terça-feira, 30 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ganho real do salário mínimo semeia crise futura

Por O Globo

Medida faz crescer a dívida pública, alimenta a inflação e corrói a confiança no governo

Ao determinar o valor do salário mínimo para 2026, mais uma vez o governo decidiu conceder reajuste de quase 2,5% acima da inflação, o limite das regras adotadas com base no arcabouço fiscal. O mínimo irá de R$ 1.518 para R$ 1.621, alta de 6,8%. Será o terceiro ano consecutivo em que subirá além da inflação. Nos três anos desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo, terá aumentado 24,5%, ante inflação estimada em 14,6% no período — ganho real de quase 10%.

A política de aumento real do salário mínimo é celebrada pelo governo como conquista dos mais pobres. Ela tem sem dúvida impacto na renda do estrato social que Lula enxerga como sua base eleitoral — e de cujo apoio precisará em sua tentativa de reeleição no ano que se avizinha. Na economia, contudo, tal política tem três consequências nefastas com que infelizmente as gestões petistas têm se revelado recorrentemente incapazes de lidar.

A primeira é o efeito explosivo sobre as contas públicas. Cerca de 70% dos benefícios previdenciários são indexados ao mínimo. A Previdência tem custo superior a R$ 1,1 trilhão e déficit projetado em quase R$ 340 bilhões no Orçamento de 2026. A estimativa é que cada real a mais no mínimo represente R$ 400 milhões em gastos adicionais.

Em nenhuma economia estável, aposentados ou beneficiários de programas sociais recebem aumentos reais — que costumam ocorrer no setor produtivo. Corrigir o que recebem pela inflação seria suficiente para manter seu poder de compra, sem gerar mais sufoco para as contas públicas. Seria desejável desvincular a correção dos benefícios do mínimo, de modo a acabar com a armadilha de crescimento inexorável das despesas a cada reajuste. Na impossibilidade política disso, contudo, o correto seria retomar a política de correção do mínimo apenas pela inflação, adotada antes do atual governo.

A segunda consequência da alta do mínimo é inflacionária. Ela se dá por duas vias, como demonstrou estudo do Banco Central (BC). A primeira é o aumento na demanda e no consumo, que leva o mercado a subir preços. A segunda é a necessidade que as empresas têm de reajustá-los para arcar com as despesas maiores na folha de funcionários.

Por fim, o aumento indiscriminado das despesas contribui para minar a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos. O arcabouço fiscal introduzido por Lula já se mostrou incapaz de conter a alta da dívida pública. Com isso, o BC se vê compelido a manter os juros em patamar mais alto para conter a inflação.

De um lado, a política econômica incentiva o consumo e o crédito fácil. De outro, os juros altos estimulam a inadimplência. Embora o endividamento das famílias esteja praticamente no mesmo nível desde o início do governo Lula, os juros médios cobrados de quem se endivida têm subido e já consomem quase um terço do orçamento familiar, de acordo com dados divulgados pelo BC na semana passada.

As gestões petistas — e a atual em nada é diferente — espraiam a ilusão de que favorecem os desassistidos com a política de ganho real do mínimo. Na realidade, o que lhes dão com uma mão, a inflação e os juros tiram com a outra. E os déficits da Previdência alimentam a dívida pública semeando a crise fiscal que ensaia estourar no próximo governo. Já aconteceu com Dilma Rousseff e poderá se repetir com o próprio Lula se ele for reeleito.

Cobertura indigente de telefonia celular nas estradas exige mais investimentos

Por O Globo

Apesar de iniciativas da Anatel e da ANTT, Brasil ainda apresenta desempenho vergonhoso

Apenas 12% da malha rodoviária do país, de 445 mil quilômetros, dispõe de sinal de celular 5G, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O 4G está em pouco menos da metade das rodovias (47%). Num país que fez opção pelo modelo de transporte rodoviário, são índices indigentes. Eles demonstram a necessidade de um plano estratégico para ampliar a cobertura ao longo das estradas quanto antes. A população não é atendida quando se desloca, o agronegócio padece com a falta de conexão, e o sinal nem sequer permite usar aplicativos para pedir socorro médico ou mecânico. Acabar com essa lacuna na telefonia celular deve ser prioridade do setor.

