terça-feira, 9 de setembro de 2008

Além dos números


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Um trabalho da equipe do cientista político da PUC do Rio de Janeiro Cesar Romero Jacob, que reúne pesquisadores brasileiros e franceses, publicado na edição de setembro da revista Alceu, dá boas indicações para se entender o que está acontecendo com os votos nas duas principais capitais do país, Rio e São Paulo, e que conseqüências podem ter as eleições municipais para a eleição presidencial de 2010. O artigo, com 50 mapas por zonas eleitorais do TRE, e por Áreas de Ponderação da Amostra, do IBGE, para os dados socioeconômicos, mostra a correlação entre a votação das eleições municipais de 2002 e a eleição presidencial de 2006, assim como já haviam feito com as eleições municipais de 1996 e 2000 e as presidenciais de 1998 e 2002.

Um primeiro ponto a destacar: diferentemente de eleições anteriores - quando se verificou um descompasso entre as votações dos candidatos a presidente pelo PSDB, Fernando Henrique Cardoso, em 1998, e José Serra, em 2002, e o desempenho dos candidatos desse partido a prefeito, José Serra, em 1996, e Geraldo Alckmin, em 2000, com os candidatos do PSDB a presidente tendo ótimas votações na capital paulista e os seus postulantes a prefeito não tendo desempenho semelhante - houve uma convergência dos resultados obtidos por Serra, para prefeito em 2004, e por Alckmin, para presidente em 2006, "o que se constitui num fato novo na política paulistana".

Esta mudança, segundo o estudo, deve-se ao enfraquecimento do malufismo, atingido por uma sucessão de denúncias de corrupção envolvendo os ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta.

Já no Rio, o descompasso entre as votações dos candidatos do PT, nesses dois níveis de eleição, se acentua. É grande a discrepância entre o bom desempenho de Lula, em 2006, e a reduzida votação de Jorge Bittar, em 2004, o que se deve, em parte, segundo o estudo da PUC do Rio, à divisão das forças de esquerda no pleito municipal.

Além disso, com o enfraquecimento do brizolismo, acentuado com a morte de Leonel Brizola, em 2004, e com a perda de expressão eleitoral do grupo de Anthony Garotinho, um "vácuo político" propiciou o bom desempenho de um candidato fora dos quadros partidários tradicionais, como o bispo licenciado Marcelo Crivella.

Na verdade, ressalta o estudo coordenado pelo cientista político Cesar Romero Jacob, este fato se constitui num elemento novo na política carioca, tradicionalmente dividida entre os diversos grupos da família brizolista: o próprio Brizola (PDT), Cesar Maia (PFL), Marcello Alencar (PSDB) e Garotinho (PMDB).

Com a vitória em 2004, Cesar Maia se afirmou como o principal herdeiro da família brizolista na cidade, ao vencer a quarta eleição consecutiva, como candidato (em 1992, 2000 e 2004) ou elegendo o seu sucessor (Luiz Paulo Conde, em 1996).

A candidatura de Crivella acabou provocando uma divisão de caráter religioso na cidade: os católicos fazendo voto útil em Cesar Maia e os evangélicos votando no irmão Marcelo Crivella.

Desse modo, "enquanto no Rio observou-se uma cidade dividida pela religião, em São Paulo verificou-se uma cidade polarizada pela política, numa acirrada disputa entre os dois maiores partidos brasileiros do momento, o PT e o PSDB", destaca o estudo.

O trabalho dos pesquisadores da PUC do Rio de Janeiro não vai além dos dados das últimas eleições, mas com base neles é possível fazer-se algumas ilações. A forte votação de Marta Suplicy confirma uma situação recorrente, com os candidatos do PT a prefeito e a presidente tendo seus maiores percentuais de votos nos bairros populares. Vencendo, Marta Suplicy torna-se uma forte candidata à Presidência pelo PT, com uma base de votos importante na capital paulista.

