domingo, 18 de janeiro de 2009

FRASE DO DIA

"(...) em recolocar em primeiro plano, na competição política, a questão econômica e social e oferecer a esta questão saída realista por meio de uma proposta de forte inovação política programática".

Walter Veltroni (presidente do Partido Democrático da Itália)

A busca do acordo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. A disputa entre conservadores e progressistas sobre os efeitos do New Deal, o programa adotado pelo presidente Franklin Roosevelt para tirar o país da Grande Depressão, e a comparação com o plano de recuperação econômica a ser adotado pelo futuro presidente Barack Obama é o centro da discussão nos Estados Unidos dias antes da posse. Não são apenas economistas considerados "de direita" como Amity Shlaes, autora do best-seller "O homem esquecido", que fazem uma revisão daquele período. Economistas da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), concluíram em um estudo de 2004 que as políticas intervencionistas de Roosevelt restringiram a capacidade da economia de se recuperar da crise mais rapidamente.

A criação de várias agências governamentais para administrar diversos setores da sociedade americana, criando empregos públicos de diversos níveis, como o controle de pontes federais ou fazendas públicas, gerou milhares de empregos públicos, mas também, segundo Shlaes, produziu uma estrutura burocrática dispendiosa e ineficiente.

Um exemplo citado no livro é a fazenda modelo Casa Grande, no Arizona, onde um grupo de empregados compreendeu rapidamente que, se não parassem de usar o modelo artesanal de tirar leite individualmente, não fariam com que a fazenda desse lucro.

Para cortar custos, propuseram a utilização de máquinas de tirar leite, e foram demitidos pelo administrador oficial da fazenda, com o argumento de que ele estava ali para defender o investimento governamental que objetivava a criação de empregos, e não o lucro da fazenda.

Um dos problemas detectados pela economista Amity Shlaes foi a produtividade negativa dos programas de infraestrutura criados pelo governo. Muitas vezes, novas estradas ou novos edifícios eram construídos, criavam empregos durante a construção, mas não representavam a melhor solução, pois eram orientados por interesses meramente eleitorais.

O governo Obama deparou-se com essa dificuldade no momento em que pediu que a segunda parcela do pacote de US$700 bilhões fosse liberada imediatamente pelo Congresso, o que afinal conseguiu. Mas os representantes republicanos reclamaram que não houve um acompanhamento sobre o resultado da utilização da primeira parcela, nem uma demonstração dos resultados obtidos.

Da mesma maneira que durante o governo Roosevelt, hoje há um clamor público pela regulamentação dos mercados financeiros, com um maior grau de controle e planejamento sobre as economias.

O governo Obama também já apresentou algumas normas que deverão ser aprovadas logo nos primeiro dias da nova administração, anunciadas durante a semana pelo ex-presidente do Fed Paul Volcker, que comandou um grupo de economistas nesse trabalho.

Algumas diretrizes que foram utilizadas nos anos 1930, e depois revogadas nos anos Reagan de desregulamentação, serão novamente adotadas, como a separação da atividade bancária tradicional e investimentos de mais riscos. As agências de avaliação de riscos, que falharam claramente ao não detectarem os problemas que estavam acontecendo, também terão que se separar das instituições emissoras de dívida, e os fundos de aplicação financeira, que formavam o que está sendo conhecido como um sistema bancário paralelo que funcionava fora dos limites da regulamentação bancária, terão que se submeter a novas regras de supervisão.

O editor do "New York Times" Adam Cohen, autor do livro "Nada a temer, o círculo íntimo de FDR e os cem dias que criaram a moderna América", um dos mais respeitados estudos da época, conta que resolveu escrever o livro em meio ao governo Bush, quando teve a sensação de que o processo de desregulamentação que estava em curso era uma "coisa perigosa", mesmo sem ter noção de que haveria a crise das hipotecas, contou em recente entrevista.

Adam Cohen acredita que algumas coisas do New Deal são fundamentais hoje, como a criação da rede de proteção social, e classifica de um sinal da era Bush a tentativa de privatizar a Previdência Social. Os conservadores, ao contrário, consideram que os gastos dos pacotes econômicos para debelar a crise só trarão mais problemas para a economia a longo prazo, provocando uma hiperinflação.

A tese prevalecente de que somente aumentando o déficit público será possível sair da atual situação, segundo essa visão oposicionista, fará com que trilhões de dólares sejam gastos nos próximos dois ou três anos, que somente poderão ser pagos de duas maneiras: emitindo moeda, e provocando mais inflação, ou subindo os impostos, o que prejudicaria os investimentos e a criação de empregos.

Apesar dessas críticas, a futura administração Obama caminha na direção da renovação do conceito do New Deal, e por isso busca o acordo bipartidário no Congresso e na sociedade.

Ele já revelou que leu muito sobre os primeiros cem dias de Roosevelt para se espelhar na maneira como ele se comunicava com a sociedade americana para prepará-la para os momentos difíceis que vinham pela frente.

A "conversa ao pé do rádio", um programa com que Roosevelt se comunicava com os cidadãos, está sendo adaptada por Obama a partir das novas tecnologias, e isso desde a campanha, quando ele usou a internet e os aparelhos celulares para enviar suas mensagens aos eleitores.

Desde que foi eleito, ele faz uma mensagem semanal pelo YouTube, assim como seus principais colaboradores, como Lawrence H. Summers, o presidente do Conselho Nacional de Economia, que já postou diversos filmetes com explicações sobre os planos econômicos do futuro governo.

Prova dos nove

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Terá a equipe de Obama a capacidade para restabelecer o equilíbrio social e sobre tal base reedificar a economia?

O REAL desafio de Barack Obama não é apenas ressuscitar a economia. É reverter o processo de concentração e de desigualdade que está na raiz dos desequilíbrios econômico-sociais dos Estados Unidos.

Não foi a vitória sobre a Depressão, relativa e discutível durante seus primeiros dois mandatos, que deu glória a Franklin Roosevelt. Seu mérito residiu em haver instituído, em favor dos mais vulneráveis, um novo pacto social, o "New Deal", cujo nome imortalizou seu governo. Mais do que um programa econômico, tratou-se de uma reinvenção da sociedade americana.

