segunda-feira, 22 de setembro de 2008

CNT/Sensus: Avaliação positiva do governo Lula bate recorde e chega a 68,8%, mas Serra lidera intenção de votos para 2010

Rodrigo Vizeu
DEU EM O GLOBO/REUTERS
Publicada em 22/09/2008 às 13h00m

BRASÍLIA - A avaliação positiva (ótimo e bom) do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu de 57,5% em abril para 68,8% em setembro. A pesquisa do Instituto Sensus e encomendada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) também mostrou que a avaliação negativa (ruim e péssimo) caiu de 11,3% para 6,8%. O número dos que consideram a administração federal regular foi de 29,6% para 23,2%. (Como você avalia o governo Lula?)
O percentual de ótimo e bom bateu o recorde anterior, de abril, e é o maior de toda a série histórica do levantamento, realizado desde julho de 1998, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso.

Segundo o diretor do Instituto Sensus, Ricardo Guedes, o novo recorde se deve ao bom desempenho da economia e aos programas sociais. Para o pesquisador, o recente crescimento da inflação e dos juros ainda não afetou a percepção da população.

- As reservas estão em alta, a economia funciona. Levantamentos sobre os resultados dos programas sociais indicam que eles fomentaram as economias locais e geraram empregos - afirmou Guedes.

A avaliação do desempenho pessoal do presidente Lula também cresceu, indo de 69,3% para 77,7%. A desaprovação do presidente caiu de 26,1% para 16,6%. A última vez que a aprovação pessoal do presidente foi tão alta foi no início do mandato de Lula. Em julho de 2003, ela foi de 77,6%.

O presidente aparece como um importante cabo eleitoral nas eleições municipais: 15,5% dos entrevistados votariam apenas no candidato indicado pelo presidente, enquanto 28,6% poderiam votar no nome sugerido pelo petista. Os dois percentuais somados chegam a 44,1%, índice de voto potencial em candidatos de Lula. Não votariam nos candidatos a presidente 19,9% do eleitorado. Outros 30,9% só apoiariam se conhecessem ( clique e leia mais ).

Serra lidera intenções de voto para 2010

A pesquisa voltou a avaliar a intenção de voto para a sucessão presidencial em 2010, sem Lula, e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), mantém liderança na pesquisa estimulada. Ele aparece na frente em todas as simulações de que participa.
A ministra da Casa-Civil, Dilma Rousseff (PT), nas simulações em que aparece, ocupa o terceiro ou quarto lugares no primeiro turno e é derrotada pelo PSDB no segundo.

Em uma primeira hipótese, Serra teria 38,1% dos votos, contra 17,4% do deputado Ciro Gomes (PSB), 9,9% da ex-senadora Heloísa Helena (PSOL) e 8,4% da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT).

No caso do PSDB escolher Aécio Neves, o líder das pesquisas passaria a ser Ciro Gomes, com 24,9%, contra 18,2% do tucano, 13,4% de Heloísa e 8,6% de Dilma. Em uma disputa em que PT trocaria Dilma pelo ministro Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), Serra ficaria com 38,5%, contra 19,6% de Ciro, 10,6% de Heloísa e 2,7% de Patrus.

Tampouco a ex-ministra e ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy se sairia tão melhor como nome petista. Também ficaria em último, com 5,9% das intenções de voto. Na dianteira apareceriam Serra (37,9%), Ciro (18,9%) e Heloísa (10,4%).

Em uma hipótese sem Ciro, Serra lideraria com 45,7%, contra 12,5% de Heloísa e 10% de Dilma. Trocando Serra por Aécio, esse cenário se embolaria: Aécio teria 22,4%, Heloísa 21,2% e Dilma 12,3%.

Em um eventual segundo turno entre Serra e Dilma, o governador ficaria com 51,4% das intenções de voto, contra 15,7% da ministra. Aécio também derrotaria Dilma por 34% contra 18,4%. Serra também venceria Patrus por 55,1% a 7,7% e Ciro por 47,1% a 22,5%.

Pequena projeção explica desempenho ruim dos petistas

O mau desempenho dos candidatos petistas contrasta com a alta avaliação do presidente Lula. Para o diretor do Instituto Sensus, Ricardo Guedes, isso se deve à ainda pequena projeção dos nomes do PT, entre eles Dilma, a atual preferida de Lula.

- Os nomes mais fortes do PT não estão no cenário político, como José Dirceu e Antonio Palocci. Os nomes atuais são mais recentes. Dilma ainda não tem a imagem tão atrelada à do presidente. Além disso, falta-lhe uma marca - afirmou.

Guedes acrescentou que, apesar de Lula ser o maior cabo eleitoral do país, não é qualquer nome indicado por ele que será eleito:
- O candidato escolhido deve ser palatável - disse.

O pesquisador também ponderou que, apesar dos candidatos do PT ainda aparecerem mal nas pesquisas, eles devem ganhar musculatura e se aproveitar mais da avaliação de Lula quando começar o período eleitoral de 2010. Ele citou como exemplo o caso do candidato do PSB à Prefeitura de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, que tinha 3% no início da campanha e já ultrapassou 40%. O candidato se aproveitou da alta aprovação de seus maiores apoiadores: o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel (PT).

