sábado, 22 de novembro de 2008

Fernando Henrique critica política do PT, e diz que Lula deve 'parar de falar bobagem'


Adauri Antunes Barbosa

O Globo; CBN

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a fazer críticas ao PT e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, neste sábado, em discurso de mais de meia hora no encontro de vereadores e prefeitos eleitos pelo PSDB no estado de São Paulo. Fernando Henrique também aproveitou o encontro para ressaltar sua preocupação com o quanto o Brasil pode ser atingido pela crise internacional.

O ex-presidente foi irônico, chamando Lula de "grande economista", em referência à declaração feita pelo petista que quando a crise chegasse ao Brasil seria uma marola. O ex-presidente se referiu a Lula afirmando: "veste a roupa, rei. Pare de falar bobagem."

" Nós temos que dizer: o rei está nu aqui, ali, acolá. Põe a roupa, ô presidente. Não diga bobagem, presidente "

- Não precisamos ser agressivos pessoalmente com ninguém - disse o ex-presidente, que, no entanto, completou:


- Mas nem por isso precisamos dizer que tudo o que o seu mestre fala está certo, porque não está. Nós temos que dizer: o rei está nu aqui, ali, acolá. Põe a roupa, ô presidente. Não diga bobagem, presidente. Seja mais conseqüente com a sua história. Não seja tão rápido no julgamento do que os outros fizeram. Perceba que uma nação se faz no decorrer de gerações. Não seja tão pretensioso. Seja um pouquinho mais humilde. É preciso que nós cobremos, mas sem agressividade. O eixo principal do PSDB não pode ser a crítica pessoal ao presidente da República, a esse ou a aquele.


- Tem que ser ao conjunto do que está sendo feito quando estiver errado - disse o ex-presidente.

Fernando Henrique fez críticas à forma como o atual governo tem enfrentado a crise econômica mundial. Ele citou a recessão nos países europeus e nos Estados Unidos, e lembrou que a China diminuiu as exportações, o que afeta diretamente os negócios brasileiros.

- Entendo que o presidente deva animar o país. Mas o país não é bobo. O país percebe quando as coisas mudaram. As coisas mudaram no mundo, mudaram para pior. É cíclico?, é momentâneo? É, mas nós temos que ter a capacidade de visão do futuro para sair da situação ruim que estamos e não ficar dizendo que não está ruim. Está ruim sim.

Fernando Henrique foi irônico, chamando Lula de "grande economista", em referência à declaração feita pelo petista que quando a crise chegasse ao Brasil seria uma marola.

- Aqui não é marola, não. Vai perguntar pra quem está perdendo o emprego hoje, que é mineiro da Vale, se é marola. Não é marola. Marola é quando você não é afetado. Está afetando.

Quando saía da sede social do Jóquei Clube de São Paulo, onde aconteceu o encontro, Fernando Henrique afirmou que não foi duro com o presidente Lula.

- A essa altura da vida só faço discursos amáveis, doces. Mas você acha que o rei tem que estar nu? Não! Quero o rei bem vestido.

FH evita dizer quem seria melhor candidato para 2010

Fernando Henrique disse ainda que o PSDB não é a favor do "quanto pior, melhor", e que o partido tem que dar apoio para a situação melhorar. O ex-presidente disse que o partido traiu o eleitor quando manteve as mesmas medidas adotadas pelo PSDB na gestão anterior, sobretudo as medidas adotadas na economia. Disse que a traição vem do fato de o PT ter dito que faria tudo diferente, mas não fez.

Falando aos tucanos paulistas, o ex-presidente disse que o partido precisa se preparar para o futuro decidindo até o segundo semestre do ano que vem quem será o candidato a presidente da República.

" É bom que no começo do segundo semestre do ano que vem tenhamos um candidato ou uma candidata. Por que? Porque o governo já tem "

- O PSDB tem que se unificar internamente. É bom que no começo do segundo semestre do ano que vem tenhamos um candidato ou uma candidata. Por que? Porque o governo já tem.

Ele não quis dizer quem seria o melhor candidato do PSDB entre os governadores Aécio Neves, de Minas Gerais, e José Serra, de São Paulo.

- Os dois são bons. Sou presidente de honra do partido. Não posso, antes da hora, antes de conversar com os dois, antecipar. (...) Não adianta dramatizar.

Não vai ser assim. Haverá uma convergência. Se não houver temos mecanismos de resolver dentro do PSDB. (...) Acho que é natural, na democracia, não é todo mundo unânime. O que é importante é ter mecanismo que leve no momento necessário à convergência. É isso que o PSDB tem que criar.

Já o secretário-geral do PSDB paulista, César Gontijo, foi taxativo, e disse que o candidato do partido à presidência da República é o governador José Serra, e que o governador mineiro Aécio Neves é jovem e terá "o momento dele".