A leitura superficial da crise econômica identifica como causas alguns excessos como a bolha das hipotecas de alto risco ou os erros de falta de regulação em matéria de derivativos ou securitização. Essas podem ter sido as causas imediatas, mas não passam dos vaga-lumes de Braudel, isto é, não iluminam o caminho do entendimento das razões profundas.

O que se tem de indagar é: por que se permitiu o desenvolvimento das bolhas, qual foi o contexto de poder, a ideologia, que tornou possível evitar a regulação dos derivativos? A resposta é óbvia: a espúria "revolução conservadora", a chegada ao poder de Reagan e Thatcher, imprimiu à economia uma direção cujas distorções preparariam a atual crise.

A primeira delas é o processo de crescente desigualdade social, de achatamento das classes médias, estagnação de salários durante décadas, com a contrapartida do obsceno enriquecimento dos magnatas das finanças. Um alto executivo de empresa, que nos anos de 1970 ganhava o equivalente a 40 salários do trabalhador médio, passou a receber 367 vezes mais!

A estagnação dos rendimentos comprimiu a demanda da população, que só conseguiu continuar a consumir graças ao endividamento ilimitado e infinito. A poupança desabou, os déficits se tornaram estruturais e o país virou dependente do ópio financeiro fornecido pelos chineses.

A outra distorção consistiu em converter o setor financeiro de meio para financiar a economia real num fim em si próprio para benefício de uns poucos. A parcela dos lucros controlados pelas finanças passou de 10% para 40%, talvez mais da metade, se incluídos os bônus distribuídos aos corretores.

Sempre que se tentou regular o setor, a resistência tomava a forma do mesmo argumento: isso vai limitar o crescimento do mercado financeiro. As bolhas -imobiliária, em ações de tecnologia, commodities, petróleo- deixaram de ser um acidente a evitar. Tornaram-se a condição mesma da expansão contínua do setor.

É por isso que a solução não pode se limitar a aperfeiçoamentos de regulação ou de supervisão. Na melhor das hipóteses, eles resolverão alguns problemas disfuncionais, mas não tocam na essência do sistema, que continuará a inventar novos meios de produzir bolhas. Como ocorreu após a bolha das telecomunicações de 2000 e dos escândalos da Enron em 2002.

Em 1933, Roosevelt reuniu os cérebros mais inovadores para repensar a economia e a sociedade, datando da época o uso corrente da expressão "think tank".

Com o fim da era Bush, cai o pano final sobre o sistema político-ideológico ultraconservador.

Mas isso não basta. Terá a equipe de Obama, gente requentada após se ter queimado na crise, a mesma capacidade de ousadia e inovação para restabelecer o equilíbrio social e sobre tal base reedificar a economia?

Rubens Ricupero , 71, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Brasileiros na posse de Obama

A convite do Departamento de Estado (State Department) , está seguindo para os Estados Unidos, para acompanhar a posse do Presidente Obama e da Secretária de Estado Hillary Clinton, a realizarem-se na terça-feira 20 de janeiro próximo.

A delegação de convidados especiais para as cerimonias de posse é integrada por um grupo de intelectuais e parlamentares brasileiros, entre os quais o senador Arthur Virgílio (líder do PSDB no Senado), o senador Eduardo Supliccy e o meu amigo Mauricio David (economista do (BNDES).

O grupo pretende aproveitar a oportunidade para aprofundar os contactos com a nova administração estadunidense e conhecer mais em detalhes os programas eplanos do novo governo.

Poder inteligente

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O conceito de Smart Power irrompeu no repertório internacional de soluções mágicas e quem a tirou da cartola foi a secretária de Estado nomeada, Hillary Clinton, terça passada, quando foi sabatinada pelos antigos pares do Senado americano. Começou bem. Hillary, 61 anos, recém-saída da refrega eleitoral com Barack Obama sem recorrer ao bisturi dos cirurgiões plásticos, recorreu quatro vezes à fórmula idealizada pelo cientista político especializado em questões internacionais, Joseph Nye.

Professor em Harvard, Nye apareceu há poucos anos no mercado de idéias com um produto chamado Soft Power (Poder Brando), agora aperfeiçoado para Smart Power, Poder Inteligente. Consiste na habilidade em conseguir o que se pretende através da atração em vez de coerção. Resposta liberal à histeria totalitária neo-con, orquestrada nos últimos oito anos pelo triunvirato Bush-Cheney-Rumsfeld.

É também o núcleo de uma estratégia política que consiste em separar e individuar os adversários em diferentes graus de periculosidade. Não confundir os realmente perigosos, geralmente minoritários – e para os quais está reservado o Hard Power (Poder Rigoroso) – com as grandes maiorias mais facilmente induzidas ao consenso e convivência. Tem tudo para dar certo, mesmo porque o secretário de Defesa reconduzido por Obama, Richard Gates, manifestou-se claramente a favor da aplicação do Smart Power no Iraque.

O poder inteligente só pode ser instrumentado por aqueles que dispõem de um mínimo de inteligência, mesmo que sejam apenas espertos. Smart é um qualificativo abrangente, pode significar sagacidade, malícia e até mesmo elegância (na acepção mais ampla). Vocábulo holístico, atributo dos seres esclarecidos, racionais, capazes de pensar. Pensar é existir, René Descartes continua insubstituível. Não há alternativa ao uso do pensamento.

A atual liderança israelense está longe de perceber as nuances e gradações entre os diferentes tipos de poder – do persuasório ao dissuasório e ao aniquilador. A questão não é a desproporcionalidade da reação de Israel aos contínuos ataques perpetrados pelos terroristas do Hamas. Todas as guerras são desproporcionais. O fator capaz de mitigar estragos é a capacidade de bater o adversário e oferecer-lhe logo uma saída.