Inflação subiu para 81,1% dos entrevistados

A pesquisa CNT/Sensus mostrou ainda que para 61,5% da população, a qualidade de vida melhorou nos últimos quatro anos. Ela piorou para 11,6% dos entrevistados e se manteve igual para 25,8%. De acordo com Ricardo Guedes, historicamente, governos com nível altos nesse indicador tendem a fazer os sucessores.

- É uma boa referência em todos os quadros que tendem para o bipartidarismo, como costuma acontecer em nossas eleições presidenciais - disse Guedes.

Ainda de acordo com o levantamento, 58,1% dos entrevistados acreditam que o poder de compra do salário-mínimo no governo Lula é maior que nas administrações anteriores. Um total de 15,9% dos entrevistados afirmou ser beneficiário de pelo menos algum dos programas sociais do governo, enquanto outros 49,7% conhecem pessoas beneficiadas. Um terço (33,3%) não conhecem pessoas que recebem benefícios estatais.

Já 75,3% da população demonstraram tendência a votar em candidatos que mantenham os atuais programas sociais, enquanto apenas 13,6% não apoiaram nomes com esse compromisso.

A inflação subiu para 81,1% dos entrevistados. O número estava em 67,7% em abril deste ano. 11,6% acreditam que os preços se mantiveram estáveis e 3,1% acham que estes caíram. Para 69,2%, o maior aumento dos preços se deu nos alimentos. Em seguida aparecem impostos e tarifas (4,8%), produtos de limpeza (2,4%) e transporte (1,3%).

A pesquisa CNT/Sensus foi realizada de 15 a 19 de setembro em 136 municípios de 24 estados de todas as regiões do país. Foram entrevistadas 2.000 pessoas. A margem de erro é de três pontos percentuais.


O labirinto latino-americano


José de Souza Martlns*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS
Publicado em 21/9/2008

À falta de uma utopia fundadora da identidade nacional, a Bolívia unificou-se à força e importou o colonialismo.


É velha história a de que a Bolí­via é um país inviável. Produto histórico de uma colagem políti­ca que atendeu a conveniências geopolíticas e de ocasião no mo­mento das independências lati­no-americanas, acabou juntan­do o que não se juntava anão ser pela exploração econômica, pe­Ia opressão social e pela domina­ção política; Não é o único caso de países gestados por artifícios vários, tanto aqui na América Latina quanto na Europa, na Ásia e na África. O discurso so­bre a inviabilidade boliviana tem a sua dose de malícia inte­resseira. Se as enormes diferen­ças lingüísticas, culturais e étni­cas, tão características da Bolí­via, fossem obstáculos à afirma­ção de um país, a Suíça não exis­tiria. No entanto, existe, é prós­pêra e sólida, reunindo harmoni­camente povos de quatro dife­rentes línguas e várias religiões. A diferença é que os suíços com­partilham o credo republicano da comunhão política que unifica no respeito à diversidade.

Muitos países ditos inviáveis o são porque não encontraram a referência unificadora, a uto­pia fundadora de uma identida­de nacional e da premissa de que o todo antecede os interes­ses das partes e das facções. Acabaram perdendo-se na uni­ficação forçada das ditaduras explícitas ou dissimuladas, meio de realimentar as formas de dominação e exploração eco­nômica que transferiu para den­tro o colonialismo de fora. O de­senvolvimento econômico difí­cil dos países latino-america­nos tem sido feito à custa da inte­riorização dos vínculos de domi­nação colonial, no chamado co­lonialismo interno, que cimen­tou com base no desenvolvimen­to desigual as unidades nacio­nais _ a prosperidade de umas regiões em detrimento de ou­tras. Portanto, desigualdades que só podem ser superadas por meio de pactos e não por meio de conflitos.

Nas décadas recentes, a dinâ­mica da civilização contra a bar­bárie, já em si equivocada, deu lugar a uma nova polarização, cujo equívoco não é menor: a do socialismo contra o capitalis­mo. Polarização que não leva em conta as muitas limitações históricas e insufIciências da América Latina, onde o capita­lismo é, quando muito, um resí­duo mal realizado desse modelo de economia e de sociedade. O próprio Marx tinha sérias dúvi­das sobre a possibilidade do sal­to para o socialismo em socieda­des de capitalismo precário.

Não obstante, o socialismo de classe média que se dissemi­nou na América Latina ignorou tanto a teoria como a realidade regional. O limite trágico dessa orientação foi a revolução foquista e desenraizada de Che Guevara na Bolívia. Mas o fo­quismo continua sendo a orien­tação dominante das idéias e da prática de esquerda nos diferen­tes países da América Latina, no pressuposto de que os po­bres precisam de quem os liber­te, já que incapazes de liberta­rem-se a si mesmos e de perse­guirem causas próprias.

