Ultraliberal Milei hesita em adotar o câmbio livre
Por Folha de S. Paulo
Argentina permitirá maior variação do dólar a
partir de janeiro, mas governo teme impacto nos preços
Presidente herdou inflação de mais de 200% da esquerda peronista, que a duríssimas penas para a população foi reduzida a cerca de 30%
O Brasil adotou a livre flutuação do câmbio em
janeiro de 1999, rompendo com uma longa tradição de controle das cotações
do dólar e
de outras divisas ante a moeda nacional. Hoje o regime faz parte da rotina
econômica do país, mas a decisão foi dificílima na época.
A rigor, nem mesmo foi uma decisão. O governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) se viu forçado a deixar o preço do dólar variar livremente porque as reservas em moeda forte do Banco Central estavam se esgotando.
O Plano Real, lançado havia menos de cinco
anos, conseguira derrubar a inflação mantendo
artificialmente baratas a divisa americana e as importações. Com déficits
comerciais elevados e intervenções frequentes do BC no mercado, as reservas se
aproximavam do fim —que nos levaria de volta à crise de insolvência externa dos
anos 1980.
Se tudo isso parece um passado remoto, a
vizinha Argentina enfrenta
hoje o mesmo dilema: é preciso adotar o câmbio livre, para garantir a oferta de
dólares de que o país desesperadamente precisa, mas teme-se que uma disparada
das cotações ponha a perder o controle da inflação.
Adepto proclamado de terapias de choque, o
governo ultraliberal de Javier Milei é
muito mais cauteloso na seara cambial. Em abril, depois de conseguir um socorro
de US$ 20 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI), adotou um
sistema de bandas, permitindo que o dólar flutue entre um piso e um teto —como
o Brasil também tentou nos anos 1990.
Não foi o suficiente, e a Argentina continua
carente de moeda forte. Em setembro, com a incerteza trazida pela proximidade
das eleições legislativas, o país foi salvo de uma
crise cambial por uma ajuda do aliado Donald Trump.
Anunciou-se agora mais um passo rumo à
liberalização. A partir de janeiro de 2026, as bandas serão
corrigidas mensalmente pela alta dos preços, que foi de 2,5% em
novembro, não mais pela taxa fixa de 1%, como hoje.
São compreensíveis os cuidados de Milei. O
mandatário herdou uma inflação de mais de 200% anuais do populismo de esquerda
peronista, que a duríssimas penas —para a população— foi reduzida para a casa
dos 30% neste 2025. A despeito do progresso feito, o patamar atual está longe
de confortável.
Uma desvalorização do peso, que parece
provável, tornará mais baratos os produtos argentinos em dólar e favorecerá as
exportações, contribuindo para fortalecer as reservas do país. Em
contrapartida, encarecerá as importações e pressionará os índices de preços
domésticos.
Em 1999, o Brasil enfrentou os efeitos
colaterais imediatos do câmbio livre com ajuste fiscal, juros nas alturas e a
adoção do sistema de metas de inflação, que dura até hoje e impulsionou diversos
aperfeiçoamentos institucionais na política monetária, como a autonomia do BC.
A Argentina começou a ajustar suas contas públicas, mas ainda tem um longo
atraso a superar.
Endosso às câmeras policiais é bom começo
Por Folha de S. Paulo
Novo secretário da Segurança de SP acerta ao
respaldar tecnologia, mas ainda falta expandi-la à toda PM
Há em torno de 15 mil equipamentos para cerca
de 80 mil policiais no estado; câmeras são fundamentais para conter abusos de
força
"Eu sou a favor da câmera. Isso protege
o bom policial, você entendeu? Em todo lugar do mundo, todo policial anda com
câmera. Sou a favor. Tanto é que a gente comprou mais câmeras."
Desta forma, o novo secretário da Segurança
Pública de São Paulo,
Osvaldo Nico Gonçalves, expressou
endosso ao programa de câmeras corporais na Polícia
Militar, em entrevista à Folha na última sexta-feira (19)
Trata-se de respaldo sensato a um tema que
tem sido objeto de disputa política fervorosa nos últimos anos. Mesmo que não
sejam panaceia, os dispositivos são cruciais para propiciar maior transparência
à ação dos agentes.
Nomeado neste mês pelo governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos), Nico se alinha à recente mudança de
visão de seu antecessor, o deputado federal Guilherme
Derrite (PP-SP).
Histórico oponente do uso das câmeras, que
dizia inibir o trabalho da polícia,
Derrite adotou novo discurso a partir de 2024, ao afirmar que o equipamento
seria bom para a população e para o policial —Tarcísio também alterou sua
posição, que era contrária às câmeras nas eleições de 2022.
