quarta-feira, 13 de agosto de 2008

DEU NO JORNAL DO BRASIL


O GOVERNO ACÉFALO E PERDIDO
Villas-Bôas Corrêa

Com o presidente Lula batendo os seus recordes de viagens e ausências, o comando do Palácio do Planalto entregue à competência da ministra-candidata, Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, com as restrições de que substituto não é titular, o governo passa a sensação desconfortável de que está perdido no emaranhado de contradições, com as más notícias dando de goleada na badalação da esforçada equipe que cuida da propaganda oficial.

De volta de Pequim e de passagem por Brasília, o presidente aproveitou a falta de assunto no seu programa semanal de rádio, para a defesa inteiramente extemporânea da candidatura do Rio para sediar a Olimpíada de 2016, também pleiteada por Tóquio, Chicago e Madri. E recitou mais uma vez a cantilena demagógica de que o Brasil está tão preparado como qualquer país para assumir a responsabilidade de organizar a Olimpíada de daqui a oito anos, depois da próxima, de 2012, em Londres, pois "não somos um país de coitadinhos".

Desculpem-se os exageros do ufanismo com sotaque demagógico. O presidente tem viajado muito para driblar o peditório de ajuda dos aliados na chocha campanha municipal para a eleição de prefeitos e vereadores. E o seu forte nunca foi estudar relatórios, conferir números e analisar estatísticas. Governa de ouvido, com a esperteza reconhecida e chutando a bola de bico para livrar-se da marcação das cobranças.

Vamos devagar com o andor. Pois aqui na ex-cidade maravilhosa – esburacada, imunda, insegura, cercada por favelas dominadas pelas gangues do tráfico de drogas, com o trânsito caótico e a saúde pública literalmente falida e candidata do presidente para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, daqui a oito anos e dois e meio mandatos presidenciais – as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), inauguradas por Lula há nove meses, ainda não saíram do papel, segundo dados oficiais do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal (Siafi) que expõem a morosidade da burocracia enferrujada por falta de uso. Este ano foram empenhados no orçamento da União, R$ 266,3 milhões, dos quais apenas a esmola de R$ 9,37 milhões, 3,5% do total foram pagos até ontem.

Mais chocantes que os números são os flagrantes da falência do sistema público de saúde.

Repetem-se todos os dias nas ruas e na mídia os flagrantes de hospitais públicos em pandarecos, onde tudo falta, de médicos, enfermeiras, atendentes a remédios, enquanto nas enfermarias entupidas, com doentes deitados em esteiras, empilhados como sacos de lixo nos corredores, banheiros e em cada palmo disponível são torturados nos arremedos dos DOI-CODI da ditadura militar. Entre as causas de morte, as doenças cardiovasculares puxam a fila com o percentual de 28%. E a violência registra 90 entre 100 mortes, na faixa entre 15 e 24 anos.

As mortes pela epidemia de dengue passam de 80 e foram notificados mais de 110 mil casos da doença.

O Sistema Único de Saúde (SUS) registra no Rio o seu recorde negativo de superlotação, com o atendimento de precariedade notória.

Não é hora de contar vantagem. Os tropeços éticos do PT, as suas cólicas eleitorais, os disparates da gastança oficial, como na promoção a ministério da modesta secretária da Pesca, com a criação de mais 295 cargos de confiança ao custo de R$ 18 milhões anuais – farras de ricaço que esbanja a herança – não podem ser ocultados pela cortina rota da promessa da ex-capital, que grita por socorro, sediar as Olimpíadas de 2016.

E com a cerimônia inaugural das Olimpíadas de Pequim ainda desfilando na nossa memória.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


OS NOVOS MANDÕES MUNICIPAIS
Marco Antonio Villa



No Rio, o voto distrital está sendo implementado. Pelos traficantes. Também preocupam as relações entre o Bolsa Família e as eleições

O BRASIL é um país estranho.

Deixaria Montesquieu certamente confuso. O Congresso Nacional discute desde o século passado uma reforma política e a possível adoção do voto distrital. Nos morros do Rio de Janeiro, a medida está sendo implementada. Só que pelos traficantes. Até o momento, essa é a grande novidade da campanha eleitoral.

Os programas eleitorais dos candidatos são marcados por propostas antigas e não há renovação inclusive dos slogans. A sensação de "déjà vu" é evidente. O entusiasmo é falso. A eleição agrada aos marqueteiros, aos cabos eleitorais e aos produtores de material de propaganda, mas o eleitor se mantém até o momento distanciado, com ar de enfado.

A maioria das Câmaras Municipais estão envolvidas em escândalos. Isso acaba afastando qualquer interessado em participar da política da sua cidade. As sessões são marcadas pela irrelevância dos temas discutidos. O eleitor, porém, pouco se importa.

Não temos tradição de governo municipal. Durante séculos, as determinações da vida urbana foram impostas de fora, pelo poder colonial ou pelo governo central. Assim, o cidadão não se sente responsável pelo que acontece na sua cidade e transfere às esferas estadual e federal a solução dos problemas urbanos. Raramente alguém pretende, numa grande cidade, iniciar sua vida política candidatando-se a vereador: é considerado algo menor, prefere ser deputado estadual ou, preferencialmente, deputado federal.

Neste ano, teremos pela primeira vez uma eleição municipal após a expansão em massa do programa Bolsa Família. Como cada família tem entre três e quatro eleitores, em muitas cidades os beneficiários chegam a representar metade do eleitorado. Como exemplos, vale citar três cidades nordestinas: em Itajá (RN), há 855 beneficiários e 6.453 eleitores; em Canudos (BA), 11.316 eleitores e 2.177 beneficiários; em Uruoca (CE), são 1.966 famílias beneficiárias entre 10.102 eleitores. A relação eleitores/ população desses municípios é alta, muito superior à média nacional. Em Canudos, 77% da população é eleitora; em Uruoca, 81%; em Itajá, 97%!

O total de famílias cadastradas pelo programa nesses municípios é cerca de 20% superior ao de famílias que recebem o benefício, ou seja, há ainda um espaço para ser ocupado pelo assistencialismo e que certamente será utilizado como moeda eleitoral.

No Brasil, há 15 milhões de famílias cadastradas e 11 milhões que recebem o benefício. O cadastramento das famílias no município é controlado pelo prefeito. Quanto maior o número de eleitores na família, maior a possibilidade de receber o Bolsa Família.

Isso pode explicar o enorme crescimento do contingente eleitoral nos últimos meses, entre janeiro e junho deste ano. Analisando as mesmas três cidades, em Canudos, o eleitorado cresceu de outubro de 2000 a dezembro de 2007 de 9.396 para 10.390, ou seja, cerca de mil eleitores. No primeiro semestre de 2008, saltou para 11.316, isto é, em seis meses, aumentou em números absolutos o mesmo que em sete anos. Quadro semelhante repetiu-se em Uruoca e Itajá.