O socialismo não encontrou na América Latina o teórico que pudesse interpretá-Ia na pers­pectiva dos anseios e carências de mudança emancipadora e libertadora das populações des­validas, no marco do que são e não no marco do que não ,são. Ao contrário, o elitista socialismo latino-americano contribuiu pa­ra acentuar a conflitividade das nacionalidades inconclusas, quando muito tornando-se ins­trumento da nova barbárie representada por diferentes apo­­ios, como o socialismo boliva­riano, de Hugo Chávez, na Vene­zuela, o socialismo cocaleiro, de Evo Morales, na Bolívia, o socia­lismo místico dos sandinistas, na Nicarágua, e do PT e do lulis­mo, no Brasil. São designações que evidenciam a ausência dos fundamentos sociais apropria­dos para gestação de uma visão social da América Latina que se­ja universalista e includente, que norteie a busca de emanci­pação como momento do pro­cesso de confirmação das nacio­nalidades e de emancipação de todos e não só de alguns.

O que se passa na Bolívia e em outros países latino-ameri­canos é a disseminação da ideo­logia da revanche, como se fos­se equivalente de socialismo e revolução. Não o é. A mística da vingança histórica não liberta nem revoluciona. É a mera fan­tasia da insurgência dos oprimidos por séculos de iniqüidades, que poderiam, finalmente, re­fundar o Novo Mundo e refun­dar as raças, em que os índios se tornariam um fictício índio genérico, inventado pelo bran­co. Os mestiços e os negros se purificariam na ficção de um retorno a identidades que expres­sam despeitos brancos de hoje. Os brancos, enfim, se negariam historicamente e se liberta­riam deixando de ser o que são, imitando quem não são. Uma absoluta negação da diversida­de própria do mundo moderno e da democracia necessária à coexistência dos diferentes.

A América Latina tem opres­sões e conflitos sociais e étnicos consolidados, o que torna o ce­nário político da região muito complicado. A ascensão políti­ca recente de governantes oriundos das populações po­bres, como o proletário Lula, no Brasil, o mulato Chávez na Ve­nezuela e o índio Evo, na Bolí­via, altera o cenário profunda­mente. Lula, oriundo da elite operária bem paga do ABC, se compôs com o poder dominan­te e se distanciou de seus com­promissos de origem. Chávez ascendeu por dentro da institui­ção militar e, portanto, por den­tro de um estamento residual da velha e elitista sociedade ve­nezuelana, que foi incapaz de promover a democracia e a dis­tribuição de renda. Evo, mesti­ço, ascendeu na economia mar­ginal da coca e do atraso que ela representa. O socialismo de dis­curso apenas grudou neles em busca de uma alternativa de po­der sem de fato enraizar-se, inje­tando o sucedâneo do conflito de cIasses nos respectivos popu­lismos. Na falta de inserção polí­tica no historicamente possí­vel, a popularidade desses go­vernantes apenas confirma que Evo se perde no isolamento, Chávez no confinamento da gra­vata e do palavrão e Lula na soli­dão palaciana e na bajulação da corte.

Perdem-se também as oposições, incapazes de pensar saídas políticas que não sejam mera cópia de modelos de paí­ses que não somos, porque não conseguem decifrar o clamor político da nova humanidade que na América Latina pede a palavra e pede o poder.

* José de Souza Martins é professor de Sociologia na Faculdade de Filosofia da USP e autor de A Sociabilidade do Homem Simples (Contexto)

Política, identidade e programas


Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Um dos efeitos das oscilações recentes nos números revelados pelas pesquisas sobre a eleição presidencial nos Estados Unidos foi a ansiedade entre os apoiadores de Barack Obama pela perda da liderança nas últimas semanas (liderança que agora parece ter sido recuperada). Em artigo de 11 de setembro no site "progressista" BuzzFlash, George Lakoff, professor de ciência cognitiva e de linguística na Universidade da Califórnia (Berkeley), traz conselhos à campanha de Obama.

Além de certos aspectos técnicos, considerados secundários, sobre como "enquadrar" apropriadamente os temas, o ponto focal do texto é o contraste, na decisão de voto dos eleitores, entre o papel dos programas ou "issues" em discussão (a economia, o Iraque etc.), de um lado, e, de outro, o de traços pessoais de cada candidato que podem ser resumidos na capacidade de induzir o eleitor a confiar nele e identificar-se com ele: este segundo aspecto seria o que importa para conquistar os votos. Obama, que teria vencido as prévias valendo-se de sua riqueza de recursos nesse aspecto (enquanto Hillary Clinton se concentrava nos "issues", como Al Gore e John Kerry em anteriores eleições perdidas), estaria ultimamente se voltando, também ele, para aborrecidos discursos sobre questões específicas de políticas a serem executadas - efeito que teria sido agravado pelo impacto das características pessoais de Sarah Palin e a insegurança trazida à campanha de Obama. Em vez de apostar numa "teoria iluminista da razão" e na possibilidade de conquistar o eleitor pelo esforço de persuasão a respeito dos problemas, seria preciso contar com "a razão real" - as pessoas pensam, diz Lakoff, em termos de "narrativas culturais, estereótipos, enquadramentos e metáforas".

A questão de políticas ou "issues" versus identidade no processo eleitoral, com suas ramificações quanto à racionalidade do eleitor, é um velho problema da sociologia política. Sua relevância para o Brasil é patente, mostrando-se talvez de modo especialmente intenso no Brasil de Lula na Presidência, em que volta e meia os analistas se indagam a respeito das razões da "blindagem" do presidente e dos níveis inéditos de aprovação obtidos (e é possível observar, naturalmente, que, ainda que Lula possa singularizar-se por sua biografia e traços pessoais a ela ligados, o forte apoio do eleitorado distingue vários outros titulares de cargos executivos eletivos, como a cena eleitoral do momento revela em casos como os de Beto Richa, Aécio Neves, Fernando Pimentel e outros). Se é possível apontar nos Estados Unidos uma "razão real" em atuação que seria na verdade pouco racional em sentido mais exigente, que esperar no Brasil, marcado pela desigualdade e pelo acesso muito mais precário à educação e aos recursos intelectuais correlatos?

