terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Intelectual comunista


Ali Kamel
DEU EM O GLOBO

Conheci Leandro Konder 26 anos atrás, quando, levado por uma amiga, estive na casa dele para que eu e ela tentássemos aprender um pouco de Kant, já que enfrentávamos grande dificuldade na matéria na faculdade. Fiquei impressionado com a erudição do homem, e com uma característica que sempre admirei nos professores: não cair no didatismo e ser um expositor claro. Minhas deficiências eram tantas, porém, que saí de lá me sentindo mais ignorante do que quando entrei. De lá pra cá, tive poucos contatos com ele, e, infelizmente, nunca mais numa relação de professor e aluno.

Na época, eu tinha já uma admiração especial por Leandro e pelo grupo de intelectuais e ativistas a que ele se filiava. Declaradamente comunistas, eram vistos, porém, como a “direita” do PCB, pelas críticas que faziam à ortodoxia comunista. Leandro, Carlos Nelson Coutinho, Armênio Guedes, Marcelo Cerqueira, Milton Temer eram “eurocomunistas”: influenciados por Gramsci, Palmiro Togliatti e Pietro Ingrao, tinham como referência especialmente as políticas de Enrico Berlinguer, então secretário-geral do Partido Comunista Italiano. Um ensaio fundamental na época era “A democracia como valor universal”, de Carlos Nelson. A tese, ultra-resumida e simplificada aqui, era que a democracia não poderia ser vista como um instrumento tático, com vistas à tomada de poder; a democracia é um valor absoluto, de que não se pode abrir mão jamais. O próprio socialismo só seria alcançado quando a classe operária e aliados conquistassem a hegemonia sobre o conjunto da sociedade, ou seja, quando todos se convencessem de suas virtudes superiores; e a hegemonia seria transparentemente exercida na democracia socialista, que seria o resultado da articulação das conquistas da democracia liberal com os organismos da democracia direta.

Na juventude, alguém já disse, todos somos comunistas, ou queremos ser ou somos pressionados a ser pelo meio. O meu caso, confesso, era mais próximo da segunda e terceira hipóteses, mas a leitura do ensaio de Carlos Nelson foi fundamental para que eu me afastasse da esquerda. Fui ganho pela defesa apaixonada que ele faz da democracia, mas não fui convencido de que, no fim da linha, a democracia no socialismo venha a ser de fato uma democracia. No texto, Carlos Nelson antecipava, para repelir, a crítica que os liberais fariam ao esquema: a de que “a democracia é pluralismo e que a defesa da hegemonia de uma classe ou conjunto de classe é, por sua própria natureza, sinônimo de totalitarismo e despotismo.” Com o tempo, acabei concordando com a crítica e não com Carlos Nelson. Seja como for, a formulação “eurocomunista” era jato de ar fresco se comparada à rigidez da ortodoxia comunista. Por esse motivo, nunca entendi a trajetória da maior parte daquele grupo: da “direita” do Partidão, foram se deslocando para o extremo oposto: entraram no PSB, no PT e, hoje, estão no ortodoxo PSOL.

Por que essas reminiscências? Porque li com avidez “Leandro Konder, memórias de um intelectual comunista”, autobiografia que ele acaba de publicar, e procurei ali respostas que buscava havia tempos. O livro, como tudo o que Leandro escreve, é excelente: numa linguagem sucinta, ao contar de si e dos outros, traça um panorama da vida brasileira dos últimos 50 anos, usando como fio condutor os livros que escreveu. Sobre minhas dúvidas, porém, não encontrei respostas.

Leandro revela grande dissabor com o rótulo de “eurocomunista”, segundo ele lançado contra o grupo pela “máquina” do PCB: “Começaram a usar com extraordinária freqüência o termo ‘eurocomunista’, que desqualificava o sujeito criticado, caracterizando-o como o adepto de um programa flexível, preconizador de um avanço feito através de reformas, em compromisso com o pluripartidarismo.” Levei um susto, pois, na época, muitos os admiravam justamente porque eram “euro”, um rótulo que não repudiavam. No início, acreditei que encontraria uma autocrítica das posições passadas para justificar as posições presentes. Não encontrei, e por uma razão: para Leandro, não houve mudança. Ele se afirma hoje, como ontem, um intelectual comunista. Aplaudo a coerência. Mas continuo sem entender como intelectuais que faziam uma análise tão refinada da realidade, a ponto de anteciparem em um bom par de anos a inviabilidade do modelo soviético, possam hoje militar no PSOL.

