segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Totalmente fora de controle


Lucia Hippolito
DEU EM O GLOBO ONLINE


É grave a denúncia de que o telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal foi grampeado.


Grave porque revela que o Planalto perdeu o controle sobre o aparato de segurança. Isto já aconteceu no Brasil, e não foi nada bom.

Quando os porões tomam o controle, é preciso uma aliança entre as forças verdadeiramente democráticas, não importa em que partido estejam, nem se são governo ou oposição.

A Abin, que está no centro das suspeitas, é órgão da Presidência da República. Deve prestar contas diretamente ao presidente.

Mas nada indica que o próprio presidente Lula não tenha sido, ele também, grampeado. Por que não? Se a audácia desta gente vai ao ponto de grampear o presidente do Poder Judiciário, por que não aproveitar e não grampear também o presidente da República?

Já se sabe que a Polícia Federal gravou conversas entre o chefe do gabinete particular do presidente da República, Gilberto Carvalho, e o ex-deputado petista e advogado de Daniel Dantas, Luis Eduardo Greenhalg.

Se chegaram até a ante-sala do presidente Lula, o que os impede de grampear a própria sala do presidente?

E não me venham com o argumento de que só está havendo esta indignação toda porque se trata do presidente do Supremo. Isto é demagogia barata.

É tão grave grampear o presidente do STF como foi gravíssimo violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo.

É tão grave grampear o presidente do STF como invadir o escritório do ex-deputado José Dirceu para roubar apenas a CPU de seu computador.

É preciso identificar rapidamente a origem destas ações.

Afinal, do que se trata?

É disputa interna entre a Polícia Federal e os arapongas da Abin?

É disputa entre grupos da Polícia Federal e grupos da Abin?

É disputa de poder dentro do PT, envolvendo o ex-deputado José Dirceu e o ministro da Justiça, Tarso Genro, este, superior hierárquico da Polícia Federal?

Não faz tanto tempo assim, uns 30 anos, mais ou menos, o Brasil viva sob o domínio do medo, com o aparato de segurança inteiramente fora do controle.

Os porões ganharam autonomia, e só um presidente autoritário como o general Geisel foi capaz de dar um soco na mesa e impor um certo controle.

Mas o aparato de repressão ganhou novo ânimo durante o governo Figueiredo, e tudo acabou na bomba do Riocentro.

Por isso mesmo, em boa hora o presidente Lula decidiu reunir-se com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo.

Espera-se de sua Excelência uma atitude firme sobre o assunto. Lula conhece muito bem o valor da democracia. Afinal, se não fosse por ela, ele jamais teria chegado à presidência da República.

Governo, STF e Congresso se mobilizam contra grampos

Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Lula faz reunião de emergência com Supremo; situação de Lacerda é delicada

O presidente Lula recebe hoje, às 9h, o presidente do STF, Gilmar Mendes, e mais dois ministros da Corte para reunião de emergência na qual tratarão do caso da escuta ilegal dos telefones do magistrado. Segundo o Palácio do Planalto, há suspeitas de que o grampo esteja fora de controle e de que até ramais internos do gabinete presidencial tenham sido monitorados. "Alguma mudança deve ser anunciada ao longo do dia. Afinal de contas, é o presidente do Supremo", disse o ministro das Relações Institucionais, José Múcio. O assunto será alvo de avaliação especial em reunião do grupo de coordenação política do Planalto, com a presença de Lula. O Congresso vai convocar o diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Félix. A situação de Lacerda é considerada delicada. Ele disse duvidar da participação de servidores da Abin.

Planalto faz reuniões de emergência para preparar reação à denúncia de escuta ilegal

Sob pressão do Judiciário e do Legislativo por uma resposta às denúncias de grampos clandestinos supostamente feitos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe hoje de manhã, em reunião de emergência, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, um dos alvos da escuta ilegal. O comando do governo silenciou durante os últimos dois dias e só hoje, depois do encontro com Gilmar e de reunião da coordenação política, com o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Jorge Félix, o presidente deve se pronunciar publicamente.

- Até o fim do dia, alguma mudança deve ser anunciada. Afinal de contas, é o presidente do Supremo - disso ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro.

