segunda-feira, 30 de junho de 2008

POLITICA OU ORNAMENTO

POLITICA OU ORNAMENTO?*
Gilvan Cavalcanti de Melo**


Em qualquer análise da crise do PCB, é obrigatório, pelo menos, buscar como referencia o final dos anos 70 e toda a década de 80. Não é ocultando esse período, fazendo de conta que nada aconteceu que se superará esse momento cinzento. É fundamental uma profunda, séria e sincera autocrítica, em primeiro lugar e, principalmente, do núcleo dirigente. Não uma autocrítica verbal, desprovida de conteúdo. Mas uma atitude desprovida do velho vício da prepotência e da soberba. Pelo contrário. Espera-se o exemplo da humildade. Não é suficiente explicar a atual situação do Partido em função do acontecimento do Leste europeu e da exaustão do modelo do “socialismo real”. Na verdade, o desmonte do PCB se iniciou na gestão conservadora de Giocondo Dias. Isso precisa ser dito muito claramente e retirar do fato todas as conseqüências. É hora de um basta nas hipocrisias e nos mitos intocáveis. É hora de decifrar o enigma.

O grupo dirigente cometeu tantos erros os quais conduziram o movimento dos comunistas a um distanciamento em relação aos trabalhadores, aos intelectuais e à vida cotidiana. Era quase desesperante ver o Partido ser arrastado para uma posição de isolamento, para uma situação residual na sociedade. Substituiu-se a política pela luta no interior da máquina, transformando-a no centro das preocupações. Em outras palavras, o PCB voltou as costas para a sociedade e voltou seus olhos para as próprias entranhas. E assim a dicotomia se expressava: menos política, mais máquina.
A política ficou reduzida à propaganda e defesa do “socialismo real” contra o “socialismo ideal” dos comunistas italianos. Vivia-se na época da estagnação conservadora brezneviana. No âmbito nacional, a transição do autoritarismo para a democracia, sua complexidade e contradição era enfrentada com ambigüidade. O que importava era a legalização do PCB a qualquer preço em nome de certa identidade, não interessando qual política tinha curso no seu interior. E no interior predominava uma política que não era a dos comunistas. Adotava-se orientação contrária a da frente democrática substituída pela política de frente de esquerda. A questão da democracia ou ficava no papel, nos discursos ou considerada apenas como instrumento de ordem tática.. A única política aberta, clara, sem conciliação, que o núcleo dirigente desenvolveu foi a implacável, dura e inflexível luta contra o pensamento renovador do Partido, bloqueando assim, um processo de renovação cujos resultados dispensam maiores comentários nos dias atuais.
O resultado assistido, a via-crucis percorrida durante esses anos de sofrimento, descaminhos, angustias, marchas e contra-marchas, aponta com clareza que o Partido também teve sua “Crônica de uma morte anunciada”. Só que esta foi escrita por um sujeito coletivo – uma aliança de neo-prestistas, reformistas conservadores e os herdeiros do frentismo de esquerda.
Num manifesto subscrito por um grupo de comunistas do Rio de Janeiro, em setembro de 1983 afirmava-se: “às velhas práticas burocráticas revelaram-se incapazes de dar curso, tanto à renovação do movimento comunista quanto às novas necessidades impostas pela crescente complexidade da sociedade capitalista brasileira.” Em outra parte do documento, referindo-se ao grupo dirigente do PCB, reconhecia-se a responsabilidade da seguinte forma: “o CNDC por se revelar incapaz de aplicar e implementar essa nova política, vem se constituindo num obstáculo ao cabal exercício do papel que os comunistas poderiam desempenhar como uma das forças representativas do movimento popular e democrático brasileiro”.
Já em pleno período do “socialismo renovado” o núcleo dirigente repetia argumentos bloqueadores da verdadeira renovação. A VOZ DA UNIDADE ESPECIAL de janeiro de 1987 publicou o documento de balanço da direção para o VIII Congresso e confessava: “o combate à concepção liquidacionista e às TESES LIBERAL-REVISIONISTAS DOS “RENOVADORES” perdurou formalmente até o terceiro trimestre de 1982, quando, derrotadas as duas vertentes ANTIPARTIDO esboçaram(...)”, etc.
Mais cristalina é a posição recente do núcleo dirigente expressa no discurso da liderança na câmara Federal no ano passado. Referindo-se ao ex-Secretário Geral na década de 80 o colocou como homem que se absteve pela renovação do PCB quando, na realidade, foi o contrário que ocorreu.
Desmontado o PCB, transformado num sujeito residual na Sociedade Brasileira, derrotado o pensamento renovador, marginalizados os comunistas que eram capazes de renovar e atualizar e se constituíam numa alternativa de direção do PCB, a atual direção proclama agora aos quatro cantos do mundo que deseja uma “renovação” um “novo socialismo”, uma “nova formação política”, um bloco democrático e progressista”, “nova forma de Partido”. Em outras palavras, uma nova religião.

A renovação propõe outros temas: a questão da política e não da doutrina, a questão da democracia como processo de criação de canais, na qual se expressem os conflitos do mundo do trabalho, da cultura e da subjetividade para o despertar de uma hegemonia das classes subalternas. A criação de uma nova vontade democrática, de uma política de alianças com vista a conquista de objetivos claros, baseados no programa de um novo desenvolvimento integral que unifique a questão da igualdade e da liberdade.

Essa política exige, pressupõe um novo PCB cujo núcleo dirigente esteja comprometido com a verdadeira renovação dos anos 80. Um partido de política democrática, laico, respeitador dos pensamentos minoritários, aberto ao diálogo com todas as correntes, construtor da frente democrática duradora, desbloqueador radical da transição à democracia. E, hoje, não cabe mais a velha conciliação, sob pena de o PCB transformar-se definitivamente em mero ornamento. E a este papel a renovação se recusa.

* Artigo publicado no Jornal Voz da Unidade em 1 de maio de 1991 – Tribuna de Debates do IX Congresso do PCB – pág. 5.
** Gilvan Cavalcanti de Melo, militante do PCB em Niterói, membro do Conselho Editorial da Revista Presença (Rio de Janeiro).

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