Carlos Nelson não autoriza mais a publicação do seu “A democracia como valor universal”, porque considera que, embora a tese central seja válida, o ensaio falha ao não enfatizar o socialismo. No livro “Contra a corrente”, Carlos Nelson diz: “Se sem democracia não há socialismo, tampouco há democracia plena sem socialismo, ou seja, sem a superação da sociedade de classes, fundada na exploração e na alienação.” Para mim, isso destrói a tese do ensaio original. Na autobiografia, Leandro diz sobre o ensaio: “Mais tarde, Carlos Nelson viria a lamentar que nele _ na medida em que não se sublinhava a importância do socialismo _ a exaltação do valor da democracia se prestava para uma leitura liberal, que facilmente descambava para uma indevida euforia. A exaltação do socialismo está presente em outros textos de Carlos Nelson, não tinha de estar necessariamente nesse. Os liberais não se equivocaram por não terem se defrontado com a proclamação da importância do socialismo. Equivocaram-se porque queriam.”

Eu não falaria em equívocos. Muitos, como eu, leram o ensaio e, graças a uma argumentação transparente, escolheram caminhos próprios. É isso o que intelectuais honestos, como Leandro e Carlos Nelson, proporcionam. Por isso o novo livro de Leandro é tão bem-vindo. Por isso é de lamentar a decisão de Carlos Nelson de não mais publicar aquele ensaio em sua versão original

A desmemória

Lícia Peres
DEU NO ZERO HORA

“Para que não se esqueça.
Para que nunca mais aconteça.”

Após 40 anos da edição do AI-5, um dos símbolos mais perversos da ditadura militar, que autorizou o fechamento do Congresso, a suspensão do direito de cidadania, a cassação dos mandatos, a demissão e aposentadoria de funcionários, a instituição da censura prévia, que atingiu a imprensa, o cinema, o teatro, a música, instalando um ambiente de perseguição e medo que marcou esse tempo como dos mais atrozes da nossa história, constata-se que 82% dos brasileiros a partir dos 16 anos o ignoram. Ao admitirem o fato de nunca terem ouvido falar do Ato Institucional nº 5, evidenciam as falhas do sistema educacional brasileiro. A pesquisa publicada na Folha de S. Paulo do dia 13/12 demonstra algo que, mais do que deprimente, é trágico e carrega ainda uma certa ironia: a despolitização do nosso povo. E então nos vem à lembrança um dos slogans do autoritarismo repetido incessantemente para justificar a intervenção nos sindicatos e entidades estudantis, as prisões e torturas: Estudante é para estudar, trabalhador é para trabalhar. Assim, o fazer ou participar de atividade política era constantemente desestimulado. Tratava-se de algo indesejável e passível de punição. A meta era objetivamente a despolitização, principalmente dos jovens que sequer tinham acesso aos livros indispensáveis à sua formação acadêmica, muitas vezes obtidos clandestinamente. Tristes tempos.

Convicta da necessidade de divulgar informações sobre esse período, a Comissão do Acervo da Luta Contra a Ditadura, instituída pelo governador Olívio Dutra nas comemorações dos 20 anos da anistia, trabalhou durante vários anos, organizando dados, promovendo exposições, palestras e cursos em Porto Alegre e no Interior. Recentemente nos afastamos, ao constatar a inexistência de apoio para a continuidade da nossa atuação. Mas, buscando contribuir para a constituição de uma democracia consolidada, na qual o respeito aos direitos humanos passasse a representar valor irrenunciável, entreguei em 15 de agosto de 2008 carta ao ministro da Justiça, Tarso Genro, que expressava também o entendimento do ex-presidente da Comissão Bona Garcia e do professor de História Enrique Padrós, sobre medidas que poderiam ser adotadas pelo governo federal:

1 – Direito à verdade

A total abertura dos Arquivos de Segurança Nacional, assegurando o direito à verdade com o acesso da sociedade a todas as informações.

2 – A consolidação de uma cultura democrática e de respeito aos direitos humanos

a) Ação conjunta dos ministérios da Justiça, da Educação e da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, para que na rede pública de ensino fossem recomendados livros sobre o golpe de 64, que, mesmo parte da História do Brasil, são pouco divulgados. Grande parte da juventude desconhece os fatos. Assim, as novas gerações tomariam conhecimento das causas e conseqüências do período ditatorial na sociedade brasileira.

b) Elaboração de material específico para qualificação do magistério, de modo a capacitá-lo a um adequado tratamento do tema.

Exemplos: guias e cartilhas específicas sobre fontes de informação (filmes, depoimentos, livros, peças teatrais e as leis repressivas da época).

A gravidade dos dados publicados na referida pesquisa escancara a necessidade inadiável de enfrentar-se o desafio do desconhecimento histórico para que a realização do processo democrático não seja obstaculizada por uma educação insuficiente e pelo descompromisso com a memória.