A avaliação feita ontem por integrantes do Planalto é que o governo perdeu o controle de supostas ações de arapongagem da Abin. No Planalto, uma das versões é que Lula e outros membros do governo podem ser também vítimas de escutas ilegais.

Nos últimos dias, Lula chegou a ser alertado por auxiliares sobre a possibilidade de monitoramento ilegal até mesmo dos ramais do gabinete presidencial. Cresceu o desconforto no núcleo do governo com o flagrante da revista "Veja", que divulgou no fim de semana a transcrição de conversa grampeada entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

A percepção é de que o STF, o Congresso e o Executivo transformaram-se em alvo da disputa entre setores da Abin e da Polícia Federal. Segundo um interlocutor de Lula, é grande o incômodo do presidente com a atuação do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda.

"Isso não pode ficar sem resposta"

A desconfiança de que até Lula pode ser alvo de arapongagem cresceu no fim de semana, com a informação de que os ministros José Múcio e Dilma Rousseff (Casa Civil), além do chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, também teriam sido grampeados pela Abin. Lula deve determinar ao general Jorge Félix uma apuração interna sobre a grampolândia instalada em Brasília.

- É um absurdo o fato de o presidente do Supremo ter sido grampeado. Isso não pode ficar sem resposta. Isso é muita afoiteza. É preciso saber de onde partiu essa ação. Lamento que essa situação tenha chegado neste ponto. Estamos debaixo de um grande tiroteio que não é nosso - disse Múcio, sem citar a guerra entre PF, Abin e Judiciário. Ele comentou o fato de ser um dos alvos:

- Nada do que conversei ao telefone me preocupa. Mas é horrível ter sua vida privada bisbilhotada.

Segundo dois interlocutores do presidente ouvidos ontem, a situação de Lacerda é delicada, principalmente depois que ele disse à CPI do Grampo que não havia escuta ilegal. No Planalto, a avaliação é que há um núcleo paralelo de inteligência na Abin desde que Lacerda deixou o comando da PF e entrou no órgão, apesar de ele ter negado isso em seu depoimento.

Alencar diz que escuta é abominável

Houve forte contrariedade no gabinete presidencial com a participação de agentes da Abin na Operação Satiagraha, da PF, no que foi considerado um desvio de função. Já na ocasião, no Planalto, houve suspeita de escutas no governo. Nos grampos da Satiagraha há conversas entre o secretário particular de Lula, Gilberto Carvalho, com o advogado e ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). O Planalto foi surpreendido com a divulgação do diálogo pela imprensa.

Apesar da crise, o Planalto não divulgou nota. O vice-presidente José Alencar disse ontem, em visita à Expointer, feira agropecuária em Esteio (RS), que considera "abomináveis as escutas de qualquer natureza".

- Temos que dar um jeito de acabar com essas escutas.

Oposição quer demissão de Paulo Lacerda
Mônica Tavares e Isabel Braga

BRASÍLIA. Líderes de oposição defenderam ontem a demissão de dirigentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em especial a do diretor--geral, Paulo Lacerda. O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), já fala em impeachment do presidente. Ele diz que Lula pode ser enquadrado em crime de responsabilidade, porque é o responsável pela Abin e os outros órgãos de investigação. O presidente da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, Heráclito Fortes (DEM-PI), articulou reunião de emergência para hoje e vai tentar ouvir imediatamente o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Jorge Félix, e Paulo Lacerda. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), quer a convocação de Lacerda para explicar as denúncias de grampo clandestino.

Rodrigo Maia estuda o artigo 7 da lei 1.079/50, em que são considerados crimes de responsabilidade "contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais", entre outros, "servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua".

- Ou o presidente toma uma atitude contundente em relação ao responsável pelo ocorrido, o diretor da Abin, ou a responsabilidade é dele. Se a responsabilidade é dele, Lula se enquadra na lei de crime de responsabilidade, que gera o impedimento, o impeachment - disse Maia.

Integrantes dos principais partidos de oposição divulgaram notas condenando o suposto grampo ilegal nos telefones do presidente do STF, Gilmar Mendes, do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e de autoridades dos três poderes.