Ficou evidente a incapacidade da trinca Olmert-Livni-Barak para discernir as diferentes forças que confrontam Israel. A vitória militar terá um custo moral altíssimo. Generais geralmente não têm tempo ou paciência para sutilezas. Quando aceitou o comando do governo francês no fim da Primeira Guerra Mundial, o jornalista e político francês, Georges Clemenceau, declarou que as guerras são sérias demais para serem entregues apenas aos generais. O homem que produziu a manchete mais célebre da história do jornalismo (J"Accuse com a carta de Zola em defesa de Dreyfus) é, de certa forma, o inspirador do Smart Power.

Dias antes do início dos bombardeios de Gaza, quando os malucos do Hamas resolveram aumentar o nível de provocação, o premier Olmert apareceu no noticiário televisivo internacional exibindo retoricamente a força militar de Israel. Em seguida despachou a chanceler Livni ao Egito. Em seguida, deu luz verde aos bombardeios. Deveria saber que o Hamas assim como o Hizbullah no Líbano, sempre escondeu seus disparadores de foguetes em meio a densas concentrações humanas.

Agora Israel foi obrigado a fechar por horas as divisas com a Cisjordânia, área teoricamente "normalizada" onde as partes tentam comprovar a viabilidade do projeto "dois povos, dois Estados".

O ministro Celso Amorim tem sido bombardeado nos últimos dias por ter embarcado numa iniciativa diplomática através do circuito Jerusalém-Ramallah-Damasco. Injusto: sua iniciativa é incomparavelmente mais smart do que a insensata declaração do assessor da Presidência, Marco Aurélio Garcia, condenando liminarmente o Estado de Israel.

Quando o chanceler declara à colega Tzipi Livni que "não há futuro para Israel se o país transformar-se num bunker" está abrindo portas. Está sendo mais sionista e mais pacifista. O estado de sítio é ruim tanto para o sitiador como para o sitiado. O poder inteligente é a decorrência natural da inteligência instalada no poder.

» Alberto Dines é jornalista

Positivo e operante

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Na próxima quinta-feira na sede do PDT em Brasília o partido se despede oficialmente no chamado “bloquinho de esquerda” que desde 2007 une PDT, PSB e PC do B.

Lá, a despeito dos avisos de pedetistas tradicionais de que o partido perderia autonomia e identidade, fez-se um grupo que outra função não teve senão a de formar um “unidos avançaremos” sobre os espaços de poder na aliança com Lula e ajudar no que podia o governo no Congresso. Juntos, são mais de 80 deputados; separado, o PDT soma 24.

Foi bom enquanto interessou ao presidente. Deixou de ser tão bom assim no momento em que o bloco reivindica independência e sustenta, por exemplo, a candidatura presidencial de Ciro Gomes (PSB) e a postulação de Aldo Rebelo (PC do B) à presidência da Câmara.

Nenhum dos dois, e por razões diversas, dá sinais de alinhamento automático à vontade do presidente Lula no processo da sucessão de 2010.

Hora, portanto, de acabar com a brincadeira e começar a organizar o reforço aos planos de Lula que serão também os do PT.

O primeiro movimento foi solicitar a Carlos Lupi, ministro do Trabalho e presidente licenciado “ma non troppo” do PDT, a execução de uma nova empreitada: retirar seu partido do bloquinho e colocá-lo à disposição do projeto Dilma Rousseff ou quaisquer que sejam os projetos eleitorais do Palácio do Planalto.

Daí o entusiasmo crescente do ministro pela candidata Dilma, daí o afã de mostrar-se mais realista que o rei no combate às demissões na indústria, vendendo mercadoria que não pode entregar, como a punição de empresários e empresas que cortarem gastos com pessoal na crise.

Daí também a aguerrida e até surpreendente defesa da candidatura de Michel Temer para a presidência da Câmara em detrimento do parceiro de bloco, PC do B, que disputa com Rebelo.

Quando souberam da movimentação, o PSB e o PC do B começaram a articular também uma retirada, deixando a ópera assim resumida: o grupo autodenominado de esquerda entra em regime de autodissolução, passa a agir na base do cada um por si com Lula trabalhando para que todos atuem em prol de uma candidatura petista.

E assim o bloquinho que não influiu nem contribuiu enquanto viveu para a melhora ou piora dos destinos da nação dá adeus, vai-se embora e deixa uma lacuna que, da mesma forma, em nada altera a ordem das coisas.

A não ser o relevante fato de que a cerimônia de encerramento pode ser vista como o ato inaugural da operação S.O.S. PT seja feito como seu mestre mandar daqui até 2010.

Vontade do eleitor

Uma consulta entregue no final do ano por Miro Teixeira ao Tribunal Superior Eleitoral pode, dependendo da resposta, alterar o quadro de absoluta supremacia das cúpulas partidárias posto desde que o TSE e depois o Supremo Tribunal Federal decidiram que os mandatos pertencem aos partidos e não aos candidatos nem aos eleitos.

Miro pergunta, por exemplo, sobre a legitimidade da formação de blocos parlamentares no Congresso, juntando partidos que foram adversários da eleição. Ele quer saber se esse tipo de atitude se enquadra ou não naquelas hipóteses em que a mudança de partido é permitida por alteração do programa partidário.

Indaga também se é correto um partido ocupar cargos no governo daquele que foi seu oponente na eleição. Isso não trairia a vontade do eleitor e, portanto, não iria de encontro à limitação do troca-troca? É a dúvida subjacente.

Em seguida, o deputado pede ao tribunal que diga se, em caso de se configurar traição, o TSE não poderia editar uma nova resolução para assegurar que o partido - assim como o deputado ou senador - se visse impedido de mudar de posição.

A intenção do deputado é provocar a Justiça Eleitoral a delimitar a área de poder das direções dos partidos, que, no entender de Miro Teixeira, ficou irrestrito depois da decisão que deu ganho de causa às cúpulas.

Podem fazer e desfazer. Enquanto o parlamentar, ou mesmo o governador ou o prefeito, ficam obrigados a se manter filiados às legendas pelas quais foram eleitos sob pena de perda de mandatos, as direções - nem sempre eleitas, habitualmente produtos da burocracia partidária - ficam à vontade para fazer qualquer coisa, integrar quaisquer alianças, aderir a qualquer governo.