*Socióloga, ex-presidente do Movimento Feminino pela Anistia

A importância da memória da ditadura

Dalmo de Abreu Dallari
DEU NA GAZETA MERCANTIL


Este ano foi marcado por duas comemorações jubilosas: os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 20 anos da Constituição brasileira de 1988, documentos de extraordinária importância para afirmação da prioridade da pessoa humana, de sua dignidade e de seus direitos fundamentais. Embora tendo sentido tremendamente negativo, não deve passar sem registro outro aniversário, que marca a interrupção da caminhada do povo brasileiro no sentido da busca de uma sociedade democrática e justa. Há quarenta anos, no dia 13 de Dezembro de 1968, foi editado o Ato Institucional número 5, o AI 5, que ampliou as violências implantadas com o estabelecimento da ditadura em 1º de Abril de 1964, favorecendo, além de tudo, o aumento da corrupção no setor público e sua ocultação, pela imposição de uma censura ainda mais rigorosa sobre os meios de comunicação, impedindo a publicação de denúncias e a revelação dos desvios de dinheiro público e das associações fraudulentas entre governantes e empresários, tudo mantido em segredo sob pretexto de interesse da segurança nacional. Aliás, as maiores resistências à abertura dos arquivos da ditadura têm justamente essa motivação: impedir que o povo brasileiro conheça a verdade sobre os subterrâneos dos governos ditatoriais.

Para registro da história é oportuno lembrar que no dia 1º de Abril de 1964 foi imposto ao Brasil um governo militar, substituindo o Presidente da República que havia sido eleito nos termos da Constituição de 1946. Para simular uma simples alteração da ordem legal, foi publicado no dia 10 de Abril de 1964 um comando ditatorial que foi denominado Ato Institucional número 1, dizendo que ficava mantida a Constituição de 1946, mas, contraditoriamente, quem assinava o ato era um Comando

Supremo da Revolução, não previsto na Constituição, e por ele impunham regras flagrantemente inconstitucionais. Basta assinalar que o artigo 4º daquele ato dispunha que o Presidente da República, "sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais". Mais tarde, em 13 de Dezembro de 1968, com a intenção de aumentar as violências e arbitrariedades contra os brasileiros que se opunham à ditadura, foi editado o Ato Institucional número 5, que suspendeu todas as garantias constitucionais e implantou no Brasil uma censura rigorosa, iniciando-se aí uma fase trágica, com muitas prisões arbitrárias, mortes e desaparecimentos de pessoas, generalização da tortura, invasões de domicílio, intensificação das cassações de direitos e muitas outras violências contra a vida, a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas. E muitos dos que haviam apoiado a implantação da ditadura acabaram figurando entre suas vítimas.

Para que o Brasil voltasse a ter uma ordem civilizada foram necessários tremendos sacrifícios. O aumento das violências abriu as consciências de muitos brasileiros, que por ingenuidade, acreditando nos propósitos moralizadores apregoados pelo governo ditatorial, ou por temor de represálias, não manifestavam oposição à ditadura. E, afinal, o povo brasileiro, esclarecido e estimulado por líderes que não se intimidaram nem se acomodaram, expulsou a ditadura e conquistou a Constituição democrática de 1988. Tudo isso deve ficar bem vivo na memória dos brasileiros, para que ninguém, por desinformação ou pela ilusão de que a ditadura lhe será mais proveitosa, dê apoio a qualquer aventura antidemocrática e anticonstitucional que se apresente como salvadora da Pátria.

Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo)

As diferenças dos iguais


Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Costa e Silva assinava o AI-5 ou caía; e a direita udenista-militar não errou, até que o regime se desmilingüisse

UM MOMENTO , a meu ver, entre os de importância crucial para o que resultaria do golpe de 64, e para sua eternidade de 21 anos, merece ao menos um registro retardatário e breve, à falta de melhor nas rememorações motivadas pelos 40 anos do ato institucional (como, aliás, também na historiografia da ditadura que seja de meu conhecimento).

Entre o levante militar induzido em Minas pelo governador Magalhães Pinto e o terceiro ou quarto dia seguinte, a balbúrdia dominou os políticos, os jornalistas e a maior parte dos militares, surpresos e desorientados. Só por essa altura começaram, entre políticos e militares, e por iniciativa dos dois lados, os contatos com intenções mais definidas. Desde os primeiros momentos os chefes militares reproduziam a velha disputa entre suas principais correntes, agora em relação ao controle da situação imediata e aos desdobramentos que ninguém planejara. Da parte dos políticos, tudo era pensado e dito conforme as conveniências de cada uma das três candidaturas em marcha para a eleição em 1965 à Presidência -Juscelino, senador, e governadores Magalhães Pinto e Carlos Lacerda.

Ministro da Guerra por decisão própria e súbita, Costa e Silva, ao ver avançarem as articulações para uma Presidência provisória entregue ao general Castello Branco, convocou os principais governadores para uma reunião. A simpatia distante ao PSD de Juscelino, mais por aversão ao udenismo, levara-o a sair do anonimato bonachão por um atrito grave com Jânio Quadros, quando soldados do 4º Exército, de que era comandante, agiram com violência a um movimento estudantil em Recife.

