quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais | Opiniões

Xi saiu vitorioso na disputa com Trump em 2025

Por O Globo

China obteve dos EUA corte de tarifas, acesso a chips avançados de IA e vista grossa a suas pretensões sobre Taiwan

Donald Trump voltou à Casa Branca em janeiro com o objetivo declarado de dobrar a China à sua vontade. Antes de completar duas semanas no poder, elevou as tarifas cobradas de produtos chineses de 10% para 20%. “Foi apenas um tiro de advertência. Se não conseguirmos fechar um acordo com a China, as tarifas serão muito, muito substanciais”, disse na época. Nos meses seguintes, a previsão se tornou realidade. No primeiro tarifaço em abril, a China foi contemplada com as maiores sobretaxas e, em seguida, começou a retaliar. A sucessão de respostas americanas fez a tarifa cobrada de produtos chineses chegar a inacreditáveis 145%. Em maio, com o primeiro cessar-fogo na guerra comercial, caiu para 30%. Hoje está em 20%. Parece evidente que, no primeiro ano de Trump, o chinês Xi Jinping levou a melhor.

No início do mês, Trump deu permissão para que a Nvidia começasse a vender aos chineses seu segundo chip mais avançado para inteligência artificial (IA), medida tida como fora de cogitação até há pouco. Estados Unidos e China disputam a corrida da IA, com potencial de catapultar ganhos tanto na economia como na área militar. Vender chips de ponta ao adversário parecia impensável, por agir contra o interesse nacional. Não mais. Ao ceder, Trump atraiu críticas da oposição e do próprio Partido Republicano. A justificativa de que o governo americano ficaria com parte do lucro das vendas não convenceu ninguém.

Não foi a única concessão americana. Em novembro, a primeira-ministra japonesa, Sanae Takaichi, disse no Parlamento que um ataque armado da China contra Taiwan poderia justificar envio de tropas à região. De lá para cá, a China tem respondido com pressão sobre Takaichi, enviando bombardeios a sobrevoar a vizinhança de ilhas japonesas. Da Casa Branca, não se ouviu um pio em defesa do maior aliado asiático. Nos meios diplomáticos, chamou a atenção a divulgação da Estratégia de Segurança Nacional pela Casa Branca, elencando as prioridades geopolíticas americanas. Em vez da Ásia, como em governos anteriores, agora as Américas aparecem em primeiro lugar.

Pelo menos momentaneamente, os chineses conseguiram conter a investida americana ameaçando restringir o fornecimento de matérias-primas essenciais. A China domina o mercado de terras-raras, grupo de 17 elementos químicos usados nos setores de tecnologia de ponta, incluindo equipamentos de defesa como caças, mísseis ou radares — controla cerca de 70% da mineração global e impressionantes 90% do processamento e refino. Também é dominante nas cadeias de outros minerais. As Forças Armadas dos Estados Unidos dependem de suprimentos chineses para obter acesso a cerca de 6 mil componentes de baterias e armamentos.

Em 2025, Xi demonstrou a disposição de usar o poder econômico como arma de pressão. A certeza de que a China é a maior ameaça estratégica ao poderio americano não desapareceu em Washington. Continua a ser um dos raros pontos de convergência entre democratas e republicanos. Trump, porém, errou ao blefar que iria até as últimas consequências e se viu forçado a voltar atrás. A força americana na ciência, na economia e nos campos de batalha continua inabalável, mas em 2025 Xi saiu vitorioso. Pode ter sido uma vitória circunstancial, mas para isso Trump não pode mais atrapalhar.

Persistem dúvidas sobre alcance e eficácia da nova lei das ‘saidinhas’

O Globo

Poder público deve cuidar da ressocialização dos presos sem pôr em risco segurança da população

Em 2024, a sanção de uma lei com regras mais rígidas para saída temporária de presos — a proverbial “saidinha” — deu a impressão de que haveria uma referência segura para a questão. O texto proíbe o benefício para presos que tenham cometido crimes com violência ou grave ameaça e prevê a possibilidade do uso de tornozeleira eletrônica. Também passou a exigir exame criminológico para haver progressão no regime de cumprimento da pena. Mais de um ano depois, no entanto, não há decisão definitiva sobre o alcance da lei nem avaliação sobre sua eficácia.