O Bolsa Família poderá ter reflexo na escolha dos eleitores com a permanência do prefeito ou de seu grupo no poder, diminuindo a alternância política -o que será possível comprovar após o pleito. Se isso ocorrer, será extremamente nocivo para a democracia brasileira, pois o mandão local foi historicamente um sério obstáculo à consolidação do Estado democrático de Direito.

Essa nefasta relação na esfera municipal poderá ser determinante nas eleições gerais de 2010.

São preocupantes as relações entre o Bolsa Família e as eleições, assim como o registro dos eleitores. Ainda citando municípios do Rio Grande do Norte, mas sem restringir o problema a este Estado, Maxaranguape tem 8.517 habitantes e 8.197 eleitores, enquanto Galinhos tem 1.879 habitantes e 2.593 eleitores!

Em setembro de 2006, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Velloso, afirmou que haveria 10 milhões de eleitores fantasmas, que tanto poderiam ter falecido como mudado de domicílio e tirado outro título. A grave declaração foi recebida como algo natural, meio sem importância. Contudo, ao observar os dados do TSE, causa profunda estranheza a evolução do eleitorado.

Tudo indica que o chefe local descrito magistralmente em "Coronelismo, Enxada e Voto", de Victor Nunes Leal, esteja desaparecendo. O governo Lula modernizou a relação de dependência do eleitorado com o Bolsa Família. A pergunta que fica é: quem vai ter coragem política para romper essa cadeia libertando o eleitor pobre do mandão local?


MARCO ANTONIO VILLA , 52, é professor de história do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e autor, entre outros livros, de "Vida e Morte no Sertão. História das Secas no Nordeste nos Séculos XIX e XX" (Ática).

DEU EM O GLOBO


TESTE DE REALIDADE
Merval Pereira


NOVA YORK. A invasão da Geórgia pelas tropas russas é o primeiro teste de realidade na política externa que os candidatos à Presidência dos Estados Unidos enfrentam, e ficou clara a diferença entre o democrata Barack Obama e o republicano John McCain - embora os dois tenham convergido para uma posição semelhante, bastante próxima à adotada pelo próprio presidente George W. Bush, que é quem, em última instância, tem que lidar com o equilíbrio geopolítico de uma região delicada, tanto por ser ainda sensível ao rescaldo da Guerra Fria quanto por ser um ponto estratégico na distribuição de petróleo e gás.

Obama, de férias no Havaí, manteve-se ligado à questão desde os primeiros momentos, mas seus pronunciamentos variaram de intensidade, tendo começado sem uma acusação direta à Rússia para culminarem com a exigência de retirada das tropas. Em todos os momentos, porém, Obama não se distanciou de uma posição conciliatória, ressaltando sempre que pretendia trabalhar em conjunto com a Rússia, desde que ela assumisse suas responsabilidades como membro da comunidade internacional.

O republicano John McCain teve posição sempre mais veemente, e aproveitou a oportunidade para demonstrar seus conhecimentos de história da região e das implicações geopolíticas do avanço da Rússia, inclusive o oleoduto que passa pela capital da Geórgia, levando petróleo do Mar Cáspio do Azerbaijão para a Europa, pela Turquia.

McCain e Obama falaram pessoalmente por telefone com o presidente da Geórgia, mas Mikhail Saakashvili só citou McCain em uma manifestação pública. McCain é velho conhecido de Saakashvili, a ponto de tê-lo indicado em 2005 para o Prêmio Nobel da Paz por ter levado a democracia à Georgia. Ele acha que uma atitude mais confrontadora em relação à Rússia pode lhe trazer vantagem, em comparação com a atitude conciliatória de Obama. Mas não é certo que os americanos estejam querendo outro confronto internacional.

A não ser que a crise sofra agravamento, esse primeiro teste ficou indefinido em termos de vencedor, embora McCain possa continuar se gabando de ser mais afirmativo que Obama nas crises internacionais, que podem fazer crescer o temor quanto à inexperiência do candidato democrata.

Não faltou quem, do lado republicano, quisesse ampliar as dimensões dessa guerra, comparando a invasão da Geórgia pela Rússia com a invasão da Sudetenland, na antiga Tchecoslováquia, pelas forças de Hitler, em outubro de 1938.

O pretexto foi o mesmo: proteger alemães de uma zona separatista. Como não houve resistência de países como França, Inglaterra ou Estados Unidos, meses depois a Alemanha dominou completamente a Tchecoslováquia.

Neste caso, a reação da comunidade internacional, embora cautelosa, foi imediata, e tanto Estados Unidos quanto União Européia estão atuando para conter os ímpetos expansionistas da Rússia de Putin.

De fato, a retomada do poder da antiga União Soviética parece ser uma obsessão de Putin, que dirige o país primeiro como presidente por oito anos, e agora como primeiro-ministro. Essa busca da grandeza perdida foi apoiada por ninguém menos que o escritor recentemente falecido Alexander Soljenitsin, que certa vez disse que Putin pegou a Rússia "devastada" e "de rastros" e "começou a sua reconstrução, pouco a pouco, lentamente".

Embora revele o caráter autoritário de Putin, a manobra que o fez deixar a Presidência para assumir em seguida como primeiro-ministro é perfeitamente legal. Aliás, Putin já se declarou "o único dirigente democrático do mundo". A raiz dos superpoderes de Putin está no processo de democratização acontecido no início dos anos 90. A Constituição de 1993 deu superpoderes ao então presidente Boris Yeltsin, situação que foi exacerbada por Putin a partir de 2000.

Negociando com a Duma (Congresso) como um presidente da maioria, e não um presidente partidário, Putin usou os poderes para levar a Rússia em direções autoritárias, um hiperpresidencialismo no qual os demais poderes se submetem ao Executivo, uma ditadura disfarçada, cuja última fronteira é a liberdade de imprensa, que cada vez mais é reduzida no país, com perseguição e morte de jornalistas opositores.

O oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan, construído pelos Estados Unidos e que tem nada menos que 27 companhias ocidentais associadas a uma empresa de exportação de petróleo, é uma tentativa americana de criar na região uma alternativa ao petróleo do Oriente Médio, forçando toda uma nova perspectiva econômica no Cáucaso, num mundo em que as fontes de energia se transformam cada vez mais em fontes de poder político. O oleoduto custou mais caro para evitar o território iraniano.

