quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Congresso e governo precisam esfriar os ânimos

Por O Globo

Lula e Alcolumbre têm de demonstrar maturidade institucional na indicação de Messias ao Supremo

Já foi longe demais o embate entre Executivo e Legislativo, deflagrado depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), ministro Jorge Messias, à vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) aberta com a aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso. Contrariado porque o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) foi preterido na indicação, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), desde o primeiro momento tentou criar problemas para o governo.

Assim que Messias foi anunciado, o Congresso aprovou uma pauta-bomba com custo bilionário para as contas públicas e derrubou vetos presidenciais necessários, tomando decisões flagrantemente deletérias para o Brasil. Em retaliação, temeroso de não reunir a tempo os 41 votos necessários à aprovação de Messias no plenário, o Planalto não enviou ao Senado a mensagem de praxe oficializando a indicação, forçando Alcolumbre a cancelar a sabatina que marcara para a semana que vem.

Ora, indicar ministros ao STF é prerrogativa constitucional do presidente da República. O papel do Senado não é menos importante: questionar o candidato para avaliar se tem condições de ocupar o cargo, de acordo com as exigências constitucionais (reputação ilibada e notório saber jurídico). Agora, Alcolumbre ameaça demorar meses para pautar a data da sabatina, como fez quando Jair Bolsonaro indicou o ministro André Mendonça, outro nome que lhe desagradava. Seria uma manobra nefasta, sob qualquer ponto de vista. O presidente do Senado não pode deixar suas inclinações e preferências pessoais interferirem em seus deveres. E o Supremo não pode ficar manco por um capricho, como ficou depois da indicação de Mendonça.

É preciso que todos recobrem a razão e demonstrem maturidade institucional. Primeiro, Lula precisa enviar ao Senado a mensagem com a indicação de Messias, de resto já anunciada e publicada no Diário Oficial. Em seguida, Alcolumbre deve marcar a sabatina dando oportunidade para que o postulante se apresente aos senadores, mas sem se preocupar com o efeito que isso possa ter na estratégia de qualquer grupo político.

Ele mira no Executivo, mas quem perde são os brasileiros. A mais alta Corte do Brasil não pode ficar desfalcada em razão de embates políticos. E, sobretudo, Alcolumbre não deveria pautar projetos e votações desprovidos de lógica e responsabilidade para retaliar o governo — como o aprovado por unanimidade pelo Senado na semana passada autorizando aposentadoria especial a agentes de saúde e combate a endemias ou a derrubada dos vetos de Lula às regras de licenciamento ambiental e ao refinanciamento das dívidas estaduais.

Messias é advogado, mestre e doutor em Direito pela Universidade de Brasília. Não tem histórico de atropelo da lei à frente da AGU e tem demonstrado enorme capacidade de articulação na atuação em favor dos interesses do governo. No Supremo, tem bom relacionamento com todos os ministros, inclusive os indicados por Bolsonaro. Sua indicação merece respeito, assim como a de Pacheco também mereceria. E a sabatina deve ser técnica. Acima de tudo, é preciso acabar com o clima belicoso entre Legislativo e Executivo causado por interesses pessoais que passam ao largo do interesse nacional.

Diálogo de Lula e Trump pode ajudar a desarmar impasse na Venezuela

Por O Globo

Presidentes concordaram em ação conjunta contra narcotráfico, pretexto usado por americanos contra Maduro

O novo telefonema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente dos Estados UnidosDonald Trump, é mais um sinal do bem-vindo estreitamento de relações entre os dois. Durante a conversa, que durou 40 minutos, Lula voltou a pedir a revogação das tarifas impostas a exportações do Brasil e das sanções contra autoridades brasileiras, mas outro tema ganhou destaque: o combate ao crime organizado. O pano de fundo é a ameaça de invasão americana à Venezuela, cujo pretexto são as acusações de cumplicidade do ditador Nicolás Maduro com facções criminosas e cartéis do narcotráfico.

Na agenda comercial, de acordo com o Palácio do Planalto, Lula elogiou a decisão dos EUA de cancelar as sobretaxas de 40% impostas a produtos como carne, café e frutas, mas ressaltou que ainda há outros produtos cuja tarifação deveria ser rediscutida. Manifestou o desejo de avançar rapidamente nas negociações. Não menos importante foi a conversa sobre o combate ao crime organizado. Segundo o Planalto, Lula e Trump discutiram atuação conjunta na área. Lula destacou a urgência de reforçar a cooperação e citou ações recentes com o objetivo de asfixiar financeiramente organizações criminosas, algumas operando a partir do exterior.