O total de beneficiados pela “saidinha” aumentou na última medição semestral da Secretaria Nacional de Políticas Penais. No primeiro semestre de 2025, houve 129.013 saídas temporárias, ante 123.079 no segundo semestre de 2024. Mas o país continua a conviver com situações como a saída de 689 presos em regime semiaberto para comemorar o Dia da Criança em outubro deste ano, no Maranhão. Destes, 39 não retornaram no prazo determinado pela Justiça. Segundo a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Maranhão, dos beneficiados de janeiro a outubro de 2025, 228 não voltaram no prazo estabelecido, ou 3,6% dos beneficiados. Casos como o maranhense se repetem noutros estados da Federação e decerto ocorrerão neste Natal.

Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda não decidiu se os presos que cumpriam pena antes da lei continuam a ter direito ao benefício. Um Recurso Extraordinário a ser julgado pelo STF questiona o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), segundo o qual a lei atual deve se restringir a condenados por crimes cometidos depois de sua entrada em vigor. O Ministério Público catarinense discorda e defende que a regra deve valer para todos. É preciso analisar a questão com cautela para que o objetivo de ressocializar os detentos não ponha em risco a segurança da população.

As “saidinhas” são motivo de controvérsia antiga porque, na prática, permitem que presos escapem e voltem a cometer crimes. Um caso dramático foi o assassinato do sargento da PM Roger Dias da Cunha em Belo Horizonte, em janeiro de 2024. Ele foi alvejado com dois tiros na cabeça, à queima-roupa, durante perseguição pelo roubo de um carro. O acusado do crime havia sido liberado numa “saidinha” de Natal e era considerado foragido. Se o objetivo da lei é impedir fugas, ele tem de ser cumprido. O uso de tornozeleira eletrônica pode ajudar a reduzir o número dos que não retornam à prisão.

A violência é hoje o problema que mais preocupa a população brasileira, segundo as pesquisas de opinião. A ressocialização de presos, por mais difícil que possa parecer, é um desafio de que o poder público não pode abrir mão. É preciso superá-lo agindo em favor da sociedade, e não em detrimento de sua segurança.

Reajuste salarial para o caríssimo Judiciário brasileiro

Por Folha de S. Paulo

Recém-sancionada por Lula, proposta tramitou rapidamente no Congresso, que nem cuidou de examinar custos

Congresso precisa fazer valer o teto salarial do servidor; Justiça consome 1,55% do PIB aqui, ante média de 0,28% em economias avançadas

Sancionado na segunda-feira (22) por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o reajuste salarial de 8% a ser concedido em julho de 2026 para servidores do Judiciário da União elevará os gastos já exorbitantes desse Poder no Brasil. A ligeireza com que a benesse foi aprovada é a mesma com que se rejeitam propostas para conter a farra remuneratória encabeçada pela magistratura.

Verdade que Lula ao menos vetou aumentos adicionais com o mesmo percentual em 2027 e 2028, previstos no texto proposto pelo Supremo Tribunal Federal e endossado pelo Congresso. Nacional A justificativa para o veto é singela: a Lei de Responsabilidade Fiscal veda aumentos de despesas com pessoal em períodos posteriores ao término do mandato presidencial vigente.

Tal inconformidade não impediu que o projeto de reajuste tramitasse com grande facilidade. Apresentado oficialmente em 24 de setembro, foi aprovado sem sustos pela Câmara dos Deputados em 4 de novembro e pelo Senado 22 dias depois —ao que parece, as rusgas entre os Poderes não se aplicam aos interesses das corporações do funcionalismo.

Tampouco causou algum incômodo a ausência de estimativas oficiais e detalhadas dos custos dos aumentos salariais para os deficitários cofres públicos. Quando muito, noticia-se que há R$ 1,77 bilhão reservado para essa finalidade no desacreditado Orçamento do próximo ano.

Mesmo que o montante possa ser relativamente modesto como proporção dos gastos totais do Tesouro Nacional, os custos desmedidos dos tribunais brasileiros deveriam ter forçado um debate mais aprofundado.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Judiciário da União e dos estados consumiu no ano passado R$ 146,5 bilhões, equivalentes a 1,2% do Produto Interno Bruto. Nas contas do Tesouro, que incluem ainda Ministério Público e outras estruturas associadas, o sistema de Justiça nacional teve despesas de 1,55% do PIB, uma anomalia global.