E, como demonstra o processo dos 40 acusados de participar do esquema do mensalão, cúpulas partidárias não são entidades acima de qualquer suspeita.

Armação ilimitada

Noves fora razões diplomáticas inexistentes, é de se perguntar qual a necessidade de o presidente Lula manifestar apoio às reeleições sem limites do venezuelano Hugo Chávez.

Enseja suspeitas completamente dispensáveis para quem, como Lula, abomina a hipótese de continuidade.

Lula lá, Lula cá

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - No Brasil, Lula anuncia que retirou o aval à emenda que acaba com a reeleição, deixando a impressão de que desistiu definitivamente do terceiro mandato e a avaliação óbvia de que o alvo é o PSDB, onde a emenda acomoda os interesses de Serra e de Aécio.Lá na Venezuela, o papo é outro.

Ao fazer campanha aberta a favor dos mandatos múltiplos para Chávez, a um mês do plebiscito sobre a questão, Lula defendeu a tese de "três, quatro reeleições", como nos parlamentaristas Espanha, Alemanha e Reino Unido.

Apesar de insistir que não vai cair na tentação, Lula usou uma argumentação enviesada.

Vejamos.

Alegou que é a favor da reeleição infinita de Chávez e não da própria, pela idade: "O Chávez é novo ainda, aguenta um novo mandato. Agora eu já tô velho, vou me retirar". Como comparação: Lula tem 62 anos, Dilma, 61, e Serra, 66. Quem é "velho" para mais um mandato?

Outra argumentação: "Na hora que você tiver instituições consolidadas e tiver a liberdade política que o povo quiser, isso [reeleições sucessivas] vai acontecer". Como comparação: será que as instituições brasileiras estão menos consolidadas do que as da Venezuela? E o povo brasileiro tem menos liberdade política para decidir?

Lula, pois, continua brincando de gato e rato com a re-reeleição. Diz que não quer, mas deixa o PT tocar adiante no Congresso. Tira a emenda que possibilitaria a mudança, mas faz uma defesa pública em solo estrangeiro. Argumenta contra, recorrendo a argumentos a favor.

É assim que ele vai brincando, brincando... e sentindo a reação. Se realmente cumprir a palavra, vai de Dilma e esfrega na cara de adversários e de colunistas: "Viu, não disse?". Se colar, ele saca suas declarações pró-Chávez para alegar "coerência". E lembra: ele tem idade, as instituições estão consolidadas, e o povo tem liberdade.

É brincadeira com coisa séria.

O ambiente pastoso da "pax luliana"

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Crise desperta atores sociais do sono causado pela concórdia luliana, mas muita gente não parece saber de que lado está

FHC DIZIA , em tom de troça, que a esquerda e o PT não combatiam o capital, mas o governo. Se a piada fosse levada a sério, num governo do PT o conflito político-social aberto tenderia a zero. Era só piada? A celeuma detonada pelo ministro do Trabalho revela alguns nós do conflito de fato amarrado no ambiente pastoso da "pax luliana".

O ministro criticou demissões e empresários, os quais se revoltaram, reafirmaram demissões, jornadas e salários menores e ainda repuseram na mesa o fim da CLT, ora já em curso, comida pelas bordas. Enquanto isso, sindicatos parecem desnorteados. A crise assim desperta os contendores da disputa político-social, mas eles parecem não saber muito bem de que lado do ringue estão.

A ascensão final do lulismo, que sugou e embalsamou o petismo, provocou uma radicalização por assim dizer simbólica. Lula e o conjunto de sua obra são detestados por uma minoria, minoria porém muita vez "orgânica", entre eles a direita que agora ousa dizer o seu nome, embora esse partido direitista ainda viva mais restrito ao mundo das palavras. Mas, afora essa minoria, o resto é uma mistura avacalhada.

Note-se que a grande empresa ou seus órgãos de classe são pela "responsabilidade social". Quando mais políticos, constituem uma ala do partido desenvolvimentista. Este é uma colcha de retalhos mal costurada de industriais paulistas (e seus tentáculos no resto do país), economistas "heterodoxos", da cúpula petista no governo etc. Batem-se com o BC e, em parte, com os bancos.

A oposição política, em suma partidos fora do poder federal, limita-se a esperar uma oportunidade de ir à jugular de Lula a fim de ganhar a eleição. Não entra no debate público, não tem projeto político ou nacional, vota populismos com o governo e tira casquinhas. Nada mais. A Casa das Garças, instituto de pesquisa de economistas liberais, muitos tucanos e financistas, é um partido mais relevante e infinitamente mais inteligente que PSDB e DEM.

O que restou da oposição "popular"? De petismo, centrais sindicais, "movimentos sociais", MST, ONGs? Cumpriram a profecia debochada de FHC. Encaixaram-se no Estado ou são por ele manipulados, caso de centrais sindicais (CUT, Força, tradicionalmente pelega etc.). O MST ora faz só chacrinhas ocasionais, manietado pela adesão a Lula e algo esvaziado pelo efeito das bolsas sociais. ONGs e "movimentos sociais", que sempre tenderam à despolitização, negociam seus pleitos diretamente com burocratas lulianos, vários deles ex-líderes "sociais".

Os sindicatos perderam força e coesão com a abertura econômica e a desconcentração industrial, faces da mesma moeda. De resto, as centrais sindicais se fragmentaram e parte delas está em sintonia com o governo e/ou aceita o desmonte da lei trabalhista (que demanda reforma, não desmonte). No fim das contas, é como se "trabalho e capital" tivessem aparado arestas no "Conselhão" de Lula, o que não é possível além da ideologia, mas ocorre politicamente, ao menos até agora.

A crise começa a chegar nesse ambiente pastoso, em que identidades políticas e sociais se derreteram no cadinho do "Conselhão", não exatamente lá, mas no "Conselhão" como símbolo da "pax luliana".