Heráclito Fortes cobra uma atitude rápida de Lula: "Neste momento crítico, a intervenção da Presidência nesses órgãos, com o afastamento dos seus titulares, mostraria que o governo central não é conivente com esses métodos de atuação".

Chinaglia pretende discutir com Gilmar e líderes da Câmara iniciativas a serem tomadas:

- Se não havia autorização, se foi um grampo ilegal, é extremamente grave. Porque é grave fazer contra qualquer cidadão. Contra senador e presidente do Supremo, é inacreditável! Se alguém agiu errado, vai ter que pagar por isso, e se há vácuo legislativo, vamos ter que cobrir.

O presidente do PPS, Roberto Freire, foi além e pediu a demissão de Jorge Félix. Para ele, só assim Lula demonstrará "que não está conivente com a ação de arapongas". Os tucanos reúnem a executiva, na quarta. Em nota, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse que se trata de um atentado contra os valores democráticos.

O líder Henrique Fontana (PT-RS) pediu investigações, mas reagiu à oposição:

- A obsessão acusatória da oposição em relação ao governo e ao presidente é marcada pela idéia de golpismo. Vivemos um período de um governo que preza o estado de direito, tanto que as instituições estão funcionando e 99% das investigações são legais, autorizadas pela Justiça e estão pegando peixes grandes.

Metáfora e pequena história no varejo


Wilson Figueiredo
DEU NO JORNAL DO BRASIL

A dois passos dos 80 anos e com meio século de vida pública nas costas, o senador José Sarney ocupa semanalmente na Folha de S. Paulo um espaço raramente visitado por suas opiniões políticas. O cronista se poupa. Mas, fora da sua coluna, trata de questões que movem o universo brasileiro.

Quando cuida de política, Sarney se dirige ao mesmo tempo a dois tipos de ouvinte (no caso, leitor), quais sejam, os políticos e os cidadãos comuns. Sabe com quem está lidando.

Para não patinar no lugar comum, Sarney não sacou ­ em entrevista dada à Folha ­ que o presidente Lula fará o seu sucessor. O ex-presidente trocou a certeza pela dúvida de que "o futuro presidente possa ser escolhido sem o apoio de Luiz Inácio Lula da Silva". É a mesma coisa pelo avesso, mas sem presunção. A sucessão já está definida no inconsciente coletivo brasileiro.

E não apenas por merecimento de Lula, mas também por demérito da oposição. O próprio Lula não iria perder a oportunidade de posar para a História no episódio do terceiro mandato. Com ou sem o terceiro, o PMDB não tem estoque de voto direto para bancar candidaturas. O avô de todos os partidos não se dá bem em eleição presidencial. Contenta-se com a indicação do vice.

Considerando que Sarney se dirigia com prioridade ao PT, conclui-se que adiantou, como quem não quer muito, opinião favorável à aliança com o PMDB em torno de uma parelha para 2010. Ao contrário do atual, o cuidado com o uso das palavras é inseparável do ex-presidente. Foi taxativo sem ênfase: "se depender de mim, o MDB vai para uma aliança com o presidente Lula".

Claro que não dependerá dele, que já adiantou nas entrelinhas o recado subliminar a leitores especiais. E Lula, como fica? Cada um para um lado, PMDB e PT ilustram o ditado ornitológico segundo o qual dois bicudos não se beijam. Dois anos são suficientes para Sarney chegar aos 80 anos e o petismo semear brigas e fazer um estrago na confusão de candidaturas a governador e a presidente. O ex-presidente Sarney aprendeu política com a primeira geração da UDN, de forte presença liberal na Constituinte de 1946 e participação nas crises que levaram à final de 1964.

Coube à segunda geração udenista, da qual faziam parte, entre outros, José Sarney e Aureliano Chaves, abrir a cisão no partido do governo e patrocinar a solução de menor risco político depois de enterrada as Diretas já. A alternativa estratégica empenhou José Sarney, Aureliano Chaves e Marco Maciel na cisão do PDS, batizada de Frente Liberal, e juntá-la ao PMDB na Aliança Democrática. Tancredo Neves presidente e José Sarney vice. Criou-se o acesso à democracia e se desatou o nó cego. O PT, vesgo do olho esquerdo, se manteve à margem como menino birrento e recusou a eleição indireta porque só admitia a direta. O vice-presidente Sarney chegou à presidência por uma porta estreita, Tancredo Neves sairia morto pela porta da frente.

