segunda-feira, 30 de junho de 2008

O PPS E A NOVA ERA

O PPS E A NOVA ERA
Gilvan Cavalcanti de Melo
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Nas três últimas eleições presidenciais o tema central foi à diminuição do papel do Estado, considerado o obstáculo institucional à modernização das estruturas econômicas e sociais. Era a época da queda do “Muro de Berlim”, fim do “Socialismo Real”, da vitória do pensamento neoliberal de um lado e do outro lado a vitória da “teoria da dependência e do populismo”, da declaração do fim da “era Vargas”, da dicotomia frente de esquerda versus frente democrática, democracia política versus democracia social, enfim, da derrota da cultura política de coalizão.

Na eleição de 2002 a conjuntura brasileira viveu um momento privilegiado: completou a longa transição democrática e consolidou a democracia política. O processo eleitoral ocorreu sem perigo de catástrofe, convulsões, sem que qualquer candidato viesse a representar ameaça às instituições republicanas. À direita, o conservadorismo, o atraso ficou fora da disputa Presidencial. Foi um cenário agradável, ditoso, sereno. Por que? Porque os principais concorrentes na disputa presidencial, desde o primeiro turno e os dois finalistas, tiveram elementos de coincidências. Destaco, apenas, algumas que, para o momento considero as mais importantes.

Em primeiro lugar porque houve, na essência, um consenso no esgotamento de um ciclo que manteve a estabilidade da moeda e a manutenção da inflação em níveis civilizados, mas bloqueou o caminho para o crescimento da economia, a redistribuição de renda e os movimentos ascendentes na escala social. A agenda das três últimas eleições presidenciais, tais como privatização, redução do papel do Estado foi abandonada. Todos os candidatos foram protagonista de programa de mudanças e reformas. Houve um “pacto”, com matizes diferenciados, pela mudança.

Em segundo lugar a convergência se deu no sentido de devolver ao Estado a capacidade de indução da atividade econômica, de mudar a relação do Estado com a sociedade, entre o público e o privado, entre política e economia e a ultrapassagem do liberalismo de mercado pelos compromissos clássicos à social-democracia, apresentaram-se como continuadores da tradição republicana e não mais em oposição a ela. Nas eleições presidenciais de 1989, 1994,1998 o tema central foi à redução do papel do Estado considerado o obstáculo institucional à modernização das estruturas econômicas e sociais. Não é de mais relembrar que o PSDB e PT se formaram inspirados na interpretação da história brasileira (1930/1964) com a teoria da “Dependência”, do “Populismo”, “O Modo de Produção Asiático”, “O Estado do Mal Estar Social”, recusando a “era Vargas”.

Em terceiro lugar a convergência aconteceu no terreno da cultura política. Os principais candidatos na disputa presidencial, desde o inicio, estavam na procura, na busca, na corrida em direção ao centro político. Ele tornou-se o lugar importante, básico, essencial, primordial e único na política brasileira. O PT, pólo hegemônico, vencedor do segundo turno, que até pouco tempo negava sua existência ou a depreciava, desqualificando-a, triunfou restabelecendo a “cultura da política” sobre a economia e o social, da cultura do “frentismo democrático pluripartidário” sobre o “corporativismo partidário”, da cultura de “centro-esquerda” sobre a “esquerdista”.

A vitória de Lula nas eleições presidenciais provoca uma guinada na vida política brasileira. Para uma democracia madura, não seria algo extraordinário. Mas no caso da sociedade brasileira – 14 anos de Constituição cidadã - ela ultrapassa o marco do período eleitoral e inaugura um autêntico processo “civilizatório” no capitalismo brasileiro. A singularidade dessa vitória reside, entre muitos aspectos, na possibilidade de enfrentar os conflitos sem redução das questões sociais à “economia-monetarista”.
Abre-se, também, o horizonte para a junção da democracia política com a democracia social, da liberdade e igualdade. Essa possibilidade aberta não é pouca coisa. Em outras partes do mundo a social-democracia levou anos para concretizar esse processo, através de sucessivas vitórias eleitorais e reformas de longo alcance. De qualquer maneira o que está colocado é a tentativa de construção da primeira grande democracia social no país, iniciando um acerto de contas com o passado autoritário e elitista.

É inegável que o país está diante de uma realidade: não será governado sem um amplo bloco de alianças políticas de sustentação, sem o presidencialismo de coalizão. A agenda imediata é tão complexa que nenhuma força isolada ou estreita terá como enfrenta-la com êxito. Sobretudo se se quiser governar com o programa reformista que as urnas apontaram. Há dificuldades enormes para estabelecer essa dinâmica política, mesmo porque o PT só recentemente aceitou o valor do “frentismo democrático”, imaginando, ainda, que esse movimento foi mais forte no grupo dirigente de que nas bases do partido. Haverá muita resistência, mas uma mudança de cultura não se faz sem conflitos e contradições. Na medida que essa cultura se afirmar poderá haver um reencontro com outras correntes social-democráticas. Terá sucesso?

O PPS deverá não só apostar no êxito, mas compartilhar, garantir a governabilidade, no Congresso, na sociedade e no Executivo, como parte autônoma e construtor desse presidencialismo de coalizão. O PT venceu as eleições assumindo a cultura política do PCB/PPS, não é pouca coisa. A responsabilidade do PPS é ajudar que essa transformação seja irreversível.
A desconstrução da cultura política do PT original fecha um ciclo histórico e poderá abrir um vazio do lado radical da esquerda do espectro político nacional. Na medida que o PT caminha em direção ao centro político, à social-democracia, quem ocupará o espaço mais à esquerda?
Lembrando o Chile da Unidade Popular quem desempenhará o papel do MIR? È verdade que Marx afirmava: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Mas é verdade também não esquecer que grandes personagens do PSDB e do PT eram simpáticos do MIR e opositores da Unidade Popular, pela esquerda. Podem ser tentados a repetir o fato como farsa.

È evidente que é política a decisão do PPS de participar da gestão do governo Lula. Esta participação deverá estar sustentada no compromisso de um projeto de mudanças, cujas linhas centrais foram definidas no XIII Congresso Nacional do PPS: a) defesa e ampliação da democracia, com a incorporação crescente da sociedade nos destinos do país; b) reforma democrática do Estado; c) arrojada política de desenvolvimento social, apoiada em uma nova política econômica que não só mantenha estabilidade da moeda, mas leve o país à retomada do desenvolvimento econômico; d) política externa independente; e) presença competitiva e soberana da economia brasileira no mercado mundial.

Para finalizar, há um vaticínio aprovado no Congresso que merece uma reflexão: “Para o Brasil avançar, precisa romper com a redução do embate político a dois pólos, de um lado, um amplo bloco de centro direita, e, de outro um restrito bloco de esquerda, esta com dificuldade comprovada para ampliar-se em direção a partidos e eleitores de centro”. O PPS tentou romper a dicotomia, interpelou as outras forças de esquerda, apontou que mantida essa relação a derrota era provável. A candidatura Ciro Gomes assinalou para um bloco de centro esquerda, mas na verdade quem rompeu a dicotomia e se dirigiu para o centro e venceu as eleições foi o PT.

Rio de Janeiro, 02 de novembro de 2002.
* Gilvan Cavalcanti de Melo, - Membro do Diretório Nacional e Estadual PPS/RJ.

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