Hora de descruzar os braços

Entrevista: Walter Barelli
Ivan Marsiglia
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

ENTREVISTA - Walter Barelli, economista e ex-ministro do Trabalho; só new deal à brasileira, com frentes de trabalho, nos tira da crise, diz especialista em emprego

“O Brasil não precisa de ministro do Trabalho, precisa é de um ministro do Emprego”, disse o economista Walter Barelli pouco depois de assumir a pasta no governo Itamar Franco, de 1992 a 1994. Quem levou o convite foi Fernando Henrique Cardoso, afirmando que a indicação tinha sido feita por Luiz Inácio Lula da Silva. Nos primeiros anos do governo de salvação nacional pós-impeachment de Fernando Collor ainda eram cordiais as relações entre os dois presidentes - e forças políticas - que sucederiam a Itamar. Com ambos, Barelli colaborou em diferentes momentos. Em outros, quando sua obsessão pela geração de empregos era questionada, também soube divergir.

Na semana em que a General Motors do Brasil demitiu 744 funcionários temporários de sua fábrica em São José dos Campos e rumores sobre os números do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), a serem divulgados amanhã, davam conta de que cerca de 600 mil postos de trabalho desapareceram no Brasil em dezembro, o Aliás foi ouvir este especialista em emprego. Diretor do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) de 1967 a 1990, secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo nos governos Covas e Alckmin de 1995 a 2002 e deputado federal pelo PSDB paulista de 2003 a 2007, Barelli falou sobre as saídas para a crise que assombra o trabalhador brasileiro.

Aos 70 anos, professor aposentado da Unicamp, ele acaba de ser convidado para integrar o conselho do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Avançadas), ao lado de colegas como Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares e Delfim Netto, e diz que a saída é uma só: pôr mãos à obra em um grande new deal nacional.

As demissões na GM e os números do Caged são sinais de que a crise vai atingir duramente o emprego?

Se vai atingir duramente é prematuro dizer. Mas ela já começou com a extensão das férias coletivas das fábricas. A primeira demissão grande foi da Vale, 1.300 funcionários. Agora foi a GM. Mas há o caso sui generis da Renault, no Paraná: foi feito um acordo com o sindicato de suspensão do contrato de trabalho. Os funcionários ganham o seguro-desemprego e a empresa completa o salário líquido que eles tinham. Se ganhavam R$ 680, o seguro dá R$ 400 e a Renault, R$ 280. Parece-me o melhor arranjo feito - e o primeiro em que entra sindicato nessa história.

Mas e a reunião da Fiesp com a Força Sindical e a CGT para negociar um ‘acordo guarda-chuva’ que reduza benefícios trabalhistas em troca de suspensão de demissões?

Na questão trabalhista, quanto mais próximos do trabalhador os acordos são fechados, melhor.

Porque ele tem condições de fiscalizar. De outra forma, alguém que pretensamente o representa assina por ele. É por isso que acordos feitos diretamente entre sindicatos e patrões são mais efetivos. Essa reunião que você menciona ainda está mal-explicada. Até porque não existe acordo que possa ser aplicado linearmente a empresas tão distintas. O “guarda-chuva” só faz sentido se servir de orientação geral para os outros acordos.

Por que demissões tão rápidas em um setor que vinha batendo recordes de vendas de veículos?

No caso específico das montadoras, a crise veio pelo crédito. O modelo, que funcionou bem, oferecia 70, 90 meses ao consumidor para pagar o carro. As montadoras tinham até as próprias financeiras, Banco GM, Banco Ford... Com a restrição de crédito, elas fecharam suas carteiras de empréstimos. É de se supor também que, com a situação deteriorada das matrizes americanas, as subsidiárias brasileiras sejam usadas para fazer caixa.

E essa mesma restrição ao crédito foi o que afetou a construção civil, outro setor que vinha tendo uma expansão histórica.

Na construção civil, estávamos começando a ter crédito imobiliário a rodo. Agora, de uma hora para outra, os bancos pararam de emprestar. Inclusive porque banco no Brasil nunca teve vocação para isso: é caixa de aplicações, para ganhar no dinheiro seguro. Estavam começando a se interessar, após o crédito consignado e a expansão dos financiamentos da Caixa. Mas cessou. Tanto que o BC liberou o depósito compulsório e mesmo assim o crédito não fluiu. Os bancos vão precisar de um bom marketing nesta crise, porque correm o risco de serem execrados. A função social deles está escondida.

Como o governo pode reagir à quebra de confiança generalizada?

“Na muda, inhambu não pia”, como diz o ditado. Empresário não investe em período de incerteza. E o consumidor de classe média, que lê jornais, também para de comprar. O presidente Lula vem tentando reverter isso. É “marolinha”, é “comprem que o Brasil vai para a frente...” Mas a coisa não se resolve só no discurso, no marketing: tem que colocar dinheiro na mão das pessoas.

De que maneira?

O próprio (presidente eleito americano Barack) Obama deu a pista. Precisamos de um new deal, como Roosevelt fez na década de 30. É momento de se pegar todas as economias de governo - não precisa nem mexer nas reservas, senão os economistas me trucidam - e fazer um grande plano de obras para resolver os gargalos da economia nacional. Recuperar estradas, ferrovias, portos, fazer o que os governos estaduais estão fazendo. Só isso terá efeito imediato. A proposta dos empresários de se reduzir imposto e juros, que são de fato altos, não provoca mudanças em menos de oito, dez meses.

Então faz sentido quando o presidente Lula fala em ‘inventar novas obras importantes’?

Sim. O PAC precisa ter PAC 2, 3 e 4, porque é pequeno para a crise que vem aí. Temos de seguir o modelo keynesiano: aumentar a demanda efetiva. Outra ponto: tenho lido que o ministro Patrus Ananias está brigando para que não haja contingenciamento de recursos do Bolsa-Família. Não pode! É preciso continuar e, se for o caso, aumentar o número de famílias beneficiadas.

O Bolsa-Família é um bom instrumento contra a crise?

Por mais que eu tenha minhas críticas ao programa, ele é anticíclico neste momento. Tornou-se absolutamente necessário. Veja que o próprio Obama afirmou que vai dar US$ 1.000 em redução de impostos para o contribuinte. Só precisa ver se isso se transforma em consumo - porque estou pensando em emprego. Um cidadão americano de classe média pode receber o dinheiro e guardar. No Brasil não corremos esse risco: como o beneficiário é muito pobre, todo o valor colocado se transforma em consumo. Mas o melhor mesmo seria transformar o Bolsa-Família em algo semelhante às frentes de trabalho feitas em São Paulo durante o governo Mário Covas.