Entre 50 países analisados, só El Salvador superou o Brasil nessa rubrica em 2023, com 1,45% do PIB (ante 1,43% aqui). Nas economias avançadas, a média foi de apenas 0,28%, e nas emergentes, de 0,53% do produto.

Magistrados não serão contemplados pelo reajuste recém-sancionado, nem dele precisam. Eles criam com desenvoltura abonos, auxílios e outros penduricalhos que lhes permitem remunerações bem acima do teto salarial do serviço público, de R$ 46,4 mil mensais —o custo médio de um juiz ronda os R$ 70 mil. Servidores também têm benefícios.

Por mais um ano, permaneceram paradas no Congresso propostas destinadas a fazer valer o teto, de resto inscrito na Constituição, e eliminar os assim chamados supersalários. Tratando-se de um Poder que tem a prerrogativa de julgar governantes e legisladores, a covardia política e a conivência corporativista mantêm intactos privilégios que agravam a desigualdade social.

Numa democracia, crítica ao presidente é livre

Por Folha de S. Paulo

Ministro da Justiça, PF e MPF movem ação disparatada contra advogado que chamou Lula de 'ex-presidiário'

Se o Judiciário for acionado em todos os casos nos quais Lula é xingado, não faria outra coisa que não se ocupar da honra presidencial

Um bom teste para diferenciar ditadura de democracia é criticar o dirigente máximo do país de forma enfática. Se o sistema ignorar os questionamentos do cidadão, é provável que se trate de democracia; se persegui-lo, há grande risco de ser uma ditadura.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal parecem empenhados em aproximar o Brasil da categoria dos regimes autocráticos.

Após pedido do ministro, a PF abriu inquérito contra o advogado pernambucano Thomas Crisóstomo, que, em 2023, fez postagens críticas a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, e a Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal.

Crisóstomo chamou o presidente de "ex-presidiário", disse que a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) não passava de um cabide de empregos para protegidos da primeira-dama e pediu o impeachment de Moraes.

A PF concluiu que houve crime de injúria contra o mandatário. O Ministério Público concordou e propôs um acordo de não persecução penal, pelo qual o advogado admitiria a culpa em troca da não abertura do processo. O causídico diz que não aceitará, e o caso está em tramitação na Justiça Federal de Pernambuco.

É um disparate que tal bagatela consuma tempo e recursos do Estado. Como qualquer político em democracias liberais, Lula é diariamente xingado por milhões de cidadãos —com ou sem razão, pouco importa. Se o Judiciário for acionado em todos os casos, não fará outra coisa que não se ocupar da honra presidencial.

Ademais, embora o direito pátrio não admita a defesa de exceção de verdade no crime de injúria, é notório que o mandatário de fato ficou preso por 580 dias.

STF anulou as sentenças condenatórias que havia contra o petista, mas, por cerca de um ano e meio, ele foi um presidiário. É no mínimo estranho que a Justiça tente censurar juízos verdadeiros sobre fatos verificáveis, independentemente da intenção.

Por fim, e o mais grave, a ação contraria o entendimento firmado por caudalosa jurisprudência internacional de várias cortes constitucionais, incluindo o STF, de que figuras públicas têm menor proteção à honra do que cidadãos particulares. Quando o indivíduo decide ser político, ele implicitamente aceita submeter-se à crítica, que muitas vezes será ácida e até injusta.

É vergonhoso que o ministro da Justiça e outras instituições atropelem esse fundamento do Estado democrático de Direito.

As ligações perigosas

Por O Estado de S. Paulo

Conexão pessoal mal explicada de Moraes e Toffoli com o Master arrisca a credibilidade do STF e entra num terreno pantanoso que todo ministro do Supremo, em nome da ética, deveria evitar

A proximidade pessoal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Dias Toffoli com o Banco Master, de Daniel Vorcaro, não é perturbadora apenas pelo que significa para a imparcialidade de ambos. A rigor, expõe a perigo a credibilidade de todo o STF como instituição republicana.

Comecemos por Moraes. O jornal O Globo revelou que Vorcaro contratou o escritório da mulher do ministro, Viviane Barci de Moraes, para representar o Master judicial e administrativamente, inclusive acompanhando projetos de lei de interesse do banco no Congresso – o que configura lobby, prática legítima quando transparente, mas imprópria quando envolve familiares diretos de um ministro do STF que potencialmente pode vir a julgar o contratante.