Mas há algumas ponderações cruciais a serem feitas contra certa simplificação envolvida nas ênfases de Lakoff. Este reconhece o caráter perfeitamente racional de que você, como eleitor, não dispondo de conhecimento ou informações que lhe permitam avaliar a situação e seus desdobramentos (obviamente do ponto de vista dos seus próprios interesses ou objetivos de qualquer natureza, embora isso não esteja explícito no texto de Lakoff), indague se o candidato compartilha seus valores, se ele é veraz, se se liga efetivamente a você, se merece que você confie nele e se identifique com ele. Ora, o mecanismo em que a identificação permite ao eleitor "economizar informação", ou agir politicamente mesmo com informação precária, pode ser visto como o próprio fundamento da política, levando à operação dos vínculos de solidariedade de que depende a agregação de múltiplos interesses ou objetivos individuais ou particulares e eventualmente sua busca eficaz por coletividades de alguma amplitude. Os partidos como objeto de identificação e lealdade são um exemplo óbvio - e representam, cumpre notar, um importante passo à frente em relação ao "personalismo" das recomendações de Lakoff, salientando o processo de construção institucional que a democracia requer. Se encontro razões, na orientação geral ou na atuação de um partido, para confiar nele e me identificar com ele, estarei dispensado de depender a cada passo de figuras cujas singularidades pessoais atraiam minha simpatia (ainda que seja desejável, mesmo institucionalmente, a ocasional revitalização carismática). E não há como escapar de que essa "orientação geral" do partido tenha a ver com "issues", ou com as políticas que adota e põe em prática.

Isso redunda em que, reconhecido que a identificação pode ser racional, não há razão para deixar de reconhecer que ela pode apresentar graus diversos de racionalidade, de acordo com o volume de informações em que se funda e na postura mais ou menos sofisticada ou judiciosa no processamento da informação. Assim, apesar das generalizações "cognitivistas" de Lakoff, existe, evidentemente, a possibilidade de distinguir tipos diversos de eleitor (ou de agente político em geral): de um lado, o eleitor informado e lúcido, capaz, por exemplo, de ser fiel a objetivos maiores ou de mais longo prazo (ou mesmo a certo ideal de vida ou princípio moral, vale dizer, a certa identidade que, no melhor dos casos, ele próprio escolhe em ampla medida); de outro, o eleitor desinformado e algo míope, passível de ser manipulado quer em razão de suas carências e premências materiais, quer por meio de imagens difusas em que se pode apelar, justamente, a identidades definidas de maneira mais ou menos tosca em termos de "branco", "patriota", "negro", "pobre", "descamisado" etc. É claro que nesse eixo giram as diferenças entre coisas como clientelismo, populismo e atividade político-partidária de menor ou maior consistência e qualidade. Em suma, melhor ou pior política ou democracia.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Podem conferir


DEU NA COLUNA DE AUSGUSTO NUNES NO JORNAL DO BRASIL


O fascínio pelo nunca experimentado, pela trilha por desmatar, pelo salto sem rede e sem medos – um traço fundamental da alma carioca – parece ter sobrevivido a balas perdidas. A candidatura de Fernando Gabeira está ficando com cara de movimento.

Candidatos temem queda nos investimentos

Fábio Vasconcellos e Ludmilla Lima
DEU EM O GLOBO

Maioria considera insuficientes os R$744 milhões previstos na proposta orçamentária e questiona números

Luz amarela para os candidatos a prefeito do Rio. Com tantas propostas, pode faltar dinheiro na hora de cumprir as promessas. Pelos números preliminares do orçamento de 2009, a nova administração arcará com uma dívida de R$1,1 bilhão (juros e amortização). O desembolso é 28% maior do que o estimado para este ano. O peso da dívida já produz efeitos. A expectativa de investimentos encolheu 13% em relação a 2008 (passou de R$856 milhões para R$744 milhões).
Os números deixaram Eduardo Paes (PMDB) desconfiado:
- Há números estranhos. O serviço da dívida está muito mais alto do que o deste ano. Houve ainda um aumento do orçamento (receitas). Parece que há certa maquiagem - criticou Paes, que ontem fez campanha ao lado do governador Sérgio Cabral, na Zona Oeste.

Apesar da queda na estimativa de investimento, o peemedebista considerou elevado os R$744 milhões previstos:
- A situação não estará tão confortável assim para ter R$700 milhões de investimentos.

Gabeira suspeita de "esqueletos no armário"

Já o candidato Fernando Gabeira (PV) demonstrou preocupação com o que chamou de "esqueletos no armário":
- Existe uma dívida de R$600 milhões contraída perante a Justiça por causa do IPTU progressivo. Acho que teremos dificuldades com esse orçamento, que precisará ser adequado à realidade.