Como funcionavam essas frentes?

Quando Covas saiu da primeira operação de câncer, ligou para mim e disse: “Barelli, reúna quem você precisar, consulte todo o mundo, quero saber o que gera emprego de imediato”. Ele estava preocupado com a maxidesvalorização do câmbio que FHC tinha anunciado naquele ano, e certamente iria resultar em desemprego. Bolamos um sistema em que o indivíduo recebia de cara uma cesta básica para aguentar o trabalho, e oferecíamos também almoço. Ele trabalhava cinco dias da semana na frente e em outro recebia formação profissional na área que desejasse. Obras como o Projeto Pomar, que transformou a Marginal do Rio Pinheiros em jardim, foram feitas pelas frentes.

E a desoneração da folha de pagamentos? É um caminho?

Sim. A experiência bem-sucedida foi o Simples. Com ela, o micro e pequeno empresários puderam registrar seus funcionários sem ser onerados. Mesmo na folha de pagamento das grandes empresas há penduricalhos que poderiam ser transferidos. A contribuição para o Incra é um deles. O salário-educação, outro. A forma de financiar a Previdência também deveria mudar.

O senhor está falando de sua proposta de transferir a contribuição previdenciária para o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA)?

Essa é a saída. Uma empresa com faturamento elevado, como a Petrobrás, paga menos de 1% à Previdência. As montadoras também. Já setores que empregam muito, como o de vestuário ou autopeças, pagam mais à Previdência em proporção ao seu faturamento. É preciso que as empresas contribuam proporcionalmente ao que ganham, não ao número de empregados que têm.

O que mudou no papel dos sindicatos, que o senhor conheceu no auge, nos anos 80?

Os anos 80 foram a década de ouro para os sindicatos. Naquele momento, eles pautavam a agenda nacional: na luta pela redemocratização, nas batalhas da Constituinte, na negociação nas fábricas. De 1988 até 2003, o País atravessou uma época de baixo crescimento. E o movimento sindical não sabe conviver com momentos de desemprego, ele se enfraquece. Mais recentemente, com a volta do crescimento econômico, eles recuperaram alguma atuação e foram importantes na definição da política de aumento real do salário mínimo. Por outro lado, reduziram sua influência por estarem atrelados demais à Presidência da República. As centrais sindicais, uma inovação no País por não dependerem do governo, passaram a receber contribuição sindical. E os servidores públicos estaduais, que também tinham entidades fortes, como o sindicato dos policiais, dos escriturários, dos agentes penitenciários, a partir deste ano também recolherão um dia de salário do servidor. Essa foi a forma que Getúlio Vargas inventou para que os sindicatos aderissem a sua política trabalhista. E acaba com a sua autonomia.

Em seu livro ‘O Futuro do Emprego’ o senhor afirma que novas tecnologias quebraram paradigmas e hoje os investimentos acabam provocando corte - e não aumento - de postos de trabalho. A crise pode acelerar esse processo?

Sim. Todas essas empresas que estão demitindo já estão pensando em novas formas de produzir, com menos gente e mais produtividade. E os empregados que ficarem dificilmente ganharão mais por isso.

Teóricos de diferentes vertentes preconizam o fim da era do trabalho. Para o sociólogo italiano Domenico De Masi, autor de ‘O Ócio Criativo’, está a caminho uma era do lazer, com valorização do tempo livre e repartição da riqueza. Para o filósofo alemão Robert Kurz, que escreveu o ‘Manifesto contra o Trabalho’, a transição será apocalíptica, com exclusão social e desemprego em massa. Que futuro o senhor imagina?

A crise é dantesca quando a gente olha para o trabalhador. Mas vai acelerar as imensas mudanças que já estão acontecendo. Hoje na Europa ninguém começa a trabalhar antes dos 25 anos. Até entre as classes menos favorecidas no Brasil consolida-se a ideia de que é melhor estudar mais e entrar no mercado depois. Isso é relevante em termos de diminuir o número de pessoas que demandam trabalho. Outra mudança: crises anteriores mostraram que não se pode dispensar a galinha dos ovos de ouro. Se a empresa manda embora um trabalhador treinado, estará sacrificando o lucro dali a um ano, quando a crise passar. Porque ele não volta mais para lá. Então, já começa a haver um pouco de juízo na cabeça de quem despede. Sei de um caso, que ocorreu na década de 60, em que uma empresa demitiu um único homem, que tinha só o quarto ano primário, e depois foi obrigada a substituí-lo por uma equipe inteira de engenheiros.

Mudanças podem vir para o bem ou para o mal...

Na área dos recursos humanos já se fala de uma geração Y, em oposição à X. A Y é nascida por volta de 1975, com 30 e poucos anos, sabe tudo de máquinas, executa tarefas ao mesmo tempo, é criativa. A X é composta de gente mais tradicional, dessa que constrói sindicatos e quer seguir carreira na mesma empresa. Um indivíduo Y gosta de reconhecimento profissional, mas não abre mão de sua vida: se um filho fica doente ou ele decide que deve fazer um curso no exterior, deixa a empresa sem o menor receio. Eles trabalham melhor com projetos, por jobs. Isso está mudando a fábrica, o escritório, a convivência no trabalho. Neste momento, já não bastam nem os modelos de contrato coletivo surgidos na década de 40, com claras vantagens sobre legislações que dependem do governo, como a CLT. Será necessária uma nova forma de contrato, que conjugue o individual com o coletivo, a vida de trabalho com o lazer, o tempo livre e os amigos. Mas isso é tarefa da geração Y. Não são os velhos que vão ensinar.

Contrato flexível vira moeda de troca

Márcia De Chiara e Paulo Justus
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Sindicatos usam negociações para garantir vagas e reverter dispensas

As negociações de flexibilização dos contratos de trabalho estão sendo usadas não só para evitar futuras demissões, mas também para reverter as dispensas ocorridas. Na Zona Franca de Manaus, por exemplo, o Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas vincula os acordos de flexibilização à recuperação dos postos de trabalho fechados por causa da crise.