A partir da decisão dos Estados Unidos de privilegiar a importação de petróleo no seu plano de energia, a região teve aumentada sua importância política, e os EUA aumentaram também sua presença militar na Ásia Central, Cáucaso e na região do Mar Cáspio, áreas tradicionalmente vistas sob a influência da Rússia e do Irã.

São os acordos que a China tem com o Irã para garantir suprimento de petróleo que tiram sua disposição para aceitar sanções contra o Irã no Conselho de Segurança da ONU, do qual é membro permanente com poder de veto. Assim como a Rússia, que vem se aproximando do Irã na busca de um mundo "multipolar", para se contrapor aos Estados Unidos, na definição de Putin.

Existem também questões regionais atuando firmemente na insegurança de abastecimento de energia na região, que podem gerar um atentado ao gasoduto no Cáucaso, ou interrupções de suprimento, por disputas políticas com a Ucrânia, como já ocorreu anos atrás.

A Rússia usa sua influência geopolítica não apenas no jogo regional, com os países do Leste Europeu, antigos integrantes da União Soviética, mas também na Europa Ocidental, que depende da distribuição do gás russo.

Seja quem for o próximo presidente dos Estados Unidos, terá que estar preparado para enfrentar a previsível disposição da Rússia de aumentar sua influência internacional.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A TORTURA É A VERDADEIRA HERANÇA MALDITA
Elio Gaspari

O ministro da Justiça, Tarso Genro, teve a sua hora como guardião dos direitos humanos e amarelou. Em agosto do ano passado ele deportou os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, que abandonaram a delegação do seu país durante os jogos do Pan.

Rigondeaux, bicampeão olímpico, foi excluído da equipe enviada a Pequim. Erislandy fugiu de novo, está na Alemanha e de lá informou:

"Não tivemos nenhum apoio e, sem ninguém para contatar, fomos obrigados a pedir para voltar para Cuba."

Há algo de oportunismo e de caça ao evento na auto-investidura do comissário Genro como perseguidor de torturadores. Sua estatura como ocupante da cadeira onde sentou-se Diogo Feijó (1831-1832) cabe numa frase dita por ele: "O presidente pode dar um puxão de orelha em qualquer ministro. Isso é da sua competência, mas eu não levei puxão de orelha." Mesmo assim, Tarso Genro esteve certo em relação aos torturadores.

A tortura foi uma política de Estado durante a ditadura, particularmente entre 1969 e 1977. Como disse o general Vicente de Paulo Dale Coutinho às vésperas de assumir o Ministério do Exército, em 1974: "Ah, o negócio melhorou muito. Agora, melhorou, aqui entre nós, quando começamos a matar." Como reconheceu um estudo do Centro de Informações do Exército, praticaram-se "ações que qualquer Justiça do mundo qualificaria de crime". Os torturadores cumpriam determinações de seus superiores. Prova disso foi a concessão da Medalha do Pacificador ao delegado Sérgio Fleury, ícone do Esquadrão da Morte e do porão paulista.

A história segundo a qual a tortura e a prática sistemática de assassinatos foram produto de excessos, indisciplina ou deformação moral de subalternos é uma patranha destinada a polir a biografia dos comandantes militares e dos presidentes da República da ocasião.

Se a família de uma vítima da máquina repressiva de generais, almirantes e brigadeiros vai à Justiça em busca da responsabilização dos oficiais que comandavam o porão, esse é seu direito. Caberá ao Judiciário decidir se a anistia ampara a outra parte. Pena que fiquem de fora os finados comandantes que mandaram capitães e majores torturar e matar brasileiros.

Há um aspecto relevante nesse debate. É a postura dos atuais comandantes diante da herança maldita da ditadura. Em vez de exorcizá-la, reconhecendo um erro cometido há mais de trinta anos, cavam duas trincheiras. Uma é a do debate inoportuno. Outra é a da negativa da responsabilidade dos hierarcas. Ambas são falsas e o debate é necessário. O desconforto e a irritação dos comandantes militares com a tortura é o único tema dos anos 60 e 70 que não desaparece da agenda política nacional. O país já se livrou da inflação e da Telerj, mas a sombra soberba dos DOI-Codi continua aí.

Algo como se o doutor Henrique Meirelles fosse obrigado, hoje, a defender a inflação dos seus antecessores remotos no Banco Central.

Quem vive preso ao passado não são os órfãos do DOI, são os protetores de sua memória.

Os comandantes militares carregam na mochila crimes alheios. (A tortura, assim como o seqüestro, pode ter sido coberta pela anistia, mas crime foi.) Não são as vítimas nem seus parentes que devem calar. São os comandantes que devem se acostumar ao convívio com a História.

ELIO GASPARI é jornalista.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE - NAS ENTRELINHAS


OS OSSETAS E A RAPOSA-SERRA DO SOL
Luiz Carlos Azedo


Infelizmente, no Brasil, quem pensa nos interesses nacionais de longo prazo são os militares. A maioria dos políticos olha para os interesses de curtíssimo prazo, às vezes os do passado

Quando as tropas de Gengis Kan atravessaram o Cáucaso, a Alânia era uma nação em formação, graças à Rota da Seda. O povo de Jas (ossetas), porém, foi expulso das margens do Rio Don — a eterna linha divisória entre a Europa e a Ásia —, para as montanhas do Cáucaso, na fronteira da Rússia com a Geórgia. Essa é a origem das Ossétias do Norte (RU) e do Sul (GEO), repúblicas autônomas da antiga União Soviética criadas por Stálin. Georgiano descendente de ossetas, julgava ter encontrado a fórmula para resolver os conflitos étnicos e a questão das nacionalidades do antigo Império de Pedro, o Grande, e Catarina da Rússia.

Volatilização

Com o fim espetacular e inesperado da União Soviética, a Ossétia do Norte manteve seu status na Federação Russa, mas a Geórgia nunca aceitou a autonomia da Ossétia do Sul. Desde então, a região é um foco de tensões, que agora resultaram numa guerra que desestabiliza a geopolítica da Europa. Quem imaginaria, há 50 anos, a Geórgia em guerra com a Rússia? O Império Soviético parecia inabalável, sobre o tripé Rússia-Ucrânia-Geórgia, as repúblicas asiáticas e os países do Leste Europeu, inclusive a antiga Alemanha Oriental.