Trump mostrou disposição de trabalhar com o Brasil e louvou o diálogo com Lula: “Tivemos uma conversa muito boa, eu gosto dele, muito bom. Tivemos algumas boas reuniões, como você sabe, mas hoje tivemos uma conversa muito boa”. Numa rede social, ele afirmou que a relação estabelecida a partir do encontro na Assembleia Geral da ONU “preparou o terreno para um diálogo e acordos muito bons no futuro”. E afirmou aguardar “ansiosamente” um reencontro e nova conversa. “Muitas coisas boas virão dessa parceria recém-formada”, concluiu.

Embora o Planalto não tenha mencionado discussão entre os dois sobre a situação na Venezuela, o tema era inescapável. A crise no país vizinho é questão essencial para a segurança do continente. Nos últimos meses, os americanos aumentaram a presença militar no Caribe e fizeram ameaças veladas de promover operações em território venezuelano. Forças americanas têm atacado embarcações que dizem estar ligadas ao narcotráfico. Trump e Maduro chegaram a conversar por telefone, mas não houve entendimento.

Se souber atuar diplomaticamente, o Brasil poderá vir a desempenhar papel crítico para desarmar esse impasse. São conhecidos os canais entre petistas e o governo venezuelano, embora a relação tenha se estremecido desde a fraude eleitoral que manteve Maduro no poder no ano passado. Ao mesmo tempo, apesar de Lula ter custado a abrir diálogo com Trump, o telefonema desta semana é sinal de que os ventos mudaram. Ele ter conquistado a simpatia de Trump foi um dos acertos de seu terceiro mandato. Lula deveria usar seu talento diplomático em benefício da preservação da paz no continente, apostando na saída negociada de Maduro do poder com transição para um regime democrático.

Indicação ao STF descamba para a baixa política

Por Folha de S. Paulo

Cancelamento da sabatina de Messias resulta de disputa mesquinha entre chefe do Senado e governo Lula

Haveria boas razões para o Senado rejeitar indicados ao Supremo agora e sob Bolsonaro, mas não foram nem são elas as levadas em conta

Quando se trata uma indicação para o Supremo Tribunal Federal como o preenchimento de mais um cargo de confiança do governante, uma consequência esperável é que também sua tramitação reproduza práticas rasteiras do varejo político. É o que ocorre agora.

Assim como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) explicita a preferência por aliados e auxiliares diretos —sendo Jorge Messias o nome da vez— nas escolhas para a mais alta corte do país, o presidente do SenadoDavi Alcolumbre (União Brasil), tampouco se constrange em reivindicar o posto para um colega e seu antecessor, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A disputa chegou a níveis vexatórios. Na terça-feira (2), Alcolumbre cancelou a sabatina de Messias que marcara para o próximo dia 10 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, em decisão resultante de uma sucessão de fofocas e picuinhas digna de eleição de condomínio.

Diz-se em Brasília que a data fora escolhida de modo a não dar tempo suficiente para que o indicado vencesse resistências entre os parlamentares; em aparente reação, o Palácio do Planalto não enviou à Casa legislativa a papelada da indicação. Alcolumbre pretendia levar adiante o processo mesmo assim, mas capitulou.

O atual chefe do Senado é reincidente na pretensão de instalar alguém de seu agrado no Supremo. Quando ocupava o mesmo posto no governo Jair Bolsonaro (PL), retardou por mais de quatro meses a sabatina de André Mendonça, ao fim aprovado, por preferir Augusto Aras, de triste passagem pelo comando da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ora, é papel da Casa, definido pela Constituição, escrutinar os indicados pelo presidente da República ao STF e deliberar se preenchem os requisitos de reputação ilibada e notável saber jurídico. Haveria boas razões para rejeitar tanto Mendonça como Messias —escolhidos por fidelidade ao chefe, não pelo currículo jurídico. Mas não foram nem são elas as levadas em conta.

O que se vê é tão somente um embate de poderes —com letra minúscula. Busca-se uma cadeira no Supremo como se faz com cargos em ministérios e estatais, à base de barganhas e represálias, e naturalmente esperando a colaboração futura do agraciado.

