domingo, 5 de outubro de 2008

Gabeira é o primeiro candidato a votar no Rio de Janeiro


O primeiro candidato a votar na capital do Rio de Janeiro foi Fernando Gabeira (PV), que tenta a Prefeitura pela coligação "Frente Carioca" (PV-PSDB-PPS).

Ele chegou pontualmente às 8h, horário em que abrem as seções eleitorais, na escola municipal Pedro Ernesto, na Fonte da Saudade. Cumprimentou eleitores na fila para votação.

O candidato chegou ao local no jipe de campanha, conhecido como "Gabeirão" e disse estar confiante na ida para o segundo turno, pois disse confiar nos eleitores, argumentando que são eleitores combativos.

Questionado sobre as pesquisas divulgadas no sábado em que aparece empatado tecnicamente com Crivella (PRB), em segundo lugar, ele disse que está tranquilo.

Aos jornalistas presentes, Gabeira ainda disse que acredita em dois fatores que podem levá-lo ao segundo turno. Disse que o primeiro fator é o empenho e a capacidade de argumentação dos eleitores e o segundo é a reflexão que eles podem fazer sobre o futuro da cidade e ver que, se é importante para a cidade dar esse passo, o colocarem na disputa.

É só conferir o que diz o Ex- Blog de César Maia:


1. Gabeira chegará aos 20% e Crivella ficará nos 14%, aliás, previstos desde o início da campanha por este Ex-Blog.

2. O Ibope -confessando os erros- fez um gigantesco ajuste em uma semana. A diferença de 14 pontos passou a ser de 2 (19% a 17%). Mas para fazer essa mágica e se justificar, o Ibope disse que fez uma pesquisa com 1.200 entrevistas durante três dias: quinta, sexta e sábado. Com isso dirá que havia uma curva ascendente de Gabeira e que os três dias mitigaram esse resultado.

3. O Data-Folha fez a pesquisa entre sexta e sábado e deu Gabeira na frente: 18% a 17%, com 2 mil entrevistas.

4. Mas os experimentados entrevistadores do Data-Blog foram para a rua no sábado e entrevistaram 1.200 pessoas por toda a cidade. Na quinta-feira haviam apontado 17% para o Gabeira e 15% para o Crivella projetando pelo menos 3 pontos de diferença no hoje.

5. Mas ontem o Data-Blog fez primeiro uma pesquisa efetivamente espontânea. Gabeira teve 17% e Crivella 10%. Paes teve 22%. Ainda tinham 36% de não-voto (brancos-nulos-indecisos).


6. Na pesquisa de ontem, de intenções de voto induzidas, Gabeira teve 20% e Crivella 14%, numa enorme vantagem muito além da margem de erro. A curva ascendente de Gabeira traduz um movimento de contaminação de voto que pode ampliar esta diferença.


A mãe das leis, mas não de todas as regras


Carolina Brígido
DEU EM O GLOBO


Passados 20 anos, Constituição ainda tem 66 artigos (cerca de um quarto do total) à espera de regulamentação


BRASÍLIA. A Constituição Federal completa hoje 20 anos de existência repleta de lacunas. Até hoje, 66 dos 250 artigos aprovados em 1988 não foram regulamentados pelo Congresso Nacional e, por isso, não podem ser aplicados na prática. Ou seja: 26,4% do texto ficaram só no papel. Esses assuntos pendentes são, em grande parte, sobre questões trabalhistas. Mas também há pendências sobre a criação de municípios, a estrutura do serviço público e a política nacional.

Um desses casos é o artigo 7º, inciso 1º - uma verdadeira peça de ficção na realidade brasileira. Segundo o texto, trabalhadores urbanos e rurais que forem demitidos sem justa causa têm direito a uma indenização compensatória e outros benefícios que seriam definidos por lei complementar. Como a lei ainda não existe, nenhum trabalhador que passou por esta situação teve seu direito respeitado.

Outro trecho que aguarda regulamentação está no inciso 11 do mesmo artigo 7º, que garante aos empregados a participação nos lucros ou resultados da empresa - um dinheiro complementar ao salário mensal que chegaria ao bolso do trabalhador se o Congresso tivesse aprovado uma lei para definir como isso aconteceria. Atualmente, essa já é prática adotada por algumas empresas.

O texto original da Constituição deixou 126 artigos pendentes da aprovação de lei complementar para entrar em vigor. O Congresso tomou essa providência em apenas 60 deles. Em maio deste ano, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), comprometeu-se a criar uma comissão para analisar todos os dispositivos não regulamentados. A medida ainda não saiu do papel.

STF faz papel do Congresso

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal resolveu, no julgamento de ações, suprir a omissão dos parlamentares e regulamentar alguns dispositivos da Constituição. Ao todo, foram 12 julgamentos desse tipo, dos quais sete realizados entre 2007 e 2008. Um dos casos mais polêmicos foi o da greve dos servidores públicos - um direito garantido pela Carta, mas nunca detalhado em lei pelo Congresso.

Em outubro do ano passado, o STF estabeleceu que os servidores poderiam cruzar os braços nos mesmos moldes da lei que regulamenta a paralisação dos trabalhadores do setor privado. A mais alta Corte do país declarou que o Congresso foi omisso por não ter decidido sobre o tema durante os 19 anos anteriores. Neste período, as greves no setor público eram julgadas ilegais nos tribunais por falta de regulamentação. Agora, os servidores podem fazer greve, desde que seja mantida pelo menos 30% da prestação de serviços essenciais.

- O STF não usurpa competências institucionais de outros poderes. Ao contrário, cumpre com estrito respeito ao texto da Constituição a missão que o legislador constituinte lhe confiou, que é o de velar pela guarda da Constituição - explica Celso de Mello, o mais antigo ministro do Supremo.

Na opinião do advogado Joaquim Falcão, integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e professor de direito da Fundação Getúlio Vargas, a tendência de preencher as lacunas deixadas pelo Congresso tende a crescer no STF. Para Falcão, quando age dessa forma, a Corte não invade a tarefa dos parlamentares, e sim garante aos brasileiros a efetividade da Constituição:

- Se o Congresso não regulamentar, vai criar um vácuo normativo e esse vácuo vai ser ocupado pelo Supremo. O Congresso vai ter que agilizar seu processo decisório.

Para Luís Roberto Barroso, professor de direito da Uerj e advogado atuante no STF, a falta de regulamentação de artigos não significa a ineficiência da Constituição. Ele acredita que os tópicos mais importantes já estão em vigor:


- Não acho que coisas verdadeiramente importantes deixaram de ser regulamentadas.

Já o ministro do STF Carlos Ayres Britto, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acredita que a falta de regulamentação de artigos constitucionais é a chave de muitas mazelas brasileiras. Para ele, os integrantes da Assembléia Constituinte erraram quando previram a regulamentação posterior, por lei complementar, de tantos dispositivos.

- Se a Constituição fosse auto-aplicável nessa matéria da participação nos lucros, no crescimento, no desenvolvimento das empresas, acho que o Brasil estaria melhor - avalia.