Mais grave ainda é o fato de o contrato prever honorários de impressionantes R$ 129,6 milhões sem um objeto claramente definido. Consta apenas uma prestação de serviço genérica, à guisa de “representação” perante órgãos federais, além de um serviço de “organização e coordenação estratégica, consultiva e contenciosa”, seja lá o que isso signifique. Ora, honorários dessa monta, sem paralelo na advocacia nacional e sem vínculo claro com demandas processuais objetivas, suscitam toda sorte de suspeitas, principalmente a de que, na verdade, pode-se estar diante da compra de acesso a um ministro do STF por intermédio de sua família.

Essa suspeita ganhou força após vir a público a informação, também do jornal O Globo, de que Moraes teria feito gestões em favor do Master junto ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Por meio de nota, tanto Moraes como a autoridade monetária negaram que os negócios de Vorcaro tenham sido assunto das conversas, e sim as implicações da Lei Magnitsky, imposta pelo governo dos EUA, na vida financeira do ministro.

Se Moraes já está perigosamente próximo do caso Master, seu colega Dias Toffoli não fica atrás. Sem razão fática ou jurídica que o amparasse, o ministro acolheu um pedido da defesa de Vorcaro e concentrou em seu gabinete o controle absoluto do inquérito aberto contra executivos do banco. Para piorar, Toffoli ainda impôs rigoroso sigilo à investigação. Em claro desrespeito ao Legislativo, o ministro negou acesso aos dados da quebra dos sigilos fiscal, bancário e telemático de Vorcaro até para a CPI do INSS, franqueando-o somente ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).

Os membros da comissão pretendiam investigar a participação do Master na oferta irregular de crédito consignado a aposentados e pensionistas do INSS, o que levou à interrupção desses contratos em outubro passado. Portanto, por que esconder esses dados dos parlamentares? A falta de transparência prejudica, em primeiro lugar, o próprio STF. O sigilo desarrazoado, naturalmente, leva à suspeita de que se pode estar diante de tudo, inclusive de proteção de eventuais criminosos. São sobejamente conhecidas as relações que Vorcaro cultivou em Brasília nos últimos anos enquanto expandia seus negócios de modo vertiginoso.

Como se isso não bastasse, Toffoli, como veio a público, viajou para assistir à final da Copa Libertadores, em Lima, a bordo de um jatinho particular de um empresário na companhia do advogado Augusto de Arruda Botelho, defensor de um dos executivos do Master implicado na suspeita de fraude. Trata-se de conduta inaceitável para um ministro do STF. Se quisesse evitar a aparência de conflito de interesses, Toffoli deveria ter viajado em avião de carreira e pago a passagem do próprio bolso.

Diante desse conjunto de fatos, duas conclusões se impõem. A primeira é que Toffoli e Moraes, a bem do Supremo, não podem participar de nenhum ato processual relacionado ao Master no âmbito da Corte. Não basta que ambos eventualmente afirmem que não cometeram irregularidade alguma, o que até pode ser verdade. O busílis é que a imparcialidade judicial exige mais do que a ausência de dolo: exige a ausência de dúvida.

A segunda é a premência de um código de conduta para os ministros do STF, como defende o presidente da Corte, ministro Edson Fachin. Os ministros são servidores públicos, não vestais que só devem satisfação à sua própria consciência.

A armadilha da renda média

Por O Estado de S. Paulo

Estagnação, baixa produtividade e políticas obsoletas do petismo mantêm o Brasil longe das economias de alta renda. O mais grave é constatar a insistência num modelo que não funciona

O Brasil encerra 2025 com mais uma façanha indesejável: em breve completará 20 anos consecutivos preso à chamada “armadilha da renda média”. Mais do que uma classificação estatística, o termo, cunhado em 2007 pelo Banco Mundial, virou símbolo de estagnação, ao retratar países incapazes de avançar para o grupo das economias de alta renda. No caso brasileiro, o mais grave é que não há nada em formação no horizonte que inspire algum otimismo em contrário, sobretudo a prevalecer o modo petista de governar, ancorado em concepções econômicas anacrônicas e na preservação de entraves que há décadas sufocam o crescimento sustentável.