A essa peleja mesquinha não se furtam nem mesmo ministros da corte que, conforme se noticia amiúde, defendem este ou aquele candidato em jantares brasilienses, inclusive com o próprio Lula. É mais uma conduta imprópria da parte de magistrados que deveriam dar exemplo de equilíbrio, discrição e autocontenção.

Com protagonismo crescente nos últimos anos, o STF cometeu e comete não poucos erros e excessos, mas mostrou independência e altivez em julgamentos como os do mensalão e da condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado. Enfraquecê-lo em nome de interesses políticos de ocasião é um retrocesso duradouro na institucionalidade democrática do país.

Itamaraty às escuras

Por Folha de S. Paulo

Ao expandir o uso de sigilo, ministério contraria princípio da transparência e promessa eleitoral de Lula

Há situações em que o segredo é necessário, mas o princípio geral tem de ser a publicidade, e exceções devem ser muito bem justificadas

Uma das promessas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha de 2022 foi restringir o sigilo imposto a informações sensíveis. "Vou revogar todos os decretos de sigilo de cem anos", declarou na época.

Após assumir o governo, ele até retirou o segredo sobre alguns documentos relativos a atos de Jair Bolsonaro (PL) e seus protegidos, mas não demorou a recair nos mesmos vícios pelos quais recriminava seus opositores.

Sob direção do petista, tornaram-se sigilosas, em princípio por cem anos, informações sobre a agenda da primeira-dama e a declaração de conflito de interesses do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Agora, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, publicou uma portaria que permite à pasta expandir o uso do sigilo e proibir a divulgação de documentos e dados mesmo sem ato formal de classificação. Trata-se de um drible ao espírito e à letra da Lei de Acesso à Informação (LAI), sancionada em 2011.

Se a portaria não for revogada nem anulada pela Justiça, o Itamaraty poderá negar o acesso de cidadãos a documentos sem nem sequer apresentar justificativa. Ademais, a norma infralegal também cria categorias não previstas na LAI para lançar papeis oficiais na escuridão.

Há certas situações em que o sigilo é necessário, quando a transparência pode levar agentes públicos à inação ou a tomar decisões erradas por medo da exposição. A regra geral, contudo, tem de ser a publicidade, e as exceções precisam ser muito bem justificadas segundo regras fixas padronizadas —é o que faz a LAI.

Por óbvio, nenhuma norma resiste a más intenções dos funcionários encarregados de fazer com que seja cumprida. O problema de fato do sigilo nem é tanto o tempo pelo qual ele pode ser mantido, mas os subterfúgios de que gestores se valem para negar requisições de acesso.

Ninguém contesta que é necessário proteger dados particulares de cidadãos, principalmente daqueles que não ocupam funções públicas, como preveem a LAI e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) de 2018.

Mas daí não se segue que qualquer documento que mencione uma pessoa natural deva automaticamente receber proteção por cem anos, como vêm fazendo sucessivos governos.

O Itamaraty é reincidente. Diplomatas, até mais do que o Exército, demandam, desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que "segredos de Estado" se perenizem. Não se pode, porém, privar uma sociedade de conhecer sua própria história.

Uma decisão teratológica de Gilmar Mendes

Por O Estado S. Paulo

Ao cassar o direito de todo cidadão de pedir o impeachment de ministros do STF, o decano se antecipa a uma nova correlação de forças no Senado, com o evidente propósito de blindar a Corte

O ministro Gilmar Mendes acolheu liminarmente o pedido formulado pelo Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) para que só a Procuradoria-Geral da República (PGR) possa apresentar pedido de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao cassar a legitimidade de todo cidadão para denunciar, perante o Senado, ministros da Corte e o próprio procurador-geral por crimes de responsabilidade, o decano não apenas contorceu a Lei 1.079/50, a chamada Lei de Impeachment, como obliterou, sozinho, uma sistemática jurídica que, ao longo de 75 anos, atravessou três Constituições e jamais fora questionada.

A Lei de Impeachment é explícita em seu art. 41: o oferecimento de denúncia contra ministros do STF e o procurador-geral da República “é permitido a todo cidadão”. Era assim desde 1950 – até ontem. A lei seguiu incólume pelas Constituições de 1946, 1967 e 1988. Jamais houve dúvida sobre sua recepção pela ordem constitucional vigente. Trata-se de um arcabouço legal consolidado e, ademais, coerente com a lógica republicana que confere ao Senado a prerrogativa de exercer o controle externo de autoridades de altíssima relevância institucional – como são o presidente da República, os ministros do STF e o chefe do Ministério Público Federal – a partir do escrutínio de denúncias oferecidas contra elas por qualquer do povo.