Momento conservador


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Os cientistas políticos Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas, e Cesar Zucco, do Iuperj, acabam de divulgar um estudo sobre as eleições municipais deste ano que inclui seu possível impacto nas eleições de 2010. Ao contrário da tendência predominante, os autores consideram que, muito embora os resultados finais possam não indicar tendências suficientes para se fazer uma relação direta entre eles e a sucessão presidencial, as eleições municipais são "a oportunidade que têm as distintas facções dentro dos maiores partidos, e dos partidos menores entre si, para mostrar sua força antes do início formal do processo de escolha das candidaturas presidenciais".

Eles destacam que, nos pleitos locais, potenciais presidenciáveis esforçam-se para exibir sua capacidade de influenciar as elites e a opinião pública, esforço que revela a viabilidade eleitoral de governadores, prefeitos de grandes cidades, senadores, ministros e de alguns outros poucos presidenciáveis avulsos.

O papel das eleições municipais no ciclo da eleição presidencial seria, assim, duplo: uma barreira preliminar de entrada no mercado de oferta de presidenciáveis e um mecanismo de geração de informação a respeito da correlação de forças intrapartidárias.

Os autores consideram que os resultados são compatíveis - embora não constituam prova cabal - com uma interpretação segundo a qual as eleições municipais são a parte mais visível de um processo que se assemelha a uma primária americana para escolher candidatos presidenciais. Eles seriam um filtro que permite às elites partidárias pré-selecionar os candidatos, oferecendo também amplas oportunidades para que vários setores da opinião pública se façam escutar no processo de escolha.

Eles identificam um "momento conservador" na política brasileira, com o PT acomodado à condição de partido do "establishment". Hoje, dizem os autores, o PT, uma agremiação marcadamente radical na sua primeira década de existência, pouco difere, em suas ações como partido governativo, do PMDB, do PSDB e do ex- PFL.

Esse momento conservador na política brasileira, segundo os autores, reflete o fato de que não apenas Lula e o PT se sentem confortáveis dentro do figurino institucional do país, mas também que o bem-estar material trazido pelo crescimento econômico acabou por ajudar os titulares do Poder Executivo municipal em geral no seu esforço de reeleição.

Dadas a alta popularidade de Lula, o crescimento econômico e o impacto do Bolsa Família, era legítimo, segundo eles, esperar que as eleições municipais de 2008 pudessem fugir do figurino tradicional e que o pleito para cargos locais fosse nacionalizado, o que não ocorreu. O resultado obtido pelo PT foi semelhante aos obtidos por outros partidos presidenciais.

O desempenho do PMDB o manteve na posição de maior partido do país no plano municipal. Os partidos da base aliada de Lula tomaram mais prefeituras da oposição do que os partidos da oposição tomaram da base.

Para os autores, apesar de todos os sinais de debilidade dos partidos brasileiros (baixa identificação partidária do eleitorado, intensa migração partidária, ausência de programas claros e campanhas centradas nos candidatos), há algumas arenas nas quais os partidos importam. Uma delas é o papel de escolher e apoiar candidatos a presidente.

Eles ressaltam que a Constituição de 1988 confere aos partidos o monopólio da representação política, fortalecido pela exigência de tempo mínimo de filiação a uma legenda para que se possa ser candidato a qualquer cargo eletivo e pela alocação do tempo de propaganda no rádio e na TV.

Assim, os futuros candidatos à Presidência surgirão, inevitavelmente, de dentro dos quadros partidários, concluem os autores. O que confere importância às eleições regionais é o fato de que as maiores agremiações são geralmente estruturadas em torno da máquina política das seções de alguns estados importantes. Por exemplo, o PSDB é, historicamente, controlado por SP, MG e CE; o PT, por SP e RS; o PMDB, por SP, MG, RS e RJ; o DEM, por BA, PE e SC; o PDT, por RJ e RS.

Os autores consideram que Lula soube jogar bem esse difícil jogo de xadrez em dois tabuleiros, ainda mais se comparamos as suas ações em 2004 com as deste ano. Os autores citam exemplos dessa mudança, atribuindo-as à ação de Lula: o número de candidatos próprios sem coligação lançado pelo PT em 2008 foi 50% menor do que em 2004, o que reflete uma maior tendência à formação de alianças. Além disso, em 2004, o PT e o PMDB se aliaram em 1.543 cidades. Já em 2008, esse número pulou para 1.840.

Os autores não se furtam a tentar desvendar o que classificam de a maior interrogação deixada pelas eleições de 2008: "Para onde irá o PMDB?". Segundo eles, os dados sugerem um forte alinhamento do PMDB com o PT, mas como as alianças entre PSDB e PMDB tampouco são desprezíveis, não é possível chegar-se a nenhuma conclusão definitiva, o que de certa maneira reflete o comportamento político ambíguo do PMDB.

Muito embora o PT tenha participado de mais de 40% das vitórias de candidatos do PMDB, o PSDB esteve presente em cerca de 32% delas. As nuances por estado são importantes nesse contexto.

