

Aprovação de isenção de IPVA para motos em SP mostra que o populismo é suprapartidário

O governador Tarcísio de Freitas apresentou à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) um projeto de lei para isentar os donos de motocicletas com até 150 cilindradas do pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Não satisfeitos em apenas aprovar uma proposta já muito ruim, os deputados esforçaram-se em piorá-la. De imediato, parlamentares do PT passaram a defender a benesse para motos com até 170 cilindradas. Determinado a não perder o mérito do projeto, Tarcísio enviou então uma mensagem aditiva à Casa, em que elevou o critério de isenção para 180 cilindradas.

Prova do sucesso é que o projeto foi aprovado de forma simbólica – ou seja, o consenso dispensou a votação nominal. Agora, por óbvio, Tarcísio vai sancioná-lo. Com isso, quase 80% das motocicletas que hoje circulam no Estado de São Paulo estarão isentas de IPVA a partir de 2026 – um ano eleitoral. Nada menos do que 4,3 milhões de veículos, pertencentes a milhões de eleitores, deixarão de pagar o imposto. Não há razão social e econômica plausível para a decisão do governo e da Alesp de livrar esses contribuintes do pagamento do imposto, a não ser, claro, uma motivação política.

O governo e os deputados consideram que milhões de cidadãos merecem tratamento tributário especial. Na justificativa do projeto, o secretário da Fazenda e do Planejamento, Samuel Kinoshita, informou que as motos são veículos mais acessíveis e ágeis no trânsito, que garantem maior mobilidade pessoal, e “isentar o IPVA desses veículos evitará onerar de forma desproporcional quem mais depende deles, muitas vezes utilizados, de maneira empreendedora, como instrumento de trabalho e geração de renda”.

Ora, o mesmo raciocínio poderia ser aplicado, por exemplo, para os motoristas de aplicativo, que também usam seus automóveis “como instrumento de trabalho e geração de renda”. No mesmo exercício hipotético, pode-se dizer que os proprietários de veículos automotores em geral deveriam ser igualmente agraciados, pois seus deslocamentos costumam ser feitos em razão do trabalho, da geração de renda e da movimentação da economia. Mas esses contribuintes não tiveram a sorte de serem vistos pelo governo e pelos deputados como eleitores em potencial.

O IPVA, como qualquer imposto, existe para financiar o funcionamento da máquina pública e a prestação de serviços à sociedade, a partir de um fato gerador. No caso do IPVA, o fato gerador é ter a propriedade de veículo automotor. Logo, ser dono de uma moto, um carro, um ônibus, uma caminhonete ou um caminhão já é motivo para torná-lo devedor do imposto.

Apenas no próximo ano, a renúncia fiscal custará R$ 690 milhões. Somadas todas as isenções já concedidas no IPVA, serão mais de R$ 7 bilhões anuais que deixarão de chegar aos cofres do Estado e dos municípios, que têm direito a 50% da arrecadação. É uma renúncia muito elevada, que mesmo um Estado rico como São Paulo não pode se dar ao luxo de adotar. Mas o imperativo eleitoral parece falar mais alto.

Divergências no Mercosul despertam preocupação

Por Correio Braziliense

É natural que, em um ambiente democrático, países com interesses e realidades distintas tenham entendimentos contrários, mas a ofensiva de Donald Trump contra o regime de Maduro leva o debate para um outro patamar

A 67ª Cúpula do Mercosul foi iniciada, no último sábado, em meio à expectativa sobre como os países reagiriam à não assinatura do esperado acordo comercial com a União Europeia. O comunicado em conjunto divulgado ao fim do encontro em Foz do Iguaçu, no Paraná, fala em "desapontamento" dos países latinos com o adiamento do pacto, em negociação há 26 anos. Mas foi a ausência de um tema no documento final que acabou chamando a atenção: faltou um posicionamento sobre a ofensiva dos Estados Unidos contra a Venezuela.

O tema foi amplamente debatido na Cúpula, mas os chefes de Estado do Mercosul e os Estados associados não chegaram a um consenso. Ao contrário, a divergência é clara. Já nos discursos de abertura, Luiz Inácio Lula da Silva e Javier Milei evidenciaram que uma convergência de posição do bloco em relação à questão era pouco provável. Enquanto o presidente brasileiro alertava para pontos como tensionamento dos limites do direito internacional e risco de "catástrofe humanitária", o argentino conclamava os presentes a se unirem contra a "ditadura atroz e desumana do narcoterrorista Nicolás Maduro" para não serem "arrastados" por ela.

Não houve avanços. Para marcar posição, a alternativa escolhida por Milei e aliados foi divulgar um documento paralelo — sem o carimbo do Mercosul — em que "reafirmam seu firme compromisso de alcançar, por meios pacíficos, a plena restauração da ordem democrática e o respeito irrestrito aos direitos humanos na Venezuela". Seis países assinaram o texto — Argentina e Paraguai, integrantes do Mercosul, e os associados Panamá, Bolívia, Equador e Peru. 