O argumento central do Solidariedade e da AMB, segundo o qual a Carta de 1988 não teria recepcionado dispositivos da Lei 1.079/50 relativos ao impeachment de ministros do STF, é juridicamente fraco e politicamente conveniente. Essa súbita “urgência” fabricada em setembro, quando as ADPFs 1.259 e 1.260 foram propostas, chega justamente na quadra histórica em que o Supremo mais tem recebido críticas por condutas potencialmente indecorosas, quiçá ilegais, de alguns de seus ministros. Esse liame temporal é incontornável. Nesse sentido, a liminar de Gilmar Mendes expressa mais uma reação corporativista do que uma preocupação genuína do decano com o aprimoramento institucional do País.

A crise de confiança que conspurca a imagem do STF tem duas raízes distintas. De um lado, a desabrida campanha de deslegitimação impulsionada por inimigos declarados do Estado Democrático de Direito, alguns dos quais já condenados e presos por tentativa de golpe. De outro, a própria Corte contribuiu para seu desgaste ao tolerar entre os seus integrantes comportamentos em tudo incompatíveis com a dignidade da magistratura. Os exemplos pululam: usurpação de competências de outros Poderes, afrontas à Lei Orgânica da Magistratura Nacional, presença em convescotes com empresários regados a conflitos de interesses, manutenção de atividades privadas inadequadas à função de juiz, entre tantos outros.

Nada disso diz respeito ao chamado “crime de hermenêutica”, como alegam os autores das ADPFs. Não há uma vírgula na Lei 1.079/50 que sequer sugira que um ministro do STF é passível de impeachment pelo teor de suas decisões. Trata-se, isso sim, de responsabilizá-lo por eventuais atos que violem a lei, a ética republicana, o decoro e a dignidade do cargo.

Contam-se às centenas os pedidos de impeachment formulados por cidadãos comuns contra ministros do STF desde 1988. Nenhum foi aceito. Ou seja, o Senado tem cumprido com prudência – talvez até excessiva – sua missão constitucional de escrutinar as denúncias, justamente para não permitir abusos ou a “instrumentalização” de que fala Gilmar Mendes em sua decisão. Isso tanto prova a maturidade institucional do Senado, como autoriza a suspeita de que haveria uma espécie de arranjo entre o STF e os autores das ADPFs com o objetivo de blindar os ministros na próxima legislatura, quando a oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva espera ter a maioria do Senado. Tão teratológica é a liminar do sr. Mendes que não se pode condenar aqueles que veem sua decisão sob esse prisma.

O impeachment de um ministro do Supremo é indesejável e traumático. Mas está previsto em lei. É um instrumento excepcional, reservado a hipóteses igualmente excepcionais. Seu eventual uso cuidadoso não ameaçará os pilares da República. Ao contrário, reafirmá-los-á, ao mostrar que, no Brasil, não há poderes absolutos.

Produtividade desafia a indústria

Por O Estado de S. Paulo

Estudo da FGV mostra queda de 23% da produtividade por hora trabalhada em 30 anos, sinal da dificuldade da manufatura nacional em acompanhar ritmo de evolução da indústria 5.0

Três décadas atrás, em 1995, o setor manufatureiro – conhecido como indústria de transformação, por converter matéria-prima em equipamentos e bens de consumo – registrava produtividade 78% acima da média geral da economia brasileira. Entre avanços e recuos, a distância encurtou e, no ano passado, o nível de produtividade da indústria de transformação estava apenas 9% superior ao resultado geral. Não seria uma notícia ruim, se indicasse uma melhoria profunda e geral da eficiência na produção brasileira, mas a realidade é que o parque fabril vem perdendo fôlego.

Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), publicado pelo jornal Valor, compara o nível de produtividade de 1995 (R$ 58,8 por hora trabalhada) com o de 2024 (R$ 45,3) para concluir que essa relação despencou 23%. Não é uma regra geral na economia. Na agropecuária, que vem liderando investimentos em pesquisa e tecnologia, o valor de R$ 7,5 por hora trabalhada aumentou para R$ 40,6 entre 1995 e 2024.