Há no Brasil mais celulares ativos (270 milhões) do que habitantes (213,4 milhões). Apesar disso, as estradas daqui contrastam com as de outros países, mesmo os de dimensão continental. A quase totalidade das rodovias mexicanas (90%) já permite conexão, assim como as americanas. Na Europa, a França tem como meta chegar aos 100% até 2027. A China já alcançou 80%. Estar em estágio inferior de desenvolvimento não condena nenhum país a atraso na telefonia celular. Ao contrário, os custos decrescentes da tecnologia ajudam.

A Anatel já inclui nos novos leilões de frequências a obrigação de oferecer cobertura rodoviária do sinal. As próprias empresas que venceram o leilão do 5G em 2021 têm interesse em atender seis rodovias prioritárias nos próximos três anos. Mesmo assim, há atrasos. O principal se deve à a desistência da Winity, operadora do Fundo Pátria que arrematou uma das frequências nacionais, com a incumbência de conectar todas as vias federais e suprir a deficiência da BR-101, uma das mais importantes estradas do país, onde ainda faltam mil quilômetros de cobertura. “Não conseguimos dizer hoje é em quanto tempo o Brasil chegará aos 100% conectados”, diz Nilo Pasquali, superintendente de Planejamento e Regulamentação na Anatel.

A TIM, pelos dados da Anatel a operadora que mais oferece conectividade em estradas, tem como objetivo ampliar o sinal 4G de 7,6 mil quilômetros para 10 mil quilômetros, por meio de acordos com empresas que operam no Centro-Oeste e no Sudeste. Foi responsável pela ampliação da rede na Via Dutra e afirma que, entre São Paulo e Seropédica (RJ), houve aumento médio de 40% no volume de dados por usuário.

Noutra iniciativa, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) autorizou concessionárias das rodovias a promover projetos de conectividade e diz contar com 31 contratos referentes a 16,1 mil quilômetros de estrada, em 14 estados e no Distrito Federal. Contratos antigos, porém, ainda dependem da adesão das operadoras para ampliar a cobertura. Por isso a agência oferece incentivos para que toda a malha rodoviária forneça sinal de celular.

Apesar do indiscutível avanço da telefonia celular no Brasil desde a privatização da Telebras, o atraso no interior e nas estradas ainda exige mais atenção — e mais investimentos.

Partidos precisam buscar relevância na sociedade

Por Folha de S. Paulo

Em pesquisa Datafolha, PT é o mais citado como preferido dos eleitores com 24%; 46% não apontam nenhum

Siglas especializadas em extrair dinheiro de fundos públicos podem até prosperar, mas não serão mais que sopa de letras para os votantes

Por razões palpáveis, o PT lidera há décadas pesquisas de preferência partidária no país. Trata-se de caso raro de legenda brasileira que, goste-se ou não de suas ideias, mantém coesão interna e inserção em setores da sociedade como sindicatos, academia e organizações não governamentais —e, claro, conta com a liderança carismática de Luiz Inácio Lula da Silva.

Ainda assim, essa colocação não se dá com números muito expressivos. Em levantamento do Datafolha, o PT é citado como sigla de predileção por 24% dos brasileiros aptos a votar. Os que não escolhem nenhuma agremiação somam quase o dobro disso, 46%, e compõem com folga o maior contingente do eleitorado desde 1989, quando essa sondagem começou a ser feita.

Na concretude das urnas, ademais, os índices do petismo se mostram mais baixos. No mais recente pleito para a Câmara dos Deputados, por exemplo, a federação encabeçada pelo partido, que inclui ainda PC do B e Rede, conquistou apenas 81 cadeiras, ou 15,8% das 513 em disputa. A figura de Lula, ao que parece, tem influência decisiva na pesquisa.

Ainda mais evidente é o papel personalista de Jair Bolsonaro na opção de 12% dos entrevistados pelo PL —sigla de tradição fisiológica que era quase ignorada pelos eleitores antes de abrigar o então presidente em 2021.

Muito pior está o restante da miríade de legendas existentes no país. O MDB, que fez a oposição permitida pela ditadura militar e foi a força mais importante dos primeiros anos de redemocratização, hoje marca 2% no Datafolha. O PSDB, que governou o país de 1995 a 2002 e disputou o segundo turno nacional em 2006, 2010 e 2014, tem 1%, como o PSOL e o Novo. Os demais, nem isso.

Partidos políticos são importantes numa democracia, ou deveriam ser, ao indicar à população que ideias e interesses seus representantes vão defender nas instâncias de poder. Os nossos claramente não são percebidos como à altura da tarefa.