Em Minas Gerais, por exemplo, em que pese a alta visibilidade da aliança PT-PSDB contra o PMDB em Belo Horizonte, o PMDB esteve freqüentemente aliado com ambos os partidos, com leve predomínio para o PSDB, ressaltam os autores.

Como um todo, nos maiores estados, a freqüência de alianças entre esses três grandes partidos foi bastante equilibrada, com leve preponderância de alianças entre o PMDB e o PSDB. Na maioria dos estados do Norte-Nordeste, no entanto, o PMDB está muito mais fortemente aliado ao PT. (Continua amanhã)

FHC sinaliza para Aécio Neves


ELEIÇÕES
Luiz Carlos Azedo


DEU NO CORREIO BRAZILIENSE



Ex-presidente da República avalia que o governador de Minas Gerais pode se credenciar à disputa presidencial de 2010 dependendo do posicionamento adotado por ele diante da crise econômica

Diante do impacto da crise no Brasil, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que ainda é muito cedo para o PSDB definir seu candidato a presidente da República e que a opção da legenda dependerá das circunstâncias da eleição. “Tudo vai depender de como cada um se posiciona politicamente diante da crise. Pode ser o Serra, pode ser o Aécio, que faz um grande governo em Minas e pode sair dessa crise com o melhor nome do partido”, admitiu. Fernando Henrique tem um almoço marcado com Aécio no dia 2 de dezembro, em Minas.

O impasse na definição do candidato do PSDB, segundo ele, só se resolverá perto da eleição em função da mudança de cenário político. “O fundamental é o partido chegar unido em 2010, mas não tenho dúvidas de que as circunstâncias é que determinarão o perfil do candidato. Quem parece ser o melhor nome hoje pode não ser amanhã”, avaliou.

Fernando Henrique, que considerava Serra mais experiente para o cargo, reavaliou seu posicionamento: “Aécio demonstrou uma grande capacidade administrativa no seu governo”. O tucano anunciou o encontro com Aécio nos primeiros dias de dezembro durante gravação de entrevista exclusiva para o programa 3 a 1, da TV, Brasil, que irá ao ar na próxima quarta-feira.

Durante a entrevista, FHC defendeu o programa de privatizações de seu governo, negou envolvimento com o banqueiro Daniel Dantas e disse que não quis privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil porque considera as duas empresas estratégicas. “Privatizar ou estatizar depende das circunstâncias, o importante é garantir a concorrência”, justificou. “O que é me preocupa agora é que está havendo muita concentração”, criticou.

Liquidez

Fernando Henrique também atacou os gastos do governo federal, mas negou que aposte no quanto pior melhor. “É claro que torço para que as medidas adotadas por Lula dêem resultado positivo para o país. Quem mais sofre com a crise é o povo, quero o melhor para o Brasil”, disse. Ao comparar a crise atual com a que enfrentou durante o segundo mandato, ele disse que a situação é diferente: “Naquela época houve uma crise cambial, agora o problema é a falta de liquidez nos Estados Unidos”.

Muito ligado ao Partido Democrata, Fernando Henrique destacou a importância da eleição de Barack Obama para a Presidência dos Estados Unidos, mas disse que o Brasil não deve ter ilusões em relação ao tratamento dado ao nosso país pelo futuro governo norte-americano.

“Enquanto eles estiverem plantando milho, nós não vamos quebrar as barreiras ao etanol brasileiro. Eles se movem por interesse e nós temos que fazer a mesma coisa”, disse.

Segundo ele, a eleição de Obama teve um significado muito importante “porque é um negro na Presidência da maior potência do planeta”. O ex-presidente observou que as relações entre Brasil e EUA continuarão tendo pontos de aproximação e de afastamento. Simbolicamente, segundo ele, o fechamento da prisão de Guantánamo já sinaliza uma mudança de rumo na política externa, mas Obama vai dar prioridade aos problemas dos EUA.

DILMA GRATIFICADA

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse ontem que se sentiu “extremamente gratificada” ao ver seu nome citado pelo presidente Lula como potencial candidata para substituí-lo em 2010. “Qualquer um se sentiria, diante da magnitude deste cargo. Mas não houve convite oficial. O presidente está trabalhando com várias hipóteses e fazer qualquer comentário sobre isso é falar em cima de uma hipótese que ainda não está madura”, declarou. Dilma participou de evento no Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF), no Rio.

Defeito de nascença


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Peca por excesso de otimismo a expectativa de que o “basta” ensaiado pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves, tenha o condão por si só de reduzir o número de medidas provisórias editadas pelo Poder Executivo.

Basta lembrar há quanto tempo o tema do uso abusivo está em discussão sem que se encontre uma saída razoável.

De um lado - naquele onde residem as maiorias governistas - há absoluta falta de vontade de mudar. De outro existe uma real impossibilidade de se alterar uma conjuntura, cujas variantes não estão sendo levadas em conta.