Se confirmada a "cristianização" do candidato tucano Geraldo Alckmin em benefício da reeleição do prefeito Gilberto Kassab, com apoio de Serra, é possível prever-se uma boa votação do candidato tucano à Presidência da República em 2010, principalmente se ele for Serra. Indo Alckmin para o segundo turno, mesmo que derrote Marta, o PSDB estará irremediavelmente dividido. Terá sido uma vitória pessoal dele, e não do partido.

No Rio, dos 7 pleitos realizados desde 1982 para o governo estadual, 5 foram ganhos por políticos pedetistas ou que atuaram, em algum momento de sua vida política, nesse partido: Brizola (1982 e 1990), Marcello Alencar (1994), Garotinho (1998) e Rosinha Garotinho (2002).

Portanto, com exceção de Moreira Franco (1986) e Sérgio Cabral (2006), ambos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), os demais poderiam ser considerados integrantes da "família brizolista".

O crescimento da candidatura de Eduardo Paes, apoiado pelo PMDB do governador Sérgio Cabral, pode significar que uma nova era na política do Rio está se abrindo, com a máquina peemedebista sendo ajudada pelo fato de Paes ser oriundo da máquina da prefeitura, onde ele iniciou sua vida política com o prefeito Cesar Maia.

Assim como em 2004 o voto útil foi para Cesar Maia contra Crivella ainda no primeiro turno, agora estaria indo para Eduardo Paes, mesmo que seja previsível um segundo turno.

Os estudos da equipe da PUC do Rio revelam a existência em São Paulo de territórios eleitorais fiéis ao PT e ao PSDB, "num confronto político do tipo direita-esquerda mais clássico". São Paulo continua sendo uma cidade polarizada pela política e não pela religião, como aconteceu na última eleição municipal do Rio de Janeiro, e continua acontecendo hoje.

Segundo o estudo, "a boa implantação dos dois maiores partidos brasileiros na capital paulista tem impedido que, pelo menos nas eleições para prefeito, questões de natureza religiosa se sobreponham a escolhas político-partidárias". No Rio, ao contrário, PT e PSDB são fracos politicamente.

Em qual Lula acreditar?


Ricardo Noblat
DEU NO BLOG DE NOBLAT

Qual Lula você prefere?

O que disse ontem no Rio de Janeiro, durante a solenidade de abertura da Semana da Academia Internacional de Televisão:

- Os leitores, a audiência são plenamente capazes de separar o joio do trigo, a informação da desinformação, a notícia da campanha, a verdade da eventual manipulação. Os telespectadores ou leitores são críticos implacáveis e juizes muito severos.


- Quem não os trata com respeito e não demonstra consideração por sua inteligência, termina por perder credibilidade. Por isso estou entre os que acham que não há nada melhor contra eventuais excessos cometidos por qualquer órgão de imprensa do que mais liberdade de imprensa.

Ou o Lula que aconselhou o ministro Gilmer Mendes, segundo notícia do jornal O Estado de S. Paulo, a censurar as transmissões ao vivo das sessões do Supremo Tribunal Federal? Esse Lula acha que as sessões devem ser gravadas, editadas e só depois transmitidas.

Há Lulas para todos os gostos e ocasiões - disso sabemos há longos cinco anos e pouco. O próprio admitiu que não passa de uma metamorfose ambulante.

Política só se faz com alta dose de realismo.

É compreensível que uma vez eleito, o sujeito assuma o cargo e conclua que determinadas idéias que defendeu não se sustentam quando confrontadas com mais informações de que passou a dispor. Ou que não podem se materializar porque carecem de apoio para isso no Congresso.

Coisa bem diferente é o político que alcança o poder e renuncia a valores e princípios que parecia sustentar até então. O respeito aos direitos humanos é um valor, por exemplo. O respeito à liberdade de imprensa, outro. Justiça social é mais um - e por aí vai.

Quando se trata de valores e princípios universalmente aceitos em sociedades que se pretentem democráticas, não se pode tolerar a existência de dois Lulas - um para consumo público e outro para manobras sujas de bastidores.

