O Estado de S. Paulo
Uma coisa que poderia ser feita seria criar um exame nacional de desempenho exigente ao final do ensino fundamental
Novembro foi mês do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com quase 5 milhões de participantes, coincidindo com o anúncio recente do Ministério da Educação de que, a partir do ano que vem, a prova vai ser utilizada para avaliar o ensino médio como um todo. É uma volta à ideia inicial de quando o exame foi criado em 1998, com a grande diferença de que, agora, ele é, sobretudo, um grande vestibular nacional para as universidades públicas e, portanto, uma prova de alto impacto. Mais um passo no engessamento do ensino médio, contra a noção de que ele deveria ser o lugar da pluralidade de caminhos.
No resto do mundo, esse tipo de avaliação é
feita ao final da educação fundamental, aos 15-16 anos, e não ao final da
educação média, aos 17-18. Ocorre que, no Brasil, existem muitas informações,
discussões e propostas sobre o que acontece nas duas pontas da educação básica,
aos sete e aos dezessete anos, assim como com a educação infantil, mas pouco se
fala sobre o que ocorre no meio, aos quinze anos, quando os jovens deveriam
estar concluindo a educação fundamental. O fundamental II é o patinho feio da
educação brasileira, com a diferença de que não se sabe se um dia vai tornar-se
cisne.
O problema se vê com clareza quando se olha
para os resultados do Saeb, que é o sistema de avaliação da qualidade da
educação adotado no Brasil desde os anos 90. Bem ou mal, temos tido progresso
ao final do fundamental I, na 5.º série, mas os resultados continuam péssimos e
não se alteram ao final do fundamental II, e isso repercute no ensino médio que
também não sai do lugar, apesar do volume crescente de dinheiro investido em
educação ao longo dos anos.
Para entender o que está acontecendo, vale a
pena lembrar da reforma do ensino de 1971, que acabou com a antiga divisão
entre a escola primária e o curso ginasial. Até então, a ideia era que o
primário de quatro anos deveria ser para todos, mas o ginásio de mais quatro e
o que vinha depois era para os poucos que conseguiam passar no exame de
admissão, uma prova nacional, aos 11 anos, que obedecia a um padrão nacional. A
reforma acabou com o exame, juntou o primário e o ginasial num curso
fundamental de oito e depois nove anos, e com isso facilitou o acesso dos
estudantes até o fim do novo ciclo. O que a reforma não fez foi integrar de
fato os dois ciclos antigos, que continuam a existir de forma separada até
hoje. Na antiga escola primária, hoje fundamental I, cada turma de alunos tem
uma professora, responsável por todo o ensino e pessoa de referência para os
alunos. Quando o estudante entra no fundamental II, o antigo ginásio, a
professora de referência desaparece, e ele fica geralmente à mercê de vários
professores especialistas que mal se comunicam entre si. Ele tem de achar seu
caminho sozinho, justamente quando, aos 11 ou 12 anos, começa a entrar na
adolescência e as questões de identidade e de grupos de pertencimento tornam-se
primordiais. Não é surpreendente que, nessa passagem, o vínculo que poderia ter
estabelecido com a vida escolar muitas vezes se deteriore.
É justamente nessa etapa que os estudantes
deveriam completar sua educação básica, adquirindo fluência em leitura,
escrita, raciocínio matemático e conceitos básicos de ciências naturais,
sociais e humanas. É por isso que o exame internacional da educação da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Pisa, se
aplica a estudantes que estão terminando essa etapa, e que tantos países
realizam exames nacionais de avaliação a essa idade, seja para fins de
diagnóstico, seja para encaminhar os estudantes para diferentes itinerários de
formação. Na Inglaterra, por exemplo, existe o exame geral de certificação
secundária (GCSE) aos 15-16 anos, e a partir daí, se quiserem continuar estudando,
os estudantes se aprofundam em três ou quatro matérias em dois anos como
preparação para a admissão aos cursos superiores ou se preparam para carreiras
técnicas profissionais.
O que o Brasil fez, em vez disso, foi
esquecer do fundamental II e adiar por três anos a formação básica que deveria
ter sido completada na educação fundamental. Assim, a escolaridade obrigatória
vai até os 17 anos, quando na grande maioria dos países da Europa, termina aos
15. É por isso que há tanta resistência às propostas de diversificação dos
cursos do ensino médio e do Enem.
Não há receitas simples para embelezar o
patinho feio, mas uma coisa que poderia ser feita desde logo seria criar um
exame nacional de desempenho exigente ao final do ensino fundamental, o Enef, e
não ao final do ensino médio, como está sendo planejado. Este sim deveria ser
um exame único, servindo de padrão, de referência e de orientação tanto para as
escolas quanto para os estudantes. Assim como hoje o Enem pauta o ensino médio,
o Enef deveria pautar o ensino fundamental II, com muito mais força do que os
prolixos parâmetros curriculares do Ministério da Educação. Isso permitiria que
o País deixasse de desperdiçar três anos da vida de seus jovens e abrisse
espaço para que eles, a partir dos 15 anos, fossem autorizados a buscar seus
caminhos dentro de um sistema escolar plural, tal como já o fazem na vida
privada.

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