Omissão ajuda fichas-sujas

Este ano, Ayres Britto, na função de presidente do TSE, tentou tocar numa dessas feridas levantando, entre seus colegas, a polêmica sobre candidatos condenados em instâncias inferiores ou que respondem a ações judiciais. Ayres queria impedir candidaturas desse tipo de político, mas não convenceu a maioria dos colegas. Esbarrou no artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição, ainda não regulamentado pelo Congresso. Segundo esse dispositivo, uma lei complementar deveria estabelecer casos de inelegibilidade, "a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições". Em 1990, o Congresso aprovou a Lei das Inelegibilidades 64, mas muitas lacunas permaneceram.

Além de declarar a omissão do Congresso, o STF foi além: chegou a dar um ultimato para que os parlamentares regulamentassem um dos artigos da Constituição. A Emenda Constitucional 15, de 1996, estabeleceu que a criação de novos municípios deveria obedecer a parâmetros de uma lei complementar. Essa lei nunca foi votada pelo Congresso. Em maio do ano passado, num julgamento, o STF considerou irregulares as cidades criadas após a edição da emenda e fixou um prazo de 18 meses (que termina em novembro) para que o Congresso aprovasse a lei sobre o tema. O tribunal também fixou um prazo de 24 meses (que expira em abril de 2009) para que os municípios possam sobreviver sem a lei.

Hoje, a existência de 57 cidades brasileiras depende de uma atitude do Congresso - o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, já avisou que não cumprirá o prazo. E o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, já descartou a possibilidade de estender o prazo ao Congresso:

- Se o Congresso não colocar em votação, os municípios serão considerados inconstitucionais e desaparecerão.

O ministro do STF Ricardo Lewandowski defende a regulamentação da Constituição, ressaltando que a decisão da Corte vale apenas até que o Congresso aprove a lei exigida.

- A decisão é provisória, vale até o Congresso legislar - diz Lewandowski, evitando criticar a demora dos parlamentares. - Todos esses temas são complexos.

O ministro Eros Grau também não quis bater de frente com os parlamentares quanto à demora na regulamentação:

- O Congresso sabe o que faz. Não cabe a nós dizer se está demorando ou não.

Vaiado e aplaudido, Ulysses comandou votações



Luiza Damé
DEU EM O GLOBO


Deputados dizem que o "Senhor Diretas" foi o ponto de equilíbrio da Constituinte

BRASÍLIA. O deputado José Genoino (PT-SP) é taxativo: a Assembléia Nacional Constituinte só concluiu seus trabalhos graças à habilidade política do deputado Ulysses Guimarães - morto cinco anos depois da promulgação da Constituição, num acidente aéreo. A opinião é confirmada por vários outros constituintes: Ulysses foi o ponto de equilíbrio dos debates. O tripresidente - além da Constituinte, ele também comandava a Câmara e o PMDB - esteve à frente de todas as votações importantes no plenário, repetindo dezenas de vezes ao dia "vamos votar, vamos votar", o que acabou virando um bordão. E, claro, participou das negociações das matérias mais polêmicas.

- Ele tinha autoridade moral. Nada acontecia sem ele na Constituinte. Participou de todas as negociações sabendo exatamente onde queria chegar: a uma Constituição democrática - lembra o deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA).

Principal líder da oposição durante a ditadura militar, Ulysses conseguia arrancar aplausos num dia e, no seguinte, ser sonoramente vaiado pelo mesmo grupo. Durante a Constituinte, provocou a ira da esquerda ao aceitar a proposta do chamado Centrão, que reunia parlamentares de centro-direita, para mudar o regimento e quebrar a hegemonia das propostas progressistas.

Neste dia, deixou o plenário vaiado pela esquerda. Até hoje alguns constituintes lembram do comunista baiano Haroldo Lima, atual presidente da Agência Nacional de Petróleo, irado, subindo em uma cadeira, vaiando e jogando bolinhas de papel em Ulysses por causa dessa votação. A um grupo de deputados inconformados com a mudança, ele explicou: não poderia levar os trabalhos até o final alijando parlamentares como Ricardo Fiúza, José Lourenço e Roberto Cardoso Alves, os principais líderes do Centrão. Os mesmos que vaiaram Ulysses o receberam no plenário sob aplausos, quando ele chamou a junta militar que fez a Constituição de 1967 de "três patetas", reagindo a críticas aos trabalhos da Constituinte. O mesmo Haroldo Lima subiu na cadeira para aplaudir Ulysses. Ao mesmo tempo que tentava segurar a esquerda em alguns momentos, em outros incentiva-a a defender teses progressistas.

- Ulysses foi o grande fiador e o ponto de equilíbrio da Constituição. Sem ele, a Constituinte não teria terminado - disse Genoino, um dos mais atuantes constituintes.

Ulysses foi eleito deputado estadual em 1947 e não abandonou mais a política. Foi eleito consecutivamente para 11 mandatos de deputado federal, cumprindo uma das mais longas carreiras do Congresso brasileiro, interrompida no dia 12 de outubro de 1992, num acidente de helicóptero em Angra dos Reis.

A promulgação da Constituição foi o ponto alto da vida pública de Ulysses, um torcedor fanático do Santos. Mas a carreira do "Senhor Diretas" - que durante a ditadura militar enfrentou a polícia e seus cachorros para levar adiante a anticandidatura à Presidência da República, num período em que não havia eleição para presidente - também foi marcada por equívocos políticos.

Empolgado com a notoriedade conquistada no comando da Constituinte, Ulysses insistiu numa candidatura a presidente da República, em 1989, contra a vontade da maioria do PMDB, que o abandonou na campanha. Ele amargou um sétimo lugar nas eleições, vencidas por Fernando Collor. Em 1992, quando começaram as denúncias contra Collor, Ulysses se opôs a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o governo.

Depois, convencido do envolvimento do então presidente em atos de corrupção, apoiou as investigações e passou a trabalhar pelo impeachment. Irritado com a movimentação de Ulysses, Collor o chamou de velho gagá em uma reunião com aliados. Ulysses respondeu: "Sou velho, mas não sou velhaco".

Em constante mutação, carta reflete o país

Carolina Brígido
DEU EM O GLOBO


Praticamente a metade do texto aprovado em 1988 foi modificada ao longo dos anos através de emendas


BRASÍLIA. A Constituição que está hoje em vigor é um livro bem diferente do que foi concebido pelos 559 congressistas em 1988. Como uma colcha de retalhos, o texto vem sendo cortado e costurado ao longo dos últimos 20 anos. Dos 246 artigos da obra original, 115 foram modificados por emendas aprovadas pelo Congresso Nacional. Outros quatro foram acrescentados no final. Ou seja: já foram alterados 46,7% da Carta aprovada há duas décadas. A parte das disposições transitórias - um conjunto de regras com tempo definido de validade - tinha 72 artigos. Cinco deles foram alterados por emendas e outros 23, acrescentados.

Apesar de tantas mudanças, ministros do Supremo Tribunal Federal, a Corte guardiã da Constituição, ressaltam que as partes mais importantes foram mantidas e, portanto, o espírito do texto original permanece.

- A essência da Constituição se encerra nos artigos 1º , 3º e 170. Ali são afirmados os princípios fundamentais, e eles permanecem intactos. O que houve foram mudanças pontuais. A espinha dorsal permanece intacta - analisa o ministro Eros Grau.

Lewandowski: "É uma Constituição dinâmica"

Os trechos mencionados pelo ministro foram poupados das reformas e enumeram, como pilares da sociedade brasileira, conceitos como a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Os artigos também listam como objetivos do país a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais, além do fim de qualquer forma de preconceito.