É muita singeleza esperar do Palácio do Planalto a “reflexão” reivindicada pelo presidente do Senado a partir do seu louvável gesto de devolver a medida provisória das entidades filantrópicas. Primeiro, porque se trata de uma situação especial.

A MP não se desvia apenas dos preceitos de relevância e urgência exigidos pela Constituição. É, sobretudo, escandalosa no intuito de propiciar às entidades sob suspeita a renovação de seus registros mediante o perdão aos respectivos passivos.

O caráter infrator faz da medida provisória uma presa fácil. O tipo do judas incontestável. Portanto, sua rejeição se dá pelo que tem de exceção até para os padrões de exorbitância vigentes.

O governo vai insistir formalmente em seu recurso à Comissão de Constituição e Justiça para assegurar a validade da MP, mas na vida real já cuida de transformar a proposta em projeto de lei, retirando dela o contrabando de autoria e serventia ainda desconhecidas. Pois bem, uma vez retirada a MP, negociada a urgência urgentíssima do projeto, tudo volta ao normal.

Ou melhor, à anormalidade habitual. Esta, sim, merecedora do empenho de todas as forças interessadas no aperfeiçoamento do sistema político-eleitoral que mantém o eleitorado distante dos eleitos e faz da maioria dos parlamentares seres totalmente dependentes do Estado.

Ora, se o deputado ou senador limita sua relação com o eleitor ao momento do voto e dedica o restante do mandato a assegurar sua sobrevivência por meio de acesso a espaços na administração pública, naturalmente sua prioridade será sempre agradar ao governo.

A forma mais eloqüente de a maioria governista - de qualquer partido - mostrar serviço é justamente garantir que o Executivo possa editar medidas provisórias à vontade sem que o Congresso faça uso de sua prerrogativa de examinar uma por uma em comissão especial de admissibilidade, rejeitando aquelas irrelevantes ou desprovidas de urgência.

Diante desse quadro, enxuga-se gelo exortando o Parlamento a preservar sua autonomia. Deputados e senadores estão cansados de saber que o problema não está no instituto da medida provisória.

Todos concordam que algum instrumento de urgência o Executivo precisa ter. A questão, não custa repetir, não é o uso, é o abuso.

Se a regra criada na Constituinte tivesse sido seguida, os governos seguintes não teriam abusado mais e mais, um depois do outro. Uma vez estabelecido o padrão e devolvidas as primeiras MPs inconstitucionais, a contenção do ímpeto autocrático do Executivo seria conseqüência natural.

A canoa virou, mas deixaram-na virar.

Poderiam não ter deixado? Em tese, sim. Na prática, dificilmente, pois para isso seria necessário que a referência dos parlamentares ao longo de seus mandatos fosse o eleitorado.

Se a maioria deve satisfações ao governo de turno, como falar, sem se perder em fabulações estéreis, em autonomia do Parlamento? A oposição de hoje forma fileiras contra os abusos, mas quando for governo amanhã trocará de lugar com os atuais adversários que passarão a levantar a bandeira da independência.

A questão das medidas provisórias não é tão simples nem se resolve com um gesto. Depende de uma reforma de verdade que, para início de conversa, dê ao eleitor o poder da escolha sobre o direito de votar pela convicção de que vale a pena.

Como acabou de acontecer nos Estados Unidos, onde os americanos ficaram horas nas filas de votação motivados pela presença de Barack Obama na disputa, movidos pela vontade de acertar.

Preliminares

Há dois tipos de opinião no PMDB em relação à posição do partido em 2010, a sincera e a estratégica.

Os estratégicos defendem a aliança com Lula até o fim, “custe o que custar”. Mesmo sabendo que, no fim, não custará nada porque o PMDB estará no governo ganhe PT, PSDB ou alguém que porventura apareça no mapa.

Os sinceros dizem que tudo depende de três condições: o desfecho da disputa pelas presidências da Câmara e do Senado, o andamento da crise econômica e a candidatura escolhida por Lula.

Argumentam que a aliança ocasional com o presidente acaba com o fim do mandato e não amarra o partido eternamente ao PT. Mas não o obriga a se juntar ao PSDB. Aqueles três pré-requisitos valem para as duas hipóteses de parceria.

O vexame do descuido e da incompetência


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A medíocre crise que desabrochou, depois de muito anunciada, com o gesto de irritação do presidente do Senado, Garibaldi Alves, de devolver ao Palácio do Planalto a Medida Provisória número 466 – que renovou o certificado de entidades filantrópicas e, de cambulhada, a das pilantrópicas, acusadas de desvio de verbas – o governo não tem do que se espantar e menos ainda dos seus resmungos com a reação do educado e amável senador potiguar, que conheço desde menino.

Não se governa nem faz política sem informação. E a ficha do senador Garibaldi é extensa, passa pela prefeitura de Natal, pelo governo do Rio Grande do Norte com o rabicho da reeleição e por anos de convivência com parlamentares de todos os partidos e o funcionalismo em todos os níveis.