A Guerra Fria, apesar do conflito sino-soviético, durante 40 anos, rumou noutra direção. Primeiro foi a Revolução Cubana, depois o colapso do colonialismo na África, a derrota norte-americana no Vietnã, os aiatolás do Irã no poder e a democratização da América Latina. A partir da década de 1990, porém, o jogo virou completamente. Os soviéticos foram volatilizados, o antigo regime comunista virou um folclore que ainda atrai turistas. A Alemanha voltou a ser uma só, a Estônia, Lituânia e Letônia se tornaram independentes, Ieltsin dissolveu a União Soviética. A Iugoslávia implodiu em guerras civis nos Bálcãs, berço de duas guerras mundiais. As fronteiras da Conferência de Yalta, desenhadas pelos vitoriosos na II Guerra Mundial, foram descongeladas e os países do Leste Europeu ingressaram na Comunidade Européia. Cuba e Coréia do Norte pagam o preço do dogmatismo; a China do massacre da Paz Celestial resultou num “capitalismo de Estado” que ninguém sabe ainda aonde vai, mas que o mundo observa de bem perto nestas Olimpíadas de Pequim.

O que será?

Quem dá as cartas no “grande jogo” das potências ocidentais no Oriente são os Estados Unidos: um pé no Afeganistão, outro no Iraque, a mão peluda na Bósnia e outra, de gato, na Geórgia. O olho ianque da direita vigia a Rússia, que tenta se reerguer com potência energética da Europa; o da esquerda, a China, cuja influência cresce na Ásia e na África. Onde entra o Brasil nessa história? Fica de fora, na arquibancada da Rodada de Doha, onde a diplomacia brasileira apostou todas as fichas, em busca de um acordo multilateral mais favorável aos emergentes no mercado globalizado.

E daqui a 50 anos, o que será? Seremos uma grande potência energética, com petróleo em abundância na plataforma continental, grandes hidrelétricas e minerais estratégicos na Amazônia, num cenário de esgotamento de reservas mundiais. O futuro da América Latina, porém, ainda é uma incógnita, devido às contradições crescentes no subcontinente, como a ameaça separatista na Bolívia, a presença militar norte-americana na Colômbia, a belicosidade da Venezuela de Chávez, os ressentimentos do Paraguai, sem falar do narcotráfico.

Infelizmente, no Brasil, quem pensa nos interesses nacionais de longo prazo são, principalmente, os militares. A maioria dos políticos olha para os interesses de curtíssimo prazo, às vezes os do passado. Essa é a diferença, por exemplo, entre a polêmica criada pelo comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro, sobre os riscos à soberania na reserva Raposa-Serra do Sol, e o debate patrocinado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, sobre a Lei de Anistia. A guerra na Ossétia do Sul é um conflito no fim do mundo, mas suas causas estão muito próximas de nós por causa do velho padrão energético que o mundo pós-moderno herdou da sociedade industrial.

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O DIABO MORA NOS DETALHES
Dora Kramer


Com o senso de oportunidade afiado, no dia seguinte à decisão do Supremo Tribunal Federal que assegurou aos candidatos processados o direito de disputar eleições, o governo declarou-se pronto para enviar ao Congresso sua proposta de reforma política.

Incluiu a impugnação de políticos condenados duas vezes pela Justiça - mesmo sem sentença definitiva -, a proibição de partidos aliados somarem seus tempos no horário de propaganda gratuita, o financiamento de campanha misto (público, com doações de pessoas físicas), a exigência de votação mínima para assegurar a representação da legenda no Parlamento, restrições aos suplentes de senador sem voto e uma série de novidades tão vistosas quanto polêmicas.

O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, discursou como convinha à ocasião. Segundo ele, o governo quer “reforçar os partidos, reduzir as brechas na legislação para evitar distorções nos resultados das urnas e debater em torno de idéias e não de interesses”.

Não obstante a distância entre essas palavras bem comportadas e a rotina de obstinada prática de desmoralização dos partidos e redução do Parlamento ao mais barato balcão de negócios jamais visto neste País, seria perfeitamente possível dar ao governo um crédito de confiança no propósito de se redimir.

Seria, não fossem os detalhes. Lá pelas tantas, no meio de variadas e chamativas sugestões, aparece uma proposta de fidelidade partidária que permite a troca de partido até sete meses antes de uma eleição.

Na prática, anula a decisão da Justiça Eleitoral que deu às legendas a posse dos partidos e impôs aos trânsfugas a penalidade da perda do mandato. Se passar a proposta, reabre-se o prazo para o troca-troca, a ser fixado em fevereiro de 2010.

Um tanto incoerente com o discurso sobre “reforço dos partidos” feito pelo assessor do Ministério da Justiça que, convenhamos, em situação de genuína reverência do Executivo para com o Legislativo, não seria o porta-voz do anúncio.

E este é outro detalhe que talvez não passe despercebido aos deputados e senadores ainda cientes de suas prerrogativas. Notarão que não foram chamados a construir a obra, mas a examiná-la depois de pronta.

Consta que o presidente Luiz Inácio da Silva chamará os presidentes de partidos para um debate a respeito. Mas aqui também há o detalhe: nessas reuniões o presidente não dialoga, monologa a platéias receosas de sua reação a eventuais contestações.

E o que dizer da sugestão de barreira aos “fichas-sujas”, diante da boa vontade palaciana para com as fichas da casa e adjacências?

Soa falsa a vontade de ordenar e depurar. Como de resto parece artificial o súbito empenho pela reforma política que, de prioridade no discurso da reeleição de Lula, havia sido relegada a “assunto do Congresso” até agora.

O “contrabando” do afrouxamento da fidelidade partidária aconselha atenção à possível urdidura de outros penduricalhos destinados, não a reformar a política para melhorar as relações entre representantes e representados, mas para adaptar as regras das eleições de 2010 às circunstâncias de quem pode mais.

Tudo igual

O governo reconhece que exagerou, fala em retirar a medida provisória que transforma a Secretaria da Pesca em ministério e se dispõe a reapresentar a proposta como projeto de lei com pedido de urgência constitucional.

Independentemente da forma, na essência fica mantida a prioridade ao novo ministério, vale dizer, à criação de 295 novos cargos de confiança.

Pois é como diz o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro: “Ao governo o que interessa é o produto”.

A conferir

Ainda faltam quase cinco meses, mas a eleição das presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro de 2009, já alvoroça os rapazes de ambas as bandas.

A despeito do acordo (por escrito) entre PT e PMDB firmado há dois anos garantindo aos petistas a presidência do Senado e aos pemedebistas a da Câmara, tem muita gente apostando na quebra do contrato.

O ministro José Múcio Monteiro, deputado do PTB, tem ouvido de parlamentares consultas a respeito de uma possível candidatura. A todos responde ao molde de um mantra: “O candidato do governo é Michel Temer”.

Pelo sim pelo não, o presidente do PMDB foi perguntar pessoalmente ao ministro se é isso mesmo e ouviu a confirmação. A pulga, porém, continuou ali, atrás das orelhas.
Inclusive por experiência com essas questões combinadas com tanta antecedência.