O Congresso também manteve na Carta os direitos fundamentais, como a igualdade entre homens e mulheres e a livre manifestação de pensamento e expressão. Esses trechos são considerados a essência da Constituição. E, como direitos e garantias individuais, são cláusulas pétreas - ou seja, não podem ser modificadas, mesmo que os parlamentares quisessem.

O presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, concorda com Eros. No entanto, explica que as emendas sofridas pela Constituição fizeram do Brasil um país mais privatizado, menos dependente do Estado.

- É claro que a ordem econômica sofreu uma alteração significativa, porque o modelo econômico era outro, fortemente estatizante. E agora, especialmente a partir do governo Fernando Henrique, há um modelo muito mais privatista, ou muito mais influenciado por uma concepção liberal - afirma.

Ricardo Lewandowski, também integrante do Supremo, faz a mesma avaliação. Como mudanças mais marcantes trazidas pelas emendas, ele ressalta a redução do Estado, com a privatização de serviços públicos, e o fim do monopólio sobre o petróleo:

- É uma Constituição dinâmica, que pode e vem sendo atualizada. Tivemos muitas emendas porque a constituição foi promulgada num momento de transição. Foi preciso adaptar o texto aos novos tempos. Antes, tínhamos uma Constituição mais nacionalista, onde o Estado tinha prevalência um pouco maior. Talvez seja necessário que o Estado retome um pouco as rédeas e assuma mais responsabilidades no plano da economia e da sociedade.

Congresso tem hoje 1.441 emendas tramitando

Celso de Mello, o mais antigo ministro do STF, vê com naturalidade as mudanças na Constituição ao longo dos anos.
- A Constituição é um corpo vivo e está em processo de constante mutação - define.

Menos de quatro anos após a Constituição ter ficado pronta veio a primeira emenda, aprovada pelos parlamentares em 31 de março de 1992. O texto trata da remuneração de deputados estaduais e vereadores. A última emenda editada foi a de número 56, de dezembro passado, prorrogando o prazo de vigência das disposições transitórias. E não deve parar por aí: atualmente, tramitam no Congresso 1.441 projetos de emenda constitucional, dos quais 972 aguardam votação na Câmara e 469, no Senado. O ímpeto reformista do Congresso se acentuou em 2000, quando sete emendas constitucionais foram promulgadas.

Diante de tantas mudanças, o ministro do STF Marco Aurélio Mello costuma dizer, em tom de piada, que a Constituição é um periódico, sempre com um novo volume a ser publicado:

- As emendas não chegaram a descaracterizar a Constituição, mas implicaram esperanças vãs quanto a dias melhores. E eles virão quando voltarmos os olhos para a educação e o cumprimento das leis.

Constituição: Debates e grandes líderes marcaram época

Luiza Damé
DEU EM O GLOBO

Congresso hoje vive ressaca da Constituinte

BRASÍLIA. Vinte anos depois, o Congresso vive um clima de ressaca. O Legislativo cheio de grandes líderes hoje coleciona casos de parlamentares que respondem ao Conselho de Ética. Se em 1988 os debates agitavam as galerias e enchiam Câmara e Senado de manifestantes, atualmente, num plenário isolado dos visitantes por vidros, reina a lamentação por poucas votações e pautas travadas por medidas provisórias.

- Na Constituinte, havia um debate intenso. As pessoas estavam ali para defender seus pontos de vista. Não tinha essas coisas de dinheiro para votar - diz o ex-deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF), eleito para a Constituinte na primeira bancada do Distrito Federal.

Segundo o deputado José Genoino (PT-SP), um dos 16 petistas da Constituinte, mesmo quando houve troca de favores entre o Palácio do Planalto e os parlamentares, o tratamento era diferente. Ele citou a votação do mandato do então presidente José Sarney, quando houve distribuição de concessões de rádio e televisão aos aliados do Planalto para aprovarem cinco anos. O mandato de Sarney era de seis anos, mas a esquerda queria reduzi-lo para quatro.

O comportamento dos congressistas durante a Constituinte refletiu um momento especial da história brasileira: a redemocratização. Os diversos setores da sociedade acompanharam de perto os debates e pressionaram para incluir suas teses no texto constitucional. Na época, Ulysses Guimarães não fazia restrições à presença da sociedade nos corredores da Câmara. As galerias eram tomadas em dias de votações importantes.

- As pessoas pressionavam os constituintes. Algumas votações eram transmitidas em praças públicas - diz Sigmaringa, lembrando a votação da reforma agrária, uma das mais polêmicas:

- O Centrão (grupo de parlamentares de centro-direita) encheu as galerias. O (Mario) Covas, que era o líder do PMDB, foi vaiado e quase foi agredido.

Para o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), um dos constituintes, temas como a licença-paternidade e outros do capítulo social, são típicos de lei ordinária e não deveriam ser tratados na Constituição. Defensor de uma Carta mais enxuta, o senador disse que a maioria dos constituintes não tinham uma visão exata do que é um texto constitucional:

- Constituição é uma carta de princípios. Na nossa, colocaram pontos que são de estatuto partidário. Uma carta não pode ser liberal nem socialista.

Dores da recessão


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A cada dia que passa, a crise se mostra muito mais grave do que se pensava, e mesmo a aprovação do pacote econômico não traz a promessa de tranqüilidade futura, mas apenas a sensação, não a garantia, de que ganhamos tempo para impedir que a crise se transforme em um buraco negro que engoliria todo o sistema financeiro, que continua sofrendo as conseqüências desses anos todos de "exuberância irracional" descontrolada. Do lado financeiro, não apenas nos Estados Unidos, mas também na Europa e nos países emergentes como Brasil, o fim dos bancos de investimentos ainda respinga nos bancos comerciais, na forma mais branda de enxugamento de créditos, ou mesmo na consolidação de empresas para evitar a falência pura e simples.

A incógnita é a China, onde a falta de transparência nas contas públicas pode esconder fragilidades desconhecidas, especialmente no seu sistema financeiro. O certo é que a recessão a nível global fará com que a demanda chinesa se arrefeça nos próximos anos, e a redução de seu ritmo de crescimento, mesmo que passe para 6% ou 7%, terá repercussões nos preços das commodities no mercado internacional, afetando de maneira direta a economia de outros países emergentes como o Brasil.

Nesses, a falta de dinheiro para investimento será a tônica dos próximos meses ou mesmo anos, o que, no nosso caso específico, pode atrasar a exploração dos campos de petróleo do pré-sal, tesouro que necessitaria de investimentos altíssimos para se transformar em realidade. Menos mal que, mesmo que se confirme a dificuldade momentânea de investimento, continuará com seu potencial intacto à espera de melhores dias.

Do ponto de vista produtivo, a boa notícia seria que a economia dos Estados Unidos não entrasse em recessão, como já seria o caso atual da Europa e do Japão, mas à medida que o tempo passa, essa estimativa ganha cada vez mais contornos de torcida do que de estimativa baseada em dados concretos.

De qualquer maneira, há um consenso entre os analistas de que a desaceleração da economia americana será longa, sendo certo, até onde é possível prever-se em uma situação como a atual, que não cresce até pelo menos o segundo semestre de 2010.

Essa constatação coloca a crise atual com uma característica basicamente diferente de todos os ciclos de retração passados, que foram marcados pela queda rápida da economia dos Estados Unidos, seguida de uma rápida recuperação.