Nunca antes neste país


Lucia Hippolito
DEU NO BLOG DE LUCIA HIPPOLITO

Em entrevista ao jornal Clarín, ontem de manhã, o presidente Lula declarou que vai fazer seu sucessor – e que, provavelmente, será “sua sucessora” (uma mulher, disse ele).

A esse respeito, cabem duas observações, registro de duas curiosidades históricas.

1ª curiosidade. Desde Artur Bernardes (1922-26), um presidente da República eleito diretamente pelo povo não faz o sucessor.

Bernardes fez Washington Luís, respeitando o rodízio do “café-com-leite”. Mas Washington Luís desrespeitou o acordo da República Velha e decidiu impor o nome de Júlio Prestes. Resultado? Revolução de 30... E 15 anos de Getúlio Vargas.

Getúlio foi deposto em 1945 e não fez o sucessor – apoiou Dutra (1946-51) a contragosto.

Dutra, por sua vez, não apoiou Getúlio, o vitorioso em 1950. Getúlio queria Juscelino como sucessor, mas suicidou-se em 1954 e não presidiu a eleição presidencial de 1955.

Juscelino (1956-61) não faz o sucessor. Jânio Quadros era oposição a JK.
Jânio renuncia, e o Brasil mergulha em longa crise, que desembocou na ditadura (1964-85).

Os generais-presidentes não foram eleitos pelo povo, mas tampouco controlaram a própria sucessão.

Castelo Branco (1965-67) teve que engolir Costa e Silva (1967-69). Este teve um derrame e nem viu a própria sucessão.

Médici, o sucessor (1969-73), não queria Ernesto Geisel, mas teve que aceitar.

De todos os generais-presidentes da ditadura, Geisel foi o único que fez o sucessor. Escolheu o general Figueiredo quando este ainda não tinha a quarta estrela de general (pré-requisito para ser presidente, naquela época) e tutelou todo o processo sucessório.

Figueiredo (1979-85) saiu do palácio e da história pela porta dos fundos.
Sarney, como sabemos, não foi eleito pelo povo. Aliás, era apenas vice-presidente e recebeu no colo a presidência da República, depois da morte do dr. Tancredo.

Sarney não fez o sucessor. Fernando Collor passou a campanha inteira falando horrores de toda a família Sarney.

Collor foi afastado depois do impeachment, e Itamar Franco, seu vice-presidente, que não tinha recebido o voto direto dos eleitores brasileiros (apenas compunha a chapa), este sim, conseguiu fazer seu sucessor.

Fernando Henrique (1995-2002) recebeu todo o apoio de Itamar, mas não conseguiu fazer seu sucessor. Lula era candidato da oposição.

Assim, se conseguir fazer seu sucessor (ou sua sucessora), o presidente Lula conseguirá um feito histórico: desde Artur Bernardes um presidente eleito pelo voto direto não faz o sucessor.

2ª curiosidade. Também desde Artur Bernardes (1922-26), um presidente eleito diretamente pelo povo não recebe a faixa presidencial de um presidente igualmente eleito pelo povo e passa a faixa para outro, também eleito pelo povo.

Vamos lá. Bernardes recebeu a faixa de Epitácio Pessoa (1919-22), eleito diretamente, e a passou para Washington Luís, também eleito diretamente, mas que foi deposto pela Revolução de 30.

Getúlio Vargas, que chefiou a revolução, foi eleito presidente da República pelo Congresso em 1934, e em 1937 deu o golpe do Estado Novo. Getúlio foi deposto em 1945.

Com a redemocratização, Eurico Dutra recebeu a faixa do presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. Dutra (1956-51), eleito diretamente, passa a faixa para Getúlio, também eleito diretamente. Mas o suicídio de Vargas interrompe a “corrente”.

Juscelino Kubitschek (1956-61) foi eleito diretamente, mas recebeu a faixa de Nereu Ramos, presidente do Senado Federal. JK passa a faixa a Jânio Quadros, igualmente eleito pelo povo, mas Jânio renuncia sete meses depois da posse, interrompendo a “corrente” novamente.

Na ditadura, como sabemos, os generais-presidentes dispensaram a eleição pelo povo.