Meses antes de o tucano Aécio Neves ser eleito presidente da Câmara, em 2001, o Palácio do Planalto garantia dia sim outro também que o acordo PMDB-PFL estava firme e que Inocêncio Oliveira era o candidato oficial à presidência da Câmara.

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


AS INSERÇÕES E OS TRUQUES
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi


Com uma mídia assim, candidatos desconhecidos viram celebridades da noite para o dia. Quem ninguém considerava opção de voto se torna escolha natural.

Daqui a uma semana, a televisão que a maioria da população brasileira assiste estará inundada pela propaganda eleitoral gratuita, que começa terça-feira nas cidades onde existe geração de TV aberta, salvo o Distrito Federal. Os candidatos a prefeito terão meia hora, no horário do almoço e mais meia, no início da noite, às segundas, quartas e sextas, para veiculação de seus programas, enquanto os candidatos a vereador disporão das terças, quintas e sábados. Domingo, todo mundo descansa.

Na verdade, não. De domingo a domingo, na programação de todas as emissoras, haverá meia hora de inserções, que os partidos podem usar em comerciais de trinta segundos ou de um minuto. Só os candidatos a prefeito têm acesso a essa mídia, a mais influente que existe hoje na comunicação política e eleitoral.

A maior parte dos eleitores vêem de vez em quando os programas, apenas quando nada de melhor têm para fazer. Quando terminar o período eleitoral, terão visto dois, três, em média. Pouco, para justificar a importância que alguns candidatos, quase todos os marqueteiros e muitos jornalistas lhes dão. Cerca de metade dos eleitores não terá visto nenhum.

Inversamente, todos terão visto dezenas de vezes as inserções dos candidatos dos principais partidos, que possuem as maiores fatias de tempo. Não são raros os casos em que chega a vinte, trinta, o número de inserções que, a cada dia, em cada emissora de televisão, esses candidatos veiculam.

Apenas para comparar, nos 45 dias que a legislação eleitoral reserva para divulgação das candidaturas, nenhum produto, banco, cerveja, empresa de telefonia, rede de varejo, marca de automóvel, terá mídia equivalente. Se tivesse que ser comprada pelos candidatos, como acontece em muitos países democráticos, custaria uma verdadeira fortuna, especialmente em cidades como São Paulo e Rio.

Com uma mídia assim, candidatos desconhecidos viram celebridades da noite para o dia. Quem ninguém considerava opção de voto se torna escolha natural. Já aconteceram várias “surpresas eleitorais” por causa disso e outras vão acontecer. Este ano, por exemplo, teremos “surpresas” em algumas capitais fundamentais.

É parte das esquisitices nacionais que tenhamos criado um instrumento de comunicação tão poderoso nos processos eleitorais e, logo a seguir, nos dedicado ao esforço de controlá-lo. Nossos legisladores inventaram as inserções, mas sempre as olharam com desconfiança.

A legislação que rege a próxima eleição, por exemplo, mantém a permissão de seu uso, mas repete que, nelas, é vedada “a utilização de gravações externas, montagens ou trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais”.

O que, exatamente, quer dizer isso? Que é permitido fazer televisão, desde que não se faça televisão? O que estava na cabeça de quem inventou restrições tão esdrúxulas? Que uma inserção é “boa” quando o candidato se mostra “naturalmente”? E o que seria isso? O que tivemos nos tempos da Lei Falcão?

Conta uma lenda, corrente entre profissionais de comunicação política, que quem inspirou essa cláusula foi o hoje governador José Serra. Depois de amargar uma derrota para Celso Pitta em 1996, voltou ao Senado e se dedicou a brigar contra aquilo que achava que a explicava.

Se for verdade a história, a causa dessa maneira estranha de encarar as inserções seria o efeito “fura-fila”. Para quem não se lembra, foi apenas uma invenção de Duda Mendonça, um trenzinho que percorria São Paulo em computação gráfica, prometendo algo que Pitta, seu cliente, nunca fez e nem faria. Serra foi atropelado pelo fura-fila (nem foi para o segundo turno) e quis se vingar dos marqueteiros, proibindo as “trucagens” nas inserções (o que quer que isso signifique). Não conseguiu, pois eles são mais espertos.

DEU EM O GLOBO


PARA GABEIRA, UNE É 'CHAPA-BRANCA'
Marcella Sobral


Candidato falta a evento no Flamengo, onde abrigou-se no passado

Apesar de ter memória afetiva do prédio 132 da Praia do Flamengo, onde chegou a passar a noite em tempos de militância, o candidato a prefeito Fernando Gabeira (PV/PSDB/PPS) não participou ontem da cerimônia na qual o presidente Lula assinou um projeto de lei garantindo a reconstrução da sede que abrigou a UNE e a Ubes. A agenda de deputado federal em Brasília não foi a única razão para tê-lo deixado fora do evento:

- A UNE não é exatamente o que ela foi no passado. Antigamente, era uma opositora intransigente. Agora, ficou muito chapa-branca. Hoje, não se manifesta muito, sobretudo nos momentos que envolvem alguma luta política em Brasília - disse o candidato, durante corpo-a-corpo na Praça Sans Peña, na Tijuca, ao lado do vice na chapa, Luiz Paulo Corrêa da Rocha, e dos candidatos a vereador Aspásia Camargo (PV) e Stepan Nercessian (PPS).

Gabeira citou a posição da UNE no episódio envolvendo o ex-presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), acusado de quebra de decoro parlamentar:

- A UNE teve uma posição muito branda, quase inexistente, no caso Renan Calheiros. Isso mostra que ela perdeu um pouco daquele impulso que tinha no passado. O que é razoável, também, uma vez que o movimento estudantil se transformou bastante.

No corpo-a-corpo, Gabeira repreendeu uma estudante que, juntamente com outros calouros da Universidade Veiga de Almeida, pediam dinheiro, como parte do trote. Bem-humorado, Gabeira deu R$5 aos calouros, mas uma jovem disse que "vocês, políticos, são todos iguais".

- Não sou um político. Sou o Fernando Gabeira, tenho 50 anos de vida pública. Vai estudar um pouco de História antes de conversar comigo. Você já é bem crescidinha - respondeu o candidato.