Os próximos passos após a aprovação do pacote econômico ainda terão que ser de estímulo a setores básicos como o imobiliário, que deu início a todo esse processo de decomposição da economia norte-americana.

O economista Tomas Trebat, do Centro de estudos Brasileiros da Universidade Columbia, em Nova York, considera que a próxima decisão do Congresso, antes até mesmo de discutir as novas regras de regulação do sistema financeiro, o que deverá ser feito pelo Congresso eleito em novembro junto com o novo presidente, será reforçar os incentivos para os proprietários americanos que ainda estão em dificuldades para pagar suas hipotecas, fazendo com que o mercado imobiliário continue mergulhando em um poço sem fundo de desvalorização dos preços.

Além da questão financeira, o problema social provocado por essa bola de neve que continua rolando será um dos grandes desafios do próximo governo, especialmente em alguns estados como a Califórnia e a Flórida. No estado governado por Arnold Schwarzenegger, por exemplo, já existem verdadeiros acampamentos de sem-teto, que se espalham por barracas e até mesmo em estacionamentos públicos, com os antigos proprietários dormindo dentro de seus automóveis e sem pagar pela permanência.

Isso os que ainda conseguiram ficar com os automóveis, que servem de casa, na impossibilidade também de encher o tanque com o preço da gasolina. Não é apenas a tragédia social em si, mas a quebra da auto-estima do cidadão médio americano que está aumentando a insegurança com o futuro.

Pode ser estranho para quem não está acostumado com a dependência do americano comum ao automóvel, mas o exemplo que o candidato democrata a vice Joe Biden deu no debate de quinta-feira, do sujeito que disse a ele que não sabia mais quanto custava encher o tanque de gasolina de seu carro porque há muito tempo não tinha dinheiro para fazer isso, é sintomático da crise e, sobretudo, da mudança de atitude que o próximo presidente terá que comandar na sociedade para superar essa dependência.

Da mesma maneira, a candidata republicana Sarah Palin tocou em uma questão central da crise americana, a culpa que o cidadão comum tem pelo endividamento excessivo de cada família.

É claro que o estímulo ao consumo desenfreado está no centro da crise, e os empréstimos sem a correspondente garantia só ocorreram num ambiente financeiro alavancado exageradamente. Mas é a partir da crise que o cidadão americano está aprendendo que algumas certezas com que vivia, como a de que sua casa própria estará sempre valorizando e que seu aumento salarial virá sempre, não são verdades absolutas.

Todos esses hábitos e essas certezas, que terão que ser modificados, trazem insegurança à sociedade americana, fatores psicológicos que também terão que ser manejados com cuidado pelo futuro presidente da República.

O candidato democrata Barack Obama já começou a acenar com programas de incentivo a obras públicas à semelhança ao New Deal comandado pelo então presidente Franklin Roosevelt para tirar o país da Grande Recessão em 1932.

Não há dúvida de que quem assumir a Presidência em 20 de janeiro do ano que vem terá pela frente um país sentindo cada vez mais os efeitos de uma recessão econômica que a cada dia mais se torna realidade.

O destino e o calendário


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Obra da coligação entre o destino e o calendário, a Constituição do Brasil redemocratizado faz 20 anos em dia de eleição - um dos raros momentos em que a atividade política desfruta de algum prestígio popular.

Posar juntas na fotografia de aniversário faz bem para as duas, política e Constituição, alvos constantes de críticas - algumas justas, boa parte injusta, outras até insuficientes -, ambas, porém, fiadoras do regime de liberdades.

Melhor ainda para a democracia seria se nessas duas décadas tivessem caminhado no mesmo ritmo, sem o descompasso entre os avanços conquistados pelo País desde a promulgação da nova Carta, em 5 de outubro de 1988, e a estagnação dos meios e modos da política ao molde dos velhos manuais.

O voto ainda é obrigatório, o sistema eleitoral deforma a representação, os partidos sobrevivem em função das benesses do Estado e, por isso, vivem de costas para a sociedade. A esperteza é celebrada como um grande atributo, enquanto a boa conduta é vista como coisa de gente tola. Quando não hipócrita.

A reforma de verdade não se faz e as alterações nas leis são meras adaptações para atender aos interesses eleitorais dos mais fortes de ocasião. Entra eleição sai eleição, nada se debate de essencial. Os candidatos desfilam suas performances, trocam uns desaforos e o resto fica por conta das pesquisas e da publicidade.

E para não dizer que tudo é só paralisia, podemos registrar também alguns retrocessos: a transformação do baixo clero na elite do Congresso, a submissão total dos políticos ao governismo de resultados - expresso tanto no fisiologismo quanto no oportunismo -, a reverência ao populismo, o retorno ao coronelismo agora atuante sob a forma de “currais” do crime organizado e a desvalorização do embate de idéias.

O contraditório foi substituído pelo consenso fabricado, sob o equivocado raciocínio de que a concordância é produto do senso democrático e a divergência só assalta os espíritos contaminados por vocações golpistas.

O deserto, porém, não é só de idéias. Há muito poucos políticos novos no cenário e nenhum que ouse caminhar contra a corrente dos ensinamentos políticos tidos como inamovíveis.

Nada disso é responsabilidade do perfil institucional do País desenhado na Carta de 88. Se culpa há, na opinião do jurista Célio Borja, deve ser atribuída, sobretudo, aos comportamentos desviantes e às cabeças conduzidas por pensamentos arcaicos.

“Nossa cultura política é proporcional ao nível cultural de nossos dirigentes que, incapazes de engendrar soluções satisfatórias, partem para a comunicação teatral pagando tributo a idéias velhas e dogmas superados”, diz, em análise feita especialmente para o caderno 20 Anos de Constituição, publicado na quinta-feira pelo Estado.

Autor da emenda que convocou a Assembléia Nacional Constituinte eleita em 1986, Célio Borja considera a Constituição brasileira uma das melhores - senão a melhor - do mundo em termos de declarações de direitos individuais.

“Ela consagra valores que a democracia cultiva, de uma forma única entre as constituições modernas.” Para ele, os críticos do excessivo detalhismo da Carta têm razão - “deveria ser mais enxuta” -, mas lembra que o fenômeno é comum a todas as Constituições feitas depois da Primeira Guerra Mundial.

“Resultado da necessidade de se proteger a sociedade do arbítrio do Estado, do reconhecimento de novos direitos sociais e da atuação de grupos de pressão.” Nada, segundo ele, que não possa ser corrigido com o tempo e sem grandes mistérios: por meio de emendas, como se faz no mundo todo.

“Constituições não podem ser intocáveis”, pondera, citando justamente a americana, sempre lembrada como o exemplo de perenidade. “É um mito. A Suprema Corte vem interpretando a Constituição dos Estados Unidos praticamente todo santo dia.”

Célio Borja defende todos os avanços da Constituição brasileira ao mesmo tempo em que identifica na política um fator de atraso. Prega a reforma, mas começaria pelo mais difícil: o desmonte da fonte atual de alimentação dos partidos, acabando logo de início com os cargos de confiança.

“Se você despartidariza a administração, tira deles a principal ferramenta de trabalho e, com isso, obriga os partidos a se sintonizarem com o povo e a buscarem sua força na sociedade.”