De cada 10 moradores da cidade de São Paulo,
8 dizem ser a favor de que os equipamentos sejam usados por todos os agentes,
segundo pesquisa do Datafolha de
2024. Mas o estado ainda está longe disso. Há cerca de 15 mil dispositivos para
o efetivo de aproximadamente 80 mil policiais.
Instituído no estado em 2021, o programa de
câmeras corporais deve ser acompanhado por protocolos claros de uso e armazenamento
das imagens, inclusive na formação dos agentes. Casos recentes de mortes de
suspeitos desarmados ou rendidos evidenciam a importância da
tecnologia na apuração desses abusos.
O novo secretário recebe de seu antecessor um
histórico de aumento da letalidade policial. Sob Derrite, houve retrocesso na
tendência de redução de mortes causadas por agentes. Entre 2019 e 2022, após
implementação dos equipamentos, o número anual caiu de 733
para 275, mas subiu a 676 em 2024 —alta de 76% em relação ao
ano anterior.
É necessário que o discurso a favor das
câmera corporais se reverta em mudança na prática policial, com a consequente
reversão dessa piora inaceitável.
Os dispositivos ajudam a proteger o bom agente, pois inibem ações truculentas e servem como prova em investigações para responsabilizar aqueles que cometem abusos. Sinalização correta do alto comando é bem-vinda; expandir o equipamento para o restante da tropa, mais ainda.
Anac precisa manter restrições no Santos
Dumont
Por O Globo
Pressão pela ampliação ignora êxito inegável
da medida ao reequilibrar tráfego aéreo com Tom Jobim/Galeão
É preocupante o risco de retrocesso na
bem-sucedida operação que recuperou o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro
Tom Jobim/Galeão depois de anos de esvaziamento. O principal motivo para as
dificuldades do Galeão era a falta de coordenação com o aeroporto doméstico
Santos Dumont, no Centro, saturado pelo excesso de voos. Foi fundamental para o
reequilíbrio a limitação do movimento no Santos Dumont, hoje em 6,5 milhões de
passageiros por ano. Infelizmente, cresce a pressão sobre a Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac) para ampliar voos no Santos Dumont.
“Forças ocultas estão se movimentando na Anac
para alterar a política bem-sucedida de restringir os voos no Aeroporto Santos
Dumont”, escreveu o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD),
numa rede social. A Anac disse ter recebido com surpresa a declaração e afirmou
cumprir a política estabelecida pelo Ministério dos Portos e Aeroportos e
chancelada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Argumentou ainda que a
flexibilização nas restrições do Santos Dumont decorre do acordo aprovado no
TCU e visa a “assegurar a sustentabilidade do Galeão, inclusive no contexto da
relicitação prevista para 2026”. O ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio
Costa Filho, alegou que as medidas em avaliação não produzem efeito imediato.
Segundo ele, a eventual ampliação da capacidade no Santos Dumont “está prevista
para ocorrer de maneira gradual, com início estimado a partir do último
trimestre de 2026, de forma planejada, responsável e alinhada ao interesse
público”.
É verdade que o TCU aprovou um acordo para
reformular o contrato com a concessionária RIOgaleão e relicitar o aeroporto. O
leilão deve ocorrer em março de 2026. É certo também que o acordo menciona um
cronograma, elaborado pelo governo, com estimativas de volume anual de
passageiros no Santos Dumont (8 milhões em 2025, 9 milhões em 2026 e 10 milhões
em 2027). Mas esses números servem apenas para balizar compensações pagas à
União pela concessionária. O próprio TCU assinalou que o governo não tem
obrigação de mexer no volume de passageiros do Santos Dumont. A intenção do
acordo é melhorar a situação do Galeão, e não torná-la pior.
Está claro que o esquema anterior não
funcionava. De um lado, um aeroporto internacional com uma infraestrutura fabulosa
largado às moscas. Do outro, um terminal doméstico no centro da cidade
completamente saturado, com filas no saguão, atraso em voos e engarrafamentos
na área externa. Esse contrassenso era prejudicial não apenas ao Rio, mas a
toda a malha aérea brasileira, que sofria o impacto dos atrasos. Prova de que
as mudanças deram certo foi a recuperação do Galeão. De janeiro a outubro, ele
registrou 14,6 milhões de passageiros, mais que o dobro do mesmo período de
2023.
Não faria sentido mexer no que deu certo.
Qualquer desequilíbrio poria a perder os parâmetros usados na relicitação.