Mas boa educação e a índole amistosa não significam frouxidão nem medo. Certamente, o Palácio do Planalto e toda a sua engrenagem burocrática não provocaram propositalmente os brios do senador. É que a acefalia sistêmica, com as constantes viagens domésticas e para os quatro cantos do mundo do presidente recordista de milhagem nas asas do Aerolula, com a agravante da freqüente companhia da ministra-chefe do Gabinete Civil, a candidata Dilma Rousseff, abre um buraco na burocracia e que precisa ser obturado, nas urgências, pela prestimosidade do segundo escalão.

Não foi exatamente o que aconteceu. Mas salta aos bugalhos atentos que a rotina palaciana virou uma bagunça. Esta não é a primeira mas a segunda vez que uma medida provisória é devolvida ao Palácio do Planalto e sob alegação de inconstitucional. Mas deixemos de firulas e vamos ao que importa. O gesto do presidente do Senado é político. Uma resposta dura e seca ao tratamento que o governo dispensa ao Legislativo.

A criação das medidas provisórias foi um erro cometido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nos últimos dias do seu segundo mandato (outro erro calamitoso do mesmo autor), que com seis anos de atraso bate na caixa do peito as pancadas do arrependimento. Em declarações recentes, FHC enrola-se em contradições ao tentar explicar o inexplicável. Mas merece acolhimento a sua confissão do "grave erro" ao concordar, em 2001, no fim do mandato, com o bloqueio das atividades legislativas pelas medidas provisórias encaminhadas pelo Executivo. Ao erro do seu antecessor, Lula acrescentou o cômodo costume de entupir a pauta das duas Casas do Congresso com o chorrilho de MPs.

O presidente Lula queixa-se que almoçou com o senador Garibaldi, e ele não o avisou de que ia devolver a MP ao Planalto, a tempo de buscar a saída do jeitinho. Mas, se vozes governistas protestam contra a atitude enérgica do presidente Garibaldi Alves, é evidente a repercussão favorável na opinião pública.

E Lula nunca foi um defensor do Congresso, por ele criticado desde a sua militância como líder sindical. Eleito deputado federal pelo PT, com votação recordista, foi uma presença episódica na Constituinte de 1988 e não quis disputar novo mandato para não conviver com os "mais de 300 picaretas" do seu cálculo desqualificante.

A ambivalência do seu relacionamento com o Congresso, ou com a maioria que apóia o governo, conserva o ranço dos preconceitos. O presidente negocia bem, com generoso desprendimento, nas rodadas para a montagem da base de apoio parlamentar. E é com os pés em terra e a consciência em férias que arremata os lotes no leilão de cada legislatura. Paga o alto preço do rateio de ministérios, secretárias, autarquias, dos cargos de confiança de livre nomeação, da criação de 100 mil vagas na obesa estrutura democrática.

As MPs são uma ajuda preciosa no jogo parlamentar. Não apenas pela facilidade em legislar e trancar a pauta para barrar a votação de matérias do interesse da oposição. A melhor tática em tais casos é deixar esfriar a temperatura e buscar o atalho das fórmulas de conciliação. O governo abre brechas na sua intransigência, e o senador Garibaldi Alves apresenta as suas exigências. E é o que está sendo articulado às pressas pelos conciliadores dos dois lados.

E tudo vai acabar na santa paz do acordo, em torno de uma mesa com o cardápio potiguar da carne de sol assada com feijão verde e a jarra do suco de caju gelado.

O efeito Obama


Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos já foi submetida a todo tipo de avaliação. Porém, como todo fato histórico, continua a desafiar os analistas.

Foi, sem dúvida, o principal acontecimento de um ano sacudido mais pela crise financeira internacional do que por fatos políticos particularmente expressivos. Terá força para repor a política no centro da vida e das atenções, ao menos nos EUA? Muito se falou da dimensão simbólica da vitória de Obama. Um negro, que veio de baixo, um político formado por Harvard, estranho às aristocracias políticas norte-americanas, não poderia mesmo deixar de produzir impacto, despertar emoções, dar esperança a milhões de pessoas que se sentem derrotadas e humilhadas, que ainda se lembram do apartheid racial que devassou a convivência e a dignidade humana dentro e fora da nação tida como “pátria da Liberdade”. Mas Obama também incendiou os jovens e conseguiu assimilar o eleitorado feminino que torcia por Hillary Clinton. Estabeleceu empatia com todos os setores da sociedade americana. Foi emocionante ver as multidões que o saudaram em Chicago e comemoraram sua vitória em várias partes do mundo. Num momento de refluxo no envolvimento com a política, a centelha de mobilização que acompanhou Obama merece, no mínimo, um acompanhamento cuidadoso.