Também não se cruzaram na passagem de governo o último presidente militar que saia e o primeiro civil que entrava. O último presidente militar e o primeiro civil não colidiram protocolarmente porque o general João Batista Figueiredo recusou-se a entregar pessoalmente os poderes do cargo ao primeiro civil da nova série, que repetiu a solução de Floriano Peixoto, que se recusou a passar o poder a Prudente de Moraes, o primeiro presidente civil.

Não é metáfora, mas a História do Brasil, no tortuoso curso a caminho da democracia. Não há candidatura (Lula não vale) capaz de unir dois partidos separados por meios e fins, como o PMDB e o PT demonstram. O primeiro quer distância das reformas de que se fala para não serem feitas.

O segundo concorda com a democracia apenas como atalho que, pela esquerda, leve mais longe do que a vista alcança numa eleição. Entre os dois, Lula balança. Com dois anos de antecedência, dificilmente a aliança do PT com o PMDB pode ser viável, e muito menos duradoura.

A não ser que se juntassem para obrigar o PSDB a honrar a responsabilidade oposicionista. Ninguém sabe como andará o Brasil em 2010 e as pesquisas não querem competir com os cegos que na Antiguidade tinham o dom de ver o que espera os governantes além do presente.

O Estado e a violência


Claudia Costin
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Em matéria recente sobre diagnósticos e propostas de campanha para as eleições deste ano, o Estadão comenta a contínua queda dos índices de homicídios na cidade de São Paulo. Os números são surpreendentes: passamos de 52,58 mortes por 100 mil habitantes, em 1999, para 14 no ano em curso. A melhoria dos índices, comemorada pelo governo federal como resultante da melhoria da economia e pelo governo estadual paulista como fruto do esforço em aprimorar o desempenho das polícias, é conseqüência, na verdade, de múltiplos fatores, que certamente incluem esses dois. A pobreza diminuiu, a classe média aumentou, assim como o emprego formal, e a polícia conta, de fato, com instrumental melhor para sua atuação.

Esta melhoria merece ser comemorada, mas deve trazer, como bem mostra a matéria do jornal, um aprofundamento da análise que permita uma intervenção pública mais efetiva. Há uma regionalização do crime, em que bairros com pior infra-estrutura são os que apresentam maior número de mortes violentas. Outras formas de violência, como roubos, furtos e agressões, prosseguem a taxas elevadas. Também prospera o tráfico de drogas, que sustenta o crime organizado. Aqui, a matéria enfatiza o papel das prefeituras em prevenção, especialmente combatendo a existência de guetos de pobreza e desigualdade.

No mesmo dia em que saiu a matéria do Estadão, noticiava-se que 13 pessoas ficaram feridas, entre elas uma criança de 11 anos, depois que uma granada explodiu na saída de um baile funk na Favela de Antares, no Rio de Janeiro. A explosão teria sido causada por um traficante que, dançando com o artefato na mão, deixara a granada cair acidentalmente. Em conseqüência, outros responsáveis pelo tráfico o condenaram à morte.

Na verdade, o problema da violência exige uma abordagem que integre diferentes políticas públicas e níveis de governo. Comecemos pelo fator mais simples: há fortes evidências de que o crescimento econômico tem forte impacto sobre a violência e o crime. Não é por acaso que os países mais pobres do mundo, como mostra Paul Collier em seu excelente Bottom Billion, são os mais sujeitos a guerras civis - 73% da população dos países que reúnem os 980 milhões de pessoas que se tornaram aprisionadas na pobreza, segundo o autor, esteve recentemente em guerra civil ou ainda está. Quando não se tem esperança de um futuro melhor, a violência pode parecer um caminho interessante e mesmo uma oportunidade de negócio e poder.

Além da economia, o investimento em educação gera possibilidades de reverter o quadro de “guerras urbanas”, em especial se a educação puder ser percebida pelos mais pobres como de alta empregabilidade. Nesse sentido, chama a atenção relatório do Centro Paula Souza que demonstra que seus formandos em cursos superiores de tecnologia apresentam 92% de índice de empregabilidade nas áreas em que estudaram e os de ensino médio profissionalizante, 86%. Há uma demanda importante por esse tipo de profissional e aumentar a atuação do poder público nesse segmento faz muito sentido.