Algum avanço institucional foi promovido nos últimos anos com normas que restringem verbas e espaços publicitários a siglas que não obtenham votações mínimas. Assim perdem lugar legendas de aluguel e estimulam-se fusões e federações que vão dando mais clareza à divisão de forças nos Executivos e Legislativos.

Cabe a elas, se quiserem ganhar relevância, organizarem-se em torno de valores e programas, mais que de nomes e oportunidades de ocasião, e buscar o convencimento dos múltiplos setores de uma sociedade complexa. De contribuições de pessoas físicas e jurídicas (estas hoje infelizmente proibidas) deveria vir a maior parte de seu sustento.

O caminho oposto é formar burocracias especializadas em extrair dinheiro de fundos públicos e negociar apoio a governos em troca de cargos e verbas. Agremiações desse gênero podem até prosperar por longos anos, mas não serão mais que uma sopa de letras para os votantes.

Orçamento e ambiente devastados por emendas

Por Folha de S. Paulo

Anomalias na distribuição de máquinas usadas para desmatamento em obras revelam desperdício de verbas

Na última década, de R$ 900 milhões executados, 30% foi só para Rôndônia, que no período teve a maior taxa proporcional de devastação

Levantamento da Folha mostra efeitos nefastos do descontrole de emendas parlamentares, que desde 2015, quando sua execução tornou-se obrigatória, abocanham fatias cada vez maiores do Orçamento federal sem transparência ou critérios técnicos de aplicação.

Nos últimos dez anos, deputados e senadores direcionaram por meio desse mecanismo mais de R$ 900 milhões para compra de ao menos 1.649 máquinas pesadas que foram entregues a 467 municípios da Amazônia Legal.

Segundo especialistas, esse tipo de maquinário —como trator de esteira e de pneus, motoniveladora e rolo compactador— é usado em geral para remover vegetação e abrir estradas.

Trata-se de dinheiro público aplicado em obras com potencial impacto ambiental. Assim, é necessário que sua execução siga avaliação rigorosa para evitar distorções. Mas não é o que se vê.

Do montante total, 30% das verbas (R$ 319 milhões) e 31% das máquinas (507) foram apenas para Rondônia, que, desde 2015, teve a maior taxa de desmatamento proporcional ao território na região, com 5,1% da sua área devastada (12 mil km²), de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Em seguida, estão Mato Grosso (R$ 145,8 milhões) e Acre (R$ 117,8 milhões).

Dos equipamentos adquiridos para Rondônia, a capital Porto Velho ficou com 329, uma discrepância notável ante as outras duas cidades que obtiveram mais máquinas pesadas na região, Cuiabá (67) e Rio Branco (30).

Os dados levantam dúvidas sobre se os recursos foram direcionados a localidades e populações que de fato deles precisam.

Outros problemas são o possível uso irregular das máquinas em garimpos, como aponta o Ibama, e favorecimento. O deputado federal Zezinho Barbary (PP-AC) usa sua fatia de verbas para regularizar a obra de uma estrada que passa por terras de sua família, aberta com desmatamento ilegal no período em que ele era prefeito de Porto Walter (AC).

A execução impositiva de emendas abriu uma caixa de Pandora no Orçamento. De 2015 a 2024, foram empenhados R$ 220 bilhões, R$ 173 bilhões a mais do que se o montante fosse só corrigido pela inflação.

É um volume inaudito que no geral serve a interesses políticos de congressistas por obras paroquiais, em vez de ser alocado racionalmente em áreas prioritárias.

Interromper essa insensatez demandará um entendimento político e institucional entre os três Poderes, que por ora não está no horizonte. Ao que tudo indica, há mais escândalos pela frente.

Uma briga que vale a pena

Por O Estado de S. Paulo

STF deve julgar em 2026 a constitucionalidade das emendas impositivas, ampliando o embate com o Congresso. Mas é um passo necessário para corrigir a captura do Orçamento da União

Recente reportagem do Estadão informou que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá discutir, em 2026, a constitucionalidade das chamadas emendas parlamentares impositivas, aquelas que obrigam o governo federal a executar recursos indicados por deputados federais e senadores. A sinalização foi dada pelo ministro Flávio Dino, relator de ações que tratam do tema. Embora a decisão sobre a pauta caiba ao presidente da Corte, ministro Edson Fachin, já é possível antever mais um episódio de tensão entre o STF e o Congresso, tendo como pano de fundo a crescente deformação do manejo dos bilionários recursos do Orçamento da União.