Dado o peso dos EUA, tudo o que ali acontece pode repercutir no modo como se vive no mundo. Mas não em termos imediatamente econômicos, pois parece difícil que se consiga, pelo efeito mágico de um gesto, estancar de imediato a crise financeira, modificar a predisposição consumista das massas e arrefecer o afã desenvolvimentista que grassa forte neste início de século. Consumismo desenfreado e crescimento econômico a qualquer preço são duas das principais pragas da modernidade, e a elas devemos imputar boa parte das mazelas com que convivemos. Trocar consumo e desenvolvimento por investimentos sociais, por democracia, igualdade, respeito ao meio ambiente e desaquecimento não é, seguramente, operação simples. Requererá décadas de empenho político, criatividade e reeducação.

Obama não tem como nos fornecer isso, mas pode agir como catalisador. Pode, por exemplo, repor na cena política uma agenda progressista, voltada mais para a população do que para a economia, ainda que sem abandonar a convicção de que é preciso ajudar os mercados a sair da lambança em que se meteram. Voltar-se para a população significa fazer o governo funcionar para promover as pessoas, provê-las de serviços e suportes que as façam crescer e viver com dignidade. Obama pode ajudar a que se passe a ver o bom governo como aquele que colabora para que se tenha boa vida, não tanto boa economia. Pode ser uma diferença sutil, mas não deixa de ser decisiva. Dar-se-ia o mesmo na frente administrativa. Uma guinada progressista de Obama jogaria por terra o palavrório insosso do “choque de gestão” e do Estado mínimo.

Muitos manifestaram preocupação com o protecionismo do Partido Democrata e do próprio Obama, que desde a campanha sempre se manifestou favorável aos interesses de seu país. Os que não gostaram disso pareciam querer que o novo presidente governasse para o mundo e para os países mais pobres. O protecionismo democrata é tradicional. Sempre existiu e sempre existirá, especialmente em momentos de crise aguda, como o atual.

Uma eventual agenda progressista de Obama não abandonará o protecionismo, e não fará isso por vários motivos. Mas poderá contribuir para que se criem novos canais de negociação, novos relacionamentos comerciais e novas modalidades de cooperação e ajuda internacional. Se for assim, será um passo de gigante.

Não houve quem não lembrasse que uma coisa é o discurso de campanha, outra coisa é a prática efetiva do governo. Trata-se de uma lembrança oportuna, ainda que óbvia e elementar.

Todo governante eleito vive tal situação, mesmo aqueles que prometem pouco e se apresentam como técnicos ou “gerenciais”. Campanha e governo implicam lógicas distintas, condutas e discursos específicos. O importante é compreender como o candidato se prolonga no governante. Política e governo são sempre um ator e certas circunstâncias. Faz-se o que se pode, não o que se deseja fazer. Mas sempre dá para ligar o desejável e o possível, graduá-los e equilibrá-los, de modo a que a prática dura e fria do governo contenha uma dose de fantasia e facilite às pessoas a continuidade de uma esperança. Obama enfrentará dificuldades enormes para transformar em fatos muitos de seus compromissos de campanha. Mas poderá fazer com que seus recuos e fracassos se convertam em fatores de mobilização para novas tentativas futuras.

Obama tem tais condições porque representa um sopro de renovação e vem embalado pelo entusiasmo das multidões. Sua legitimidade mistura respeito racional-legal e adesão ao carisma do líder. Representa o negro pobre e o branco liberal, o branco atingido pela crise e o negro progressista, a classe média que empobreceu e as elites democráticas, os jovens, os mais velhos e as mulheres de todas as etnias.

Torcer por seu sucesso, e admitir que ele possa ocorrer, não autoriza ninguém a se pôr diante dele com a ingênua expectativa de que tudo agora será diferente. Obama não trará o céu à terra, até mesmo porque não se comprometeu com isso. Não é anticapitalista nem reformista convicto, menos ainda um socialista moderado. É somente um político jovem, talentoso, pragmático e determinado, em cujas veias parece correr o sangue secular do que há de melhor na sociedade americana. Mais que um sonho, ele expressa o fim de um pesadelo, a era Bush. Pode não ser suficiente, mas é, sem dúvida, muita coisa.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004)

Crise é mais rápida que transição


Paul Krugman

DO "NEW YORK TIMES"
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Todo mundo está falando sobre um novo New Deal, por motivos óbvios. Em 2008, como em 1932, uma longa era de domínio político republicano chegou ao fim em meio a uma crise econômica e financeira que, aos olhos dos eleitores, tanto desacreditou a ideologia de livre mercado que o Partido Republicano sempre defendeu quanto solapou as alegações de competência administrativa de seus líderes. E para as pessoas que se posicionam na banda progressista do espectro político, o momento é de esperança.

Mas existe também um segundo paralelo, mais perturbador, entre a situação de 1932 e a de 2008 a saber, o surgimento de um vácuo de poder em um momento culminante da crise. O interregno de 1932-1933, aquele longo período entre a eleição e a transferência efetiva de poder, se provou desastroso para a economia dos Estados Unidos, ao menos em parte porque o governo em fim de mandato não tinha credibilidade, o governo que assumiria não tinha autoridade. A mesma coisa está acontecendo agora.