O senador Marcelo Crivella (PRB) acredita que R$700 milhões sejam insuficientes. Mas espera aumentar a receita com a liberação, pela União, do empréstimo do BID para o Favela-Bairro 3 (US$300 milhões, divididos entre a prefeitura e o banco) e com a implantação da nota fiscal eletrônica:
- Hoje, esse orçamento é insuficiente para as demandas das comunidades carentes e para o resto da cidade.

Jandira Feghali (PCdoB) defendeu uma auditoria nas contas do município:
- A prefeitura está se endividando mais. No entanto, só com os dados apresentados não dá para dizer que isso é uma bomba. É preciso fazer uma auditoria para se ter a noção exata. O investimento caiu porque a arrecadação está caindo e as despesas com juros aumentaram.

Para Solange Amaral (DEM), os recursos previstos são suficientes para realizar propostas como a construção do Hospital da Mulher e a ampliação do Ônibus da Liberdade.

- Há muitas outras possibilidades de investimentos além dos recursos próprios. Educação e saúde, por exemplo, têm recursos carimbados. O Fundeb permite que se invista em creches. Acho que R$700 milhões são um valor considerável.

O prefeito Cesar Maia explicou que o aumento dos gastos com a dívida ocorreu devido à elevação do Índice Geral de Preços (IGP), que a corrige anualmente. Sobre um possível arrocho nas contas de seu sucessor, Cesar disse que o pagamento da dívida tem limite de 11% das receitas constitucionais. Afirmou ainda que os valores estimados para investimentos são compatíveis com orçamentos anteriores.

- Esse é o nível de investimentos que a prefeitura aplica. Oscila em torno de R$700 milhões por ano. Dependendo da arrecadação efetiva, pode ser maior ou menor.

O candidato do PT, Alessandro Molon, disse que apenas com mudanças na proposta orçamentária será possível contemplar mais projetos:
- Vamos investir em prevenção, realizando o Programa Saúde da Família. Com o mesmo volume de recursos, será possível fazer muito mais.

O candidato do PSOL, Chico Alencar, afirmou que há problemas na gestão das contas, como em relação à Previdência:
- O grande desafio é fazer a lei ser respeitada e não realizar contingenciamento.

Religião, última aposta pelo segundo turno

Carlos Braga
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Candidatos abraçam o tema para seguirem na disputa

Na reta final da campanha para a prefeitura, a religião se tornou um dos temas a que os candidatos têm recorrido na acirrada disputa por uma vaga no segundo turno. Se por um lado Marcelo Crivella (PRB) continua tentando descolar sua imagem da Igreja Universal do Reino de Deus, Eduardo Paes (PMDB) sempre procura divulgar sua ligação com a Igreja Católica. Em um material da campanha de Paes consta a Oração do Cristão na Política, que pede "a intercessão de Maria, nossa Mãe aparecida... para nos ilumine na construção de uma sociedade justa e solidária". Em comum, todos os candidatos defendem o Estado laico e a tolerância religiosa, o que os fez participar ontem da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa.

Realizada ontem na Av. Atlântica, em Copacabana, Zona Sul, atraiu candidatos à prefeitura dispostos a divulgar sua simpatia pela causa. Alessandro Molon (PT), Jandira Feghali (PCdoB), Marcelo Crivella (PRB), Fernando Gabeira (PV), Paulo Ramos (PDT) e Carlos Alberto Muniz, candidato vice-prefeito de Eduardo Paes (PMDB), percorreram a orla ao lado de católicos, evangélicos, judeus e membros de religiões afro para divulgar sua tolerância com outras crenças. Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, também participou. Crivella tirou fotos ao lado de faixas de representantes do espiritismo e conversou com representantes de várias religiões. O candidato estava acompanhado do vice-presidente regional do PTB (partido da coligação de Eduardo Paes), ligado à Igreja Católica. Crivella se disse vítima de preconceito religioso e quis mostrar, com a participação no evento, que o voto não deve ser decidido de acordo com a religião. ­

Crivella foi muito bem recebido e esteve lá para mostrar que não existe preconceito religioso por parte dele. Ao contrário, é, sim, vítima de preconceito - disse Isaías de Zavarise, assessor do candidato. Eduardo Paes, que divulgou na imprensa a bênção que recebeu do Papa Bento XVI, pediu que seu candidato a vice entregasse carta de apoio a Ivanir dos Santos, presidente da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, responsável pela caminhada. No documento, Paes disse que o incitamento ao ódio religioso, assim como o ódio racial, servem ao propósito da dominação. Carlos Alberto Muniz fez uma crítica velada a Crivella. ­

O movimento também expressa um repúdio àqueles que tentam misturar religião e política. São instâncias que têm que caminhar separadas e se respeitar ­ disse. A presença de Marcelo Crivella na caminhada foi analisada por Molon como uma tentativa do candidato de se descolar da Igreja Universal, a qual associa a casos de intolerância religiosa. ­ Crivella vem tentando dissociar-se de uma denominação que frequentemente é ligada a casos de intolerância ­ disse Molon. A candidata do PCdoB, que já enfrentou atritos com a Igreja Católica por conta de sua posição a favor da legalização do aborto, criticou a intolerância. ­

A cidade não merece uma guerra santa e sua gestão não pode ser dirigida a só uma religião. A tolerância, porém, parece andar em falta na Vila Kenndy, na Zona Oeste. Durante um corpo-a-corpo de Solange Amaral, realizado ontem, o líder comunitário Jorge Azevedo, que animava os cabos eleitorais, queixou-se dos constantes atritos que têm acontecido entre partidários de Crivella e de Eduardo Paes por causa de diferenças religiosas. ­ Outro dia quase saiu briga aqui na praça ­ disse. Gláucio Soares, pesquisador da FGV e do IUPERJ, explica que a participação da Igreja Católica tem se marcado pela discrição e por ser apartidária.