O estudo foi feito em abril deste ano, mas dados desagregados e atualizados pela economista Silvia Matos, do FGV Ibre, mostram que a situação continua muito ruim, com desempenho satisfatório apenas no agro, que elevou a produtividade em 14,2% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Foi o que garantiu o saldo positivo, ainda que insignificante, de 0,2% no total.

A fragilidade da indústria nacional com a perda de competitividade e produtividade tampouco é generalizada. Há exceções com tecnologia de ponta em linhas de produção, mas, na média, os dados mostram que o Brasil está ficando para trás. Diante dos dados recentes do IBGE, que mostram o rápido envelhecimento da população e o fim do bônus demográfico – quando a proporção de pessoas ativas na economia começa a perder espaço para os inativos –, o País precisa elevar de forma vigorosa a produtividade, assim como necessita de ajuste na Previdência e de investimento educacional em qualificação.

Com rapidez o mundo troca a recente “Indústria 4.0”, ou quarta revolução industrial, marcada pela integração de tecnologias digitais, pela moderníssima “Indústria 5.0”, focada na “humanização” da automação, que busca potencializar a criatividade humana tendo a seu serviço a tecnologia. Mas o Brasil ainda engatinha no uso de conceitos já amplamente disseminados como a internet das coisas, a inteligência artificial e a robótica avançada das chamadas “fábricas inteligentes” e está demorando a incorporar de forma ampla as tecnologias digitais.

Cabe, aqui, ressaltar que se trata de avanços que demandam investimentos pesados e consistentes, do tipo que precisa de um ambiente de negócios seguro para existir. Nenhum grande empreendedor privado se arrisca a alocar capital de bilhões num país desprovido de garantias regulatórias sólidas, segurança jurídica e situação econômico-fiscal minimamente previsível. Qualquer cenário duvidoso é suficiente para afastar o capital, e nesse quesito a economia brasileira tem dado margem a muitas dúvidas.

De outro lado, a cultura protecionista, continuamente cultivada, é mais um empecilho ao avanço tecnológico industrial. Políticas setoriais, com subvenções desnecessárias ou intervenção excessiva do Estado – que não são exclusividade do lulopetismo, mas aumentam sensivelmente em gestões do PT –, vão na contramão da competitividade.

Elevar a produtividade é produzir mais com menos, além de melhorar a qualidade dos produtos. Não é apenas uma forma de garantir mais competitividade às empresas, mas também de aumentar a renda per capita, de forma duradoura, pelos próximos anos.

Neste ano o Brasil perdeu duas posições no Índice Global de Inovação (IGI), ficando em 52.º lugar entre 139 países avaliados, de acordo com a classificação divulgada pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Deixou a liderança na América Latina, superado pelo Chile. É uma amostra de que a inovação é hoje um dos principais desafios para o País.

A infância livre da aids

Por O Estado de S. Paulo

Eliminação da transmissão do HIV de mãe para bebê prova a força de uma política de Estado

O Brasil acabou de eliminar a chamada transmissão vertical do HIV. Significa dizer que o vírus causador da aids praticamente não é mais transmitido de mãe para filho, seja na gestação, no parto ou na amamentação. Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de transmissão vertical ficou abaixo de 2%, e a incidência da infecção não superou 0,5 caso por mil nascidos vivos em 2024. Sob qualquer perspectiva, os dados apresentados pelo governo federal em 1.º de dezembro, o Dia Mundial de Luta contra a Aids, são extremamente animadores. E tais números não são obra do acaso ou fruto da natureza.

Essa conquista da saúde pública brasileira é mais um valoroso capítulo da bem-sucedida história do programa de prevenção, combate e tratamento do HIV e da aids, que fez do Brasil uma referência internacional. Não é de hoje que os entes das três esferas da Federação somam forças para vencer essa doença que ainda está em estágio epidêmico e, desde os anos 1980, ceifa vidas mundo afora. A União, os Estados e os municípios, independentemente do credo político, mantêm firme no horizonte do Brasil o objetivo de erradicar o HIV e a aids.

Prova disso é que já em 2019 São Paulo tinha sido reconhecida como a primeira cidade do seu porte no mundo a erradicar a transmissão vertical. Trata-se de um feito local e tanto, que hoje, como um legado, espalhou-se por todo o País. E, não menos importante, houve também ao longo dessas décadas a queda no número de mortes por aids, que, no ano passado, ficou em 9,1 mil óbitos, abaixo de 10 mil pela primeira vez em 30 anos.