Com a redemocratização, Sarney (1985-90) ganhou a presidência de presente, mas não por eleições diretas. Passou a faixa a Fernando Collor, eleito diretamente. Mas o impeachment e o subseqüente afastamento de Collor interrompem mais uma vez a normalidade institucional.

Fernando Henrique (1995-2002) foi eleito pelo povo, mas recebeu a faixa de Itamar Franco, o vice. FH passou a faixa a Lula (2003-2010), também eleito pelo povo.

Portanto, o presidente Lula é, desde Artur Bernardes, o primeiro presidente da República que, tendo recebido a faixa de um presidente eleito pelo povo, foi eleito pelo povo e vai passar a faixa para outro(a) presidente igualmente eleito(a) pelo povo.

Trata-se de um feito extraordinário na História brasileira, prova incontestável de consolidação institucional da democracia no Brasil.

(Aposto que os marqueteiros do Planalto não sabiam disso!)

A maleta e a viagem


Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O ministro Jobim age com impropriedade ao se valer de uma viagem com Lula para desviar-se de depor na CPI


CRIADOR DA confusão que desviou para uma tal maleta da Abin as atenções suscitadas pelo problema das escutas, o ministro Nelson Jobim age com a mesma impropriedade ao se valer, agora, de uma viagem de Lula para desviar-se do seu depoimento, quarta-feira, como convocado da CPI das Escutas Telefônicas.

Ganhar uma semana, com a inquirição na quarta 17, talvez lhe ofereça um cenário mais abrandado na CPI, consideradas as explicações que deve. Mas seu compromisso, em todos os sentidos funcionais e pessoais, é com a convocação que vale como palavra do Congresso, para esclarecimentos relevantes no inquérito. E não com um passeio à Amazônia onde nada de importante tem a fazer. Tanto mais que o arranjo da escapada fica à mostra com o "convite" presidencial tão posterior à convocação da CPI.

A confusão começa ao ser dito a Lula (e outros), por Jobim, que a maleta seria destinada a gravações ambientais. Ocorre que o ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres falam ambos ao telefone quando são gravados, logo, um deles não poderia ser captado por um gravador ambiental. A própria gravação sugere, como primeiro indício, a velha escuta por linha telefônica, no entanto relegada pela "denúncia" de Jobim. Com as responsabilidades de ministro da Defesa, Nelson Jobim deve ter explicação interessante a dar à CPI, sobre os fundamentos de sua colaboração.

Em depoimento à CPI, o ministro da Segurança Institucional, general Jorge Felix, afirmou que pedira ao Exército o exame de especialistas em todo o equipamento da Abin, para verificação das respectivas finalidades. Não lhe constava haver maleta com gravador, mas tão só para varreduras. Nelson Jobim contestou-o com a informação de que a maleta foi comprada para a Abin pelo Exército, por intermédio de sua comissão de compras nos EUA. Arrasador.

Por alguns dias, sim. O Exército informou que a maleta não era de gravação. Arrasador. Um desmentido frontal do Exército ao ministro da Defesa? Veio então o habilidoso laudo do exame a que o general Felix se referira: o dispositivo da maleta é próprio para varreduras, não para gravação, sendo necessário submetê-lo a adaptações para que possa servir como gravador em determinadas circunstâncias.

Adaptação para quê, se qualquer gravador se prestaria ao serviço sem o trabalho de adaptá-lo, cabendo ao interessado apenas a conveniência de escolhê-lo segundo a duração das gravações? Jobim, no final da semana, preferiu dizer aos repórteres que "a divergência com o general Felix está encerrada".

Na CPI não está. Há informações inverídicas lançadas por um dos lados divergentes, delas advieram desdobramentos, a alguém ou a alguma corrente serviram para fins ainda obscuros, ou duvidosos.

Há, portanto, mais do que escutas a serem desvendadas. Ainda que o "mais" não tenha relação direta com a escuta em questão, seja parte de uma armação política por métodos pesados.