Costa e Silva fez aos governadores uma exposição sem cerimônia, sobre a situação militar e política. Para concluir com a advertência de que, se entregassem a Presidência a Castello, estariam levando afinal ao poder a corrente militar que sempre pretendera conquistá-lo -como já mostrara contra Getúlio, no golpe armado para impedir a posse de Juscelino, nos dois levantes também contra Juscelino já presidente e contra a posse de Jango na renúncia de Jânio. O grupo udenista no poder significaria regime militar e mergulho no escuro. E, portanto, o fim da eleição presidencial no ano seguinte, pretendida por dois dos presentes, senão mais.

Lacerda interpretou a advertência como manobra contra candidatos da UDN, logo, contra ele, e em favor de Juscelino. Com seu ímpeto habitual, contestou a análise de Costa e Silva e fez a apologia do caráter, da autoridade de comando e das convicções democráticas de Castello Branco. Por certo, não esperava a rebordosa: Costa e Silva, velho apreciador de pôquer, pagou para ver e redobrou o tom da descompostura.

A articulação por Castello intensificou-se. Dela participavam o PSD e Juscelino, confiantes na propalada solidez democrática de Castello. Disseram, uns, que por intermediário de Costa e Silva, outros citando o coronel Andreazza, Juscelino recebeu a mesma advertência, para que revertesse a posição das fortes bancadas do PSD no Senado e na Câmara. Os pessedistas em geral votaram contra Castello, como Juscelino recomendava. Juscelino votou por Castello.

A presença dominante de tendências udenistas no jornalismo político propagou, com justificativas que os fatos não admitiriam, a fé democrática do general Castello, sua alegada obra de contenção das pressões extremadas, o Ato Institucional nº 1, o Ato Institucional nº 2, as cassações, prisões, o fim das eleições presidenciais previstas, idem das eleições de governadores, e por aí até além do que se sabe. Magalhães, Lacerda e Juscelino morreram em tempo de confrontar a oportunidade que tiveram, dada pela reunião com Costa e Silva, e o que a partir dali se deu por seu apoio em contrário.

Costa e Silva, estigmatizado pelo udenismo como o chefe da linha mais dura, contrapôs-se a Castello sempre, e apesar disso não foi possível derrubá-lo nem, em 1967, impedi-lo de fazer-se sucessor na Presidência. A corrente udenista atemorizou-se e não o enfrentou. Mas quis cercá-lo por antecipação, com novas "leis" e até uma "Constituição" adequada ao regime. A extinção de toda e qualquer modalidade de censura à imprensa, logo após a posse, simboliza bem as mudanças que se iniciavam.

Com o AI-5, ano e meio depois de sua posse, Costa e Silva recebeu o lugar que lhe ocupa nas referências e narrativas sobre a ditadura. Mas talvez esteja esquecido demais o ensino de Orwell, de que "todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros". Costa e Silva adotou como vice-presidente um udenista, Pedro Aleixo, mas não um homem de direita, nem ligado ao lacerdismo ou a militares, ficando para sempre como aquele que levantou a voz contra o AI-5, na mesa e hora mesmas em que outros o assinavam desprezando escrúpulos há muito duvidosos.

Quando emitiu o AI-5, Costa e Silva estava prestes a extinguir a Constituição deixada por Castello e lançar uma semelhante à democrática de 1946. A crescente agitação de 68, só possível porque o próprio Costa e Silva deteve a reação do governo por bom tempo, deu à extrema direita -militar e civil- a ocasião de rearticular-se aproveitar a má percepção política dos novos oposicionistas para voltar ao golpismo.

Ronaldo Costa Couto lembrou na Folha uma frase de Geisel: "Costa e Silva só tinha duas soluções. Ou fazia o AI-5 ou renunciava". Não. Ou assinava o AI-5 imposto ou caía, derrubado.

Cedeu. E a direita udenista-militar não errou, até que Figueiredo levasse o regime a se desmilingüir.

LIVRO: LANÇAMENTO

Amanhã
Livraria do Museu da República
Rio de Janeiro

Penúltima fronteira


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Prestes a ser votada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a emenda que põe fim à reeleição e institui mandato de cinco anos para presidente da República, governadores e prefeitos vai ganhando adeptos fora do Parlamento entre aqueles que até outro dia consideravam a proposta nada mais que um casuísmo.

O mais recente é o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, cuja convicção em favor da reeleição transformou-se na certeza oposta em menos de 50 dias. No dia 25 de outubro, véspera do segundo turno da eleição municipal, o prefeito reafirmava com toda firmeza o "absurdo" de uma mudança dessas, nessa altura.

Na sexta-feira passada, transcorridos 48 dias, informou ao mesmo interlocutor que mudara de posição. Junta-se, assim, ao contingente de personagens de destaque no cenário político nacional que se prepara para demonstrar por A mais B que a reeleição no Brasil "não deu certo".

Depois da adaptação de Kassab à posição de seu partido, o DEM, restam pouquíssimos porta-vozes da defesa da preservação das regras tal como estão. No PMDB, o governador Sérgio Cabral vem resistindo praticamente solitário.