Tudo isso é resultado de políticas públicas de saúde que começaram a ser implementadas no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a distribuição dos coquetéis antirretrovirais, passaram pelos sucessivos governos do PT, de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, e culminam agora na boa notícia da eliminação da transmissão vertical e da redução de mortes pela aids. Portanto, são todas vitórias do Sistema Único de Saúde (SUS) como uma política de Estado, e não uma política de governo.

Soma-se a determinação dos profissionais de saúde e da ciência brasileiros, que enfrentaram, e ainda enfrentam, mas sobretudo combatem, os estigmas e os preconceitos. A eliminação da transmissão vertical reflete, portanto, o empenho de autoridades sanitárias, médicos, pesquisadores, enfermeiros e agentes de saúde que se engajaram nas últimas décadas na luta contra o HIV e a aids. Pois foi a dedicação desses trabalhadores do SUS que garantiu que o Brasil atingisse a marca de 95% de cobertura de pré-natal, testagem para o HIV e oferta de tratamento para as gestantes.

Assim, as crianças brasileiras nascerão livres do vírus causador da aids. A Organização Mundial da Saúde (OMS) deve conceder em breve a certificação a que o Brasil tem direito. Tamanho reconhecimento aumentará a esperança de vitória sobre a doença, e esse exemplo de política pública bem concebida, executada e perene do SUS poderá servir ainda de inspiração para outras áreas.

Ofensiva de Trump contra Maduro traz desafios ao Brasil

Valor Econômico

O presidente Lula defende, corretamente, que a solução para eventuais conflitos deve contemplar exaustivas negociações diplomáticas

A pressão econômica, política e militar que os Estados Unidos vêm exercendo contra a Venezuela ninguém sabe até onde vai, mas ela coloca sob grave tensão a política externa brasileira, que, no caso venezuelano, até recentemente, foi a de acobertar os desmandos da ditadura de Nicolás Maduro. O presidente Lula defende, corretamente, que a solução para eventuais conflitos tem de passar longe de confrontos armados e contemplar exaustivas negociações diplomáticas. Essa posição foi transmitida por Lula a Trump em conversa telefônica realizada na terça-feira.

Desde que reassumiu, Trump retomou a política de pressão total contra a Venezuela, com medidas econômicas e políticas contra o regime — e ações controversas. Foram criadas ou reforçadas sanções contra o país e suas autoridades. O presidente americano chegou a ameaçar sobretaxar produtos de países que comprassem petróleo venezuelano.

Mas desta vez Trump acrescentou uma nova ferramenta de pressão. Os EUA mobilizaram no entorno da Venezuela o maior contingente militar no continente desde a invasão do Panamá, em 1989. Há uma frota naval, liderada pelo maior porta-aviões americano, aviões de combate e cerca de 15 mil soldados. O objetivo declarado dessa mobilização é combater o tráfico de drogas, uma das prioridades de seu governo e que conta com amplo apoio nos EUA. Trump designou grupos narcotraficantes como terroristas e disse que os EUA estão em guerra contra o tráfico.

Mas Trump prefere escolher os inimigos. Ao mesmo tempo em que ameaça intervir na Venezuela, ele indultou e libertou o ex-presidente de Honduras Juan Hernández, condenado nos EUA por tráfico de drogas — estima-se que tenha colocado 500 toneladas no mercado do país em 20 anos, segundo reportagem da agência de notícias AP.

Por ora, a força militar vem se engajando em ataques contra barcos que estariam transportando drogas em águas internacionais, em ações ilegais pelo direito internacional. O governo Trump não mostrou evidências de que esses barcos estariam mesmo transportando drogas. Mesmo que estivessem, a política de destruí-los sem direito de defesa é no mínimo contestável. Em ao menos um caso, um barco com um pescador colombiano, foi atingido. Além disso, a ordem dada pelo Pentágono para um segundo ataque contra sobreviventes náufragos viola as leis de guerra.

O governo venezuelano diz que essa operação antidrogas é um disfarce e que o objetivo da mobilização é derrubar o presidente Nicolás Maduro. Os EUA acusam o governo venezuelano de liderar um cartel do narcotráfico. A Venezuela tem hoje um governo ditador, é fato, mas, segundo especialistas, a participação do país no fornecimento de drogas para o mercado americano é pequena.