A política cultural pode contribuir também, ao ampliar as percepções sobre fontes de lazer, não as restringindo ao clássico boteco do fim de semana, causa principal dos conflitos com morte entre jovens de sexo masculino. Mas a cultura ajuda inclusive a tornar menos restrito, e potencialmente menos sujeito à violência, o uso do tempo livre dos jovens de classe média. Falta de acesso à cultura pode ser um dos fatores que levam alguns jovens de elite a associar prazer apenas com velocidade, brigas, humilhação e agressões a prostitutas ou empregadas domésticas, ou consumo de substâncias alucinógenas. O contato com as artes, ao mobilizar energias criativas de jovens de diferentes segmentos sociais, seja para o usufruto ou para o protagonismo cultural, pode ser um elemento importante na prevenção de violência. Os esportes desempenham papel assemelhado. Crianças e jovens que, após a escola, podem praticar, com regularidade, esportes que permitam que se destaquem e obtenham um lazer agradável são, comprovadamente, menos sujeitos ao recrutamento do narcotráfico.

Mas há algo de muito concreto que prefeitos de megalópoles podem fazer para eliminar focos de violência associados ao crime organizado: garantir uma forte presença do Estado em áreas onde hoje existe um poder paralelo a fornecer “serviços públicos”, como a Máfia fazia em seus áureos tempos. Traficantes em diferentes capitais do País cuidam das viúvas, oferecem emprego, lazer (como o baile em que a bomba explodiu por descuido) e poder à juventude e autorizam, se conveniente, a entrada do poder público para vacinar as crianças, de ONGs ou igrejas que aceitem a regra do silêncio ou mesmo se ponham a serviço dos grandes chefes. Isso não pode ser aceito! O Estado tem um papel a cumprir e não pode conviver com a existência de territórios sem lei.

Nesse aspecto, Bogotá nos dá um exemplo a ser copiado. No combate aos narcotraficantes, fez uma intervenção em áreas por eles controladas, instalando ali bibliotecas-modelo, escolas modernas construídas e geridas por organizações sociais, centros desportivos e culturais e, naturalmente, presença visível e atuante da polícia.

É fundamental não tolerar essa lógica perversa da violência que destrói vidas e dissemina insegurança. E o enfrentamento dessa visão distorcida demanda a promoção de uma ética do esforço, o respeito às leis e regras sociais básicas, a valorização do trabalho do policial (que aparentemente não ousamos fazer, por associarmos essa idéia à ditadura) e o investimento em políticas públicas integradas, em especial uma educação de qualidade que promova empregabilidade e autonomia.

Claudia Costin, vice-presidente da Fundação Victor Civita e professora do Ibmec-SP, foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado e secretária da Cultura do Estado de São Paulo

O Judiciário julga, não legisla


Paulo Brossard
DEU ZERO HORA (RS)

Não sei quem disse que, como o Congresso não legislava, amordaçado pela quantidade de medidas provisórias, o STF passou a legislar de modo a suprir a deficiência parlamentar.

Divulgada a versão, a que não faltavam ingredientes factuais verdadeiros, passou a ser repetida por gregos e troianos, como expressão corrente de uma realidade. Até o presidente do Senado repetiu a sentença. Parece-me equivocada a assertiva, não quando aponta o excesso de MP como causa do mau funcionamento do Legislativo, que tenho como exata, mas quando afirma que o STF, em conseqüência, passou a legislar substituindo o Congresso.

Não que o Poder Judiciário, no exercício regular do poder jurisdicional, não complemente a lei, suprindo suas eventuais lacunas, ou lhe atribuindo entendimento novo, senão construindo a seu modo dimensões novas a leis antigas. Afinal, quem tem de aplicar a lei tem de interpretá-la e ao fazê-lo fixa seu alcance. Não é isso, no entanto, que tem sido proclamado como verdade inconcussa, o Judiciário teria exercido atribuição do Congresso em razão de omissão dele.

Esse entendimento é que não me parece correto.