Brasil e Uruguai não aceitaram os termos, argumentando que poderiam legitimar uma intervenção estadunidense na Venezuela. Trump e Maduro não são citados nominalmente no documento, que foi elogiado por María Corina Machado, opositora do presidente venezuelano. O Paraguai, um dos signatários, assumiu a presidência rotativa do Mercosul, até então sob comando do Brasil, na Cúpula de sábado. E a Venezuela está suspensa do bloco por descumprimento de normas. 

A divisão evidente é mais um capítulo de uma reconfiguração política na região, alinhada à crise global do multilateralismo, que desperta preocupações. É natural que, em um ambiente democrático, países com interesses e realidades distintas tenham entendimentos contrários sobre temas como parcerias econômicas, compartilhamento de tecnologias e criação de fundos de financiamento. A ofensiva de Donald Trump contra o regime de Maduro, porém, leva o debate para um outro patamar: o de respeito à soberania dos povos, um dos princípios fundamentais das relações exteriores.

Trump ainda não provou que Maduro lidera uma organização terrorista estrangeira dedicada ao narcotráfico, ao tráfico de pessoas, a sequestros e assassinatos — justificativas adotadas quando deflagrou, há uma semana, a ofensiva da "maior Armada já reunida na história da América do Sul". Tem sido criticado, inclusive internamente, quanto à escalada de tensão.

A verborragia perde lugar para a ação armada em um momento em que a América Latina é entendida como prioridade geopolítica do governo Trump, fazendo cumprir a Doutrina Monroe, conforme a Estratégia de Segurança Nacional divulgada neste mês. A doutrina anunciada em 1823 tinha como objetivo impedir que países europeus colonizassem ou interferissem em países das Américas. Em tempos modernos, ganha nova configuração, com todas as nações latinas soberanas. É preciso, portanto, que divergências internas não ofusquem a análise estratégica e responsável que o atual momento exige. 

Orçamento e emendas parlamentares

Por O Povo (CE)

O montante movimentado pelos parlamentares dificulta uma visão ampla dos problemas nacionais

Um dia antes de entrar em recesso, o Congresso Nacional, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, aprovou o Orçamento de 2026. Foram reservados R$ 61 bilhões para as emendas parlamentares; e o Fundo Eleitoral disporá de R$ 5 bilhões para serem usados nas eleições gerais do próximo ano.

A previsão para a despesa total soma R$ 6,5 trilhões, com R$ 1,8 trilhão para refinanciamento da dívida pública. A proposta prevê superávit de R$ 34,5 trilhões nas contas do governo.

Por um lado, existe a crítica de que o governo federal, para alcançar a meta fiscal de 0,25 do Produto Interno Bruto (PIB), exclui valores expressivos de despesas como exceções às regras do arcabouço fiscal. Muitas dessas "exceções" referem-se a verbas destinadas à educação, saúde e programas sociais, com repasses obrigatórios.

Essas observações, a respeito da necessidade de reduzir despesas, partem de representantes do sistema e de um segmento de economistas que avaliam que o Executivo deveria fazer um corte amplo em suas despesas para equilibrar suas contas.

Essas propostas se contrapõem ao recorrente discurso do presidente Lula de que é preciso "pôr o pobre no orçamento", e que destinar recursos a programas sociais e aos setores mais vulneráveis da população não é "gasto" e sim "investimento".

As duas proposições fazem parte de visões ideológicas diferentes e legítimas em uma sociedade democrática, cujo debate deve ser estimulado para, quem sabe, chegar-se a uma proposta comum que favoreça o povo brasileiro.

O que parece mais difícil encontrar justificativa são os valores exorbitantes destinados às emendas parlamentares, majoradas em 20% em relação ao Orçamento deste ano. Para fazê-las caber no Orçamento, foi necessário fazer cortes em áreas essenciais, como abono salarial, seguro-desemprego, Pé-de-Meia (incentivo a alunos do ensino médio) e auxílio gás.

O Brasil é um caso único do mundo a manter emendas dessa magnitude, concorrendo com o Executivo, afora o aumento da corrupção produzido pelo descontrole na liberação e na aplicação desses recursos, difíceis de serem rastreados.

O montante movimentado pelos parlamentares dificulta uma visão ampla dos problemas nacionais, pela forma retalhada como as são liberadas, atendendo mais interesses políticos do que os da população.

Não se pede o fim das emendas, que podem ser um instrumento importante para que os deputados e senadores atendam algumas reivindicações de suas bases. No entanto, o Parlamento não pode ser um concorrente do Executivo na tarefa de planejar as políticas econômicas e sociais, pois isso configura a interferência de um poder sobre outro.

Quanto ao quantitativo destinado ao Fundo Eleitoral, a partidos e candidatos, pode ser reduzido em uma palavra: exagero.

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