Na visão do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-presidente da Câmara dos Deputados, feito isso, tudo o mais viria por gravidade, a começar pela mudança do sistema eleitoral “louco”, pelo qual “você vota num candidato e elege outro”.

Pois é, mas como fazer isso se os políticos têm o controle sobre a mudança das regras, mas não têm interesse em alterá-las?

“Só tem um jeito: com uma liderança capaz de enfrentar a questão e de convencer a sociedade a aderir.”

Alguém no horizonte?

“Ninguém. O único com capacidade de comunicação é o Lula, mas, infelizmente, ele não compreende essa realidade.”

A arquitetura financeira


Fernando Henrique Cardoso
DEU EM O GLOBO


Quem pagará de fato os custos do ajuste que terá de ser feito?


Os mecanismos de formação de crises financeiras e o modo de sua propagação são conhecidos. A situação atual repete o enredo: abundância de financiamentos, voracidade dos consumidores, relaxamento dos mecanismos de avaliação de risco, falta de fiscalização das entidades emprestadoras e confiança "inabalável" em que haverá sempre quem empreste e quem pague. Iniciada no setor imobiliário, houve um complicador de "engenharia financeira" na presente crise. Os preços das casas nos Estados Unidos e na Europa estavam subindo há muito tempo.

Havia empréstimos fáceis e abundantes para a compra. Os consumidores poderiam pagá-los a perder de vista e revender os imóveis, para comprar outros maiores ou realizar o lucro. Os bancos e instituições de crédito imobiliário revendiam os empréstimos sob a forma de títulos hipotecários. Havia investidores ávidos por comprá-los, assim como intermediários para realizar as operações de venda ao público em escala global: os bancos de investimento e os bancos comerciais, com seus "veículos de investimentos estruturados", criados com esse propósito.

Sobrava-lhes capacidade e criatividade para gerar novos produtos financeiros com base nesses créditos. Eles sabem como fatiá-los, misturá-los entre si e juntá-los a créditos representativos de outros ativos. Essa alquimia, diziam, dilui o risco e multiplica os canais de financiamento por toda a economia, fazendo o dinheiro fluir das mãos de quem tem e quer aplicar para as mãos de quem quer tomar emprestado para comprar (imóveis, mas não apenas). A economia cresce, as empresas lucram, os ativos se valorizam, e todo mundo ganha. Até que... a bolha furou.

A economia globalizada funciona em vasos comunicantes. O que um agente financeiro faz, outro imita e não só no país originário: umas financeiras vendem às outras em toda parte do mundo. O sistema financeiro funcionou fora dos controles dos bancos centrais e mesmo com a indulgência deles. Sem transparência nas operações tornou-se difícil avaliar os riscos e garantir a confiança. De uma crise de liquidez de quem não tinha como honrar os compromissos passou-se a uma crise de confiança: ninguém confia em ninguém para emprestar dinheiro, nem mesmo os bancos para emprestarem uns aos outros. O crédito seca. Só depois da crise propagada, os bancos centrais injetaram os trilhões de dólares. Pior: deixaram margem para a suspeita de que mais do que salvar o sistema, salvavam fortunas pessoais às custas do contribuinte.

Há séculos se sabe que o remédio contra a exacerbação irracional dos mercados é regulação e transparência. Mas disso só há recordação depois que a "bolha" estoura. E não adianta saber, como sabíamos, que os fundamentos da economia americana estavam bambos, com o espantoso déficit gêmeo de cinco ou mais por cento do PIB nas contas internas e externas e com um governo gastando em guerras e diminuindo o imposto dos ricos. Quando o frenesi do lucro fácil motiva as pessoas, elas agem como manadas: todas dispostas a comprar. Quando a bolha estoura, todos dispostos a vender. Ao diabo os fundamentos da economia...

O resultado está à vista de todos: quebra generalizada de confiança. Ninguém sabe ao certo a solidez de cada instituição financeira nem de cada empresa, pois elas também podem ter entrado na febre das hipotecas e derivativos. Os investidores, especuladores, clientes em geral, na dúvida, correm para colocar seus haveres em um porto seguro. Até há pouco, no dólar e em papéis emitidos pelo Banco Central americano. Até quando a China e os demais países continuarão confiando no dólar? Na crise dos anos 1970, quando o governo Nixon quebrou a paridade entre o dólar e o ouro, os americanos fizeram o ajuste de seus desatinos fiscais desvalorizando sua moeda às custas do mundo, com inflação e tudo. Os desatinos da era Bush irão pelo mesmo caminho? Há, contudo, uma diferença: existe o euro. E há outras diferenças mais, a China é forte e existem outras economias emergentes. O jogo do empurra-empurra está apenas começando. A verdadeira batalha virá depois: quem pagará de fato os custos do ajuste que terá de ser feito?

Certamente, de modo direto ou indireto, o mundo todo pagará. Inclusive o Brasil: as linhas de crédito estão secas para o comércio exterior, haverá dificuldades para financiar novos investimentos, as bolsas e o real ziguezagueiam, o "risco-país" aumenta, a taxa de crescimento será reduzida, haverá diminuição da demanda global. Cobrarão seu preço, agora, os seis anos perdidos em dúvidas e batalhas ideológicas sobre o modelo de investimento para os setores de infra-estrutura. Com o capital até há pouco abundante, poderíamos ter completado o salto iniciado nos anos 90. Temos, porque foram preservados, os instrumentos para uma boa gestão da economia: a política de metas de inflação, a Lei de Responsabilidade Fiscal e um câmbio flutuante, respaldado por reservas internacionais robustas, além de um sistema financeiro saudável, graças ao saneamento feito através do Proer e do Proes. Assim, se deixarmos de lado o escapismo de pensar que não temos nada com a crise "americana", temos chances de sobreviver e retomar o crescimento sustentável.

É hora de retornar à questão da reforma da "arquitetura financeira global", como dizia o presidente Clinton. Enquanto estive na Presidência, insisti por cartas aos chefes de Estado e governo do G-8 em que a regulação financeira mundial era precária, o FMI impotente ou enviesado, o Banco Mundial apequenado pelo vulto dos investimentos privados. Os esforços regulatórios do BIS (o banco da Basiléia que emite normas para todos os bancos centrais) não eram obedecidos por todos, como não são ainda. Basta dizer que enquanto os bancos brasileiros não emprestam mais do que 12 vezes seu capital e reservas, nos Estados Unidos instituições financeiras "alavancadas" emprestam até 50 vezes!

O Brasil, a China, os demais países de economias emergentes e a própria Europa devem voltar ao tema da regulação global. Quem sabe, convocando um novo Bretton Woods, para criar um mecanismo regulador que utilize como reserva uma cesta de moedas composta não só por dólares, mas que inclua o euro, o yen, o reminbi e quem sabe, no futuro, o real, depois dele tornar-se conversível? Não custa, no meio do pesadelo, sonhar um pouco.

O crash no palanque


Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O presidente Lula não é propriamente um ser político, é um ser eleitoral. Nas suas veias, em lugar de sangue, correm pesquisas, alianças, candidaturas, calendários. Se lhe perguntarem algo sobre o Corinthians, a réplica será pautada pelos seus interesses no pleito de domingo, um inocente "será que chove no fim de semana?" produzirá uma resposta conectada à construção das hidrelétricas do PAC. O homem só pensa naquilo: urna. E as suas sucessivas e desencontradas manifestações sobre a crise financeira pareceram ditadas por seus humores eleitorais. De início, levemente petulantes – "o problema não é meu, é do Bush" –, passaram a soar como jactância – "eles (os americanos) não fizeram o dever de casa, nós fizemos – e, quando a Câmara dos Representantes rejeitou o pacote de socorro, afinal percebeu a extensão do problema e impacientou-se com a demora.