A classificação mais recente do Banco Mundial estima a renda nacional bruta per capita do Brasil em US$ 9,95 mil, muito abaixo, portanto, do piso de US$ 13,85 mil que configura a faixa de alta renda. Escapar dessa condição é raro: segundo o relatório World Development Report 2024, apenas 34 dos 108 países de renda média transitaram para o grupo de renda alta desde os anos 1990 – e 13 ainda se beneficiaram por passarem a fazer parte da União Europeia e suas reformas institucionais e regulatórias. O Banco Mundial é claro quanto ao caminho: primeiro, investimento em capital físico e humano; depois, ampla adoção de tecnologias existentes; só então inovação própria. É a estratégia dos “3 is”: investimento, infusão e inovação.

Nada disso se consolidou de forma sustentada no Brasil ao longo dos governos petistas, tampouco nos demais mandatos recentes. Mas exemplos concretos, já usados por especialistas no assunto, como o economista Fernando Veloso, da Fundação Getulio Vargas, mostram que é possível: Coreia do Sul, Polônia e Chile adotaram a estratégia e conseguiram fazer a transição da renda média para a renda alta. Em comum a esses países estão a redução progressiva da intervenção direta do Estado no processo produtivo e uma grande integração comercial com a economia global, estimulando um processo de competição, integração às cadeias globais de valor e progresso tecnológico.

O Brasil preferiu outro caminho – e pagou o preço. Desde que alcançou o status de renda média, nos anos 1970, o País tentou reiteradamente “queimar etapas”, estimulando inovação doméstica sem antes dominar tecnologias já existentes. O fracasso foi recorrente. A reserva de mercado da informática, na década de 1980, produziu produtos mais caros, piores e tecnologicamente atrasados. Ainda assim, o petismo insiste em políticas de inovação subsidiada e soluções locais forçadas, como se a repetição de erros pudesse, por insistência, produzir resultados distintos.

O protecionismo é uma das mazelas, no Brasil e no mundo. Como lembrou recentemente o indiano Indermit Gill, economista-chefe do Banco Mundial e um dos autores da teoria da “armadilha da renda média”, a rápida tendência de “desglobalização” e o aumento do protecionismo no mundo nos últimos anos são também um retrocesso para aqueles países que não têm uma indústria ou tecnologias próprias plenamente desenvolvidas. Em outras palavras, vai ficar mais difícil ainda para o Brasil.

Outro elemento crítico é a incapacidade do País de dar atenção devida à produtividade dos trabalhadores brasileiros. Em 2020, segundo o Banco Mundial, a produtividade do trabalho no Brasil era 20% da dos EUA. Nos anos 1980, essa distância era bem menor, isto é, a produtividade equivalia a 40% da americana. Enquanto isso, a Coreia do Sul, que começou a se industrializar depois do Brasil, conseguiu aumentar sua produtividade para mais de 60% da americana. E o fez com educação, investimento em capital físico e adoção de tecnologias já existentes, além da melhora em infraestrutura, no fortalecimento de instituições e na diversificação de suas exportações e sua base produtiva.

Em 2026, lembremo-nos disto: não há discurso triunfalista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva capaz de esconder o peso dessas evidências. Se continuar a seguir na contramão do que ensina a experiência internacional, o que hoje é renda média pode virar renda baixa, tornando mais nebulosa ainda a perspectiva de progresso.

O sorvete que não é sorvete

Por O Estado de S. Paulo

Discussão entre McDonald’s e Receita Federal só encontra respaldo no manicômio tributário brasileiro

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu que o sorvete da rede McDonald’s não é um sorvete – ao menos para fins tributários. Parece inacreditável que a burocracia brasileira perca tempo com um assunto tão mundano, mas esse é só mais um exemplo da barafunda que caracteriza o sistema tributário brasileiro.

A disputa começou no fim de 2022, quando a rede de lanchonetes americana passou a vender seu famoso sorvete como “sobremesa à base de bebida láctea”. A mudança nada tinha a ver com a composição do produto, que permaneceu a mesma, mas com seu enquadramento fiscal – sobre sorvetes, há incidência de PIS e Cofins, enquanto bebidas lácteas têm direito a um benefício fiscal criado para incentivar a cadeia produtiva do leite e são isentas da cobrança.