DEU NO VALOR ECONÔMICO


OS FATOS E A CENA
Rosângela Bittar


Pode ser já o esperado vale-tudo para prospectar agora a campanha de 2010; ou, que seja, então, uma pré-aliança, uma espécie de desenho formal do que ficou apenas subentendido em encontros anteriores que vêm ocorrendo há pelo menos dois anos; talvez, ainda, uma maneira de criar fato que provoque e exaspere o candidato a presidente melhor situado no PSDB, que aparenta não se abalar com nada. Pode ser qualquer coisa. Mas o que a cena dos braços dados de Aécio Neves (PSDB), Ciro Gomes (PSB), Fernando Pimentel (PT) e Márcio Lacerda, em foto dos jornais de ontem, menos parece, é uma competente investida de campanha para levantar este último, o candidato do PSB à prefeitura de Belo Horizonte.

Márcio Lacerda não se move nas pesquisas de intenção de voto feitas em maio, em junho, em julho e neste início de agosto. A transferencia de votos, no caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para seu candidato a presidente, hoje a ministra Dilma Rousseff, seria automática, mas não no caso do governador de Minas, Aécio Neves, e do prefeito da capital, Fernando Pimentel, que ainda não conseguem movimentar a candidatura Lacerda .

Pesquisa do Instituto Vox Populi, feita para o PT, mostra que a transferência esperada para a sucessão de Lula não é aquela prevista para qualquer um que detenha a caneta de nomeação e concessão de verbas. O cientista político Marcos Coimbra, presidente do Instituto, diz que, no caso do presidente Lula o eleitorado concede-lhe quase um "cheque em branco". À pergunta se o entrevistado votaria em qualquer um que fosse candidato do presidente, independentemente de saber o nome, 20% respondem que sim. Ou seja, um em cada cinco eleitores está disposto a seguir Lula, de olhos fechados. No Nordeste, então, passa de 30% o percentual dos que votariam em qualquer um que fosse escolhido por Lula. Aqui, não é mais um em cada cinco, mas um em cada três eleitores informando que votariam em que seu mestre mandasse.

Além deles, passam dos 30% os dizem que poderiam votar no candidato do presidente dependendo de quem fosse. Assim, somando-se os dois tipos de seguidores, o presidente teria o potencial de influenciar a opinião de mais da metade dos eleitores.

O tipo de popularidade do presidente, que leva emoção ao eleitor e cria a adesão espontânea, não se repete nos estados, mesmo onde governadores ou prefeitos obtêm adesões maiores que as de Lula. As disputas nas cidades, porém, não estão definidas. Marcos Coimbra acredita ser impossível dizer, no momento, se Aécio Neves e Fernando Pimentel, com popularidade mais alta que a do presidente Lula, conseguirão ou não transferir votos para Márcio Lacerda, que amarga o terceiro lugar nas pesquisas em que pontua abaixo dos 10%. Menos ainda se sabe sobre em que Ciro Gomes poderá ajudar seu candidato neste momento.

Marcha dos mosqueteiros nada diz ao eleitorado

O quadro de informações do eleitor, no país inteiro, ainda é insuficiente, afirma Coimbra. Por esta razão as pesquisas feitas no fim de julho não foram em quase nada diferentes das pesquisas do final de junho, e essas quase nada diferentes do final de maio. " O quadro de informação do eleitor só vai mudar mesmo a partir do começo da propaganda eleitoral, seja dos programas gratuitos, seja dos comerciais, das inserções. Só quando tivermos uma mudança nesse quadro de informação é que faz sentido imaginar mudança na intenção de voto do eleitorado".

O caso de Belo Horizonte é completamente diferente do caso de uma eleição como a de São Paulo, compara o presidente do Vox Populi. Em SP, os quatro principais adversários são conhecidos por 100% dos eleitores, afirma. "O atual prefeito (Kassab), dois ex-governadores (Alckmin e Maluf), e dois ex-prefeitos (Marta e Maluf) estão disputando. Num quadro como esse, as pesquisas seriam capazes de dar, hoje, uma boa sinalização do cenário de setembro, quando já terá começado a propaganda pela televisão e, com ele, divulgação de mais informações sobre os candidatos.

Sobre Márcio Lacerda, candidato a receber a incontestável popularidade do governador de Minas e do prefeito de BH, apenas 5% dizem hoje que o conhecem bem. E apenas 10% informam que sabem alguma coisa sobre ele. "Inversamente, isso quer dizer que 85% dos eleitores da cidade sequer podem considerá-lo como opção, pois não sabem quem é", afirma Coimbra. Não será a marcha-passeio dos quatro mosqueteiros o canal eficiente desta informação ao eleitorado.

Fantasiado de recuo

Outra teatralização foi a que o governo federal produziu para retirar do Congresso a Medida Provisória que enviara há poucos dias criando o Ministério da Pesca. Numa cena de faz-de-conta, mas cheia de efeitos especiais, o ministro José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, escalado desde a véspera para "conversar" sobre o assunto com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, que alertara o governo sobre as dificuldades políticas para aprovação da medida, suspendeu a MP e fez Chinaglia e líderes governistas prometerem, diante de tamanha concessão, aprovar rapidamente um projeto de lei com o mesmíssimo teor.

O governo se fez totalmente ausente da percepção de dezenas de outros obstáculos e críticas que continuam a condenar o projeto. Não explicou por que, mais de seis anos depois de iniciar seu mandato, descobriu que a pesca tem que estar em ministério e não em secretaria. Aliás, também nunca soube a razão pela qual a pesca inspirou a ampliação da máquina, com uma secretaria no Palácio do Planalto, a não ser a evidência de que foi obrigado a criar este posto, como ocorreu em dezenas de outros, para uma das muitas facções do PT que exigiam integrar o primeiro escalão.

Também não se sabe por que criar mais 350 cargos, 150 deles comissionados, numa nova estrutura, lá se vão quase a metade do segundo mandato. Está no DNA deste governo a ampliação da estrutura, a duplicação, a criação de cargos, o abrigo a todas as correntes do partido, a ocupação desmedida, o aparelhamento. A troca da Medida Provisória do Ministério da Pesca por um projeto de lei não muda nada. Dá apenas um discurso espetaculoso aos líderes que precisam vender o peixe.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

'O ASSUNTO ESTÁ ENCERRADO', DIZEM COMANDANTES
Tânia Monteiro, BRASÍLIA


Recuo de Tarso sobre revisão da Lei de Anistia, após cobrança de Lula, acalma chefes das três Forças

Depois do recuo do ministro da Justiça, Tarso Genro, sobre a revisão da Lei de Anistia, forçado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a parar de criar polêmicas com os militares, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica consideraram o assunto “encerrado”. “A página está virada”, disse Jobim, após informar que se reuniu com o presidente Lula na manhã de ontem. De acordo com Jobim, Lula avisou que não trataria do tema na cerimônia em que foi apresentado aos oficiais-generais promovidos, pois já tinha mandado Tarso acabar com a polêmica e “não queria mais ouvir falar no assunto”.