Na última quinta, já advertido de que a sua formidável popularidade não seria transferida automaticamente aos candidatos de sua predileção, permitiu-se sair do âmbito paroquial para admitir semelhanças da atual quebradeira com a de 1929. Bem-vindo à realidade, Excelência! A bolha imobiliária americana ganhou estas proporções planetárias porque os atuais ocupantes da Casa Branca não acreditam em regulamentação nem em agências reguladoras. Por razões diferentes, porém igualmente prepotentes, o Planalto também tem ojeriza às agências reguladoras que considera como estorvo aos seus desígnios imperiais.

O tal dever de casa que teríamos feito precisa ser esmiuçado: chamou-se Proer, foi adotado em 1995 para evitar uma corrida aos bancos e contrariou vontade do então presidente do PT, o hoje presidente da República, Lula da Silva. Ao reclamar da lentidão do processo legislativo americano, o presidente cometeu na melhor das hipóteses o pecado da soberba e, na pior, o da ignorância. A proposta do Secretário do Tesouro foi acolhida pelo Congresso no fim da semana passada e foi aprovado sexta, apenas oito dias depois. Isso na reta final de uma renhida disputa presidencial que inclui a renovação parcial do Congresso.

Quantas semanas deveríamos esperar até que o nosso mastodôntico Congresso se movimentasse diante de uma emergência destas proporções? Quantos legisladores da Botucúndia largariam a disputa pela renovação de seus mandatos para votar uma medida de interesse nacional embora impopular? E quem controla o nosso Congresso, governo ou oposição?

O presidente acertou ao abandonar o ar blasé, entediado, porém foi insuficiente ao entrever semelhanças entre 1929 e 2008. As duas catástrofes foram causadas por circunstâncias tecnicamente diferentes, as semelhanças podem ser assinaladas em suas gigantescas proporções e, sobretudo, em suas trágicas conseqüências políticas. O crash de 1929 abriu caminho para os fascismos europeus, este é um dado crucial que o presidente não deveria perder de vista. Embora o fascismo italiano seja anterior (1922) e a ultra-direita alemã começasse a assassinar seus desafetos pouco antes, foi a crise econômica internacional deslanchada a partir do crash a responsável pela orquestração dos movimentos reivindicatórios de massa através da violência.

Ao contrário do comunismo, o fascismo não morreu. Está aí, vivo, audacioso, disseminado, diversificado e reforçado por combinações transgênicas. Diferenciados exteriormente por maneirismos (e vestuário) de seus líderes, mas visceralmente avessos aos fundamentos democráticos essenciais. Respeitam formalidades republicanas, calendários eleitorais e menosprezam abertamente os valores humanos produzidos pelo Estado de Direito. A drástica interrupção do ciclo de crescimento num mundo tão interligado e interdependente corre o risco de produzir uma versão agigantada e igualmente letal do mix nacional-socialismo/fascismo social dos anos 30 do século passado.

Eleições são processos naturalmente empolgantes, mas conviria que não fossem dissociados do dramático cenário ao fundo.

» Alberto Dines é jornalista.

Reflexão sobre o óbvio


Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O voto desinformado favorece o demagogo, o político que só visa suas próprias vantagens

NÃO TENHO nenhuma dúvida de que o homem é, mais que tudo, um ser cultural e, conseqüentemente, sustentado pelos valores que inventou e nos quais acredita e segundo os quais se comporta. Esses valores, por sua vez, determinam as semelhanças e diferenças entre os indivíduos, ainda que, em geral, os valores fundamentais sejam idênticos. Por exemplo, o sentido de justiça é um valor comum a todas as culturas. Dizer que o homem é um ser cultural não significa que todos os membros de determinadas sociedades sejam igualmente cultos. Basta lembrar-se do Brasil, onde a disparidade dos níveis culturais das pessoas é enorme, pois vai desde aqueles que têm curso universitário até os que mal sabem ler e que são a maioria.

Se o homem é um bicho cultural, que vive num mundo cultural, a diferença de conhecimento entre os indivíduos -sem falar na capacidade intelectual que é também desigual- os situa diferentemente na sociedade, ou seja, quanto mais conhecimento, quanto mais competência, melhores ganhos, maiores possibilidades de enriquecer e melhor posição na hierarquia de poder dentro da sociedade.

A conclusão lógica a tirar daí é que a capacidade intelectual e o grau de conhecimento são fatores de desigualdade entre os membros de qualquer comunidade humana. E essa desigualdade se expressa, não apenas no desempenho técnico e profissional, como em todas as demais atividades e opções que a vida social oferece ou exige de cada um.

As pessoas são iguais em direito -ou deveriam ser- mas não em qualidades. Dizer isso equivale a afirmar o óbvio, uma vez que todos sabem que, dos muitos jovens que se dedicam, por exemplo, a jogar futebol, raríssimos se tornam um Pelé ou um Ronaldo; dos muitos que se dedicam à música, raríssimos se revelam talentosos como Tom Jobim ou Pixinguinha -e o mesmo se pode dizer dos que se dedicam às diferentes atividades profissionais. Isso é sabido de todo mundo, mas, em certas circunstâncias, se faz por ignorá-lo ou quase se torna proibido dizê-lo.

A tese de que os homens são iguais é sagrada e se disseminou de tal modo que até a vanguarda artística chegou a afirmar que "todo mundo é artista", como se as qualidades inatas que tornaram Da Vinci e Van Gogh pintores geniais fossem apenas preconceitos classistas que a burguesia inventou, para também aí impor a discriminação e a desigualdade.

A tese da igualdade, que nasce com a Revolução Francesa e se aprofunda na pregação de Rousseau, Diderot e Babeuf, radicaliza-se com a exploração selvagem que o capitalismo industrial impõe à classe operária durante o século 19. Em contraposição à desigualdade que levou os trabalhadores ao desamparo e à miséria, surgiu um conceito de igualdade que tanto tem de generoso quanto de irreal, cuja formulação mais extremada é a utopia da sociedade sem classes, em que a riqueza social seria distribuída, não mais "a cada um segundo sua capacidade" e, sim, "segundo a sua necessidade", o que implicaria num tipo de organização social que o próprio Marx não se atreveu a definir.

Na prática, essa concepção utópica de igualdade -que desconhece as qualidades individuais distintas- implicaria em nivelar as pessoas por baixo, já que o talento e a operosidade não se encontram igualmente em todos. Se é correto entender que tais qualidades não fazem de seus detentores seres superiores aos demais, ignorá-las resultaria tratá-los injustamente e, ao mesmo tempo, impedir a sociedade de desfrutar da contribuição que lhe dariam.

Mas, mesmo se se põe de lado os indivíduos superdotados, não seria justo remunerar igualmente o operário eficiente e o relapso. Se as pessoas devem receber não por capacidade e, sim, segundo a necessidade, não há por que empenhar-se em alcançar excelência do desempenho.