­ Podem ter restrições a quem vote a favor do aborto, por exemplo, mas se restringe a orientar a votar com consciência. Entre os fiéis da Igreja Universal existe a idéia da tomada do poder. Há um livro do bispo Edir Macedo pregando que a Igreja Universal tem que chegar ao poder para impor o projeto cristão ­ disse.

Faltam política, debate e competição


Marcus Figueiredo
Cientista político e professor do Iuperj/Ucam
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Bons analistas aconselham que não devemos ficar nostálgicos. Isso torna nossos dias tristes, quiçá azedos, atrapalha a visão e o humor. Mas, convenhamos, a eleição municipal deste ano está sem graça. Alguns tentam, mas ficam falando sozinhos, não há replica, quanto mais tréplica.

O Rio já foi fervilhante. De Pereira Passos até os confrontos entre a UDN e a esquerda, e posteriormente entre a direita e o PDT brizolista, fustigado pelo PT nascente e as novas esquerdas re-nascidas dos escombros da ditadura, discutia-se a cidade, o Estado e o Brasil a cada eleição. Cada força política apresentava um projeto político e o defendia com unhas e dentes, muita argumentação e até mesmo utopias. Nos debates, saíam faíscas.

Os partidos tinham redutos, ideologicamente claros. A direita e a esquerda disputavam a Zona Sul. A Zona Norte sempre foi de direita, e até pouco ainda era. Os subúrbios se dividiam entre trabalhistas, comunistas – que tinham maioria – os populistas de direita. Basta lembrarmos de 1960, na disputa entre Carlos Lacerda, Sergio Magalhães e Tenório Cavalcanti. Mais recentemente, a disputa era entre Brizola, Moreira Franco e os herdeiros do chaguismo. Nos anos 80, a cidade experimentou um prefeito socialista – Saturnino Braga e seu vice Jô Resende, socialista cristão – seguidos por Marcello Alencar e César Maia. Todos criados dentro do brizolismo.

A experiência do brizolismo na década de 80 trouxe de volta o debate, calado durante a ditadura. As campanhas usavam rádio, TV e principalmente a mobilização de rua. Discutia-se na rua. Estavam em jogo projetos políticos claros. Pela direita, os herdeiros da Carlos Lacerda e da ditadura; pela esquerda, os brizolistas; e, no meio, os herdeiros do populismo chaguista. O debate e o projeto brizolista tinham um endereço certo: um colega iuperjiano cunhou, na época, de o socialismo moreno do Brizola. No debate e na mobilização, à Prefeitura era reservada a função da promoção da cidadania, do combate à desigualdade social. Discutiam-se os Cieps, a regularização fundiária das favelas, dos loteamentos, e tantos outros temas. Bons tempos de mobilização, celeiro de bons políticos.

A última eleição que valeu a pena discutir na rua foi a de 1992: César Maia contra Benedita. De lá para cá, a política deixou o espaço e entrou no seu lugar a disputa pela administração eficiente. Foi assim que vivemos entre César e Conde nos últimos 12 anos. Eficiência agora é o principal atrativo eleitoral. A eficiência serve a qualquer projeto, mas ela por ela serve só ao status quo social.

Nesta eleição não há projeto político para a cidade. Não há projeto para o desenvolvimento social, o tema da desigualdade está ausente. O presidente Lula e seus ministros se esforçam em trazer seus projetos para a cidade. Nenhum candidato rebate ou adere, nem mesmo o seu protegido.

O único que tentou acender a fogueira da política foi o Gabeira, só que está propondo partir de vez a cidade numa guerra de ocupação à la Beirute.

O movimento na rua está igual ao final da última Copa, quando o Brasil foi desclassificado.

Isso não é sinal dos tempos. É falta de apetite.

Quem sabe no segundo turno as coisas melhoram.

Prestígio que desce ladeira abaixo

Paula Máiran
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Número de candidatos vem caindo ano a ano. Para especialistas, má fama é uma das causas

Há cada vez menos quem se atreva a pisar no campo minado da política. Caiu 24,4% a quantidade de candidatos a vereador no Estado do Rio desde o pleito de 2000. Desde 2004, a redução foi de 6,7%. O número de aspirantes ao cargo de prefeito também se reduziu em 6,5% em relação às eleições municipais passadas. Na opinião de políticos e de especialistas, os 13.841 candidatos em 2008 às câmaras municipais e os 343 a prefeituras tiveram que fechar os olhos para a má fama cada vez mais atribuída aos agentes do Legislativo e do Executivo. Além disso, enfrentaram o custo alto para realização de suas campanhas e ainda a peneira representada pelo avanço progressivo das megacoligações.