Desconfiada de que tudo não passava de planejamento tributário, a Receita autuou a empresa no início de 2023, que recorreu, então, ao Carf para dirimir a controvérsia. Laudos periciais apresentados no processo classificaram o sorvete como “líquido de alta viscosidade” ou “pasta cremosa” e passaram até pela temperatura em que o produto é comercializado.

Ao fim do julgamento, por 5 votos a 1, a corte se convenceu da tese da empresa. O único conselheiro que divergiu da proposta alegou que a aparência e a consistência do produto deveriam prevalecer sobre os laudos periciais. Fato é que a rede conseguiu se livrar de uma autuação de nada menos que R$ 324 milhões.

O caso chama a atenção por seu absurdo, mas não é o único. Para pagar menos impostos, a Mondelez, dona da marca Lacta no Brasil, recorreu ao mesmo Carf para alegar que o famoso bombom Sonho de Valsa era um wafer, que, diferentemente do chocolate, está enquadrado como produto de padaria e confeitaria e goza de isenção de IPI. A estratégia passou pela mudança na embalagem e, evidentemente, acabou sendo adotada por outros fabricantes.

Felizmente, esse tipo de discussão surreal muito em breve será parte do passado. A reforma tributária sobre o consumo, promulgada pelo Congresso no fim de 2023, vai unificar os cinco impostos que incidem sobre bens e serviços (os federais PIS, Cofins e IPI, o estadual ICMS e o municipal ISS) e que mais geram esse tipo de litígio. Haverá a CBS apenas para os três tributos federais, e o IBS, para o ICMS e o ISS.

Com a aprovação dos projetos de lei para regulamentar a reforma pelo Legislativo, inicia-se em janeiro a fase de transição entre o regime antigo e o atual. Até 2033, haverá tempo mais que suficiente para que União, Estados, municípios e empresas se adaptem gradualmente ao novo modelo, com a vantagem de que ele é bem mais simples que o atual.

A expectativa é de que o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), adotado pela maioria dos países do mundo, trará mais eficiência e produtividade à economia, bem como ganhos em termos de transparência nas transações, melhoria ao ambiente de negócios e a eliminação de distorções como o debate do sorvete e do bombom no Carf, que, a título de evitar repasses de preços e de proteger o consumidor, só serve mesmo para alimentar o anedotário tributário brasileiro.

Dieta saudável precisa ser meta coletiva

Por Correio Braziliense

A dieta seguida cada vez mais tem deixado de ser uma questão de gosto individual para se tornar problema de saúde pública

Em tempos de cidades tomadas por lanchonetes e prateleiras de supermercados repletas de alimentos industrializados, a dieta seguida cada vez mais tem deixado de ser uma questão de gosto individual para se tornar problema de saúde pública. Obesidade, diabetes tipo 2, cânceres e outras enfermidades não transmissíveis que estão em alta revelam também que a relação com a comida precisa ser urgentemente repensada no Brasil — não apenas no plano pessoal, mas no campo das políticas públicas e culturais.

Um recente movimento legislativo ilustra bem a complexidade do problema. No fim do calendário parlamentar, a Câmara dos Deputados aprovou a regulamentação da segunda etapa da reforma tributária, incluindo dispositivos que alteram a tributação de produtos prejudiciais à saúde — o chamado Imposto Seletivo. Em particular, retirou o limite máximo de 2% para a tributação de bebidas açucaradas, como refrigerantes. Esse teto havia sido incluído pelo Senado como forma de limitar a carga sobre esse tipo de produtos preocupava especialistas em saúde coletiva. Os deputados optaram por deixá-lo em aberto, abrindo a possibilidade de tributos mais altos no futuro sistema tributário.

Ao mesmo tempo, o país vem implementando ferramentas que facilitam escolhas alimentares mais saudáveis, como os selos de rotulagem nutricional. Esses dispositivos, visíveis nas embalagens, avisam a existência de configurações de risco, como alto teor de açúcar adicionado ou de gordura saturada. São exemplos de política pública que busca informar e proteger o consumidor e representam uma conquista importante de saúde pública: tornam visível aquilo que, muitas vezes, está oculto na lista de ingredientes e na pequena tabela nutricional no verso da embalagem. 