O presidente do partido, Michel Temer, é a favor de aprovar as mudanças em 2009 com data de entrada em vigor em 2014, os líderes mais importantes também, mas Cabral até a última consulta - dia 11 de novembro - ainda prometia brigar contra o "casuísmo" que, segundo ele, serve apenas para dar ao Brasil uma imagem de país institucionalmente instável.

É de se conferir se mais à frente flexibilizará essa certeza, como fez Kassab, se manterá a opinião e assistirá calado à ofensiva dos contrários ou se enfrentará, além do partido, as posições do presidente Luiz Inácio da Silva, dos governadores José Serra e Aécio Neves e do grosso do primeiro escalão do PT.

Faça o que fizer, não vai alterar a tendência majoritária dos personagens com poder de influência sobre o processo sucessório de trabalhar em prol da aprovação da emenda constitucional que chega à CCJ da Câmara pelas mãos do deputado, ex-presidente da Câmara e réu no processo do mensalão João Paulo Cunha (PT-SP), relator do projeto.

Os mais vistosos são o presidente Luiz Inácio da Silva e o governador de São Paulo, José Serra.

Este trabalha de forma explícita, não se deixa abalar com as críticas ao casuísmo - invoca sua condição de adversário doutrinário da reeleição -, já se articulou com o presidente da República e, pelo visto, também com o PT.

Lula atua com absoluta discrição. Para o padrão de loquacidade presidencial, é algo inusitado existir um assunto sobre o qual não faz referência. Entre outros motivos para não dar margem à interpretação de que aproveitaria o ensejo para patrocinar alguma manobra que lhe permitisse concorrer em 2010.

Por ora, o que se enxerga é apenas seu interesse em reduzir o tempo de espera para tentar a volta sem enfrentar uma disputa com o sucessor no cargo. No caso de ser uma sucessora, Dilma Rousseff, não haveria esse problema.

O engajamento do presidente Lula no fim da reeleição dá a medida da confiança que ele tem na eleição da mãe do PAC, a sacerdotisa de José Sarney.

If...

Conhecido por seu arrojo verbal, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, na entrevista das páginas amarelas da revista Veja desta semana preferiu a dubiedade à assertividade, quando apertado.

Indagado se Lula não ficará refém do PMDB no caso de o partido eleger os presidentes da Câmara e do Senado, respondeu que isso só ocorreria "se os líderes do PMDB fossem canalhas e quisessem chantageá-lo".

A revista ponderou que exigir a presidência de Furnas e a diretoria internacional da Petrobrás para votar a CPMF parece chantagem.

"Se isso ocorreu, foi um erro."

E o ministro José Gomes Temporão estaria certo ao dizer que a Funasa é corrupta?

"Se ele tem informações para dizer isso, conta com meu apoio."

Se o ministro que tudo sabe e tudo vê no PMDB está em dúvida, o que dizer de quem assiste de longe e paga a conta sem direito a maiores detalhes?

Concentração

Última semana de trabalho no Congresso é também a semana do esforço concentrado. Há pendências da maior importância na Câmara e no Senado - rito das medidas provisórias, fundo soberano, registro das entidades filantrópicas, regulamentação da atividade de lobby etc. -, mas suas excelências devem se concentrar mesmo no Orçamento de 2009 e na criação dos 7.343 novos vereadores a tempo de as vagas serem preenchidas daqui a dois meses.

A aprovação do Orçamento antes do recesso é uma imposição legal. Já a aprovação das novas cadeiras nas Câmaras Municipais é um imperativo do interesse parlamentar, além, claro, de ser o desfecho adequado para mais um período legislativo dedicado ao exercício continuado do vexame explícito.

Magistrados do ES entregam corruptos


Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO

É bem provável que a prisão do presidente e de outros dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo seja apenas a ponta de um novelo que vai terminar em juízes do primeiro grau. O certo é que se trata da continuidade de um processo no qual as instituições estaduais estão passando por reestruturação e limpeza, como prova o auxílio que magistrados - isso mesmo, magistrados - capixabas deram aos agentes federais. Um apoio decisivo para a rapidez e o sucesso da "Operação Naufrágio".

Esse processo começou em 2002, quando se tornaram evidentes os indícios de que as instâncias legais do Estado que abriga um dos principais portos do país haviam sido tomadas pelo crime organizado. O então presidente Fernando Henrique Cardoso ainda dispunha do recurso da opção mais drástica, a intervenção pura e simples no Estado. Mas como bom tucano, tinha dúvidas e abriu um debate no governo sobre o caráter democrático da medida. Optou-se então pelo envio de uma força tarefa integrada por agentes e procuradores federais.

Com problemas nos três poderes e nas instituições em geral, havia cobrança da sociedade civil. Um juiz que lutava contra o crime organizado fora executado. Para disputar as eleições de 2002, o atual governador Paulo Hartung (PMDB) teve de se desligar do PSDB, que era controlado pelo então governador, José Ignácio - também objeto das investigações da força tarefa (Ignácio era um problema já há muito tempo, mas os tucanos que dirigiam então o partido fingiam que nada viam, como fazem agora em relação aos governadores encrencados no Tribunal Superior Eleitoral).