Seria uma lástima. Em qualquer metrópole do mundo, aeroportos funcionam de
forma complementar. Por que no Rio teria de ser diferente?
Governo Lula desmoralizou arcabouço fiscal
que ele próprio criou
Por O Globo
Graças à profusão de exceções, gastos
cresceram, na média, o dobro do que a lei permite
Prestes a concluir o terceiro ano do atual
mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva já desmoralizou a política fiscal que seu próprio governo criou em 2023.
Pelas regras do novo arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso no primeiro ano
de governo, as despesas podem aumentar de um ano para o outro até 2,5% além da
inflação. Essa era a promessa da equipe econômica. Na prática, de lá para cá, o
gasto total cresceu o dobro disso — em média, 5% ao ano, de
acordo com reportagem do GLOBO. Como isso aconteceu? Cada novo gasto,
o governo deu um jeito de manter fora do cálculo. De exceção em exceção, a
conta foi crescendo. No papel, o Ministério da Fazenda diz que cumpre o
combinado. Na prática, o endividamento não para de crescer.
É certo que o governo Lula herdou problemas
da gestão de Jair Bolsonaro, caso da montanha de dívidas públicas que não podem
mais ser contestadas judicialmente, os precatórios. No fim de 2023, o Supremo
Tribunal Federal (STF) determinou que o governo os quitasse, permitindo a
retirada dos gastos do teto das despesas entre 2023 e 2026. No ano passado, o
Rio Grande do Sul enfrentou uma tragédia com a devastação provocada pela
enchente histórica. Ante o tamanho da catástrofe e seu caráter inédito, a ajuda
financeira do governo federal também ficou fora da meta fiscal.
Mas várias outras exceções foram abertas sob
justificativas frágeis de todo tipo. Saíram da meta despesas com defesa
nacional, gastos temporários com educação e saúde, auxílio emergencial a
empresas brasileiras afetadas pelo tarifaço de Donald Trump, ressarcimento de
descontos ilegais nos benefícios dos segurados do INSS, investimentos de
estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), reestruturação dos
combalidos Correios — e sabe-se lá mais o que entrará na lista.
É até certo ponto ocioso discutir se o
governo deveria efetuar tais gastos. O que importa: não há dúvida de que não
deveriam ter sido retirados da conta de despesas. Nos quatro anos do terceiro
mandato, as exceções ao arcabouço ultrapassarão os R$ 170 bilhões, de acordo
com projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI).
É ainda mais difícil aceitar as exceções porque, ao formular o arcabouço, a equipe econômica criou um intervalo de tolerância para as metas fiscais. Fez isso justamente para acomodar choques econômicos inesperados. O resultado final de um ano seria considerado cumprido mesmo se variasse dentro de 0,25 ponto percentual do PIB para mais ou para menos. Para um governo gastador, nem isso foi suficiente. Mirando sempre no piso da meta, deu um jeito de driblar a regra aumentando a lista de exceções sempre que preciso. Lula só engana quem quer ser enganado. A dívida não para de crescer — e é nisso que todos estão de olho.
Desavenças na UE atrasam de novo acordo com
Mercosul
Por Valor Econômico
Resistências podem ceder diante dos estímulos
políticos para Mercosul e UE se unirem, que continuam fortes
Ainda não foi desta vez que o acordo entre o
Mercosul e a União Europeia, negociado desde abril de 2000, foi assinado. Após
morosas e infinitas idas e voltas, o motivo constante a emperrar a finalização
das tratativas foi o histórico protecionismo agrícola europeu, o mais
subsidiado do mundo. Não se trata de pretexto, mas de um complicador político
enorme, especialmente para o governo francês, o ponta de lança atual da
iniciativa para impedir a assinatura de um tratado que reunirá 722 milhões de
pessoas e um PIB de US$ 22,2 trilhões.
As vontades de ambos os lados variaram de
acordo com o pêndulo da política global e regional. Os governos petistas sempre
olharam com desconfiança a abertura de mercados e bombardearam no nascedouro a
possibilidade de acordo semelhante (Alca) com os EUA. Em seu terceiro mandato,
o presidente Lula quis rever o que fora aceito pelo governo de Jair Bolsonaro
em relação ao acordo, em especial uma cláusula ambiental imposta pela União
Europeia, que exigia ações contra o desmatamento, dado o histórico ambiental de
Bolsonaro. A esse ponto, a diplomacia de Lula logo acrescentou outros. O
presidente queria o retorno de sua política industrial protecionista e insistiu
em rever os termos para incluir, por exemplo, a proteção às compras
governamentais.