Flávio Dino relata quatro ações relacionadas ao uso das emendas parlamentares. O debate começou com exigências de transparência e rastreabilidade e evoluiu para questionamentos constitucionais mais amplos, incluindo as emendas impositivas, criadas em 2015. Há duas modalidades principais: as individuais, distribuídas igualmente a deputados e senadores, e as de bancada, indicadas coletivamente por parlamentares de um mesmo Estado. Em ambas, consolidou-se uma transferência excessiva de poder orçamentário ao Legislativo, com frágil justificativa técnica e baixíssima transparência na destinação dos recursos.

Mais recentemente, Dino abriu nova frente de conflito ao suspender trecho de um projeto aprovado pelo Senado que ressuscitava o pagamento de restos a pagar do chamado orçamento secreto – a marotagem institucional revelada em 2021 pelo Estadão, ao expor um esquema opaco de distribuição de recursos por meio das emendas de relator (RP-9). Declarado inconstitucional pelo STF em 2022, o mecanismo reapareceu no apagar das luzes de 2025, quando o Congresso, de forma pouco fortuita, incluiu em um projeto de corte de benefícios tributários a possibilidade de resgatar cerca de R$ 3 bilhões em emendas canceladas e destravar sua execução em 2026, ano eleitoral.

As emendas impositivas representam uma excrescência do ponto de vista republicano. Ao tornar obrigatória a execução de indicações parlamentares, o Congresso apropriou-se de uma parcela crescente do gasto discricionário federal, reduzindo drasticamente a capacidade do Executivo de planejar políticas públicas de forma racional, coordenada e orientada por prioridades nacionais. O que nasceu como instrumento de fortalecimento federativo converteu-se em mecanismo permanente de clientelismo e barganha política.

Em pouco mais de uma década, a fatia do orçamento discricionário controlada por parlamentares saltou de algo residual para cerca de um quarto do total disponível. Não há paralelo no mundo democrático. Criou-se no Brasil uma anomalia institucional: um Congresso sem responsabilidade executiva, mas com poder quase absoluto sobre bilhões de reais, muitas vezes distribuídos sem critérios técnicos claros, transparência adequada ou avaliação de resultados.

É previsível que a iniciativa de Flávio Dino provoque reação no Congresso e reacenda críticas ao STF por suposta interferência em prerrogativas legislativas. Também é esperado que se renovem suspeitas de alinhamento político entre o ministro e o governo Lula da Silva. Não é de hoje que, sempre que o Legislativo busca atuar de forma mais autônoma, o governo mobiliza parte de sua base política para judicializar a questão e fazer uma dobradinha com o STF, tentando manter a prerrogativa orçamentária sob controle do Executivo. Ainda assim, evitar o confronto apenas perpetuaria uma distorção que enfraquece o Estado, empobrece a democracia e normaliza práticas que a política finge combater.

Discutir a constitucionalidade das emendas impositivas não é capricho jurídico nem ativismo judicial. É uma tentativa tardia de recolocar o Orçamento da União dentro de parâmetros minimamente republicanos. Não se trata de eliminar a participação do Parlamento na alocação de recursos, mas de restabelecer limites, responsabilidades e racionalidade a um sistema que se tornou disfuncional.

Haverá mais tensionamento entre os Poderes em 2026. Mas algumas brigas são inevitáveis quando se pretende corrigir desvios estruturais. Essa é uma delas. E é, sobretudo, uma briga que vale a pena.

O ano que desmoralizou o protecionismo

Por O Estado de S. Paulo

Tarifaço de Trump não fez empregos retornarem para os EUA, provocou inflação e ficou pelo caminho, prova definitiva de que o protecionismo, como bem sabe o Brasil, não funciona

No apagar das luzes de 2025, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou um pacote de ajuda de US$ 12 bilhões aos agricultores norte-americanos vítimas do tarifaço imposto por ele próprio para fazer “a América grande novamente”. Bilionário, o pacote passa longe de trazer alento para o setor agrícola dos EUA que, entre outros desafios, enfrenta concorrentes de peso como Brasil e Argentina na disputa pelo mercado chinês.

Mas, se não resolve os problemas do setor agrícola norte-americano, o socorro de Trump ao segmento escancara de forma incontestável a ineficácia do protecionismo como ferramenta de prosperidade econômica.

