O Estado de S. Paulo
Talvez um dos grandes desafios para 2026 seja ter e manter o olhar amplo, não restrito aos nossos interesses imediatos
Aproveito a data para reiterar o que escrevi
em alguns cartões de Natal: que, em 2026, faça tempo bom e possamos contemplar
as árvores do caminho. Admito: escrevi sobretudo para mim mesmo.
Com frequência, esqueço-me de que, seja qual for o tempo, é muito bom olhar as árvores do caminho. Especialmente nos dias difíceis, este gesto dos olhos – esta atitude do espírito – faz toda a diferença. E, muitas vezes, não é fácil.
Olhar as árvores do caminho é ter calma. É não achar que o que estamos fazendo é a coisa mais importante do mundo. É permitir-se parar: reparar na calçada, nos outros, na arquitetura, no céu, na árvore – em sua sombra, em sua cor, que nunca é a mesma. É aproveitar, no trânsito, o sinal fechado para ver, com olhos novos, a cidade, as pessoas, a vida fora das telas.
Esqueço-me, mas há muitas árvores bonitas no
nosso dia. De diferentes jeitos, tamanhos, texturas e idades. Todas elas são
seres vivos: alimentam-se, crescem, sentem os efeitos do tempo, modificam-se, produzem
sementes e frutos, envelhecem, despedem-se, renascem. Cada árvore é um universo
de vida, de troca, de transformação, de contemplação. Cada árvore é um dom. E
se falamos isso das árvores, o que dizer de cada pessoa no nosso caminho?
Olhar as árvores do caminho é exercitar novos
modos de olhar – o que é fácil de falar, mas difícil de fazer. Para isso,
precisamos do diálogo, da leitura, do silêncio. Poucas coisas ampliam tanto o
nosso olhar como a leitura: esse diálogo, ao nosso ritmo e ao nosso tempo, com
pessoas muito diferentes de nós, muitas vezes vivendo (ou que viveram)
contextos sociais, políticos e econômicos completamente distintos. Leitura é
conversa ampliada, que renova nossa reflexão.
Olhar as árvores do caminho é dar-se conta do muito que foi feito antes de nós. É um dado evidente, mas nos esquecemos com frequência: muita gente fez muitas coisas boas antes de nós. Muitos – com diferentes bagagens familiares e culturais; de distintas perspectivas políticas; às vezes, de posições ideológicas antagônicas – plantaram muitas sementes e mudas ao longo do tempo, que hoje são árvores robustas em nosso caminho. Suas raízes e sombras nos beneficiam, nos aliviam o calor, nos oferecem descanso.
Num país com tantas carências e problemas,
facilmente nos indignamos. Com os outros, com os do campo político oposto, com
os que vieram antes de nós: pelo que nos deixaram de miséria, de preconceito,
de desigualdade, de injustiça, de subdesenvolvimento. Difícil é reconhecer o
muito que foi feito – o muito que foi bem feito – antes de nós. Também pelos
partidos e personagens da história e do presente com os quais não nos
identificamos.
Não falo só de política. Refiro-me ao meio
ambiente, à economia, à ciência, à educação – aos professores –, à cultura, às
artes, à música, à literatura, à inovação. Muito foi feito antes de nós: são
muitas as árvores plantadas em nosso caminho. Estão ali e, não raro, não as
vemos.
Em 2025, completaram-se 100 anos do
desenvolvimento pioneiro de um combustível à base de álcool, levado a cabo pela
Usina Serra Grande, em Alagoas. Na celebração, Plinio Nastari, presidente da
Datagro, destacou o caráter visionário do projeto, de alto impacto social,
ambiental, econômico e geopolítico. Era o Brasil muito à frente do seu tempo.
Olhar as árvores do caminho é também não esquecer a nossa história.
Outro conjunto de árvores em nosso caminho
são os jornais. Como é fácil reclamar do jornalismo, culpando-o pelas
limitações das perspectivas dominantes! Mas isso é só um trecho da paisagem.
Muitas das coisas mais bonitas da trajetória
do nosso país só foram possíveis pelo trabalho dos jornais. Reparar na
contribuição do jornalismo à nossa história e ao nosso presente é olhar as
árvores do caminho. O que outros plantaram e cultivaram, com não pequeno
sacrifício, provê agora as condições para tantas iniciativas sociais, políticas
e econômicas.
Talvez um dos grandes desafios para 2026 seja
ter e manter o olhar amplo, não restrito aos nossos interesses imediatos. Isso
remete a um segundo voto natalino: que o tempo nos renove e, sendo muito
adultos, sejamos cada vez mais crianças, mais leves, mais livres. Trata-se de
uma ideia irracional. O tempo nos envelhece: deixa-nos muitas vezes pesados,
amargos, pessimistas, curvados, temerosos, com menos capacidade de sonhar.
Deixa-nos cansados dos outros – e de nós mesmos.
Com a ideia utópica de mais juventude de
espírito com o decorrer do tempo, quero relembrar – primeiro a mim mesmo – que
a vida não é só racionalidade, nem se pauta exclusivamente pela experiência do
passado. O novo ano pode ser diferente: mais humano, mais solidário, mais
suave. E isso não depende do resultado da Copa do Mundo ou das eleições.
Depende de cada um assumir seu personalíssimo lugar na história. Quais são as
árvores que, individual e coletivamente, plantaremos no próximo ano? Quais são
as árvores que, individual e coletivamente, iremos contemplar, também nos dias
ruins, no próximo ano?
Um feliz e sereno 2026 para todos.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.