A cidade eleitoralmente dividida

Plínio Fraga
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - A mais recente pesquisa Datafolha mostra que os cariocas mais escolarizados e mais ricos levariam para o segundo turno da disputa pela prefeitura da cidade Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Gabeira (PV). Já os mais pobres e menos escolarizados colocam Marcelo Crivella (PRB) à frente de Paes e praticamente ignoram o candidato do PV.

Entre os cariocas que ganham mais de R$ 4.150, Paes atinge 30% das intenções de voto, contra 20% de Gabeira e apenas 7% de Crivella. Entre os eleitores com nível universitário, o peemedebista tem 25%, o candidato do PV, 18%, e o postulante do PRB, 7%. Em julho, a elite carioca se dividia entre Gabeira e Jandira Feghalli (PC do B).

Crivella consegue virar o jogo nas camadas mais populares, nas quais a penetração reduzida e a fragilidade de Gabeira levam a candidatura do PV a minguar. Entre os que ganham até R$ 830, o senador do PRB consegue 28% das intenções de voto, contra 27% do peemedebista e 5% de Gabeira. Essa performance de Crivella se repete entre os que têm até o ensino fundamental, faixa em que atinge 31%, contra 22% de Paes e 4% de Gabeira.

Paes consegue 25%, Crivella, 21% e Gabeira, 8% no resultado final do Datafolha. Jandira tem 12%, índice distribuído de maneira uniforme por vários segmentos, o que lhe dá razoável consistência.

A reduzida taxa de rejeição de Paes (14%), comparada ao alto índice dos que resistem a votar em Crivella (33%), permite dizer que o candidato do PMDB tem mais campo para evoluir do que seu concorrente direto. Dos entrevistados, 67% afirmam ter visto o horário eleitoral ou as inserções dos candidatos na TV e 33% ouviram essas mensagens no rádio. Como Paes é dono do maior tempo e Crivella está entre os nanicos, o cenário para o candidato do PRB não é nada róseo.

O "pobrismo" de Geraldo Alckmin


Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Marcado para amanhã, o jantar da unidade tucana dificilmente sobreviverá à quinta-feira. A participação do governador José Serra, principal estrela da noite, é vista como "nada especial" por seus aliados, e é improvável um engajamento maior do governador na campanha de Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo.

Alckmin, aliás, recebeu um conselho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: "Quem faz campanha é o candidato". Na realidade, Serra fez para Alckmin o que é a prática corrente nas eleições: gravar uma vez, por exemplo. A campanha do candidato é que deve multiplicar essa gravação, repetindo-a integralmente ou trechos dela.

É isso o que vem sendo feito, por exemplo, pelo candidato a prefeito do Rio, Fernando Gabeira (PV), cuja coligação é integrada também pelo PSDB.

Segundo informes que chegaram ao Palácio dos Bandeirantes, a campanha de Gabeira já transmitiu cerca de 15 vezes, em contextos diversos, uma gravação de apoio feita por José Serra. O que não mudou muito sua vida: o verde continua ocupando o quarto lugar na corrida eleitoral, com 8% das intenções de voto, de acordo com o Datafolha divulgado domingo.

Há tucano graúdo, inclusive, que avalia ser muito pequena a influência de apoios como o de Serra e o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma cidade do porte de São Paulo.

Prova disso seria que os dois gravaram para os programas de televisão de Alckmin e Marta Suplicy (PT) e nada aconteceu - uma tese discutível, vendo-se o que se passa em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Recife, apesar de todos, nesses casos, serem candidatos da máquina. Em Belo Horizonte, das duas máquinas: governo e prefeitura. Tucanos destacam algo mais: os outros candidatos são muito fracos.

Falta discurso à campanha tucana

A campanha de Alckmin só ele mesmo é capaz de resolver. Mas os tucanos culpam o "pobrismo". Coisas estranhas acontecem no comitê do candidato tucano. Por exemplo: os trecking (pesquisa diária) das campanhas do PT e do prefeito Gilberto Kassab (DEM) já há algum tempo acusam o crescimento do demista. Atualmente, a diferença entre o prefeito e o ex-governador estaria em torno dos 2%. O trecking do candidato do PSDB não acusa nada disso.