Não que a teoria precisasse ser testada. Como bem sabe o Brasil, décadas de isolamento comercial, subsídios generosos para empresas “amigas” do Estado e barreiras a produtos estrangeiros que nem sequer somos capazes de produzir não fizeram do nosso país um exemplo de prosperidade. Muito pelo contrário.

Alheio ao case brasileiro, e comprometido apenas com seus próprios delírios, Trump resolveu pagar para ver e passou boa parte do ano distribuindo tarifas de importação aleatórias a produtos de países como China, Brasil, Suíça, México e Canadá. Em certo momento, nem mesmo ilhas habitadas por pinguins foram poupadas da sanha protecionista do republicano.

Como era previsível, o que nasceu para dar errado obviamente não deu certo. Chamada à guerra, a China jogou pesado com os EUA, impôs aos produtos norte-americanos tarifas tão pesadas quanto as que recebeu de Trump e ainda restringiu suas exportações de terras raras, minerais essenciais para indústrias como a militar e a de tecnologia.

Derrotado em seu próprio jogo, só restou a Trump negociar uma “trégua” comercial com a China. O republicano também foi obrigado a recuar no tarifaço de 50% imposto sobre uma série de produtos brasileiros como carne, café e suco de laranja.

Apesar de não ter o mesmo poder de barganha da China, o Brasil viu Trump recuar na tarifa de 50% sobre mais de 900 produtos que exporta para seu segundo maior parceiro comercial. Motivo: o tarifaço não transformou os EUA em produtores de café em larga escala. Apenas serviu para gerar inflação, pesando no bolso dos eleitores norte-americanos e minando a popularidade de Trump.

Que as tarifas não funcionariam, eram favas contadas. Mas a velocidade com que elas foram desmoralizadas não deixa de impressionar. Impostas em abril, e emendadas e remendadas ao longo do ano, elas rapidamente provaram-se um equívoco.

A explicação para isso talvez resida no fato de que, ao contrário dos chineses, por exemplo, os americanos não estão acostumados com escassez ou com dificuldades para consumir produtos que para eles são básicos já há algumas décadas, como carne e café. Tão logo a inflação bateu no bolso, apagou-se a visão de que Trump tinha um plano para melhorar a vida dos americanos.

Não bastasse não ter transformado positivamente a vida de seus compatriotas, as tarifas de Trump também não impediram a China de registrar um superávit comercial recorde de mais de US$ 1 trilhão. Pequim reorientou suas exportações para mercados como União Europeia, América Latina e Austrália, mais que compensando a queda nos embarques para os EUA.

Trump está certo ao se preocupar com o protagonismo chinês como fábrica do mundo, problema que inquieta também a Europa e o Brasil, que já vê seu superávit comercial com Pequim diminuir. Mas, se acertou no diagnóstico – o mundo inundado por produtos chineses é, sim, um desafio nada trivial –, Trump errou feio, como comprovam suas alopradas ações ao longo de 2025, ao apostar em barreiras comerciais como ferramenta de reindustrialização.

Infelizmente, o experimento comprovadamente ineficaz do republicano neste ano de 2025 não representa o fim do protecionismo, por mais desmoralizado que ele tenha sido nessa temporada.

Severamente afetado pelas tarifas de Trump, o México acaba de aprovar tarifas de 50% sobre importações de países como a China e o Brasil para, ora vejam, proteger a indústria do país. A consequência, como se sabe, será mais inflação.

Decisão inexplicável

Por O Estado de S. Paulo

Ao decretar prisão de réus por presumir que poderiam fugir, Moraes fere direitos

No dia seguinte à malsucedida tentativa de fuga de Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de outros dez réus já condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pela trama golpista. A decisão causa perplexidade. O Poder Judiciário tem de assegurar a aplicação da lei penal, mas a lógica do ministro para justificar o agravamento das restrições cautelares impostas a indivíduos que, até onde se sabe, vinham cumprindo suas obrigações enquanto aguardam o trânsito em julgado de suas sentenças, chega às raias da injustiça.

A motivação explicitada pelo próprio ministro é clara. Segundo Moraes, “o modus operandi da organização criminosa condenada pelo Supremo Tribunal Federal indica a possibilidade de planejamento e execução de fugas para fora do território nacional” de todos os réus – o que é uma ilação. O ministro afirmou que, após a fuga do ex-deputado Alexandre Ramagem, “a mesma estratégia de evasão do território nacional também se verificou em relação ao corréu Silvinei Vasques”. Foi com base nessa visão presciente que Moraes decidiu impor medidas mais duras a outros condenados, independentemente de qualquer ato por eles praticado no mesmo sentido. Eis o problema.