A noção equivocada de igualdade contradiz até mesmo o propósito da sociedade de estender a educação e o conhecimento a todos os indivíduos. Chega-se a ponto de desconhecer a diferença entre o voto consciente do eleitor informado e o voto de quem mal conhece os problemas sociais. Levantar essa questão é visto como preconceito, muito embora todos saibam que é mais fácil perceber o que diz respeito a seu interesse imediato do que compreender as necessidades mais complexas da cidade ou do país.

Por isso, o voto desinformado favorece o demagogo, o político que só visa suas próprias vantagens, enquanto alija da vida política aqueles que agem com espírito público. Essa é uma grave ameaça à democracia, e só pode ser superada elevando-se o nível cultural e o grau de consciência dos cidadãos.

Paradoxos da democracia de massas


Leôncio Martins Rodrigues
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Visto de nossos dias, o desenvolvimento dos sistemas políticos democráticos se confunde com a progressiva, mas descontínua, ampliação do sufrágio. Esse percurso tem etapas conhecidas. De modo esquemático: com velocidades e caminhos diferentes, o direito de voto estendeu-se das camadas altas para as classes médias, depois para as classes trabalhadoras urbanas e, por fim, para a população rural pobre. Para ilustrar sumariamente o caso brasileiro: em 1876 a proporção de eleitores representava 0,23% da população, calculada em 11 milhões; em 1940 subiu para 6% da população de 41 milhões; hoje representa 70%, cerca de 130 milhões numa população de 185 milhões.

Em todos os países onde sistemas democráticos se foram implantando, a massificação do jogo político apresentou certos aspectos “universais” que vêm do próprio fenômeno quantitativo da extensão da cidadania política. O crescimento absoluto e relativo do número de eleitores, obviamente, tem de se efetuar de “cima para baixo”, o que significa dizer que cresce pela inclusão cada vez maior de pessoas vindas das camadas de baixa renda e escolaridade. Em geral, as tendências da esquerda são favoráveis à constante extensão do corpo eleitoral. (Estou sendo um pouco simplista. As tendências revolucionárias desconfiavam de eleições “burguesas” e das campanhas pela universalização do sufrágio, que desviariam a classe trabalhadora da revolução. O fuzil antes do voto. ) Com alguma freqüência, contudo, a inclusão das classes baixas na política nacional favoreceu chefes populistas autoritários (como Mussolini, Perón, Getúlio...) que disputavam com os partidos de esquerda o mesmo eleitorado e que nem sempre foram muito tolerantes com seus rivais esquerdistas.

Quanto mais rápida a extensão do sufrágio em países do Terceiro Mundo, mais forte a tendência de formação de um corpo eleitoral muito pobre e de muito baixa qualificação educacional. No caso brasileiro, nas eleições de 2006, pelos dados do TSE, 6% dos eleitores eram analfabetos. Os que apenas liam e escreviam eram 16%. Se somarmos esses dois grupos aos 34% com primeiro grau incompleto, 56% dos eleitores brasileiros tinham baixíssima escolaridade e eram, obviamente, muito pobres.

A massificação e a democratização do eleitorado têm como um de seus resultados a popularização da classe política no seu conjunto. Não são os pobres, no entanto, que conseguem entrar e ascender na política e fazer parte das novas elites do poder, mas sim setores das classes médias e de trabalhadores manuais qualificados. A expansão de algumas organizações e associações de massas facilita a ascensão de políticos vindos das camadas populares e das classes médias que se comunicam melhor com as classes baixas: sindicatos, igrejas pentecostais, organizações católicas, ONGs variadas, movimento estudantil, etc.

Apesar de esse desenvolvimento ter diminuído a presença física de grandes empresários e proprietários nos órgãos legislativos e executivos, a influência do poder econômico no jogo político não se reduziu. Provavelmente aumentou significativamente. Uma das razões vem do fato de a própria ampliação do corpo eleitoral resultar em campanhas cada vez mais caras. O aumento do custo da captação de votos elevou astronomicamente o custo da participação eleitoral. Os políticos - mesmo, e talvez especialmente, os que vieram das classes populares e estão em partidos ditos de esquerda - tornaram-se dependentes dos grandes doadores para prosseguir sua ascensão, em especial quando ambicionam postos no Executivo, de só uma vaga disponível.

Os doadores (empreiteiras, construtoras, imobiliárias e sistema financeiro, principalmente) podem ser tudo menos ingênuos. Não canalizam suas contribuições somente para candidatos de determinada orientação ideológica. Alguma “isonomia” existe na distribuição dos auxílios, o que enfraquece possíveis acusações de que o grande capital beneficia fundamentalmente a direita. Esse tipo de denúncia, aliás, desapareceu do vocabulário das lideranças de esquerda na hora em que passaram também a ser beneficiadas pela generosidade dos grandes doadores. Na verdade, a ideologia dos candidatos e dos partidos (se existe) tem pouco ou nenhum interesse. Os grandes contribuintes distribuem recursos, em proporção diferente, a quase todos os candidatos. Reservam, é claro, as maiores somas para os que aparentam ter mais chances de vitória nas disputas por postos estratégicos do sistema de poder.

Mas cumpre refletir sobre qual exatamente o dano que a presença do financiamento privado ocasiona à democracia. Além dos grandes doadores, o jogo democrático da vida real tem outros atores. Confrontado com poderosos interesses corporativos, associações profissionais e lobbies diversos que financiam candidatos de modo indireto e/ou oculto, o poder econômico nas eleições não parece ser o mais nocivo para os regimes democráticos. Disputas eleitorais em democracias de massa têm custos financeiros elevados. Esses custos podem ser considerados como um indicador de que o sistema político se tornou mais competitivo porque mais gente participa. Tentar eliminar a presença do dinheiro nas competições eleitorais pode ter efeitos ainda mais negativos para a democracia. Mas sempre se pode tentar fazer mais transparente o lugar de onde vêm os recursos para atividade política, sem esquecer que somente em regimes autoritários ou totalitários as eleições (elas existem!) podem ser muito baratas.

Convém lembrar também, como mostram exemplos muito próximos de nossas fronteiras, que ameaças para a continuidade de regimes democráticos podem vir antes do interior do próprio sistema político que do poder econômico. São ameaças produzidas por lideranças de tipo populista que se apóiam em mobilizações de rua e maiorias legislativas que dão aparência de legalidade democrática a ambições de poder pessoal.

Leôncio Martins Rodrigues é professor aposentado dos Departamentos de Ciências Políticas da USP e da Unicamp

O Natal de Lula

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O crédito é o oxigênio da economia, o que alimenta o investimento, faz crescer a produção e irriga o consumo. A falta dele ameaça a saúde econômica de um país e assombra com os fantasmas da recessão, do desemprego e da perda de renda. Há 12 meses o déficit externo brasileiro vem se deteriorando, mas ter em caixa mais de US$ 200 bilhões de reservas cambiais e não faltar crédito fora e dentro do País garantiram ao Brasil seguir viagem em calmaria e um festivo crescimento de 6% do PIB no primeiro semestre. Até que a quebradeira de bancos e instituições hipotecárias nos EUA gerou pânico financeiro no mundo todo.

Nos bancos frágeis o dinheiro virou pó e nos sólidos, sumiu. Todos bateram em retirada. Quem tinha reservas em caixa tratou de guardar, esperar por um cenário mais confiável e lucrar mais adiante, correndo menor risco de calote. O crédito ficou escasso nos países ricos, nos emergentes e nos pobres. Ninguém escapa.