“O sindicato só vai fazer acordo em cima da folha de pagamento de 1º de outubro de 2008”, avisa Valdemir Santana, presidente da entidade ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e que representa 22 mil trabalhadores. Só no último trimestre de 2008, houve 6 mil demissões no polo.

A CCE, por exemplo, demitiu, em Manaus, mil trabalhadores entre outubro e novembro, segundo o sindicato. Agora consulta a entidade para suspender o contrato de 200 trabalhadores por três meses. A Flex, outra indústria da Zona Franca que está entre as que mais demitiram nos últimos meses, quer flexibilizar o contrato de 300 funcionários.

Também o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC tenta reverter a demissão de 200 trabalhadores da autopeças TRW, ocorrida no início do mês. Segundo o presidente do sindicato, Sérgio Nobre, não há razões para as montadoras e autopeças fazerem cortes antes do fim do primeiro trimestre. “Como o setor vem de recordes sucessivos de vendas, as indústrias acumularam recursos para manter os trabalhadores.”

Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, Jair dos Santos, a produtividade dos trabalhadores no setor metalomecânico triplicou nos últimos 12 anos. Por isso, há como suportar a queda nas vendas sem demissões. “A saída é redução de jornada sem corte nos salários”, diz Santos.

Segundo o sindicato, na semana passada, o Sindipeças, que representa as fabricantes de autopeças, se reuniu com as empresas de Campinas para alinhavar um acordo que evite demissões. As negociações começaram no início do ano e envolvem cerca de dez indústrias.

ALÍVIO

Em São Paulo, o primeiro acordo de flexibilização foi fechado na segunda-feira com a Indebrás, fabricante de autopeças. Os 360 funcionários aprovaram por unanimidade a suspensão temporária do contrato de trabalho em até cinco meses, o máximo previsto por lei. “Esse acordo servirá de modelo para os próximos”, diz Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

O acordo trouxe alívio para Rafaela da Silva Passos, de 22 anos, que trabalha há um ano e dez meses na Indebrás. “Imaginávamos que haveria demissões porque, a partir de outubro, o número de pedidos caiu bastante.” Ela lembra que, em dezembro, ficou uma semana ociosa na fábrica.

Com o acordo, a empresa evita 70 demissões. “Vamos suspender os contratos dos funcionários com mais tempo de casa e matriculá-los em cursos de qualificação”, diz Vivian Perce, gerente de Recursos Humanos. Ela justifica a opção pelos mais antigos porque eles têm direito a uma parcela maior do seguro-desemprego.

Em Minas Gerais, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim, Marcelino da Rocha, conta que deve iniciar negociações com a Fiat e 14 indústrias de autopeças da região nesta semana. “Admitimos a flexibilização, com banco de horas, redução de jornada e de salários. Mas a nossa contrapartida é a garantia do emprego”, diz o sindicalista. Ele calcula 872 demissões na região nos últimos 30 dias, o triplo do verificado em igual período do ano anterior. A Fiat diz que mantém conversações com o sindicato, mas nega acordo em pauta.

130 empresas negociam flexibilização

Márcia De Chiara e Paulo Justus
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um grande número de empresas e trabalhadores preferiu não esperar o resultado do debate público sobre flexibilização de direitos trabalhistas. Enquanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), as centrais sindicais e políticos discutem se devem ou não rever direitos trabalhistas para evitar demissões, pelo menos 130 indústrias e nove sindicatos (representando 532 mil metalúrgicos) negociam discretamente por conta própria. Pelo menos oito acordos já foram fechados.

Os acordos já concluídos envolvem desde banco de horas - em que a redução de trabalho numa época é compensada por horas extras em outro período - até redução de jornada de trabalho e salários. Os acordos são uma alternativa às demissões, mas não deixam os trabalhadores imunes a cortes. Por enquanto, as negociações se concentram nas empresas mais afetadas pela crise: montadoras, autopeças, eletroeletrônicos e indústrias ligadas à siderurgia.

VOLKS

A Volkswagen acaba de fechar um acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté, filiado à CUT, para introduzir o banco de horas. A proposta, que será apresentada a 5 mil trabalhadores amanhã, prevê até 25 dias de descanso em 2009, sem corte no salário, mas com compensação.

“O mercado de veículos está bastante instável”, diz o gerente de Relações Trabalhistas da Volkswagen, Nilton Junior. Ele deve apresentar a mesma proposta aos sindicatos de São Bernardo do Campo (SP), São José dos Pinhais (PR) e São Carlos (SP). Junior ressalta que o acordo não evita demissões, caso a crise se aprofunde.

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté, Isaac do Carmo, diz que negocia acordos semelhantes ao da Volks com 15 fabricantes de autopeças da região. “Com o banco de horas, há uma garantia implícita de emprego.”

CORTE DE SALÁRIO

Já em Porto Alegre, o sindicato dos metalúrgicos aprovou na quarta-feira um acordo com a fabricante de autopeças GKN para cortar a jornada e o salário em 14,63%, com manutenção do emprego, conta o sindicalista Ademir Bueno.

A mesma proposta foi estendida a mais duas empresas de autopeças da região: a DHB e a Saginaw. “O acordo contraria a orientação da CUT, a nossa central, mas vamos fazer de tudo para evitar demissões”, diz Bueno.

É em São Paulo, que responde por 40% da produção industrial do País, que está sendo costurado o maior número de acordos diretos entre sindicatos e empresas. Só na capital, 92 indústrias negociam com o sindicato dos metalúrgicos.

“O sindicato aprova a suspensão temporária do contrato. Mas tem empresário que insiste em redução de salários e de jornada”, diz Miguel Torres, presidente do sindicato.