A força tarefa logo começou a meter o bedelho nas questões relativas ao Executivo e ao Legislativo. Para resumir a história - importante para situar o atual cerco ao Judiciário capixaba -, o eterno presidente da Assembléia Legislativa, José Carlos Gratz, teve o mandato cassado e passou duas vezes pela cadeia. Também foi preso o coronel que chefiava a banda podre da Polícia Militar. Um novo grupo, integrado pelo PT e auxiliares de Hartung, assumiu o comando da Assembléia. Nos primeiros anos, devolveu dinheiro do Orçamento ao Executivo - só em 2009 a Assembléia terá um orçamento nominal igual ao último executado por José Carlos Gratz, em 2002.

"Hoje o Espírito Santo tem um Executivo e um Legislativo reorganizados", diz o governador Paulo Hartung. Mas o trabalho da força tarefa, que ainda se estendeu até o início do governo Lula, identificou problemas, mas não conseguiu avançar as investigações no Judiciário. Mas no início deste ano, numa operação realizada no porto de Vitória para apurar a importação ilegal de carros de luxo (investigação que envolveu o filho de um governador tucano, Ivo Cassol), a Polícia Federal atirou no que viu e acertou no que não viu: a ponta que faltava no vasto esquema de corrupção montado no Espírito Santo

A "Operação Titanic", que apurava a importação ilegal dos carros de luxo, grava integrantes do Judiciário negociando sentenças. As gravações deram origem à "Operação Naufrágio". Elementar. Para a PF, é claro. Mas coisas surpreendentes já haviam começado a acontecer.

"Fredinho", como o filho do presidente do TJ-ES é chamado, já havia sido denunciado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por um magistrado. Mas não parou por aí: quando a "Naufrágio" entrou em ação, magistrados do Espírito Santo se despiram do espírito de corpo, resolveram falar o que sabiam e deram informações que aceleraram o trabalho da Polícia Federal, limpo, discreto até o momento da prisão dos envolvidos, e eficiente.

Os agentes da Polícia Federal receberam informações precisas sobre o que ocorria nas entranhas do TJ-ES. É evidente que a "Operação Naufrágio" não pegou tudo, mas trincou, com a conexão dos desembargadores, que havia escapado ilesa da investida da força tarefa de 2002. A expectativa dos capixabas agora é de que a operação seja aprofundada, porque há muitos outros problemas, especialmente no primeiro grau. E uma das primeiras conseqüências será a realização de concurso público para o Judiciário por instituições externas, antiga reivindicação da OAB local (para burlar a lei do nepotismo, há indícios de que desembargadores locais manipulavam as provas dos concurso para empregar parentes)

"Todos os Estados têm problemas, deformações e desvios a serem resolvidos", diz o governador Paulo Hartung. "Mas com o apoio da sociedade e das instituições locais e nacionais é possível resolvê-los". Segundo Hartung, "além de ser um dever ético, isso tem um ganho econômico, torna o Estado mais competitivo ao olhar dos investidores, numa visão de futuro, no qual as instituições têm mais valor que os homens".

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Ganância e regulação


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. A repercussão da quebra dos fundos geridos por um dos maiores investidores de Wall Street, o ex-presidente da Nasdaq Bernard Madoff, calculada em US$50 bilhões, que se espalha em prejuízos pelas bolsas dos Estados Unidos e da Europa e atingiu até mesmo investidores brasileiros, trouxe novamente ao debate o tema da regulação das atividades financeiras, que havia saído do radar diante da necessidade de medidas urgentes que ainda são necessárias para tentar reequilibrar a economia mundial.

Chama a atenção o fato de que tenha funcionado durante tantas décadas, sem que nem investidores nem os distribuidores, como os bancos Santander e HSBC, nem qualquer órgão regulamentador tenha detectado o golpe, o que está sendo considerado um gigantesco "esquema Ponzi", nome do fraudador Charles Ponzi, que criou operação financeira que pagava rendimentos anormalmente altos aos investidores, com dinheiro de outros investidores, como se fossem lucros de um negócio real.

Um dos problemas graves apontados é que os órgãos regulamentadores poderiam ter dificuldades na supervisão, porque os "hedge funds" são absolutamente livres de fiscalização.

Há um consenso de que uma nova regulamentação do mercado financeiro deverá surgir dessa crise, com um acompanhamento mais próximo e firme de agências reguladoras, que terão poderes reforçados e deverão trabalhar mais conectadas, para melhorar a eficiência da supervisão.

Parece inevitável que o mercado financeiro não seja mais o mesmo a partir da crise que se tornou explícita com a quebra do banco Lehman Brothers, em setembro deste ano. Alguns investimentos simplesmente desaparecerão por falta de ambiente favorável a alavancagens estratosféricas como vinha acontecendo.

