quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Hannah Arendt* (preconceitos)

Mas os preconceitos contra a política - a ideia de que a política interna é uma teia de mistura e ardis tecida por interesses escusos e ideologias ainda mais escusas e a externa um pêndulo a oscilar entre a propaganda insulsa e o exercício da força bruta – remonta a uma época muito anterior à invenção dos artefatos capazes de destruir toda vida orgânica do planeta. No que tange à política interna, esses preconceitos são pelo menos tão antigos quanto a democracia partidária – isto é, pouco mais de um século -, que pela primeira vez na história moderna pretendeu representar o povo, algo em que o próprio povo nunca acreditou. A origem da política externa pode ser nas primeiras décadas da expansão imperialista da virada do século, quando o Estado nacional começou, não prol da nação, mas dos interesses econômicos nacionais, a estender o domínio europeu por todo o globo. Mas aquilo que hoje dá ao amplo preconceito contra a política a sua força real – a fuga na impotência, o desejo desesperado de exonerar-se da capacidade de agir – era naqueles dias preconceitos e privilégio de uma pequena classe que acreditava, nas palavras de Lorde Acton, que “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Ninguém, talvez, mais do que Nietzsche – em sua tentativa de reabilitar o poder – reconheceu mais claramente que essa condenação do poder refletia claramente os anseios ainda inarticulado das massas, embora também ele, bem ao espírito da época, identificasse, ou confundisse, o poder – que individuo algum é capaz de possuir, dado que só pode surgir da ação cooperativa de muitos – com o uso da força, cujos meios um individuo pode tomar e controlar.”

*Hannah Arendt (1906-1975), A promessa da política, p. 150. Editora Difel, 2008.

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