O Judiciário não tem usurpado atribuições legislativas, pelo menos nos julgamentos que recentemente têm despertado a atenção e o interesse de largas faixas da população, seja pela densidade humana de determinadas questões, seja pela novidade de algumas delas, seja ainda pela divulgação que os julgamentos normalmente não tinham e que passaram a ter pelo fabuloso poder da televisão, hoje implantada nas salas dos tribunais.

Mas, até onde sei, o Judiciário não tem invadido o que seria próprio do parlamento. O que tem acontecido ou pode acontecer é que a reflexão maior, o estudo mais acurado, fatos novos, experiências diferentes, tenham erodido interpretações dominantes, que pareciam definitivas e que essa mudança tenha decorrido apenas de um reexame dos fundamentos das mesmas leis.

Vou dar um exemplo: Suponho que o primeiro julgamento a mudar antiga orientação que parecia irretocável foi o referente à denominada fidelidade partidária. Não saberia dizer quando firmei a convicção de que o mandato eletivo não pertence exclusivamente ao partido, ou ao eleito, mas que seria um condomínio em que dois são titulares, um pessoa jurídica e outro pessoa física.

A propósito, a tese uma vez foi vitoriosa no Tribunal de Justiça rio-grandense e por unanimidade; um candidato a deputado, não tendo sido eleito e ficado como primeiro suplente, desligou-se do partido pelo qual concorrera, e ingressou em outro.

Vagando um lugar na bancada do partido que abandonara, pretendeu ocupá-lo, foi obstado pelo partido que seria lesado em sua representação e pela decisão unânime do Tribunal de Justiça. Bem mais tarde, caso semelhante chegou ao TSE e ao STF e em ambas as Cortes, por maioria, prevaleceu a tese contrária.

Passados alguns anos, a migração partidária tomou proporções constrangedoras. No próprio dia da posse, a representação popular desenhada nas urnas mudava de perfil e o TSE veio a reexaminar a questão e o STF, em memorável decisão, depois de anos passados, também por maioria, reformulou sua anterior orientação. Invadiu atribuição legislativa? Não. Deu nova interpretação à mesma lei.

O Congresso poderia ter mudado a lei? Poderia, mas não o fez. Por motivação exclusivamente jurídica, sempre entendi que não era a melhor exegese adotada pelo Judiciário e, 18 anos depois de ter ficado vencido em ambos as Cortes, vim a festejar a orientação que, por fim, sempre me parecera a correta. Mudando o entendimento, ainda por maioria, o Judiciário decidiu a questão no exercício de suas atribuições regulares. Alegada uma lesão de direito, o Judiciário conhece e julga a pretensão.

É certo que a Constituição ampliou o acesso ao Supremo. O que era prerrogativa do procurador-geral da República até 1988 foi alargado e muito. E o número de Adins, bem ou mal fundamentadas, ganhou relevo na pauta da Corte Suprema.


*Jurista, ministro aposentado do STF

Kassab e o desafio do 19° lugar


César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O instituto da reeleição impregnou o processo eleitoral brasileiro de conservadorismo, conforme observa o cientista político Alberto Carlos Almeida, em seu livro "A Cabeça do Eleitor". A posse dos instrumentos de administração, conjugado aos exíguos prazos para se fazer campanha no Brasil, normalmente tornam o presidente, prefeito ou governador um dos pólos da eleição. A disputa tende a reduzir-se a um plebiscito: de um lado o administrador a pedir a renovação de seu mandato, do outro o adversário que com mais eficiência consegue encarnar o sentimento da oposição.

Nenhum dos dois presidentes que se candidataram à reeleição no Brasil deixou de polarizar a corrida eleitoral e são raríssimos os casos de governador ou prefeito de capital que fracassaram em chegar ao segundo turno.

Dos 20 prefeitos de capital candidatos a um segundo mandato este ano, a metade aparece como reeleita no primeiro turno pelas pesquisas de opinião. Outros sete teriam que lutar pela recondução em um segundo turno, correndo riscos. Apenas três estão fora da polarização : o paulistano Gilberto Kassab (DEM), o soteropolitano João Henrique Carneiro (PMDB) e o manauara Serafim Corrêa (PSB).

