Folha de S. Paulo
Corte passou do combate à corrupção à defesa
da democracia e agora o tema começa a afetá-lo diretamente
Os alinhamentos tácitos entre o STF, o
Legislativo e o Executivo também mudaram e estão sendo tensionados
Nas duas últimas décadas o Supremo sofreu transformações cruciais: passou do combate à corrupção à defesa da democracia; logrou fazer aliança tácita com o poder legislativo contra o poder executivo, para depois alinhar-se a este último; tem assumido paulatinamente perfil político e não judicial para o que contribuiu o padrão personalístico de nomeações sob os governos do PT e Bolsonaro.
O protagonismo do STF no
combate à corrupção consolidou-se a partir do Mensalão e
reflete sua jurisdição criminal. A inédita cobertura midiática e a visibilidade
alcançada pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, conferiram ao julgamento um
caráter excepcional. Seu impacto, contudo, foi potencializado por três fatores.
Primeiro, envolvia o governo Lula em
seu primeiro mandato, invertendo o papel do PT de acusador a acusado. De 'UDN
de macacão' (Brizola), passou a
deslegitimar o tema como lawfare.
Segundo, a Corte era então majoritariamente
composta por ministros indicados pelo próprio PT, o que reforçou seu perfil
técnico e legitimidade das condenações. O relator do processo também fora
nomeado pelo partido. 25 dos 37 denunciados foram condenados, e dois
ex-presidentes da legenda perderam seus mandatos. A corrupção tornou-se a
principal preocupação dos brasileiros, alimentando as mobilizações de 2013. A
Lava Jato e o Petrolão representaram o ápice desse ciclo, contribuindo para uma
"tempestade perfeita" que levou ao impeachment e à prisão de
presidentes.
O STF sustentou de forma ativa essa agenda
anticorrupção até o governo Bolsonaro, quando escolheu a batalha que passou a
travar: da luta contra a corrupção para a defesa da democracia. Sob ataque do
Bolsonarismo a corte se defrontou com uma ameaça existencial. E respondeu
hiperbolicamente. Esta metamorfose implicou
altos custos reputacionais.
Nesse movimento, o que denominei "anistia
judiciária" de Lula constituiu o primeiro passo. O segundo foi
o brutal desmonte da Lava Jato e a anulação em massa de delações premiadas.
Forjou-se, então, uma aliança tácita entre o STF e setores majoritários do
Congresso, voltada à contenção do bolsonarismo e à responsabilização dos
envolvidos no complô para um golpe. Sob Lula 3, essa convergência foi
substituída por um novo alinhamento entre Executivo e STF.
A conjuntura atual, porém, tensiona esse
equilíbrio em pelo menos três frentes. Primeiro, a ameaça representada por
Bolsonaro arrefeceu com o julgamento que culminou em sua prisão; somam-se a
isso o recuo das sanções norte-americanas e a perda de centralidade do
bolsonarismo como risco imediato. Segundo, o cenário eleitoral exacerba a
polarização entre um Executivo hiper-minoritário e um Centrão cada vez mais
assertivo, com disputas orçamentárias que refletem conflitos mais amplos entre
os Poderes.
Terceiro, escândalos de grande envergadura
—INSS e Banco Master—
atingem fortemente a reputação da Corte e do governo. Como apontou Malu Gaspar,
o argumento segundo o qual "investigar o Banco Master faz o fascismo
voltar" perdeu totalmente sua força persuasiva. Há ineditismo duplo aqui:
denúncias afetando o próprio Supremo e inversão do padrão técnico do Mensalão.
Já o INSS envolve, por meio de vínculos familiares, o próprio Presidente.

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