Tombo nos investimentos

Bruno Villas Bôas e Martha Beck
DEU EM O GLOBO

Projetos de R$65 bi são adiados ou cancelados

Motor do crescimento da economia brasileira até o terceiro trimestre do ano passado, os investimentos sofreram um golpe com o agravamento da crise econômica mundial, em meados de setembro. Companhias brasileiras e multinacionais anunciaram desde então o adiamento ou cancelamento de investimentos que somam R$65,5 bilhões no país, segundo levantamento do GLOBO. O dinheiro seria desembolsado ao longo dos próximos quatro anos em pelo menos 46 grandes projetos de 32 empresas, que atuam em oito dos principais setores da economia. Entre os empreendimentos atingidos, estão siderúrgicas, mineradoras, construtoras, usinas de açúcar e álcool, geradoras de energia e portos.

Parte dos projetos não tem data para sair do papel ou teve seu início de construção adiado por seis a 12 meses. Dois grandes empreendimentos - uma usina siderúrgica da Vale com a Baosteel e um megaporto da LLX Logística - foram totalmente cancelados, em um total de R$18 bilhões que simplesmente evaporaram.

Para economistas, o novo cenário marca uma significativa mudança no papel que os investimentos vinham desempenhando no crescimento da economia, com reflexos no mercado de trabalho. Marcelo Nonnenberg, coordenador do Grupo de Análise e Previsões do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que a queda é um sinal de que a economia do país caminha para tempos mais sombrios de baixo crescimento.

- O consumo, outro fator importante do crescimento, também está em queda. A economia vai crescer muito pouco este ano - diz ele, lembrando que o valor dos projetos afetados equivale a 42% do investido por empresas no país no terceiro trimestre de 2008 (R$152,6 bilhões).

Mineração e aço: maiores prejuízos

Os investidores alegam diferentes razões para a revisão dos projetos: menor demanda por seus produtos, escassez e encarecimento do crédito para financiar as obras e queda nos preços das commodities no mercado internacional. Em comum, todos apontam uma mesma origem dos problemas: a piora da crise em meados de setembro, após a quebra do banco americano Lehman Brothers.

Dos oito setores que reviram seus projetos, cinco negociam commodities e estão na base da economia brasileira. Mineração e siderurgia foram os mais afetados deles, com R$28,7 bilhões em investimentos adiados ou cancelados com a piora da crise. No segmento de papel e celulose, os impactos também impressionam: foram adiados projetos de R$8,55 bilhões desde setembro.

Nonnemberg lembra que, embora a maioria dos projetos tenha sido adiada (e não cancelada), não existe garantia de que seja retomada. Para ele, tudo dependerá da recuperação das economias mundial e brasileira:

- É mais prudente para as empresas adiar agora os investimentos e aguardar o andamento da crise. Poucas cancelam imediatamente o projeto. Então, é bem provável que nos próximos meses muitos desses empreendimentos sejam definitivamente cancelados - avalia.

O agronegócio foi outro setor duramente abalado. Somente em álcool e açúcar, a queda dos investimentos será de US$2 bilhões neste ano. O presidente da consultoria Datagro, Plínio Nastari, explica que o setor sucroalcooleiro tinha previsto US$2,5 bilhões para 2009, mas as estimativas já foram revistas para US$500 milhões. Segundo ele, as empresas tinham 43 novos projetos previstos para este ano. O número caiu agora para 22.

- O que motivou a postergação dos investimentos foi o custo do crédito, que triplicou nos últimos meses - disse Nastari, para quem os planos adiados não devem ser retomados antes do prazo de dois anos.

A redução dos investimentos já trouxe reflexos para o mercado de bens de capital. O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, diz que a crise provocou uma queda de encomendas. Segundo ele, o número de pedidos recuou 32,3% em novembro sobre outubro. Em dezembro, a queda foi de 26% frente ao mês anterior.

- Foi uma imensa reversão de expectativas. Estamos assustados com esses números. Esperávamos uma redução de cerca de 10% - afirma Aubert Neto.

Como as vendas do setor chegam a R$95 bilhões em um ano, o menor número de pedidos representa uma perda em torno de R$25 bilhões para os investimentos no país.

Em eletroeletrônicos, houve adiamento de projetos que ainda não foram iniciados. Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, o clima de incerteza reduziu o consumo e deixou os empresários reticentes. Os investimentos no setor devem ficar em R$5,3 bilhões neste ano, contra R$6,2 bilhões em 2008.

País pode deixar de criar 70 mil vagas

Pelo menos 70 mil empregos podem deixar de gerados devido ao adiamento e cancelamento de projetos, volume que considera os empreendimentos da Vale e Baosteel, Anglo American, Aracruz Celulose, Votorantim Celulose e Papel, Coopercentral Aurora e Sadia. No domingo passado, o GLOBO antecipou que 600 mil empregos já foram perdidos em dezembro por causa da crise.

Na avaliação de técnicos da área econômica, a redução dos investimentos devido à crise já era esperada. No entanto, um assessor do Ministério da Fazenda acredita que o quadro poderá mudar com as medidas que serão anunciadas pelo governo, voltadas principalmente para a construção civil. O setor adiou projetos que somam R$7 bilhões, segundo a corretora Fator.

- Um investimento é uma aposta e quando o quadro fica incerto, é natural que haja adiamentos. A retomada desses investimentos vai depender das medidas que o governo adotar.

Para o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Júlio Gomes de Almeida, a continuidade do investimento depende de seu prazo de maturação. Quando uma empresa está com obras adiantadas, o custo de paralisação é alto.

- O investimento é uma aposta no futuro. Em momento de incerteza, o empresário para de investir de forma geral. Hoje, só continua com o negócio quem já está no meio do caminho ou pretende aplicar no longo prazo.

O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de base (Abdib), Paulo Godoy, diz que os investimentos em infraestrutura estão ligados à estabilidade de regras no mercado e à oferta de crédito. Para a Abdib, os investimentos no setor devem ficar em R$100 bilhões entre 2009 a 2010, mas tudo dependerá da crise.

Já a indústria automotiva não reviu planos, embora a crise tenha provocado demissões no setor. O vice-presidente da GM, José Carlos Pinheiro Neto, afirma que, apesar de tudo, o mercado continua vigoroso:

- Temos muito espaço para crescer e vale a pena investir.