Sabe-se que medidas cautelares no processo penal não se confundem tecnicamente com penas, mas tampouco podem ser aplicadas como sanção antecipada ou por presunção genérica de risco. No Brasil, tanto a doutrina como a jurisprudência sempre exigiram a individualização dessas medidas, em contraste direto com ações objetivas atribuíveis a cada réu ou investigado. Trata-se de respeito elementar ao devido processo legal.

Punir alguém pelo que outros fizeram – ou pelo que se imagina que possa vir a fazer – equivale a instaurar no País um “direito penal por projeção”, chamemos assim. A legislação brasileira não admite punições coletivas. A Constituição é taxativa ao vedar a transferência da pena de uma pessoa para outra (artigo 5.º, inciso XLV). Ainda que se reconheça a complexidade dos casos envolvendo organizações criminosas, como foi tratada a articulação para a tentativa de golpe, isso não autoriza a flexibilização de direitos e garantias fundamentais nem a substituição da prova individualizada por suposições de comportamento grupal. É alarmante que isso não seja considerado pela mais alta Corte de Justiça brasileira.

Nada indica que os dez condenados submetidos agora à prisão domiciliar, entre outras medidas cautelares, tenham tentado fugir, descumprido ordens judiciais ou atuado em conluio para frustrar a aplicação da lei penal. Agravar sua situação jurídica com base em episódios atribuídos a terceiros não fortalece a autoridade do STF. Ao contrário, fragiliza-a por abrir espaço para decisões percebidas como arbitrárias.

A credibilidade do Supremo não advém só da firmeza de sua resposta aos ataques contra ordem constitucional democrática, mas também – e sobretudo – da observância rigorosa dos limites impostos pelo próprio Estado de Direito que se pretende defender. O Supremo tem de ser justo, não implacável. Praticar abusos à guisa de uma suposta cautela é institucionalizar a injustiça.

Eleições na AL favorecem alinhamento com Trump

Por Valor Econômico

O equilibrio de forças atual parece favorecer Trump, que está disposto a interferir diretamente nas políticas dos países da região

Ondas de direita e esquerda se revezam nos governos da América Latina, sem que os eleitores tenham clara preferência ideológica, mas, sim, rejeição a gestões que não conseguem melhorar as condições de vida ou promover o crescimento, sejam de que orientação forem. Mas com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, resolvido a tratar o território abaixo do Rio Grande como de interesse estratégico, o alinhamento ideológico imediato dos governos, mesmo a curto prazo, importa, e a configuração atual é conservadora e favorável aos interesses americanos. A eleição de Nasry Asfura em Honduras consolidou esse alinhamento e traz mais desafios à atual política externa brasileira, em geral alinhada à esquerda.

Seja na América Central, no Caribe ou mesmo no Mercosul, a vitória de governos que têm bandeiras políticas semelhantes às de Trump, como a ojeriza à imigração professada por José Antonio Kast, recém-eleito para dirigir o Chile, ou o credo liberal radical esposado por Javier Milei, na Argentina, dão um sinal verde para o avanço de políticas definidas em Washington. Até recentemente, ao contrário, elas não gozavam de popularidade na maioria dos países latino-americanos.

Na América do Sul, o Brasil começa a ficar isolado. A segunda maior economia do Cone Sul, a Argentina, é claramente favorável à orientação dos EUA, e tornou-se ainda mais fiel depois que o governo americano providenciou um swap de emergência de US$ 20 bilhões para socorrer o governo de Milei, além de auxiliá-lo a evitar uma maxidesvalorização com compras de pesos, por bancos privados. Milei teve ampla vitória e aumentou as chances de, com maior representação no Congresso, levar adiante sua agenda liberal e antiperonista.

A maioria da população chilena consagrou os partidos conservadores na eleição presidencial, mas não apenas isso: escolheu a sua ala mais extremista, personificada por José Antonio Kast, que conseguiu ter sucesso após duas tentativas fracassadas. Kast pôs fim à alternância entre partidos moderados pendendo à direita e à esquerda, e proporcionou uma dura derrota a Gabriel Boric, o mais jovem político progressista do país, que, no entanto, não conseguiu realizar quase nenhum dos projetos para os quais foi eleito.