O curioso é que em 2006 a mesma coisa aconteceu na campanha presidencial de Geraldo Alckmin, com os números sempre superestimados a seu favor. Os tucanos também criticam a falta de qualidade técnica do programa de Alckmin, acham que ele jogou mal ao apostar numa produtora com pouca experiência e ainda assim em campanhas menores. Alckmin está escrevendo os próprios discursos, o que demanda um tempo precioso. Ele estava acostumado a chegar e ler, quando estava com a produtora que hoje presta serviços a Kassab.

Mas a dificuldade crítica de Alckmin é a falta de discurso. O ex-governador não tem como se posicionar como candidato de oposição. Esse posto é de Marta. Além disso, como dizem tucanos desapontados com sua candidatura, soaria "ridículo". A campanha incorreria no "pobrismo", este de outra natureza, a bem da verdade, algo comum a todas as candidaturas. É tudo o pobre. A virtude está na pobreza.

Um tucano faz um cálculo simples: em São Paulo há seis milhões de automóveis. Supondo-se dois por família, haveria então três milhões de famílias que são no mínimo classe média. Seria portanto preciso falar também para esse pessoal.

Mas os candidatos, inclusive Alckmin, preferem a elegia da pobreza. Não é que eles devam ser ignorados, mas de acordo com esse tucano há 1,2 milhão de favelados em São Paulo. Favelados que não morariam propriamente em favelas, mas em construções irregulares, algumas de dois, três andares. Favelados mesmo seriam uns 300 mil. Interessante é que a maior migração de intenções de voto de Alckmin para Kassab se deu justamente na classe média, segundo o Datafolha (6%).

Sugestões para levantar a campanha não faltam. Inclusive de José Serra, que o candidato Alckmin costuma visitar uma ou duas vezes por semana, no Palácio dos Bandeirantes. Em vez de ficar falando de creches, tucanos dizem que ele deveria falar das coisas que fez, como o bilhete único eletrônico e o metrô. E ser enfático ao afirmar que vai fazer com Serra o que está por ser feito e muito mais.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

A morte tem vida própria


Arnaldo Jabor
DEU EM O GLOBO


“Tem gente aí morrendo que nunca morreu antes” ou “para morrer basta estar vivo” ou ainda: “só morre gente boa, canalha não morre...”

Não adianta: tudo que se disser sobre a morte é lugar-comum, inclusive este. Mas a verdade é que morreu muito amigo nos últimos dias. Primeiro, o melhor roteirista do Brasil, Leopoldo Serran, com quem escrevi meu melhor filme, Tudo bem, há trinta anos, depois, o Fernando Torres, grande ator e diretor de inesquecíveis montagens (até hoje lembro do Beijo no asfalto que ele dirigiu em 62), em seguida, foi-se Fernando Barbosa Lima, um inventor poético da TV. Nunca me esqueço do Jornal de Vanguarda, da velha TV Tupi, quando o locutor declarou: “Morrem 5 crianças pobres por minuto no Brasil”. Aí, Fernando tirou o jornal do ar por 1 minuto e quando voltou, o locutor completou: “Enquanto estávamos fora do ar, morreram cinco crianças de fome”.

Só assim se pode falar da morte: pela ausência. Nós apenas saímos do ar. Ela é tão banal que inventamos solenes rituais para dar-lhe consistência. Inventamos religiões ou filosofias agnósticas para nos consolar – crenças materialistas: “O universo é a eternidade. Deus é o universo, a substância. Fazemos parte de Deus. Ele está nas galáxias e no orgasmo, nos buracos negros e no coração batendo...” “Grandes merdas” – penso hoje – pois quando ela chega acaba a literatura. A morte só tem “antes”", não tem “depois” - no Ivan Iliitch do Tolstói, quando ela chega, acaba o conto.