Com a volta de Donald Trump à Presidência dos
Estados Unidos, as regras do mundo do comércio global foram destruídas.
Acossado pelas tarifas injustas e unilaterais impostas ao Brasil, várias delas
canceladas ou minoradas depois, o governo Lula convenceu-se de que a aliança
comercial com a União Europeia faria todo o sentido para o país na nova ordem
internacional.
Encurralada de um lado pela primeira guerra
de conquista em território europeu desde o fim da Segunda Guerra, com a invasão
russa da Ucrânia, e pelos ultimatos econômicos e militares adversos vindos de
Trump, a União Europeia também acreditou que era chegada a hora de arrematar um
entendimento após meio século de discussões.
Mesmo assim, os velhos problemas do bloco
ressurgiram com força, em um contexto político muito mais hostil para os
governos democráticos do continente. Partidos políticos autoritários ou
antidemocráticos surgiram e ganharam rapidamente força eleitoral. Os governos
de centro, como o de Emmanuel Macron, se viram premidos pelos dois extremos, a
direita de Marine Le Pen e a esquerda de Jean-Luc Mélenchon. A direita ganhou o
poder na Itália, com a ascensão de Giorgia Meloni, alçada a primeira-ministra
com apoio de grupos simpatizantes do fascismo.
Tanto a direita como a esquerda francesa são
nacionalistas, e Macron, impopular, já havia provado o dissabor de
manifestações enormes do campo contra ele, como a revolta contra a taxa
ambiental sobre os combustíveis, com os protestos dos revoltosos de coletes
amarelos que se disseminaram por todo o país. As marchas de agricultores em
Bruxelas, no dia em que se tomariam decisões sobre o destino do acordo com o
Mercosul, reforçaram a posição de Macron. Meloni, que se mostrou pouco
inclinada a extremismos desde que assumiu o poder, somou-se à França e a outros
países para ter o quórum de veto, com a oposição de países com pelo menos 35%
da população do bloco.
Para aplacar a ira dos lobbies agrícolas e
protecionistas europeus, que não se resumem aos franceses, a UE aprovou uma
emenda ao acordo como salvaguarda, bem pior para o Mercosul que sua versão
original. A emenda previa a volta da proteção tarifária se os preços dos
produtos brasileiros (em especial, carnes, arroz, mel e soja) variassem 10% em
três anos. A emenda final prevê variação de apenas 5% dos preços no mesmo
período, ou de 8% no volume de importações. O Mercosul não foi formalmente
consultado sobre nova medida de restrição, que se juntou a uma variedade de
outras constantes no acordo, e obteve pretexto para brecar o acordo.
Ao que tudo indica, o Brasil não está
interessado nisso. Poderá contestar esse novo empecilho durante a vigência do
acordo e não antes, para impedi-lo. O presidente Lula e o comissário para o
Comércio da UE, Maro efcovic, mostraram a mesma posição antes do adiamento da
assinatura, na última reunião do Mercosul sob direção brasileira: concordaram
que não havia um único motivo para que o acordo não fosse sacramentado já. Lula
foi mais longe e disse que se isso não ocorresse agora, não aconteceria mais
durante sua gestão. Depois voltou atrás.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, disse que haverá um intervalo de 15 dias até o acordo ser consumado, período que será usado para aparar desavenças na UE. Não é possível ter tanta certeza disso, pois são discordâncias de anos que não dão sinais de enfraquecer. No entanto, podem ceder diante dos estímulos políticos para Mercosul e UE se unirem, que continuam fortes. A UE precisa de apoios políticos e comerciais que não pode encontrar nem na China nem nos EUA. O Brasil, com o alerta das tarifas de Trump, precisa diversificar mercados, e a velha e rica Europa seria parceira ideal para isso.
O teste da autonomia do BC
Por O Estado de S. Paulo
A insólita ordem de um ministro do TCU para
que o BC justifique o veto à compra do Master pelo BRB mostra que a pressão
contra o Banco Central por causa desse escândalo está apenas no começo
Em uma decisão insólita, tomada na
quinta-feira passada, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Jhonatan
de Jesus deu 72 horas para que o Banco Central justifique a liquidação
extrajudicial do Banco Master, descrita por ele como “medida extrema”. No
mercado financeiro, o despacho foi recebido com perplexidade por profissionais
que já acompanharam diversos processos de liquidação e falência bancária.
Como se sabe, o BC liquidou o Master em
novembro após detectar indícios de que o banco do empresário Daniel Vorcaro
havia vendido R$ 12,2 bilhões em carteiras de crédito inexistentes ao Banco de
Brasília (BRB).