A trajetória de Boric parecia promissora. É raro para um político de esquerda fazer duras críticas à ditadura do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que é incensado pelo governo brasileiro, mas na política doméstica não obteve apoio nem do Congresso nem da população. O primeiro referendo para mudar a Constituição, feita durante do ditador general Augusto Pinochet, mexeu excessivamente o pêndulo legal para a esquerda, e a proposta acabou rejeitada amplamente por 62% dos votantes. Em seguida, um conselho constituinte com a maioria de representantes da direita não conseguiu consenso para aprovar as propostas de mudanças, que não foram adiante.

Aliado dos governos petistas, o governo boliviano assistiu a um racha severo no Movimento ao Socialismo, com Evo Morales, duas vezes presidente, e que queria continuar a ser apesar de a Constituição não o permitir, e o candidato governista foi derrotado com grande margem também pelas forças mais conservadoras. Após 20 anos de gestão do MAS, dois candidatos direitistas decidiram o segundo turno, após eliminarem os concorrentes esquerdistas. O novo presidente, Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão, que obteve 54% dos votos, espera que o apoio nas urnas seja suficiente para que ele possa eliminar os subsídios aos combustíveis à população, uma aposta heroica que pode colocar abaixo as esperanças com que o novo governo é recebido.

No Mercosul, além de apoiar Milei, Trump fez um acordo militar com o presidente paraguaio, Santiago Peña, um moderado direitista do Partido Conservador, que permitirá o uso do país por tropas americanas. O Paraguai assumiu a presidência rotativa do bloco. Há, além disso, revolta da Argentina, que quer romper a união aduaneira para fazer um acordo bilateral com os EUA.

A Venezuela já foi isolada pelo Mercosul por não respeitar sua cláusula democrática e hoje está cercada pelas canhoneiras dos Estados Unidos. Mas os governos ao redor tornaram-se mais hostis a Maduro. Com exceção da Colômbia, do esquerdista Gustavo Petro, que enfrenta um duro teste das urnas em maio e que ainda vê com benevolência a ditadura venezuelana, Equador e Peru, assim como países da América Central, como o El Salvador do radical Nayib Bukele, e agora Honduras, não têm boas relações com Maduro.

O equilíbrio de forças de repente parece favorecer Trump, que, com política dirigida a obter amplas licenças para explorar matérias-primas essenciais na nova corrida tecnológica, está disposto a interferir diretamente nas políticas dos países da região. Não é possível prever os efeitos dessas intervenções, mas, sim, os das políticas domésticas. A América Latina caminha para seu quarto ano consecutivo de baixo desempenho (crescimento previsto de 2,3% em 2026, segundo a Cepal), com baixa performance de seus principais países. Nenhum governo de direita ou de esquerda, que se revezam, governará em paz com políticas que não promovam expansão equilibrada, com melhoria da renda.

Soluções equilibradas para a exposição digital

Por Correio Braziliense

O ambiente digital pode, sim, ser perverso. Ao mesmo tempo, oferece aos jovens um rico mundo de informações e conhecimento

São a cada dia mais contundentes — e irretorquíveis — os dados que mostram como o uso crescente de smartphones e tablets tem gerado efeitos danosos em crianças e adolescentes. Os problemas identificados por cientistas vão de impactos dolorosos sobre a saúde mental a duras consequências físicas. Esse arco de desafios inclui aumento de distúrbios de ansiedade, agravamento de problemas de sono e surgimento de disfunções alimentares. 

Na berlinda, estão não só as onipresentes redes sociais, mas jogos em rede com exigências cada vez maiores de tempo on-line e plataformas de vídeos com conteúdos inapropriados para cérebros ainda em desenvolvimento. Nem os mais pequenos escapam. Divulgado neste mês, o estudo "Proteção à primeira infância entre telas e mídias digitais" revelou que, no Brasil, o acesso à internet entre bebês e crianças na pré-escola passou de 11%, em 2015, para 23%, em 2024.

Também  em dezembro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou um informe revelando que jovens são, paradoxalmente, os que mais se internam por problemas de saúde mental e os que menos procuram ajuda. O estudo não tinha o objetivo de captar diretamente os impactos das interações digitais no bem-estar psíquico, mas os autores ressaltaram que há diversas pesquisas que "têm evidenciado que o uso intensivo das redes sociais se configura como um fenômeno social contemporâneo com potencial de gerar sofrimento psíquico entre jovens, afetando de forma diferenciada homens e mulheres." Depressão e cyberbullying aparecem com riscos mais recorrentes.