A morte não está nem aí para nós, ela tem “vida própria”. A gente vai para um lado, o corpo para o outro. Ela nos ignora, nossos méritos, nossas obras. Outro lugarzinho-comum: “Só nos resta viver da melhor maneira possível até o fim. Tem mais é que curtir, gente boa...” Pois é, há muitos anos, pegou fogo no edifício Joelma em São Paulo, torrando dezenas. Do prédio em frente, as teleobjetivas fotografaram todas as agonias. Até hoje, lembro-me da foto em cores de um homem de terno, pastinha James Bond, agachado numa janela do vigésimo andar, com o fogo às costas. Seu rosto mostrava duvida: “O que é melhor para mim? Morrer queimado ou me jogar?” Ele curtiu até o fim e se jogou.

A coisa que mais me irrita na morte é que o morto fica logo desatualizado. As notícias vão rolar e eu nada saberei. Haverá crises mundiais, filmes que estréiam, músicas novas, e eu ficarei lá embaixo, sem saber das novidades. Quem foi eleito o Obama ou aquele direitista escroto? Quem virá depois do Lula? Quem ganhou a Copa? É insuportável a desinformação dos falecidos.

Meu avô me disse uma vez: “Acho triste morrer, seu Arnaldinho, porque nunca mais vou ver a Avenida Rio Branco...” Isso me emocionou, pois ele ia diariamente ao centro da cidade, onde tomava um refresco de coco na Casa Simpatia, depois passava na Colombo, comprava goiabada “cascão” e queijo de Minas e voltava para casa, de terno branco e sapato bicolor.

Por isso, quando me penso morto, eu, o único que não irei ao meu enterro, de que terei saudades? Não terei saudades de grandes amores, de megashows da vida de hoje, excessiva e incessante. Não. Debaixo da terra, terei saudades de irrelevâncias essenciais, terei saudades de algumas tardes nubladas de domingo que só o carioca percebe, tudo parado, com os urubus dormindo na perna do vento, como dizia o sempre presente Tom, do radinho do porteiro ouvindo o jogo no Maracanã, terei saudades do cafezinho nas beiras dos botequins, de certos tons de roxo e rosa em Ipanema antes da noite cair, saudades do cafajestismo poético dos cariocas, saudades dos raros instantes sem medo ou culpa, de alguns momentos de felicidade profunda, sem motivo, apenas pela gratidão de respirar.

Não terei saudades dos fatos e notícias, nada do mundo febril, só a quietude, o silêncio entre amigos na paz de um bar, papos de cinéfilo, risos proletários e camaradagem de subúrbio, do samba que nos envolve nas rodas pobres com a alegre sabedoria da desesperança, da Lapa, da Avenida Paulista de noite, de Noel Rosa, pernas cruzadas de mulheres inatingíveis, terrenos baldios de minha infância, Paris (claro), Erik Satie, João Gilberto, Matisse, Rimbaud, João Cabral, o tremor de medo e desejo na hora do amor, saudades da primeira namorada no sofá-cama rasgado do apartamentinho secreto do Partidão, com o cartaz dos girassóis de Van Gogh e uns livros da Acadêmica Soviética, tenho saudades da utopia, das madrugadas políticas, da boemia da esquerda, soldados ingênuos de uma guerra invisível, tenho saudades da delicadeza, da compaixão, também da alegria selvagem da vingança nas raras vitórias contra os canalhas, saudades da literatura, da “frágil lua nova”, de Borges, do prazer da arte, Fellini, Shakespeare e Tintoretto em Veneza para sempre, de Cantando na chuva – o maior hino da alegria americana, saudades do piano-bar do Hotel Carlyle, de Thelonius Monk, saudades de Fred Astaire dançando Begin the beguine com Eleanor Powell, felizes para sempre dentro do universo estrelado.

Há várias mortes. Há brutas tragédias, fomes e bombas, horrendos desastres, mas, na morte óbvia, comum, caseira, só temos duas escolhas: súbita ou lenta. Você, frágil leitor, qual delas prefere? O rápido apagar do “abajur lilás” de um ataque cardíaco, ou o lento esvair da vida, sumindo com morfina? Se eu pudesse escolher, queria morrer como o velho Zorba, o grego, em pé, na janela, olhando a paisagem iluminada pelo sol da manhã. E, como ele, dando um berro de despedida.