Os EUA ofereceram uma recompensa pela captura de Maduro. Trump autorizou operações secretas em terra na Venezuela e deu um ultimato para Maduro deixar o país, que não foi aceito. Por fim, anunciou na semana passada, em sua rede Truth Social, o fechamento do espaço aéreo da Venezuela e ameaçou ataques. Não há detalhes sobre esse fechamento, mas as principais companhias aéreas estão evitando sobrevoar o país, o que afeta o Brasil.

A pressão de Trump parece estar orientada a estimular líderes militares venezuelanos a derrubar Maduro. Especialistas afirmam que, apesar de ter elevado o poder de fogo, a mobilização militar no Caribe carece do número de soldados necessários para a invasão do país. Mas pode bastar para convencer parte da cúpula militar venezuelana a se rebelar. Se conseguir fomentar um golpe, Trump pode encerrar o regime chavista sem disparar um tiro.

O governo brasileiro condena as sanções e as ameaças contra a Venezuela. Uma intervenção “pode incendiar a América do Sul” e levar à “radicalização da política em todo o continente”, disse em outubro Celso Amorim, assessor de Lula e principal formulador da política externa para a América Latina. A intervenção externa, porém, já vem ocorrendo, com a presença de assessores militares russos e cubanos na Venezuela, em apoio ao regime de Maduro. A radicalização da política foi realizada por aqueles que acabaram com a democracia venezuelana.

O apoio, por vezes explícito, hoje mais velado, do governo Lula à Venezuela e outras ditaduras na América Latina é o lado mais sombrio da política externa do petista. Esse apoio tem um elevado custo político e eleitoral interno para Lula e o PT, e já indispôs o presidente brasileiro com outros líderes esquerdistas da região, como o presidente chileno, Gabriel Boric, e o ex-presidente uruguaio José Mujica.

Após a fraude das eleições de 2024, o governo brasileiro não reconheceu sua vitória, mas evita criticá-lo. Mas a posição brasileira contra soluções de força não apenas é a adequada em relação às leis como uma declaração de princípios: os EUA não têm direito de atacar qualquer país porque seu presidente assim bem entendeu. A omissão abriria precedente para outras ações americanas em um continente repleto de tristes memórias dessas intervenções em décadas passadas.

Ódio sem limite contra as mulheres

Por Correio Braziliense

Os recentes casos de violência de gênero que chegaram ao noticiário nacional não deixam dúvidas da existência de um ódio crescente contra as mulheres no país, confluindo para um cenário de perigosa normalização das atrocidades

Baleadas na cabeça, Allane  Matos e Layse Pinheiro foram mortas na escola em que trabalhavam por um colega conhecido pela misoginia e agressividade. O pedagogo João Antônio Ramos havia instalado uma rotina de medo e ameaça para a diretora, a psicóloga e outras funcionárias do Cefet Maracanã, no Rio de Janeiro. Entrou armado no campus na última sexta-feira, executou as mulheres e se matou em seguida.  

Um dia depois, Isabelle de Macedo, grávida, e os outros quatro filhos foram mortos dentro de casa, consumida por um incêndio que se alastrou pela comunidade de Nova Caxangá, em Recife. As investigações indicam que o marido da vítima, conhecido por práticas corriqueiras de violência de gênero, ateou fogo no local e fugiu. O suspeito está preso. 

Assim como Douglas Alves da Silva, acusado de ter atropelado propositalmente Tainara Souza Santos e arrastado seu corpo por mais de um 1 quilômetro, também no sábado, na Vila Maria, em São Paulo. Douglas teria ficado com raiva ao vê-la conversando com outro homem na porta de um bar. Em razão da brutalidade sofrida, Tainara teve as duas pernas amputadas.

Os recentes casos de violência de gênero que chegaram ao noticiário nacional não deixam dúvidas da existência de um ódio crescente contra as mulheres no país, confluindo para um cenário de perigosa normalização das atrocidades. Não à toa especialistas alertam para uma prática disseminada de extermínio de mulheres e autoridades ressaltam os riscos da banalização de crimes do tipo. 

Dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que, em 2024, houve um recorde de número de feminicídios desde o início da tipificação do crime, em 2015. Ao longo dos 12 meses, 1.492 mulheres foram vítimas, o equivalente a quatro mortes por dia. Números parciais de 2025 sinalizam patamares ainda piores. São 207 casos no estado de São Paulo nos 10 primeiros meses deste ano, contra 191 no mesmo período de 2024. No Distrito Federal, há o registro de 25 crimes do tipo desde janeiro, contra 22 no ano passado. Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul  e Paraíba enfrentam situação semelhante. 

