quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

Olhar as árvores do caminho. Por Nicolau da Rocha Cavalcanti

O Estado de S. Paulo

Talvez um dos grandes desafios para 2026 seja ter e manter o olhar amplo, não restrito aos nossos interesses imediatos

Aproveito a data para reiterar o que escrevi em alguns cartões de Natal: que, em 2026, faça tempo bom e possamos contemplar as árvores do caminho. Admito: escrevi sobretudo para mim mesmo.

Com frequência, esqueço-me de que, seja qual for o tempo, é muito bom olhar as árvores do caminho. Especialmente nos dias difíceis, este gesto dos olhos – esta atitude do espírito – faz toda a diferença. E, muitas vezes, não é fácil.

Olhar as árvores do caminho é ter calma. É não achar que o que estamos fazendo é a coisa mais importante do mundo. É permitir-se parar: reparar na calçada, nos outros, na arquitetura, no céu, na árvore – em sua sombra, em sua cor, que nunca é a mesma. É aproveitar, no trânsito, o sinal fechado para ver, com olhos novos, a cidade, as pessoas, a vida fora das telas.

Esqueço-me, mas há muitas árvores bonitas no nosso dia. De diferentes jeitos, tamanhos, texturas e idades. Todas elas são seres vivos: alimentam-se, crescem, sentem os efeitos do tempo, modificam-se, produzem sementes e frutos, envelhecem, despedem-se, renascem. Cada árvore é um universo de vida, de troca, de transformação, de contemplação. Cada árvore é um dom. E se falamos isso das árvores, o que dizer de cada pessoa no nosso caminho?

Olhar as árvores do caminho é exercitar novos modos de olhar – o que é fácil de falar, mas difícil de fazer. Para isso, precisamos do diálogo, da leitura, do silêncio. Poucas coisas ampliam tanto o nosso olhar como a leitura: esse diálogo, ao nosso ritmo e ao nosso tempo, com pessoas muito diferentes de nós, muitas vezes vivendo (ou que viveram) contextos sociais, políticos e econômicos completamente distintos. Leitura é conversa ampliada, que renova nossa reflexão.

Olhar as árvores do caminho é dar-se conta do muito que foi feito antes de nós. É um dado evidente, mas nos esquecemos com frequência: muita gente fez muitas coisas boas antes de nós. Muitos – com diferentes bagagens familiares e culturais; de distintas perspectivas políticas; às vezes, de posições ideológicas antagônicas – plantaram muitas sementes e mudas ao longo do tempo, que hoje são árvores robustas em nosso caminho. Suas raízes e sombras nos beneficiam, nos aliviam o calor, nos oferecem descanso.

Num país com tantas carências e problemas, facilmente nos indignamos. Com os outros, com os do campo político oposto, com os que vieram antes de nós: pelo que nos deixaram de miséria, de preconceito, de desigualdade, de injustiça, de subdesenvolvimento. Difícil é reconhecer o muito que foi feito – o muito que foi bem feito – antes de nós. Também pelos partidos e personagens da história e do presente com os quais não nos identificamos.

Não falo só de política. Refiro-me ao meio ambiente, à economia, à ciência, à educação – aos professores –, à cultura, às artes, à música, à literatura, à inovação. Muito foi feito antes de nós: são muitas as árvores plantadas em nosso caminho. Estão ali e, não raro, não as vemos.

Em 2025, completaram-se 100 anos do desenvolvimento pioneiro de um combustível à base de álcool, levado a cabo pela Usina Serra Grande, em Alagoas. Na celebração, Plinio Nastari, presidente da Datagro, destacou o caráter visionário do projeto, de alto impacto social, ambiental, econômico e geopolítico. Era o Brasil muito à frente do seu tempo. Olhar as árvores do caminho é também não esquecer a nossa história.

Outro conjunto de árvores em nosso caminho são os jornais. Como é fácil reclamar do jornalismo, culpando-o pelas limitações das perspectivas dominantes! Mas isso é só um trecho da paisagem.

Muitas das coisas mais bonitas da trajetória do nosso país só foram possíveis pelo trabalho dos jornais. Reparar na contribuição do jornalismo à nossa história e ao nosso presente é olhar as árvores do caminho. O que outros plantaram e cultivaram, com não pequeno sacrifício, provê agora as condições para tantas iniciativas sociais, políticas e econômicas.

Talvez um dos grandes desafios para 2026 seja ter e manter o olhar amplo, não restrito aos nossos interesses imediatos. Isso remete a um segundo voto natalino: que o tempo nos renove e, sendo muito adultos, sejamos cada vez mais crianças, mais leves, mais livres. Trata-se de uma ideia irracional. O tempo nos envelhece: deixa-nos muitas vezes pesados, amargos, pessimistas, curvados, temerosos, com menos capacidade de sonhar. Deixa-nos cansados dos outros – e de nós mesmos.

Com a ideia utópica de mais juventude de espírito com o decorrer do tempo, quero relembrar – primeiro a mim mesmo – que a vida não é só racionalidade, nem se pauta exclusivamente pela experiência do passado. O novo ano pode ser diferente: mais humano, mais solidário, mais suave. E isso não depende do resultado da Copa do Mundo ou das eleições. Depende de cada um assumir seu personalíssimo lugar na história. Quais são as árvores que, individual e coletivamente, plantaremos no próximo ano? Quais são as árvores que, individual e coletivamente, iremos contemplar, também nos dias ruins, no próximo ano?

Um feliz e sereno 2026 para todos.

 

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