No Brasil, o crédito para exportação caiu pela metade. No dia 22 de setembro, os exportadores conseguiram fechar só 35% do valor que normalmente financiam. E ruiu o argumento de que o ingresso de dólares de investimento compensa a queda no saldo comercial: segundo o Banco Central, no dia seguinte à falência do Lehman Brothers, empresas e investidores estrangeiros remeteram para fora do País US$ 1,3 bilhão, quase sete vezes mais do que o habitual. Ou seja, a mão foi invertida e o dinheiro mais sai do que entra.

Em situação mais confortável do que os americanos e europeus, os bancos brasileiros também se fecharam ou ficaram mais seletivos - esperam a situação estabilizar para voltar ao mercado de crédito como antes. Com isso, as empresas com planos de investimento tendem a recuar, adiar seus projetos. Afinal, como investir sem crédito? O financiamento para consumo igualmente reflui - os juros esticaram e os prazos encurtaram. Quem pretendia comprar um automóvel ou uma geladeira desistiu ou adiou. Isso é desaceleração econômica, por isso reduziram as previsões de crescimento para 2009. E economistas estrangeiros dizem que a crise está apenas começando!

Este cenário preocupa o presidente Lula. Ele até parou de transferir o problema ao colega Bush e passou a reunir diariamente a equipe econômica para avaliar os efeitos da crise no Brasil. Não estava nos planos de Lula nem dos brasileiros uma crise tão aguda. Ele teme que seus efeitos sobre o crescimento econômico, o desemprego e a renda salarial prejudiquem sua popularidade em alta e a ambição de fazer seu sucessor em 2010. Por isso ordenou aos ministros esta semana: “Cuidem do crédito, o Natal está aí.”

Mas cuidar de suprir o que está escasso implica sacrifícios que o governo Lula parece não estar disposto a assumir. Com as torneiras do crédito no exterior fechadas e no Brasil, mais seletivas, restou o BNDES para financiar a produção e os novos investimentos e o Banco do Brasil no suporte ao comércio exterior, ao capital de giro das empresas e ao crédito agrícola. Só que o volume de crédito necessário para financiar o crescimento de 4% é muitíssimo mais elevado do que dispõem os dois bancos.

O governo já injetou no BNDES R$ 5 bilhões de um total de R$ 15 bilhões prometidos e pretende transferir mais R$ 7 bilhões do FGTS. O Banco do Brasil sozinho não é capaz de suprir as demandas que lhe foram confiadas. Lula não quer que falte dinheiro para investimento nem para as obras do empacado PAC, nem para empresas, agricultores, exportadores, o petróleo do pré-sal e quem mais precisar. E também quer continuar aumentando gastos correntes do governo, sem controle. Age como se não houvesse crise, como se a esperada recessão na Europa e nos EUA passasse ao largo do Brasil.

Devedor em dólares, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, agiu rapidamente. Sabe que a arrecadação tributária vai cair e tratou de cortar o orçamento do Estado, suspender compras, novos investimentos e contratação de pessoal.

O governo federal também vai enfrentar queda na receita tributária e sua responsabilidade é maior porque qualquer decisão errada prejudica 180 milhões de pessoas. Caberia a Lula agir preventivamente, com cautela. Listar prioridades, suspender créditos do BNDES para outros países e cortar despesas desnecessárias ou que podem ser adiadas.

Se não fizer isso rapidamente, o dinheiro de crédito pode não faltar neste Natal, mas o próximo pode ser amargo para todos os brasileiros, inclusive ele.

*Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-RJ

Retrato brasileiro da crise


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Sacada de um irônico amigo meu: "O retrato pronto e acabado da crise internacional do liberalismo é o Serra e a Dilma disputando em 2010". Bingo! Ninguém aposta até onde a crise americana vai, até que ponto a demanda por commodities de China e Índia será afetada e em que gravidade o Brasil será atingido. Uma coisa, porém, é certa: os símbolos do rei mercado estão desmoronando hoje como as estátuas de Lênin no fim da União Soviética.

É justamente nesse clima que a sucessão de Lula começa neste domingo a polarizar entre Serra e Dilma, velhos militantes de esquerda e estatistas convictos, apesar de às vezes dissimulados.

Além da fama de bons gestores e da personalidade turrona e autoritária, Dilma e Serra têm muito em comum: sessentões, economistas, os dois combateram o regime militar, cada um a seu modo. Dilma aderiu à luta armada, foi presa e torturada. Serra, que presidiu a UNE, foi obrigado a abandonar o curso de engenharia e a exilar-se no Chile.

Com a redemocratização, eles renderam-se à política partidária, moldaram-se aos tempos e contorceram-se, desconfortáveis, durante o neoliberalismo agudo. Sempre antifinancistas. A perspectiva é de um debate inteligente e produtivo sobre o presente e, principalmente, sobre os cenários futuros. Mas palanque não é só isso.

Serra tem "recall", a dianteira nas pesquisas e traquejo político e eleitoral, mas estará às voltas com disputas comezinhas e impregnadas de ciúme, enquanto Dilma desfilará o país com os 80% de Lula e resultados nacionais, não apenas estaduais, mas é verde em eleições.

E o destino dos dois estará entrelaçado ao velho inimigo, o mercado. Se a crise for controlada, melhor para Dilma. Se descambar de vez, lucra Serra. Se é que, evidentemente, alguém possa lucrar com uma crise que começa no centro do sistema capitalista -por ora, sem alternativa, ou sem opositor.

2008 com olho de 2010


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Se se olhar a eleição de hoje com olhos de 2010, e se as pesquisas estiverem certas, o resultado valerá menos pelo que acontecerá e muito mais pelo que não acontecerá. Por esse prisma, o lucro é de José Serra e Aécio Neves. O prejuízo, de Dilma Rousseff. Serra ganha porque, se Gilberto Kassab não derrotasse Geraldo Alckmin (como apontam todas as pesquisas), o governador ficaria com um tremendo problema nas mãos, capaz de atrapalhar todos os seus planos.

Aécio ganha porque conseguiu costurar uma implausível coligação entre ele próprio e o prefeito Fernando Pimentel (do arquiinimigo PT) em torno de um candidato (Márcio Lacerda) do PSB, partido de Ciro Gomes, potencial adversário de Aécio em 2010.

Parece a materialização da lenda segundo a qual os mineiros são habilíssimos na política e campeões mundiais da conciliação. Essa "mineirice" é talvez o principal ativo de Aécio para 2010.

Se a costura malograsse, ou se o candidato não decolasse, o ativo emagreceria. Dilma perde porque a capacidade de Lula transferir votos parece menor do que se supunha inicialmente. O presidente praticou cenas explícitas de apoio a Marta Suplicy, mas ela não se mexeu um milímetro além dos 40% que já tinha, pouco mais ou menos.

Um novo empurrãozinho de Lula no segundo turno pode até dar a vitória a Marta, mas Dilma vai precisar de bem mais que isso. A ex-prefeita tem um capital eleitoral próprio, até por estar na sua quarta disputa majoritária. A ministra é virgem em disputas eleitorais, e seu capital terá de ser quase todo transferido de Lula.

Ressalva final: assim como pesquisa, eleição fotografa um momento. O momento 2008 não traz senão esmaecidos contornos do momento 2010.