Durante cerimônia que marcou os 20 anos do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, na terça-feira, as ministras Márcia Lopes (das Mulheres), Anielle Franco (da Igualdade Racial) e Esther Dweck (da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) reforçaram a urgência da adoção de ações concretas de enfrentamento à violência de gênero. "Enquanto normalizarmos e naturalizarmos o ódio contra aquelas que mais sofrem neste país, não teremos o projeto político de país no qual acreditamos", afirmou Anielle.

O caminho é longo, indica a primeira avaliação do Plano de Ação para o Pacto Nacional de Prevenção do Feminicídio. Divulgado na sexta, o documento indica que a iniciativa criada em 2023 enfrenta obstáculos como a baixa execução das medidas, dificuldades de articulação entre governos federal, estaduais e municipais, além de persistência de falhas graves no atendimento às vítimas. Para se ter uma ideia, constatou-se que cerca de 80% dos profissionais da ponta desconhecem conceitos básicos sobre violência de gênero e unidades da Federação sequer executaram verbas destinadas à construção de estruturas de suporte, como a Casa da Mulher Brasileira.

 A inação faz parte da engrenagem que tira a vida das mulheres brasileiras todos os dias. Sem uma mobilização que envolva agentes públicos, a sociedade civil, escolas, igrejas, estudiosos, não se alteram estruturas que sustentam um ciclo prolongado de violência que tem o feminicídio como estágio crônico. A crueldade também está na omissão, e esta, sim, precisa ser extirpada.

Por que a violência cresce nas escolas?

Por O Povo (CE)

É urgente a necessidade de encontrar um caminho para fazer a escola voltar a ser segura e acolhedora, e não sinônimo de um espaço hostil

Ataques dentro de escolas, até há pouco tempo, eram praticamente inexistentes no Brasil. No entanto, infelizmente, agressões praticadas por alunos ou ex-alunos tornam-se cada vez mais frequentes, assustando pais e educadores.

Registros verificados pela associação Dados para um Debate Democrático (D3e), divulgados na edição desta quarta-feira do O POVO, mostram que aconteceram 42 ataques de violência extrema nas escolas brasileiras entre 2001 e 2024. Com um destaque importante: 64,2% (27 episódios) ocorreram nos últimos dois anos.

Estudos do DataSUS, da ONG Sou da Paz e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania confirmam o aumento de ataques, especialmente em períodos mais recentes. No Ceará, levantamento do O POVO anotou quatro agressões entre 2022 e 2025.

Outro mal que cresce perigosamente nas escolas é o bullying e o cyberbullying, estímulos para a violência física. Segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, mais de 2,3 mil denúncias de bullying em instituições de ensino foram registradas em 2024, aumento de 67% em relação ao ano anterior.

Informações do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram também aumento significativo nas postagens com ameaças contra as escolas nas redes sociais. A pesquisa verificou discursos de ódio nas principais redes sociais utilizadas no Brasil, registrando crescimento de 360% nas postagens contendo ameaças contra unidades educacionais, entre 2021 e 2025.

A organização Sou da Paz identificou que os ataques revelaram evidências de um processo de radicalização de jovens usuários de plataformas digitais, sugerindo a regulamentação das redes para responsabilizar as plataformas pela falta de moderação.

Segundo os especialistas, a violência nas escolas é multifacetada, não tendo uma causa única, influenciando fatores familiares, escolares, emocionais, psicológicos e sociais. O aluno, portanto, tem de ser visto em sua integralidade.

Essa complexidade tem de ser considerada ao se examinar o ataque praticado por um estudante de 15 anos a outro aluno da mesma idade, na unidade Sul do colégio Christus. Com uma lâmina, ele desferiu mais de dez golpes no colega, segundo o pai da vítima. Também foram feridos uma coordenadora e um professor, que tentaram parar as agressões. Segundo informações da escola, nenhuma das vítimas corre risco de vida.

Sem descartar a responsabilização do agressor pelo ato infracional — o que será examinado pela Justiça —, é preciso chegar às causas estruturais que levam a essa grave deterioração no ambiente escolar.

É urgente a necessidade de encontrar um caminho para fazer a escola voltar a ser segura e acolhedora, e não sinônimo de um espaço hostil. Essa é uma tarefa que cabe não somente às autoridades governamentais, mas também aos pais, educadores e a toda a sociedade.

 

 

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