Mas a possível mudança tributária e esses selos, obrigatórios há três anos, não são suficientes. Políticas que incentivem a ingestão de alimentos minimamente processados e produzidos localmente precisam ser mais robustas. Há exemplos de fora. No Chile, as advertências frontais mais explícitas e as restrições à publicidade infantil de produtos não saudáveis ajudaram a reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados e encorajaram a indústria a reformular produtos para reduzir açúcar e sódio.

A experiência de países europeus com subsídios à produção de frutas, legumes e hortaliças mostra que é possível combinar segurança alimentar com sustentabilidade ambiental e equidade econômica: agricultores familiares que produzem alimentos frescos recebem apoio técnico e financeiro; escolas priorizam fornecedores locais para suas refeições; e campanhas públicas educam sobre hábitos alimentares saudáveis desde a infância. 

Há iniciativas do tipo no Brasil, mas de formas pontuais. O que se precisa é que esse incentivo à alimentação saudável seja uma preocupação abraçada por todas as esferas do poder público. Um país que vê a obesidade avançar a ritmo acelerado — cerca de sete a cada 10 brasileiros estão com excesso de peso —, não pode se dar ao luxo de adiar a promoção de hábitos saudáveis. Que seja a meta de 2026!

Natal, um chamado à promoção da paz

Por O Povo (CE)

Como bem definiu o arcebispo de Fortaleza, dom Gregório Paixão, OSB, "o Natal é notícia que nunca envelhece". Pelo contrário, renova-se a cada ano, a cada gesto cotidiano de solidariedade, a cada iniciativa prática de caridade, a cada ato de promoção da paz

Em um texto recente, em que se dirige a um psicólogo da Itália que lhe pediu orientações, o papa Leão XIV resume uma indicação para o Natal, mas que pode ser usada como propósito para viver bem este período de reflexão: evitar compras excessivas. Em suma, menos consumo, mais presença.

Como alternativa para aproveitar este período de comunhão, o papa Leão propõe: "Convidemos para a ceia de Natal uma família pobre ou mesmo apenas uma pessoa sozinha". Segundo ele, a pobreza - seja material, seja existencial - continua sendo "uma urgência que não pode ser adiada".

Desse modo, chama-se à reflexão a fim de ser contemplada a beleza desta festa. É certo que, por ser lembrado o nascimento de Jesus, a celebração para os cristãos se faz de modo mais festivo, como um sinal de esperança e unidade. Uma das maiores festas da Igreja Católica, o Natal é comemorado com missas em horários particulares e solenidades marcantes para acolher o mistério do nascimento do Cristo.

Independentemente da crença religiosa, porém, o momento convida à reflexão e às festividades. É a época em que os familiares mais afastados se reveem, em que as pessoas viajam para o reencontro dos seus, em que um clima diferente, mais ameno e solidário, parece pairar sobre a sociedade. Sugere-se aproveitar, pois, tendo a certeza de que não pode nem deve ser um fim em si mesmo, mas um chamado à serenidade, ao perdão, à conexão com os demais e à trégua nos conflitos.

Como bem definiu o arcebispo de Fortaleza, dom Gregório Paixão, OSB, "o Natal é notícia que nunca envelhece". Pelo contrário, renova-se a cada ano, a cada gesto cotidiano de solidariedade, a cada iniciativa prática de caridade, a cada ato de promoção da paz. O "espírito natalino", tão corriqueiramente difundido, não perde jamais a força de comover, de reforçar uma narrativa coletiva de que o olhar deve ser voltado a quem mais precisa - seja de uma doação material, seja de um abraço.

É interessante quando gestos deste tipo se espalham por todo o ano, gerando um compromisso concreto com o bem-estar coletivo e a preocupação com o outro. Que esta época possa ser, assim, o começo disso tudo.

Em sua mensagem de Natal à sociedade, o arcebispo chama atenção para o sentido do Natal, destacando que a celebração vai muito além do apelo comercial e da troca de presentes materiais. Neste tempo, em que o mundo desacelera e volta seu cuidado para os ritos da noite deste dia 24, o sentido deve se manifestar, principalmente, na acolhida, na solidariedade e na oração. As ações que visam à paz e que põem uma trégua nos conflitos talvez sejam a forma mais genuína de oração.

A todos, um feliz Natal! 

 

 

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