Mas no final do dia, em cerimônia da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio, o presidente deu uma declaração no mínimo controversa. Lula afirmou que era preciso “transformar os mortos em heróis e não em vítimas”. A frase foi recebida com surpresa na área militar, embora ninguém queira mais discutir este assunto.

Os militares passaram o fim de semana pressionando por um pronunciamento do presidente Lula para encerrar o assunto. Mas ontem, depois de verem que o presidente mandara Tarso baixar o tom e mudar de posição publicamente e de se reunir com Jobim, além de conversar com o comandante do Exército, Enzo Martins Peri, reconheceram que um pronunciamento público do comandante-em-chefe das Forças Armadas não era necessário.

Na cerimônia de apresentação dos oficiais-generais promovidos, Jobim mandou dois recados: um para Tarso, dizendo que a pauta dele, como ministro da Defesa, é o reaparelhamento das Forças, política industrial da defesa, nacionalização da indústria bélica, melhoria da infra-estrutura na Amazônia, sugerindo que não estava interessado em tratar de anistia e tortura. Outro recado foi para os militares, ao dizer aos novos oficiais-generais que eles não têm necessidade de, “individualmente, produzir biografias”, acrescentando que “não há nenhum oficial-general que pretenda ser ele o grande chefe”. “Quer ele servir, com a capacidade individual de cada um à própria Força e à Força ao País.”

O recado de Jobim estava direcionado mais exatamente para o comandante militar do Leste, general Luiz Cesário que,apesar de ser da ativa, foi ao seminário no Clube Militar, no Rio, semana passada, em protesto contra a tentativa de Tarso de reabrir a discussão sobre a Lei de Anistia.

Ontem à tarde, em uma segunda cerimônia militar, Jobim circulou entre os integrantes do Alto Comando do Exército, cumprimentando cada um deles, inclusive o general Cesário.

O comandante do Exército, que chegou à cerimônia no Planalto, pela manhã, ao lado de Lula, foi o primeiro a dizer que o assunto estava encerrado. “O presidente falou, o ministro comentou e, portanto, o assunto está encerrado”, afirmou. “Estamos exatamente seguindo o caminho orientado pelo presidente da República que declarou ontem (anteontem) que não é um assunto para ser tratado pelo Executivo. Essa é a posição do presidente da República e qualquer coisa que se diga será recorrente”, emendou o comandante da Marinha, almirante Júlio Moura Neto.
Questionado sobre o desgaste causado pelas manifestações de Tarso, o comandante disse que “o assunto está resolvido pelo presidente e ele já deu as declarações que considera necessárias”. “O presidente sempre sabe o que faz. O assunto está encerrado”, disse o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito.

DEU EM O GLOBO

MILITARES APÓS EVENTO COM LULA: QUESTÃO ENCERRADA
Chico de Gois e Luiza Damé

O PASSADO BATE À PORTA: Durante cerimônia de promoção de oficiais-generais no Planalto, Lula mantém silêncio

Para comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, presidente já avisou que assunto está resolvido

BRASÍLIA. Depois de desautorizar os ministros da Justiça, Tarso Genro, e dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, a debaterem em público a punição aos militares que praticaram tortura durante a ditadura militar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve silêncio público sobre o assunto durante cerimônia de promoção de oficiais-generais, ontem de manhã, no Palácio do Planalto. Os comandantes militares, que participaram da solenidade, seguiram à risca a orientação de Lula. Para eles, a decisão do presidente de vetar a discussão do tema no Executivo é suficiente para encerrar, de uma vez por todas, a discussão.

Os três comandantes militares evitaram se alongar na polêmica sobre a revisão da Lei da Anistia e disseram, de forma ensaiada, que o assunto está encerrado. O comandante da Marinha, Júlio Soares de Moura Neto, declarou que o assunto está resolvido e não se fala mais nisso.

- Eu digo exatamente o que o presidente disse: o assunto já está resolvido, o presidente já tomou sua decisão, já comunicou ao país o que ele pensa, e a Marinha segue exatamente o que o presidente da República e o ministro da Defesa têm dito - afirmou Moura Neto.

"O presidente sempre sabe o que faz", diz Saito

O comandante do Exército, Enzo Peri, seguiu a mesma linha:

- Já foi falado. O presidente falou, o ministro comentou. Então, o assunto está encerrado. Assim que teve a palavra do presidente como assunto encerrado, assunto encerrado.

Já Juniti Saito, da Aeronáutica, foi lacônico:

- O presidente sempre sabe o que faz.

Os novos generais não quiseram se envolver na polêmica, provocada por declarações dos ministros Tarso Genro e Vannuchi. No Palácio, a avaliação é que Lula não precisava conversar com os comandantes para pôr panos quentes na polêmica. O presidente tem canalizado para o ministro da Defesa, Nelson Jobim, todas as questões ligadas aos militares.

DEU EM O GLOBO


'É UMA PENA HUMILHANTE'
Carolina Brígido


Ministro Marco Aurélio critica PF pela forma de prisão do grupo

BRASÍLIA. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou ontem o uso de algemas pela Polícia Federal na prisão do grupo acusado de integrar um esquema de corrupção no INSS, no Incra e na Receita Federal. Para ele, como as pessoas são investigadas por crimes financeiros, sem registros de violência física, não haveria necessidade de algemá-las. Semana passada, a Corte fixou, num julgamento, que esse instrumento só pode ser usado em casos excepcionais.

- Se não há periculosidade, se é crime financeiro, de falcatrua, o chamado crime do colarinho branco, não há necessidade de algema. A regra é o preso ser conduzido preservando-se a dignidade dele - afirmou Marco Aurélio.

O superintendente da PF em Cuiabá, Oslaim Campos Santana, disse que a algema é uma proteção tanto para o preso quanto para o policial. Ele alegou que nunca se sabe a reação de um preso.

Marco Aurélio foi relator do caso analisado pelo STF na semana passada. Coube a ele a tarefa de redigir uma súmula sobre o tema, que terá caráter vinculante - ou seja, todos os tribunais do país ficarão obrigados a seguir a mesma orientação do STF. O ministro esclareceu, no entanto, que o texto não será específico, por não se tratar de lei. Ele afirmou que a súmula determinará o uso de algemas como exceção, pois a regra seria a condução do preso sem o aparato.

- As algemas não estão proibidas terminantemente, mas a razoabilidade tem que prevalecer. Na súmula, não poderemos especificar quais são os casos em que elas podem ser usadas - lamentou Marcou Aurélio.