Um olhar mais detalhista sobre os dados estatísticos disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela, no entanto, discrepâncias entre as realidades de cada município. Enquanto 59 das 92 cidades do Estado apresentam número de candidatos a vereador inferior ao de 2004, 30 contam com ainda mais concorrentes e apenas três não tiveram esse índice alterado. A capital se inclui no grupo das campanhas mais competitivas, com 9,6% de aumento no número de postulantes a vagas de parlamentar e 12 candidatos à cadeira do prefeito – dois a mais em relação a 2004.

O fenômeno – tanto no sentido decrescente como no inverso – ocorre de modo pulverizado no Estado. Mas as variações mais radicais se verificam nos municípios de menor população, com acento mais forte na parte alta do mapa fluminense.

No Noroeste do Rio, Italva, com 13.679 habitantes, é a campeã no recuo de candidaturas a vereador, com 45,9% a menos em quatro anos, embora tenha aumentado de três para quatro o número de candidatos a prefeito na cidade. Seguem-na, com índices superiores a 30% de redução, Bom Jardim (38%), na região Serrana; Mendes (37,8%), no Sul Fluminense; Porciúncula (36,7%), no Noroeste; e Itaguaí (35%), no Sul. Também apresentam índices de queda acima de 30% Cachoeiras de Macacu (34,8%), na Baixada Litorânea; Barra do Piraí (32,8%), na região Centro-Sul; e São Fidélis (30,8%), no Norte.

Em sentido inverso, recrudesceu a disputa com mais ênfase em municípios mais ao Sul e nos litorâneos. No topo do ranking das cidades que tiveram aumentado o número de candidatos a vereador está Japeri, Baixada Fluminense, liderando com 40,1% de disputantes a mais do que em 2004 para a Câmara e quatro para prefeito, mais um em relação a antes. Nessa lista ainda estão Quatis (35,2%), no Sul; Cabo Frio (20,7%), na Região dos Lagos; Queimados (16,5%), na Baixada; e Volta Redonda (16%), no Vale do Paraíba.

O fenômeno da diminuição no número global de candidatos no Estado, tanto para vereador como para prefeitos, vem acompanhado de outras mudanças correlatas no cenário político. Como as coligações, que só aumentam de tamanho, segundo pesquisa do professor Vladimyr Lombardo Jorge, professor da Pontifícia Universidade Católica, sobre as eleições de 1992 a 2000.

Em 1992, as coligações vitoriosas envolviam três partidos no máximo. Em 1996, cinco. Em 2000, houve registro de oito partidos por frente. Neste pleito, as coligações superam, em média, a casa das dezenas. Tudo em razão do sucesso nas urnas dessa estratégia de campanha.

A crise se aprofunda


Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Como em 1929, a crise atual é gerada pela especulação de agentes financeiros em busca de maiores ganhos

NA ÚLTIMA semana a crise bancária americana se aprofundou dramaticamente, e já não há mais dúvida de que estamos diante da mais grave crise econômica mundial desde 1929. Como naquela época, estamos diante de uma crise gerada pela especulação de agentes financeiros em busca de maiores ganhos. Como naquela ocasião, os especuladores lograram contornar a regulação bancária existente. Diferentemente do ocorrido nos anos 1930, porém, o governo americano e, mais amplamente, os governos dos países ricos, munidos da teoria macroeconômica keynesiana, revelam competência muito maior em enfrentar e parcialmente anular os efeitos perversos da crise.

A crise financeira de 1929 representou um desmentido flagrante da teoria econômica neoclássica, que foi aos poucos substituída pela macroeconomia keynesiana. Durante os 40 anos seguintes à Grande Depressão, o mundo prosperou apoiado por políticas econômicas competentes. A partir de meados dos anos 1970, porém, teve início a ofensiva ideológica neoliberal que restaurará o domínio da teoria econômica neoclássica e neoliberal nas universidades -teoria desnecessariamente orientada a desmoralizar o Estado e justificar mercados auto-regulados. Os países ricos, porém, não utilizaram as teorias neoliberais que ficaram restritas à universidade e aos países em desenvolvimento.

Nos anos 1980, houve a grande crise da dívida externa que não foi conseqüência de erros da política econômica, mas da oferta de empréstimos irresponsáveis pelos grandes bancos internacionais e do erro dos países em desenvolvimento de aceitá-los. Entretanto, se os formuladores da política monetária dos países ricos não seguiram a teoria econômica neoliberal, o mesmo não se pode dizer de seus bancos.

Eles acreditaram na tese do mercado auto-regulado, rejeitaram a necessária regulação de suas "inovações financeiras" usando os argumentos daquela teoria, e agora estão quebrando. Se essas quebras ficassem limitadas às próprias empresas irresponsáveis, não haveria grande problema. Porém, como levam à crise toda a economia mundial, fica clara a perversidade do problema criado. Nesse quadro, apenas um fato é positivo: a política keynesiana que vem sendo adotada, e, por isso, não há possibilidade de voltarmos aos níveis de queda da renda e de desemprego dos anos 1930.