Em intenção de voto, Kassab aparece como o penúltimo entre os que tentam se reeleger, segundo compilação de pesquisas feita pelo colunista Fernando Rodrigues, do Portal UOL. Se existisse um ranking, seria o 19º colocado. O fato de Kassab não ter sido originalmente eleito em 2004 é um complicador para o prefeito paulistano, mas não a única razão de seu desempenho. Na mesma situação, Edvaldo Nogueira (PC do B) em Aracaju e Iradilson Sampaio (PSB) em Boa Vista lideram a disputa em suas capitais.

O retrospecto das campanhas de 2000 e 2004 mostra uma relativa estabilidade de prefeitos candidatos à reeleição nas pesquisas. O movimento nas pesquisas, quando acontece, costuma ser descendente. .

O prefeito ainda precisa melhorar avaliação

Os aliados e assessores de Kassab gostam de lembrar que o eleitor paulistano tem dificuldade de identificar Kassab com a sua gestão, e daí deduzem que o prefeito paulistano tem alto potencial de crescimento. A última pesquisa Datafolha mostrou uma situação que beira o inverossímil. Dos que consideram a administração kassabista boa ou ótimo, apenas 30% votam no autor da obra. Outros 27% preferem o tucano Geraldo Alckmin e o mesmo percentual opta pela petista Marta Suplicy. Já os que detestam o governo de Kassab fazem uma opção muito clara: Marta consegue neste segmento 57%, tornando-se a cara da oposição em São Paulo.

Nenhum dos outros concorrentes a prefeitura este ano é tão pouco identificado com a própria gestão quanto Kassab. Em Porto Alegre, José Fogaça (PMDB) consegue 62% das intenções entre os eleitores que aprovam sua administração, João Henrique alcança 41% neste cruzamento e assim por diante.

Portanto bastaria identificar Kassab com seu governo que a transferência de votos para o DEM seria imediata. Nem governo, nem oposição, o tucano Alckmin definharia, enquanto o prefeito pavimentaria seu caminho para o segundo turno. Os aliados e assessores de Kassab divulgam a tese escorados nos estudos de Almeida. No livro lançado este ano, o cientista político amplamente citado pelo DEM tenta demonstrar que a aprovação ou não de uma administração é uma variável que sobrepuja todas as outras na definição de voto.

Parece evidente que o crescimento de Kassab nas últimas pesquisas se explica por esta lógica. O problema é o horizonte que o prefeito terá para continuar crescendo entre os que aprovam sua gestão. O próprio livro de Almeida mostra que os kassabistas partem de uma premissa errada: a avaliação do prefeito paulistano não é boa o suficiente para, por si só, deixá-lo em condições de ser reeleito. Está muito longe disso. Confrontando 40 pesquisas com o resultado eleitoral entre 2000 e 2004, a maior parte dos quais no Rio de Janeiro, Almeida concluiu que todos os prefeitos - sem exceção - que estavam com aprovação abaixo de 40% perderam a eleição. E a imensa maioria dos que estavam acima dos 45% ganhou. Na faixa intermediária há uma zona cinzenta, em que outras variáveis prevaleceram.

De acordo com a pesquisa Datafolha, a aprovação de Kassab é de 44%. Está com viés de alta e é muito melhor que as de João Henrique e Serafim Corrêa, que mal conseguem a metade deste índice. Trata-se de um percentual próximo aos obtidos pelos prefeitos sujeitos ao segundo turno, como Luizianne Lins (PT) em Fortaleza; Dario Berger (PMDB) em Florianópolis e Fogaça em Porto Alegre.

A diferença é que nenhum dos três enfrenta simultaneamente um ex-governador e uma ex-prefeita integrantes dos partidos que venceram as últimas duas eleições, como é o caso de Kassab, um estreante em disputas majoritárias.

Desconhecidos totais ganharam eleições no passado, como Celso Pitta em São Paulo e Luiz Paulo Conde no Rio de Janeiro em 1996. Márcio Lacerda está repetindo o feito este ano em Belo Horizonte. Mas Pitta e Conde tinham - e Lacerda tem - patronos para os sustentar. Com o governador José Serra constrangido pela fidelidade eleitoral a não fazer campanha por Kassab, o candidato do DEM terá dificuldade em sair da areia movediça puxando para cima os próprios cabelos, como o personagem Barão de Munchausen fazia em suas aventuras, para a diversão das crianças. Ninguém pode ser o Pitta ou o Conde de si mesmo. Segundo especialistas em pesquisas que colaboraram com o DEM recentemente, Kassab ainda precisaria crescer sua avaliação positiva em pelo menos dez pontos, o que significa dobrar tudo que aconteceu desde o começo da campanha , para poder polarizar com os petistas. Está longe de ser impossível. Mas em disputas majoritárias será algo próximo do inédito.