Anteriormente, a autarquia, apesar de forte
pressão, já havia vetado a venda do Master ao BRB por entender que a aquisição
poderia contaminar o banco público do Distrito Federal com ativos podres.
Tecnicamente corretas, ambas as decisões
foram tomadas pelo BC após meses de análise detalhada sobre o melhor desfecho
para o Master, banco cujo crescimento vertiginoso há muito causava apreensão no
mercado.
Em entrevista ao jornal Valor, o diretor de Organização do
Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central, Renato Gomes, afirmou que,
antes da opção pela liquidação, o BC tem como política permitir “ao máximo” que
se encontre uma solução de mercado, mas que “chega um momento em que os
problemas de liquidez se tornam críticos demais, em que existe um
comprometimento de solvência” – exatamente o caso do Master.
Na entrevista, anterior ao despacho de Jesus,
Gomes exaltou ainda a “fortaleza institucional” do BC, cujas decisões são
tomadas de maneira “completamente técnica”. Pois é justamente essa “fortaleza
institucional”, ancorada na autonomia da qual o BC desfruta por força de lei
desde 2021, que o despacho do ministro do TCU parece testar. Esse ministro foi
indicado ao tribunal pelo deputado federal Arthur Lira (PP-AL), que, ao que
consta, é um dos muitos contatos poderosos de Daniel Vorcaro nos Poderes da
República.
As ações recentes mais agressivas contra a
autonomia da autarquia surgiram aos primeiros sinais de que o BC não aprovaria
a compra do Master pelo BRB. Ainda em setembro, lideranças do Centrão, com quem
Vorcaro tem excelente trânsito, tentaram aprovar de supetão um projeto de lei
que permitiria ao Congresso destituir presidentes e diretores do BC,
prerrogativa que hoje compete única e exclusivamente ao presidente da
República. Seria coisa de “republiqueta”, como bem definiu o ex-presidente do
BC Arminio Fraga.
A ideia surgiu no momento em que a compra do
Master pelo BRB foi barrada pelo diretor Renato Gomes a partir das conclusões
da área técnica do banco. Parlamentares do Centrão consideraram a decisão de
Gomes uma afronta e articularam a mudança na lei de autonomia do BC com o
objetivo óbvio de demitir o diretor. A reação muito negativa do mercado a esse
movimento esvaziou a iniciativa.
Há tempos a autonomia do Banco Central está
sob teste de estresse, com especial destaque para a recorrente pressão do
governo de Luiz Inácio Lula da Silva para que o BC reconsidere a política
monetária contracionista e baixe os juros na marra. Mas o caso do Banco Master
elevou esse teste a outro patamar.
Claramente inteirado de tudo isso, o
presidente do BC, Gabriel Galípolo, enfatizou que ele pessoalmente está à
disposição do Supremo Tribunal Federal para ajudar nas investigações do caso
Master e que tem “tudo documentado”, para que se evitassem questionamentos
futuros. Segundo ele, há registro de “cada uma das ações que foram feitas, cada
uma das reuniões, trocas de mensagens, comunicações”. Não parece ser uma
declaração fortuita. O Banco Central, ciente de que está sob ataque de forças
poderosas, resguardou-se.
O escândalo, ao que tudo indica, está apenas
no início, mas, seja qual for seu desdobramento, não pode resultar, de nenhuma
maneira, no enfraquecimento da autonomia do Banco Central – de cuja manutenção
dependem tanto a saúde do sistema financeiro como a estabilidade monetária no
Brasil.
Difícil de acreditar
Por O Estado de S. Paulo
Investigação sobre desvios da cota
parlamentar lança graves suspeitas sobre os deputados Sóstenes Cavalcante e
Carlos Jordy, cujas explicações, até agora, não resistem ao escrutínio público
A Polícia Federal (PF) apura se dois
deputados do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do partido na Câmara, e Carlos
Jordy (RJ), desviaram recursos da cota parlamentar de seus gabinetes. Os fatos
revelados até agora, ainda sob investigação, contrastam com a aura de vestais
da moralidade pública com que ambos os parlamentares se recobriram ao longo de
suas trajetórias políticas e colocam sob escrutínio versões que, até o momento,
não se sustentam à luz do bom senso.
Autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Flávio Dino, a operação da PF, deflagrada na sexta-feira passada,
cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços dos deputados em Brasília e
no Rio. No apartamento de Sóstenes, na capital federal, a PF encontrou R$ 430
mil em espécie. As investigações apontam para um esquema de desvio da cota
parlamentar – criada para financiar atividades inerentes ao mandato – por meio
de fraudes envolvendo uma locadora de veículos que é suspeita de ser uma
empresa de fachada usada para lavar o dinheiro desviado dos gabinetes.
Relatórios do Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) reforçam a gravidade das suspeitas. Assessores
dos dois deputados movimentaram um volume de recursos absolutamente
incompatível com seus rendimentos. No caso de Sóstenes, um único assessor,
Adailton Oliveira dos Santos, registrou R$ 11,5 milhões em créditos e R$ 11,5
milhões em débitos. No gabinete de Jordy, um assessor movimentou R$ 5,9
milhões, seguindo a mesma dinâmica. Ao que parece, os recursos apenas passaram
pelas contas dos assessores de Sóstenes e Jordy, o que exige explicações de
ambos.
Nesse contexto, a reação de Sóstenes, em
particular, é um insulto à inteligência alheia, para não dizer um deboche. Em
entrevista coletiva, o deputado afirmou que os R$ 430 mil encontrados em sua
residência teriam origem na venda de um imóvel, pago em dinheiro vivo pelo
comprador. Apenas por um “lapso”, justificou Sóstenes, ele deixou de depositar
o valor no banco. Difícil de acreditar.
Ora, quem compra um imóvel hoje em dia
pagando centenas de milhares de reais em dinheiro vivo? Quem guarda R$ 430 mil
em casa e simplesmente “esquece” de depositar essa quantia? A explicação remete
às práticas consagradas pela família Bolsonaro, tão admirada e apoiada pelo
deputado, envolvendo transações imobiliárias em espécie, à margem dos controles
próprios do sistema bancário, do Coaf e da Receita Federal.
É preciso registrar, à luz do devido processo
legal, que tudo ainda está no terreno das investigações. Nem Sóstenes nem Jordy
podem ser considerados culpados de coisa alguma. Mas a presunção de inocência
não lhes dispensa do dever de prestar explicações mais respeitosas a toda a
sociedade brasileira – não apenas à PF, à Câmara ou a seus eleitores. Tanto um
como outro construíram suas personas públicas como expoentes de uma suposta
“nova política” que varreria do País a corrupção associada aos governos
petistas.
Se o dinheiro tem origem lícita, como alega
Sóstenes, bastaria apresentar os documentos referentes ao negócio imobiliário.
O que foi vendido? Quem é o comprador? O que diz o contrato? Até agora, nada
disso foi mostrado, o que autoriza a suspeita de que uma movimentação dessa
magnitude serve para esconder a origem do dinheiro. Não se pode afirmar, neste
momento, que seja o caso. Mas tão frágil é a explicação dada pelo parlamentar
que não se pode condenar quem suspeite de que se possa estar diante de um
crime.
Na falta de respostas convincentes, Sóstenes
e Jordy recorreram ao argumento da “perseguição política”, atribuindo a
operação ao suposto ânimo hostil do ministro Flávio Dino contra eles. É verdade
que o STF tem sido bem mais rigoroso, digamos assim, com representantes da
direita, em particular da bolsonarista. Mas rigor institucional não é
necessariamente sinônimo de perseguição. Ademais, ser de direita ou
bolsonarista não é salvo-conduto para práticas ilícitas.
O que está em jogo nessa investigação vai
além do destino judicial de dois parlamentares. Trata-se da credibilidade do
Congresso. E até que explicações consistentes sejam apresentadas, o País
continuará a fazer perguntas incômodas.
A demagogia na garupa
Por O Estado de S. Paulo
Aprovação de isenção de IPVA para motos em SP
mostra que o populismo é suprapartidário
O governador Tarcísio de Freitas apresentou à
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) um projeto de lei para
isentar os donos de motocicletas com até 150 cilindradas do pagamento do
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Não satisfeitos em
apenas aprovar uma proposta já muito ruim, os deputados esforçaram-se em
piorá-la. De imediato, parlamentares do PT passaram a defender a benesse para
motos com até 170 cilindradas. Determinado a não perder o mérito do projeto,
Tarcísio enviou então uma mensagem aditiva à Casa, em que elevou o critério de
isenção para 180 cilindradas.
Prova do sucesso é que o projeto foi aprovado
de forma simbólica – ou seja, o consenso dispensou a votação nominal. Agora,
por óbvio, Tarcísio vai sancioná-lo. Com isso, quase 80% das motocicletas que
hoje circulam no Estado de São Paulo estarão isentas de IPVA a partir de 2026 –
um ano eleitoral. Nada menos do que 4,3 milhões de veículos, pertencentes a
milhões de eleitores, deixarão de pagar o imposto. Não há razão social e
econômica plausível para a decisão do governo e da Alesp de livrar esses
contribuintes do pagamento do imposto, a não ser, claro, uma motivação
política.