O temor é que, a cada caso desses que surge, o ânimo de repúdio aos "especuladores" de Wall Street leve a decisões equivocadas que a curto prazo atendam aos anseios da opinião pública, mas prejudiquem o funcionamento do sistema financeiro a longo prazo.

A década de 1980 foi marcada pela desregulamentação do mercado, que produziu novos produtos financeiros e espalhou o lema "Greed is good" ("Ganância é bom").

Michael Milken e Ivan Boesky, financistas controversos do moderno capitalismo, eram as figuras de proa dessa fase. Milken, criador dos "junk bonds", e Boesky, reinando no setor de fusões e aquisições, acabaram na cadeia, mas por pouco tempo. Estão livres e milionários, mas proibidos de atuar no mercado financeiro.

Nos últimos quatro a cinco anos, com a formidável onda de liquidez e prosperidade que se espalhou pela economia internacional, as instituições financeiras ficaram sob forte pressão para obter resultados diante do apetite por risco do mercado. Em conseqüência, houve uma redução generalizada das margens de segurança, não acompanhada pelas agências de risco, seja por cumplicidade, seja por deficiências técnicas.

O economista Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, diz que a questão é separar "corrupção crassa", como classifica o caso Madoff, do problema mais complexo de regulação financeira. "No caso Madoff acreditaram na figura, sem examinar com cuidado sua cozinha. E o fato de que grandes instituições acreditaram só serviu para aumentar a falsa credibilidade de um esquema que aqui, no Brasil e na Cochinchina seria fechado por ilegal, uma vez descoberto".

Regulação é mais difícil, segundo ele, porque arbitra dois objetivos conflitantes: "proteger o sistema, em particular os investidores, e estimular o maior volume e maior extensão possível do crédito, inclusive para idéias que ainda não são empresas. Tudo dentro do esquema normal de leis e responsabilidades".

Ele lembra que Alain Greenspan (ex-presidente do Fed, banco central americano) finalmente admitiu que não dá para acreditar apenas na auto-regulação do mercado. "Os incentivos que surgem são perversos e incompatíveis, em última instância, com a estabilidade do sistema". Para Vieira da Cunha, "o problema é a análise de risco. Como fazê-la? Quem a faz? Quem supervisiona? Quais são os parâmetros mínimos e as sanções? E o mais difícil: quem guarda os guardiões?"

No livro "Como reagir à crise? Políticas econômicas para o Brasil", do Iepe/Casa das Garças, há um artigo dos economistas Dionisio Dias Carneiro e Monica Baumgarten de Bolle que trata da questão "Eficiência versus Risco" e chama a atenção para questões que têm que ser levadas em conta na hora da definição das novas regras de regulamentação do mercado:

"O custo de um sistema mais ágil, menos regulado, e mais capaz de gerar ganhos de eficiência é aumentar o risco de uma grande ruptura destes mesmos mecanismos, com implicações devastadoras sobre a economia real, como vimos acontecer na atual crise", dizem os autores.

"Ou seja, o mundo menos regulado está mais exposto aos extremos: períodos de forte crescimento e criação de riqueza, contrabalançado por grandes choques destrutivos".

Em contrapartida, "o mundo mais regulado, caracterizado por um sistema de multiplicação de crédito menos flexível, está menos sujeito a choques financeiros cataclísmicos, mas também gera menores ganhos de produtividade e perspectivas de crescimento bem menos exuberantes".

O problema é definir como deve ser regulado o futuro sistema financeiro, para que tenha eficiência e gere prosperidade, sem os níveis de irresponsabilidade que estavam sendo tolerados em Wall Street. Esta será uma das principais tarefas da equipe econômica do governo Barack Obama e do novo Congresso com maioria democrata.

O ex-secretário do Tesouro Larry Summers, um dos papas da futura equipe econômica de Obama, sabe do que se trata. É dele a frase: a emergência dos mercados financeiros globais de hoje pode ser comparada à invenção do avião a jato. Podemos ir aonde quisermos com muito mais rapidez, podemos chegar ao nosso destino com mais conforto e de maneira mais barata, e quase sempre com mais segurança. Porém, os desastres, quando acontecem, são muito mais espetaculares.

Lições da "Grande Contração"


Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Sem dúvida nenhuma, a obra de Milton Friedman & Anna J. Schwartz, "A Monetary History of the United States, 1868-1960" (1963), é um clássico da economia por sua impressionante erudição e desenvolvimento da história em seu detalhe empírico. Concorde ou não com sua tese, é uma das grandes obras onde se utiliza a história para estabelecer relações de causa e efeito em economia. No momento em que vivemos uma crise financeira, em que há concordância de que é a maior e a mais profunda e também que está iniciando o que todos entendem que será a mais prolongada e profunda recessão desde a grande crise de 1930, pelo menos duas lições podem ser tiradas desta grande obra.

