domingo, 8 de fevereiro de 2009

Protecionismo e crise social

Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


No abismo sem fundo da crise, germina a hostilidade em relação ao "outro": as importações, o imigrante


AO LONGO do tumultuado período encravado entre a Primeira Guerra Mundial e a vitória dos aliados em 1945, a fúria e a desordem dos mercados colocaram em risco as normas de convivência e os valores da ordem liberal capitalista. Já no final do século 19, na esteira da Segunda Revolução Industrial, a ampliação da presença das massas trabalhadoras nas cidades e a conquista do sufrágio universal transformaram em problemas sociais fatos que antes eram considerados resultados da conduta irregular dos indivíduos. A ideia de desemprego como fenômeno social, produzido pela operação imperfeita de mecanismos econômicos, é muito recente. Ainda no crepúsculo do século 19, o desemprego era tomado como vagabundagem, inabilitação ou simples má sorte.

O colapso da ordem liberal foi acompanhado de instabilidades financeiras, monetárias e cambiais devastadoras, transmitidas por meio dos circuitos financeiros e comerciais que articulavam as economias nacionais. Esse intervalo histórico foi marcado por uma reversão brutal das convenções e das concepções que haviam prevalecido no mundo relativamente estável e próspero do liberalismo comercial inglês regulado pelo padrão-ouro, ou seja, pela hegemonia da libra. A defesa do espaço econômico e social das nações ganhou preeminência sobre as propaladas vantagens do livre comércio. O avanço do protecionismo amparado em elevações de tarifas e desvalorizações competitivas tornou-se o esporte predileto dos governos, dos empresários e dos sindicatos. Os países envolvidos tratavam de despejar o desemprego de máquinas e homens no território do vizinho.

Na ausência de uma coordenação global, o nacionalismo econômico desvairado promoveu a contração do comércio internacional. Os países com maior abertura ao intercâmbio externo de serviços e mercadorias sofreram mais com a contração do comércio. As grandes economias tiveram melhor desempenho com a busca da autarquia. Mas o conjunto da obra foi desastroso.

Não por acaso, na esfera política, a degradação da ordem liberal legitimou as aventuras totalitárias à esquerda e à direita. O coletivismo dos anos 30 era isso mesmo: um fenômeno regressivo promovido pela dissolução dos nexos sociais regulados pelos mercados. A crise realizou a proeza de explicitar a violência essencial que espreita a sociedade quando o indivíduo livre é lançado na liberdade desamparada. Nesse abismo sem fundo, germina a hostilidade em relação ao "outro": primeiro as importações, depois o imigrante, o estrangeiro, para culminar na eliminação da diferença sob qualquer forma. Nas profundezas da crise, é necessário eliminar todas as diferenças e mergulhar naquilo que é absolutamente semelhante, a totalidade uterina e intolerante da massa informe e manipulável.

Luiz Gonzaga Belluzzo , 66, é professor titular de Economia da Unicamp e presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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