O que pode sair de errado nos dois meses que nos separam da posse de Obama? A resposta, infelizmente, é: muita coisa. Considerem o quanto o quadro econômico se agravou no período que sucedeu a quebra do Lehman Brothers, acontecida há apenas pouco mais de dois meses. E o ritmo de deterioração parece estar se acelerando.

Um indício óbvio é o fato de que estamos em meio ao pior crash nos mercados de ações desde a Grande Depressão: o índice Standard & Poor's 500 está hoje mais de 50% abaixo de seu pico. Há outros indicadores talvez até mais perturbadores: os pedidos de benefícios-desemprego estão em alta, a produção industrial está despencando, as taxas de juros nos títulos corporativos que refletem os temores de inadimplência entre os investidores estão em disparada e isso quase certamente resultará em corte acentuado nos gastos das empresas. As perspectivas econômicas parecem muito mais sombrias hoje do que era o caso uma ou duas semanas atrás.

Mas a política econômica, em lugar de tentar responder à ameaça, parece ter tirado férias. Um problema particularmente grave é que o pânico retornou aos mercados de crédito e nada está sendo feito para preparar um novo plano de resgate. Pelo contrário: o secretário do Tesouro, Henry Paulson, declarou que não pretende voltar ao Congresso para obter a segunda metade dos US$ 700 bilhões já aprovados para o resgate ao setor financeiro. E a assistência financeira ao setor automobilístico em séria crise está paralisada devido a um impasse político.

Até que ponto esses dois meses de deriva política deveriam nos preocupar? No mínimo, os próximos dois meses infligirão sérios danos a centenas de milhares de norte-americanos, que perderão seus empregos, suas casas ou ambos. O que realmente incomoda, porém, é a possibilidade de que parte do dano que está sendo causado agora venha a se provar irreversível. Estou especialmente preocupado com duas coisas: deflação e Detroit.

Quanto à deflação, a "década perdida" do Japão nos anos 90 ensinou que é muito difícil recolocar a economia em movimento quando as expectativas de inflação se tornam excessivamente baixas (não importa se as pessoas esperam ou não que os preços literalmente caiam). No entanto, a economia americana enfrenta clara pressão deflacionária. Cada mês que passa sem sinais de recuperação eleva a chance de que nos vejamos aprisionados em uma armadilha como a do Japão.

Quanto a Detroit: existe um risco verdadeiro de que, na ausência de assistência rápida, as três grandes montadoras de automóveis e sua rede de fornecedores vão à bancarrota. Caso isso aconteça, trazê-las de volta será muito difícil.

É fato que permitir a morte das montadoras de automóveis talvez seja a decisão correta, ainda que o colapso da indústria automobilística possa representar mais um duro golpe. Mas trata-se de uma decisão que deveria ser tomada com cuidado e não por inércia, devido a um impasse entre os democratas que desejam que Paulson empregue parte dos US$ 700 bilhões do pacote de resgate para essa finalidade e um governo em fim de mandato que em lugar disso está tentando forçar o Congresso a desviar fundos que bancariam um programa de promoção da eficiência energética.

A política econômica estará completamente paralisada daqui até o dia 20 de janeiro? Não, não completamente. Algumas medidas úteis estão sendo tomadas. Por exemplo, as agências de crédito hipotecário Fannie Mae e Freddie Mac suspenderam temporariamente as execuções de hipotecas.

Mas não temos nada acontecendo na frente política em escala minimamente compatível com as dimensões da crise econômica. E é assustador imaginar quantas coisas mais podem acontecer de errado daqui até o dia da posse.


Tradução de Paulo Migliacci

“Recife do século 20 é uma invenção da esquerda”

ENTREVISTA » FRANCISCO DE OLIVEIRA
Sérgio Montenegro Filho
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Autor de várias obras na área da sociologia e ciência política, o sociólogo pernambucano Francisco de Oliveira – há quatro décadas radicado em São Paulo – lançou na semana passada, no Recife, um livro diferente. Em A noiva da revolução, de tom autobiográfico, ele narra episódios vividos na capital pernambucana de forma lírica, mas não abandona o cunho político, como no caso da prisão de Miguel Arraes, em 1964, e da sua, poucos dias depois. Professor titular aposentado da USP, Oliveira ajudou a fundar o PT, em 1980. Há alguns anos, rompeu com o partido – que, na sua opinião, caiu na institucionalidade –, para fundar o PSOL. Nesta entrevista ao JC, ele fala do livro, analisa o perfil do eleitor recifense e a migração das bases do PT para o Nordeste.

JC – Esse novo livro tem um tom mais lírico, parece ser uma obra autobiográfica, mas não deixa de oferecer narrativas políticas. O que o diferencia dos seus outros trabalhos?

CHICO DE OLIVEIRA – Não se pode nascer numa cidade como o Recife sem amar a poesia. É um livro sentimental. E até certo ponto é autobiográfico sim. Eu narro episódios dos quais participei. Não tem nada documentado, porque não sou historiador, nem eu tenho documentos. Mas é tudo verdade.