O governo e os deputados consideram que
milhões de cidadãos merecem tratamento tributário especial. Na justificativa do
projeto, o secretário da Fazenda e do Planejamento, Samuel Kinoshita, informou
que as motos são veículos mais acessíveis e ágeis no trânsito, que garantem
maior mobilidade pessoal, e “isentar o IPVA desses veículos evitará onerar de
forma desproporcional quem mais depende deles, muitas vezes utilizados, de
maneira empreendedora, como instrumento de trabalho e geração de renda”.
Ora, o mesmo raciocínio poderia ser aplicado,
por exemplo, para os motoristas de aplicativo, que também usam seus automóveis
“como instrumento de trabalho e geração de renda”. No mesmo exercício
hipotético, pode-se dizer que os proprietários de veículos automotores em geral
deveriam ser igualmente agraciados, pois seus deslocamentos costumam ser feitos
em razão do trabalho, da geração de renda e da movimentação da economia. Mas
esses contribuintes não tiveram a sorte de serem vistos pelo governo e pelos
deputados como eleitores em potencial.
O IPVA, como qualquer imposto, existe para
financiar o funcionamento da máquina pública e a prestação de serviços à
sociedade, a partir de um fato gerador. No caso do IPVA, o fato gerador é ter a
propriedade de veículo automotor. Logo, ser dono de uma moto, um carro, um
ônibus, uma caminhonete ou um caminhão já é motivo para torná-lo devedor do
imposto.
Apenas no próximo ano, a renúncia fiscal custará R$ 690 milhões. Somadas todas as isenções já concedidas no IPVA, serão mais de R$ 7 bilhões anuais que deixarão de chegar aos cofres do Estado e dos municípios, que têm direito a 50% da arrecadação. É uma renúncia muito elevada, que mesmo um Estado rico como São Paulo não pode se dar ao luxo de adotar. Mas o imperativo eleitoral parece falar mais alto.
Divergências no Mercosul despertam
preocupação
Por Correio Braziliense
É natural que, em um ambiente democrático,
países com interesses e realidades distintas tenham entendimentos contrários,
mas a ofensiva de Donald Trump contra o regime de Maduro leva o debate para um
outro patamar
A 67ª Cúpula do Mercosul foi iniciada, no
último sábado, em meio à expectativa sobre como os países reagiriam à não
assinatura do esperado acordo comercial com a União Europeia. O comunicado em
conjunto divulgado ao fim do encontro em Foz do Iguaçu, no Paraná, fala em
"desapontamento" dos países latinos com o adiamento do pacto, em
negociação há 26 anos. Mas foi a ausência de um tema no documento final que
acabou chamando a atenção: faltou um posicionamento sobre a ofensiva dos
Estados Unidos contra a Venezuela.
O tema foi amplamente debatido na Cúpula, mas
os chefes de Estado do Mercosul e os Estados associados não chegaram a um
consenso. Ao contrário, a divergência é clara. Já nos discursos de abertura,
Luiz Inácio Lula da Silva e Javier Milei evidenciaram que uma convergência de
posição do bloco em relação à questão era pouco provável. Enquanto o presidente
brasileiro alertava para pontos como tensionamento dos limites do direito
internacional e risco de "catástrofe humanitária", o argentino
conclamava os presentes a se unirem contra a "ditadura atroz e desumana do
narcoterrorista Nicolás Maduro" para não serem "arrastados" por
ela.
Não houve avanços. Para marcar posição, a
alternativa escolhida por Milei e aliados foi divulgar um documento paralelo —
sem o carimbo do Mercosul — em que "reafirmam seu firme compromisso de
alcançar, por meios pacíficos, a plena restauração da ordem democrática e o
respeito irrestrito aos direitos humanos na Venezuela". Seis países
assinaram o texto — Argentina e Paraguai, integrantes do Mercosul, e os
associados Panamá, Bolívia, Equador e Peru.
Brasil e Uruguai não aceitaram os termos,
argumentando que poderiam legitimar uma intervenção estadunidense na Venezuela.
Trump e Maduro não são citados nominalmente no documento, que foi elogiado por
María Corina Machado, opositora do presidente venezuelano. O Paraguai, um dos
signatários, assumiu a presidência rotativa do Mercosul, até então sob comando
do Brasil, na Cúpula de sábado. E a Venezuela está suspensa do bloco por
descumprimento de normas.