No seu Capítulo 7, Friedman & Schwartz reinterpretam "A Grande Contração de 1929-33" e apresentam evidências de que o Federal Reserve (Fed, a autoridade monetária dos EUA) falhou na sua ação como banco central, ou seja, como emprestador em última instância durante a crise financeira. Isso provocou uma contração na oferta de moeda, no início do segundo trimestre de 1929, que foi responsável pela contração na demanda agregada, no nível de produção, no emprego e pela quebra da bolsa em outubro de 1929. Este aperto na política monetária ocorreu na fase de contração do ciclo econômico, os preços dos bens e serviços estavam declinando e não havia sinais de inflação. A lição que fica, mesmo que não se concorde que a única causa da Grande Contração tenha sido a política monetária, é que o aperto monetário lançou a economia numa direção desestabilizadora, provocando o grande horror e tragédia que foi a quebra da bolsa em 1929, e a crise e o pânico bancários seguidos da depressão econômica dos anos 30. Alguns analistas observaram posteriormente que, em 1929, o produto ainda crescia e que este poderia ter sido um argumento para o aperto monetário.

O paralelo com o que estamos vivendo neste momento no Brasil, e a decisão do Banco Central do Brasil na semana passada, em manter a taxa de juros Selic em 13,75% ao ano, é inevitável. Não há justificativas objetivas para a decisão tomada pelo Banco Central quando todo o resto do mundo está reduzindo as taxas de juros, o que equivale, portanto, a uma elevação relativa.

Hoje, não há nenhuma dúvida de que o pico da atividade econômica no Brasil já foi atingido em outubro último e de que estamos em plena e forte desaceleração do nível de atividade com a queda de demanda, particularmente no setor de bens de consumo durável como o de automóveis. O próprio Banco Central, ao reduzir as taxas de depósito compulsório e criar diversas linhas de crédito para socorrer o setor exportador, está reconhecendo que houve uma forte contração no crédito, com a paralização do interbancário e corte generalizado de crédito do exterior e que, quando há oferta de fundos disponíveis, as empresas estão pagando taxas de juros muito mais elevadas no mercado.

Se pairava alguma dúvida, a divulgação dos últimos índices de preços mostram o óbvio. Apesar da maxidepreciação do real desde setembro, o Índice de Preço no Atacado em novembro apresentou uma deflação de - 0,17% e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo uma variação positiva de 0,36%, recuando em relação ao mês anterior. Nada diferente poderia ser esperado num contexto de forte contração no crédito, na demanda agregada e queda, ainda mais violenta, nos preços das commodities, particularmente quando já sabíamos que a aceleração da inflação neste ano era essencialmente causada pelo preço das commodities. Segundo o índice de preço de commodities da revista The Economist, nos últimos 12 meses, o dos alimentos teve queda de -21,8% e das commodities industriais, -47,4 %; e, no último mês, -11,0% e -25,1%, respectivamente. Será que não estamos cometendo o mesmo erro do FED na Grande Contração, apontado por Friedman e Schwartz?

A segunda lição que podemos aprender com a análise minuciosa feita por Friedman e Schwartz refere-se à questão da credibilidade do Banco Central. Um grande numero de analistas atribui a decisão do Banco Central de manter a taxa Selic à defesa de sua reputação e credibilidade. Neste momento, o Banco Central deveria mostrar a sua independência em relação às pressões reafirmando a sua reputação de "conservador", segundo esses analistas. Assim, entendem que uma redução na taxa de juros, neste momento, mesmo com evidências empíricas indicando que a política monetária deveria ser afrouxada, seria uma demonstração de fraqueza e perderia credibilidade. Atitude similar tomada pelo Fed na Grande Contração sob o argumento de estar combatendo a especulação que resultou na grande tragédia.

Friedman e Schwartz mostram como o Fed perdeu a reputação construída nos anos 20 por conta daquele erro: "O colapso do sistema bancário durante a contração minou a fé no poder do Sistema de Reserva Federal que tinha sido desenvolvido nos anos 20... Um resultado destas mudanças foi que o Sistema de Reserva foi levado a adotar um papel totalmente passivo, adaptando-se aos acontecimentos na medida em que eles ocorriam, em vez de servir como um centro independente de controle...." (página 12).

Ainda segundo os autores, foi o Tesouro, e não o Sistema de Reserva, que assumiu e executou decisões de política monetária condizentes com um centro independente de controle. Peter Bernstein, que escreve a introdução da reedição do Capítulo 7, relata que o Fed teria se transformado em pouco mais de uma caixa de compensação bancária em 1941, quando foi trabalhar lá. O mesmo autor relata que o descrédito do Fed era tal que em 1942 participou da elaboração de um relatório que sugeria que ele deveria ser incorporado ao Tesouro, com uma seção. Será que o Banco Central do Brasil não está cometendo o mesmo erro do Fed na Grande Contração, minando a sua própria credibilidade?

Yoshiaki Nakano , ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.