JC – O senhor narra, por exemplo, episódios como a prisão de Miguel Arraes em 1964...

OLIVEIRA – No episódio com Arraes, eu tinha ido ao Palácio para oferecer solidariedade a ele, para ajudar na resistência ao golpe militar, e fiquei lá até ele ser detido pelo coronel Dutra de Castilho. Dali, saí no carro de Celso Furtado (criador da Sudene) e fomos para o gabinete do general Justino Alves Bastos (comandante do 4º Exército), na rua do Hospício. Pensei que já ia sair de lá preso, mas isso só aconteceu no dia 6 de abril.

JC – O senhor fala, no livro, da relação do Recife com a Sudene, embora afirme que o “epicentro” do conflito de classes estivesse em São Paulo. Como o senhor vê a Sudene hoje, depois de ter sido extinta por FHC e recriada por Lula?

OLIVEIRA – A recriação é puro jogo de cena do governo. A Sudene não tem mais viabilidade, não é mais o momento. É uma farsa.

JC – Parece que o maior investimento do governo Lula, até agora, tem sido mesmo no campo assistencial, com o Bolsa-Família e outros projetos do gênero...

OLIVEIRA – Não, o governo federal está fazendo algumas obras no Nordeste. Tem a transposição do Rio São Francisco, que aliás, pode ser um equívoco pelo qual se pode pagar muito caro, porque ninguém sabe os efeitos disso ainda. Principalmente os efeitos ambientais.

JC – O eleitor do Recife sempre foi tido como rebelde, contestador. Mas hoje, parece que decidiu pela continuidade, mantendo o PT no poder por três mandatos. Como o senhor vê isso hoje, em comparação com os tempos em que vivia na cidade?

OLIVEIRA – É difícil dizer em uma análise superficial. Mas a política mudou no Brasil, não só no Recife. O Recife aparece com certo destaque pela comparação com seu passado. Esta era uma cidade política, que respirava política. Infelizmente não é mais assim. De qualquer forma, não se pode fazer um livro sobre o Recife sem que a política esteja no centro do assunto. Eu não vivo aqui, então meu depoimento é um pouco em falso. Mas não vejo mais posições políticas. Vejo arrumações de casas. Posições políticas havia no passado, por exemplo, quando Paulo Freire lançou o novo método de educação que abalou a pedagogia do Brasil e do mundo. Ou do MCP (Movimento de Cultura Popular, criado em 1960), que tinha um papel importante ao fazer de artes populares, do cinema, do teatro, uma vara curta para cutucar o “cão”.

JC – O Recife vai para o terceiro governo consecutivo do PT. Não é um reflexo de um eleitorado ainda de esquerda?

OLIVEIRA – O PT não é mais de esquerda. O PT foi absorvido pelo sistema brasileiro, que tem alta capacidade de digerir o que é novo. O PT foi digerido não somente no Recife, mas no País inteiro.

JC – O PT, no início, cresceu muito no Sudeste e no Sul, principalmente em São Paulo e Porto Alegre. Agora, tem perdido muitas eleições regiões, enquanto ganha no Nordeste. Qual a razão dessa inversão do eleitorado petista?

OLIVEIRA – Houve uma transferência de bases. A importância do PT em São Paulo definhou porque as bases sindicais definharam, e o PT foi criado basicamente por sindicalistas. Os sindicatos não têm mais garra, foram cooptados e transformaram-se em correias de transmissão do governo. No Nordeste, há o Bolsa-Família e as outras políticas de institucionalização da pobreza que fazem efeito desruptivo na política. O preço a pagar, a longo prazo, por essa anulação da política vai ser caro.

JC – No livro, o senhor fala na questão das lutas de esquerda e direita no Recife. Elas não existem mais?

OLIVEIRA – O Recife do Século 20, ao meu ver, é uma “invenção” da esquerda. Dos anos 50 para a frente, a esquerda pernambucana, ampla, tendo como núcleo o Partido Comunista, a esquerda católica, os socialistas, formam a Frente do Recife e rompem com as formas de clientelismo, até a eleição de Miguel Arraes em 1962, para o governo do Estado. Aí, veio o golpe militar, e ficou impossível reconfigurar tudo isso. A ditadura durou 20 anos, plantou novas estruturas sociais, mudou muito a relação entre as classes e o Recife pagou particularmente caro, porque sua base popular sumiu. Não tem mais povo, tem massa de manobra. E com isso não se faz política, faz favor.

JC – Esse é o seu primeiro livro nesse tom diferenciado, mais autobiográfico. É todo baseado em memórias?

OLIVEIRA – Não. Elegia para uma re(li)gião (lançado em 1977 e relançado este ano) já tinha muito da experiência que eu vivi com a criação da Sudene até a derrota de 1964. Mas este agora é mais descaradamente autobiográfico, mais descaradamente sentimental. Eu não escondo nada, está tudo escrito.