O problema, evidentemente, não é simples. O ambiente digital pode, sim, ser perverso. Ao mesmo tempo, oferece um rico mundo de informações e conhecimento. E é preciso lidar com a realidade de muitas famílias que se veem compelidas — por questões de segurança, por necessidade de comunicação rápida, pelo desejo de permitirem contatos dos filhos com amigos, a lista é interminável — a permitir o uso de aparelhos celulares por crianças cada vez mais jovens.

A situação não será enfrentada com eficácia se a complexidade do tema não for reconhecida. É possível, e até mesmo desejável, restringir severamente o uso de aparelhos eletrônicos por jovens? Basta a proibição de uso nas escolas, como adotado há pouco no Brasil? Ou a solução está no modelo que acaba de ser formalizado na Austrália, com a proibição de acesso de crianças e adolescentes até 16 anos às redes sociais? Há alguma opção menos drástica a ser considerada?

O que é inegável e incontornável é a urgência de famílias e autoridades públicas enfrentarem a questão. Com equilíbrio, sim, mas sem medo. O ano que termina viu ser sancionado pelo governo federal o Estatuto da Criança e do Adolescente Digital, o "ECA Digital". A norma define maiores responsabilidades para as plataformas de redes sociais, que deverão retirar conteúdos impróprios sem necessidade de ordem judicial e garantir ferramentas de controle para os pais; estabelece medidas de proteção para crianças e adolescentes em ambientes digitais, incluindo mecanismos de verificação de idade; e impõe restrições a conteúdos considerados impróprios.

A criação do Eca Digital é um avanço. A sociedade brasileira precisa analisar, contudo, se ele é suficiente ou ainda apenas um passo no caminho rumo a um ambiente digital devidamente saudável.

Desincompatibilização e democracia

Por O Povo (CE)

A data de 3 de abril terá importância especial no ano de 2026, que começaremos a vivenciar na próxima quinta-feira. Trata-se do dia limite para quem ocupa cargo de confiança em gestões públicas, nos três níveis da estrutura federativa brasileira, e pretende buscar mandato eletivo em outubro, definir se permanecer nele ou, para atender determinação legal, pede afastamento. As projeções indicam que será muita gente nas várias instâncias.

Ministros e secretários estaduais e municipais precisarão obedecer o prazo caso tenham intenção de candidatura, em qualquer nível que isso venha a acontecer. Ação importante e necessária diante de um histórico lamentável que acumulamos de uso da máquina pública em favor de projetos pessoais, partidários ou de grupos políticos.

Nesse sentido, consideramos até irrelevante saber quantos precisarão se afastar dos cargos, no governo federal, na gestão estadual ou em prefeituras municipais. Em qualquer circunstância, fundamental mesmo será que as instâncias responsáveis pela fiscalização das campanhas consigam tolher abusos que se queira cometer a partir do uso do que é público para o atendimento do interesses pessoais.

A obrigação de afastamento dos cargos, prevista em regra da Constituição Federal, tem como principio básico garantir que os candidatos e as candidatas submetem-se a um quadro no qual estejam asseguradas as condições de igualdade. Claro que, nesse sentido, determinar o afastamento de quem estiver a ocupá-los para ter direito a entrar em campanha parece condição inicial para atender o espírito de justiça que deu base à ideia transformada em lei.

O processo eleitoral brasileiro, no entanto, precisa de muito mais do que isso para expressar o sentido efetivo do que deseja a população, através do voto e da maioria que se manifeste. Em relação àquilo que nos espera para 2026, especialmente considerando a realidade local, cearense, espera-se um debate mais qualificado acerca dos problemas que têm origem na ação de governo, dos erros eventuais cometidos pelo que exercem o poder atualmente e, traçado o diagnóstico, que sejam apresentadas as propostas de cada lado para o encaminhamento das soluções esperadas.

A troca de cadeiras que se espera para o começo de abril, com toda animação que pareça capaz de gerar no ambiente político, há de ser atendido no seu aspecto limitado, embora, reforcemos, necessário ao equilíbrio possível de forças. Deve preocupar mais aos políticos e aos partidos que cheguemos à campaha preparados para uma discussão de alto nível, que potencialize as fraquezas dos adversários, claro, faz parte, mas que busque também apontar os caminhos que podem nos levar a dias melhores. A democracia agradecerá se assim o for. 

 

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