César Felício é repórter de Política em São Paulo. O titular da coluna, às segundas-feiras, Fabio Wanderley Reis, excepcionalmente, não escreve hoje

Em nota pública, PPS repudia "espionagem" contra o presidente do STF


Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS

O PPS quer uma investigação independente do episódio, comandada pelo Ministério Público, e afirma, na nota, que tomará medidas judiciais e também legislativas para tornar sem efeito o decreto que dá acesso automático da Abin às bases de dados da Polícia Federal, Receita Federal, Exército, Marinha e Aeronáutica. A nota é assinada pelo presidente do partido, Roberto Freire.
O PPS emitiu nota de repúdio à “espionagem” da Abin, na qual pede a demissão do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Jorge Felix, e de toda a diretoria da agência, por causa da escuta realizada em ligação telefônica entre o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O diálogo foi divulgado pela revista “Veja”.

Na avaliação do PPS, essa é a única alternativa “para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstre que não está conivente com a ação de arapongas sobre o Poder Judiciário ou reconheça não ter conhecimento e controle do que se passa em um órgão tão próximo de seu gabinete”.

Para o partido, a ação dos arapongas coloca “em risco o equilíbrio dos poderes e a instutionalidade democrática”. O PPS quer uma investigação independente do episódio, comandada pelo Ministério Público, e afirma, na nota, que tomará medidas judiciais e também legislativas para tornar sem efeito o decreto que dá acesso automático da Abin às bases de dados da Polícia Federal, Receita Federal, Exército, Marinha e Aeronáutica. A nota é assinada pelo presidente do partido, Roberto Freire. Leia a íntegra abaixo:

“Nota de repúdio ao estado policial

Está em risco o equilíbrio dos poderes e a institucionalidade democrática. O ato de espionagem sobre o presidente do Poder Judiciário evidencia uma visão de quem acredita que tudo pode, base do estado policialesco, que muitas vezes levou à ditadura.

O Partido Popular Socialista repudia mais esse episódio de escuta telefônica ilegal promovida pela Agência Brasileira de Inteligência na mais alta corte judiciária do país e vem a público advertir que o estado policial no Brasil está se tornando uma realidade. O “grampo” no STF, instância máxima de um poder independente e autônomo, atinge a democracia e o estado republicano. A sociedade não pode assistir, passivamente, a tamanho atentado ao estado de direito.

O PPS exige a demissão dos responsáveis pelos órgãos que praticaram a espionagem, a começar pelo chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ligado diretamente à Presidência da República, e também de toda a direção da Abin. O partido não vê outra alternativa a não ser esta, para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstre que não está conivente com a ação de arapongas sobre o Poder Judiciário ou reconheça não ter conhecimento e controle do que se passa em um órgão tão próximo de seu gabinete.

Em nenhuma democracia se admite ações tão degradantes quanto a perpetrada contra o Poder Judiciário. O caso é de extrema gravidade e demanda uma investigação independente, comandada pelo Ministério Público.

Por outro lado, como medida contra escalada do estado policialesco, o PPS entrará com ação judicial e tomará medidas legislativas para sustar os efeitos do decreto 6.540, de agosto de 2008, que permite acesso automático da Abin às bases de dados da Polícia Federal, Receita Federal, Exército, Marinha e Aeronáutica, por entender que essa abertura expõe todos os cidadãos a ações de um estado paralelo.

A democracia, o estado de direito e os preceitos republicanos não podem sucumbir aos objetivos espúrios de poucos que querem substituir pela ditadura – usando métodos que mantêm ares de normalidade democrática – a liberdade que com tanto esforço e sacrifício foi conquistada pelo povo brasileiro.

Roberto Freire
Presidente Nacional do PPS”