A divisão evidente é mais um capítulo de uma
reconfiguração política na região, alinhada à crise global do multilateralismo,
que desperta preocupações. É natural que, em um ambiente democrático, países
com interesses e realidades distintas tenham entendimentos contrários sobre
temas como parcerias econômicas, compartilhamento de tecnologias e criação de
fundos de financiamento. A ofensiva de Donald Trump contra o regime de Maduro,
porém, leva o debate para um outro patamar: o de respeito à soberania dos
povos, um dos princípios fundamentais das relações exteriores.
Trump ainda não provou que Maduro lidera uma
organização terrorista estrangeira dedicada ao narcotráfico, ao tráfico de
pessoas, a sequestros e assassinatos — justificativas adotadas quando
deflagrou, há uma semana, a ofensiva da "maior Armada já reunida na
história da América do Sul". Tem sido criticado, inclusive internamente,
quanto à escalada de tensão.
A verborragia perde lugar para a ação armada em um momento em que a América Latina é entendida como prioridade geopolítica do governo Trump, fazendo cumprir a Doutrina Monroe, conforme a Estratégia de Segurança Nacional divulgada neste mês. A doutrina anunciada em 1823 tinha como objetivo impedir que países europeus colonizassem ou interferissem em países das Américas. Em tempos modernos, ganha nova configuração, com todas as nações latinas soberanas. É preciso, portanto, que divergências internas não ofusquem a análise estratégica e responsável que o atual momento exige.
Orçamento e emendas parlamentares
Por O Povo (CE)
O montante movimentado pelos parlamentares
dificulta uma visão ampla dos problemas nacionais
Um dia antes de entrar em recesso, o
Congresso Nacional, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, aprovou o
Orçamento de 2026. Foram reservados R$ 61 bilhões para as emendas
parlamentares; e o Fundo Eleitoral disporá de R$ 5 bilhões para serem usados
nas eleições gerais do próximo ano.
A previsão para a despesa total soma R$ 6,5
trilhões, com R$ 1,8 trilhão para refinanciamento da dívida pública. A proposta
prevê superávit de R$ 34,5 trilhões nas contas do governo.
Por um lado, existe a crítica de que o
governo federal, para alcançar a meta fiscal de 0,25 do Produto Interno Bruto
(PIB), exclui valores expressivos de despesas como exceções às regras do
arcabouço fiscal. Muitas dessas "exceções" referem-se a verbas
destinadas à educação, saúde e programas sociais, com repasses obrigatórios.
Essas observações, a respeito da necessidade
de reduzir despesas, partem de representantes do sistema e de um segmento de
economistas que avaliam que o Executivo deveria fazer um corte amplo em suas
despesas para equilibrar suas contas.
Essas propostas se contrapõem ao recorrente
discurso do presidente Lula de que é preciso "pôr o pobre no
orçamento", e que destinar recursos a programas sociais e aos setores mais
vulneráveis da população não é "gasto" e sim
"investimento".
As duas proposições fazem parte de visões
ideológicas diferentes e legítimas em uma sociedade democrática, cujo debate
deve ser estimulado para, quem sabe, chegar-se a uma proposta comum que
favoreça o povo brasileiro.
O que parece mais difícil encontrar
justificativa são os valores exorbitantes destinados às emendas parlamentares,
majoradas em 20% em relação ao Orçamento deste ano. Para fazê-las caber no
Orçamento, foi necessário fazer cortes em áreas essenciais, como abono
salarial, seguro-desemprego, Pé-de-Meia (incentivo a alunos do ensino médio) e
auxílio gás.
O Brasil é um caso único do mundo a manter
emendas dessa magnitude, concorrendo com o Executivo, afora o aumento da
corrupção produzido pelo descontrole na liberação e na aplicação desses
recursos, difíceis de serem rastreados.
O montante movimentado pelos parlamentares
dificulta uma visão ampla dos problemas nacionais, pela forma retalhada como as
são liberadas, atendendo mais interesses políticos do que os da população.
Não se pede o fim das emendas, que podem ser
um instrumento importante para que os deputados e senadores atendam algumas
reivindicações de suas bases. No entanto, o Parlamento não pode ser um
concorrente do Executivo na tarefa de planejar as políticas econômicas e
sociais, pois isso configura a interferência de um poder sobre outro.
Quanto ao quantitativo destinado ao Fundo Eleitoral, a partidos e candidatos, pode ser reduzido em uma palavra: exagero.

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