O Brasil já está sendo atingido pela crise através da queda do preço das commodities, da baixa das ações devido às saídas de capitais e da depreciação do real. Dada a notória apreciação do real, sua depreciação com essas saídas poderia ser bem-vinda. Na última semana, porém, um ataque especulativo interno contra o real, acelerando sua depreciação, mostrou que a economia brasileira voltou a se fragilizar internacionalmente, apesar dos US$ 208 bilhões de reservas.

E obrigou o BC a intervir vendendo dólares. Os especuladores locais puderam vender reais e comprar dólares porque o déficit em conta corrente voltou a se manifestar, uma vez que a liquidez em reais da economia brasileira subiu muito.

Como mostrou Yoshiaki Nakano no Fórum de Economia da FGV, o aumento de reservas dos dois últimos anos, através de compras de dólares pelo BC, não correspondeu ao equivalente aumento da dívida pública, mas ao aumento da quantidade de moeda. Portanto, da mesma forma que as reservas foram construídas através do aumento de liquidez em reais, sua diminuição pode levar à rápida desaparição das reservas internacionais se houver qualquer perda de confiança.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação:Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Nada de novo


Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Os últimos acontecimentos mostram que é preciso conter a mula-sem-cabeça da finança desregulada

NICHOLAS Brady, Eugene A. Ludwig e Paul Volker, figuras de proa do establishment financeiro americano, soltaram a voz em uníssono para recomendar medidas drásticas e urgentes para brecar o avanço da mais devastadora crise financeira desde a Grande Depressão dos anos 1930.

"Na ausência de uma ação corajosa, as coisas podem piorar... As medidas de emergência já tomadas pelo Fed e pelo Tesouro, ainda que necessárias, são insuficientes para domar a crise." Os três figurões da finança reconhecem que o sistema financeiro americano exige uma reestruturação profunda que o habilite a funcionar de forma mais adequada no futuro. Mas agora, já, imediatamente, é preciso livrar o mercado "do enorme volume de lixo tóxico hipotecário que não será honrado nos termos acordados.

Esses papéis não estão habilitados a suportar as enormes quantidades de instrumentos financeiros estruturados, alavancados muito mais do que 30 vezes. Até que seja adotado um novo mecanismo para extirpar esse tecido apodrecido do sistema, a infecção vai se disseminar, a confiança vai se deteriorar ainda mais e nós teremos de conviver com a mãe de todas as contrações de crédito." Brady, Ludwig e Volker propõem a criação de um "corpo governamental" encarregado de comprar os ativos depreciados por um fair market value e, (vejam bem...) "enquanto possível, capacitado a manter as pessoas em suas casas".

Essa instituição governamental deve ter existência limitada e ser administrada por profissionais não-partidários. "Plus ça change, plus c"est la même chose." Franklin Delano Roosevelt assumiu o governo dos EUA quando a Depressão de 1929 andava braba. Cuidou de salvar as grandes corporações e os bancos de seus próprios desvarios e preconceitos. A derrocada financeira foi enfrentada com o Emergency Bank Bill, de 9 de março de 1933, e pelo Glass-Steagall Act, de junho do mesmo ano. Esses dois instrumentos legais permitiram um maior controle do Fed sobre o sistema bancário.

Roosevelt facilitou o refinanciamento dos débitos das empresas, sobretudo da imensa massa de dívidas dos agricultores, estrangulados pela queda de preços. O "New Deal" utilizou a "Reconstruction Finance Corporation", criada por Hoover em janeiro de 1932, para promover a reestruturação do sistema bancário e financeiro. Roosevelt impôs a separação entre os bancos comerciais e de investimento; criou a garantia de depósitos bancários; proibiu o pagamento de juros sobre depósitos à vista e estabeleceu tetos no pagamento de juros para os depósitos e prazo (o Regulamento Q sobreviveu até 1965).

Nos anos 1990, as proezas do capitalismo destrambelhado foram cantadas em prosa e verso. Os tempos não podiam ser mais benfazejos para os vigaristas, encantadores de serpente, pitonisas e oráculos de todo gênero. Os últimos acontecimentos protagonizados pelos mercados mostram que é preciso conter a mula-sem-cabeça da finança desregulada. Sob pena de os cidadãos serem atormentados periodicamente pelas tropelias da mão invisível.

LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Aos amigos, tudo

Editorial
DEU NA GAZETA DO POVO (PR)

Segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo, o presidente Lula pediu à diplomacia brasileira que não aceitasse pedido de asilo político do governador do departamento boliviano de Pando, onde ocorreram os piores confrontos entre manifestantes favoráveis e contrários ao presidente Evo Morales. Leopoldo Fernández teve ordem de prisão decretada no domingo e foi detido na terça-feira.

A prisão contraria as leis bolivianas, na avaliação do próprio Itamaraty, o que daria força ao pedido de asilo. A atitude de Lula demonstra mais uma vez seu compromisso com os colegas do Foro de São Paulo, que reúne as forças de esquerda latino-americanas.

Afinal, enquanto o Brasil recusa asilo a um governador boliviano preso injustamente, concede o mesmo benefício a um membro de um grupo terrorista colombiano – Olivério Medina, das Farc – e devolve a Cuba os boxeadores que desertaram durante os Jogos Pan-Americanos. A diplomacia brasileira, que já chegou a ser reconhecida mundialmente, não pode continuar a ser refém de uma ideologia.