Por isso, na prática, a súmula não servirá para disciplinar ou coibir o uso de algemas. Mas poderá servir de argumento para presos que se sentirem constrangidos por terem sido algemados entrarem com ações na Justiça pedindo indenização ao poder público por danos morais. Para Marco Aurélio, o instrumento só pode ser usado em casos de risco de fuga ou risco de ataque do preso às autoridades ou às pessoas presentes.

- A súmula não vai frear (a prática de colocar algemas em presos). Mas talvez sirva de respaldo em ações de indenização contra o estado. Colocar algemas em Celso Pitta, Jader Barbalho, Daniel Dantas, Naji Nahas... Para quê? Só para submeter o preso à execração pública. É uma pena humilhante. Se a pessoa não vai atacar ninguém, não precisa de algema. No Brasil, não precisamos de novas leis, mas de homens públicos que respeitem as leis já existentes - disse o ministro.

Marco Aurélio informou que ainda não começou a redigir o texto da súmula. A previsão é que o trabalho não seja concluído nesta semana, porque o texto ainda será submetido a uma comissão de especialistas do STF. Depois, a súmula será levada ao plenário para ser votada pelos 11 ministros da Corte.

DEU EM O GLOBO

PF DESAFIA STF E ALGEMA 32 DE UMA SÓ VEZ
Anselmo Carvalho Pinto


A Polícia Federal prendeu e algemou 32 pessoas suspeitas de envolvimento com corrupção ontem, na Operação Dupla Face, a primeira depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou limitar o uso de algemas aos casos em que há risco de agressão ou fuga. Os presos, com investigações em Mato Grosso e mais quatro estados, são servidores públicos e despachantes. Advogados reclamaram da exposição de seus clientes, que foram fotografados e filmados no momento da prisão. A OAB de Mato Grosso protestou. O ministro do STF Marco Aurélio Mello disse que “se não há periculosidade, se é crime financeiro, de falcatrua, o chamado crime do colarinho branco, não há necessidade de algema”. O superintendente da PF em Cuiabá, Oslaim Santana, defendeu o uso de algemas: “Depois que alguém é preso, nunca se sabe qual é a sua reação.”

Em SP, pai e avô acusados de tentar matar uma jovem fizeram acordo com a Polícia Civil para não serem algemados no momento da prisão.


Algemas para todo mundo

PF contraria STF e, na primeira operação após decisão dos ministros, imobiliza 32 presos

Na primeira grande operação desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou a decisão de limitar o uso de algemas no Brasil, a Polícia Federal prendeu e algemou ontem 32 pessoas envolvidas com corrupção na superintendência do Incra e na Receita Federal de Mato Grosso. Os presos são suspeitos de receber propinas para a liberação de certidões para a venda de propriedades rurais, entre outros crimes. Advogados dos presos protestaram contra a exposição dos clientes, que foram, inclusive, fotografados com as algemas ao serem presos. A operação foi batizada de Dupla Face pela PF.

A Justiça Federal em Cuiabá expediu 34 mandados de prisão e 65 de busca e apreensão de documentos nas cidades de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul e, principalmente, Mato Grosso, onde funcionava a base do esquema.

Vinte e oito prisões foram cumpridas em Cuiabá. Os mandados de prisão são contra 13 servidores do Incra, três da Receita Federal e 16 despachantes, que faziam a intermediação entre os servidores e as pessoas interessadas em obter benefícios nos órgãos públicos. Entre os presos está o procurador do Incra Antônio Reginaldo Galdino Delgado. Segundo o delegado federal Luciano de Azevedo Salgado, responsável pelo inquérito, o procurador do Incra "dava pareceres favoráveis aos interesses da quadrilha". Até a noite de ontem, a PF ainda procurava duas pessoas cujos nomes não foram revelados.

OAB de Mato Grosso protesta contra PF

O advogado José Petan Toledo Piza, que defende nove presos, entre eles o procurador Delgado, protestou na frente do prédio da PF contra o uso das algemas.

- São todos funcionários públicos, eles não oferecem perigo. Por que algemá-los? Talvez para contrapor a decisão do STF. Agora, as algemas já os condenaram perante a sociedade - disse o advogado.

Toledo Piza informou que ontem mesmo iria entrar com o pedido de relaxamento da prisão de seus clientes. Outros dois advogados, que não quiseram se identificar, também condenaram a exposição dos detidos.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Mato Grosso protestou contra a operação. O presidente da entidade, Francisco Faiad, anunciou que vai ouvir os depoimentos dos presos e enviá-los à Justiça Federal de Cuiabá e ao Ministério da Justiça, a quem a PF está subordinada. Ele quer punição aos policiais federais envolvidos na operação.

- O que houve aqui foi um abuso de autoridade. Mais um espetáculo para a mídia - disse Faiad.

No último dia 7 de agosto, o STF anulou a condenação do pedreiro Antônio Sérgio da Silva, de Laranjal Paulista, por homicídio sob o argumento de que sua permanência algemado perante o júri popular influenciou no veredicto que fixou a pena em 13 anos e seis meses de prisão por ter assassinado, a facadas, o marceneiro Marcos Djalma de Souza Soares.

Superintendente da PF defende algemas

Com a decisão, o Supremo estabeleceu que o uso de algemas só pode ocorrer quando há "evidente perigo de fuga ou violência" por parte do preso. A decisão deve se transformar em súmula vinculante, mecanismo segundo o qual as instâncias inferiores terão que seguir o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal ou tribunais superiores. Por enquanto, a decisão só vale para o caso específico do pedreiro de Laranjal Paulista, que será submetido a um segundo julgamento. O STF ainda precisa redigir e votar a redação da súmula vinculante para que ela passe a ter validade, o que será feito nas próximas semanas.

O superintendente da PF em Cuiabá, Oslaim Campos Santana, defendeu o uso das algemas. Segundo ele, trata-se de um procedimento padrão adotado em operações policiais.

- A algema é uma proteção tanto para o suspeito quanto para o policial. Depois que alguém é preso, nunca se sabe qual é sua reação. E se, por um acaso, nós o prendermos por um crime menor e o cidadão cometer um homicídio? Ele pode ter uma reação violenta - disse Oslaim Santana.

Segundo o delegado, o manual de procedimentos da PF estabelece o uso das algemas e a proteção da imagem do acusado. Na Operação Dupla Face, no entanto, os presos foram filmados e fotografados pelas equipes de reportagem. No final da tarde, a PF os levou em um ônibus para realizar exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML). Também neste momento a imprensa conseguiu registrar novas imagens dos presos com as algemas.

A operação foi batizada de Dupla Face em razão de a maior parte dos acusados ser formada por servidores públicos, que "aparentavam possuir conduta ilibada, entretanto se locupletavam ilicitamente através de habitual recebimento de propina", segundo a PF.