terça-feira, 3 de março de 2009

No mais

Coluna do Ancelmo Góis
DEU EM O GLOBO

Na versão americana do musical da Broadway “Avenida Q”, os personagens listam uma série de coisas que gostariam de se livrar – entres as quais... Bush.

Na versão brasileira, que estréia sexta, no Teatro Clara Nunes, no Rio, os diretores Cláudio Botelho e Charles Möeller vão substituir Bush por Chávez. Mas aceitam sugestões para incluir um político brasileiro.

Eu sugiro ... deixa pra lá.

PMDB, um estorvo?

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O ano político começou bem, com a comprovação de que não caíram no esquecimento provocado pelo carnaval as denúncias do senador Jarbas Vasconcelos contra a corrupção que domina a política brasileira, que tem no seu partido, o PMDB, um instrumento cada vez mais poderoso. O senador volta à tribuna hoje para reafirmar sua posição, e à noite participa da primeira reunião suprapartidária do grupo parlamentar anticorrupção, inspiração do deputado federal Fernando Gabeira. Mesmo durante o carnaval, o senador Pedro Simon pegou o tema que sempre foi seu e, da tribuna do Senado e em entrevista à imprensa gaúcha, adicionou críticas à direção partidária do PMDB, ele que, assim como Jarbas, é do tempo do "velho MDB" de Ulysses Guimarães.

Jarbas defenderá a reforma política como solução para a organização partidária e, consequentemente, para a reformulação de nosso sistema político. Simon defendeu a punição dos corruptos como única maneira de controlar a corrupção, repetindo que a impunidade é a grande culpada por sua incidência.

O deputado Fernando Gabeira quer atacar pontos específicos, como a transparência na atividade parlamentar, e defende que os avanços sejam feitos por decisões parlamentares, como a instituição do voto aberto.

Não há, no momento, ambiente para a formação de um novo partido que aglutine os diversos políticos que pretendam se unir na luta anticorrupção, mas uma vontade de recuperar a credibilidade da atividade parlamentar.

Idealmente, a campanha anticorrupção se refletirá nos resultados das eleições legislativas em 2010, ajudando a renovação do Congresso.

Mas, como vimos na última eleição, renovação não significa uma representação melhor quando o foro privilegiado atrai para a atividade parlamentar todo tipo de "picareta" - na definição de Lula - em busca de proteção.

Parece difícil, no entanto, que a campanha presidencial escape do tema, como a potencial candidata à sucessão de Lula, ministra Dilma Rousseff, evitou comentar o discurso do senador Jarbas Vasconcelos com uma evasiva qualquer.

À medida que aumente a intensidade da campanha, a posição dos candidatos sobre a corrupção na política brasileira será cobrada, e as próprias alianças eleitorais terão que pelo menos preservar as aparências para que as candidaturas não saiam chamuscadas diante da opinião pública.

Mesmo com todo o apoio da popularidade do presidente Lula, a(o) candidata(o) oficial terá que enfrentar sozinha(o) os debates eleitorais e a disputa política voltará a ser feita entre iguais, sem aquele toque mitológico que o Plano Real deu ao PSDB para derrotar Lula duas vezes no primeiro turno, e que levou Lula a duas vitórias seguidas, mesmo que seu carisma inegável só lhe tenha proporcionado vitórias no segundo turno.

Assim como o apoio de Lula parece suficiente para levar o(a) candidato(a) do PT ao segundo turno, não há indicações de que bastará para lhe dar a vitória. O combate à corrupção deverá reduzir a influência do PMDB dentro do governo, haja vista a reação à tentativa de tomada pelo partido do controle do fundo de pensão Real Grandeza, dos empregados de Furnas.

Mesmo sem acreditar na força dos formadores de opinião, o presidente Lula recuou da posição de aparente indiferença quanto à questão, e evitou que o PMDB causasse novos estragos na imagem de seu governo, já desgastado pelo aparelhamento dos cargos públicos por petistas e aliados.

Só na administração pública direta, petistas ocupam 20% dos cargos mais altos do governo, e praticamente a metade dos indicados é ligada à vida sindical. A campanha contra a corrupção pode evitar o fisiologismo de uma base partidária que, tanto nos governos tucanos quanto na Era Lula, se utiliza da repartição de cargos públicos em troca de apoio político, que muitas vezes não vem.

Mas, se é verdade que a coalizão governista é infiel às direções palacianas na maioria das vezes, obedecendo a interesses próprios, não é menos verdade que ela está sempre disposta a garantir a blindagem do governo que lhe satisfaz as vontades.

O PT tem, na prática, a mesma atitude diante da máquina pública que seus aliados, só que alega que a ocupação é feita por ideologia, e não por interesses secundários. O fundo de pensão da Eletros, por exemplo, é aparelhado pelo PT, enquanto o de Furnas caberia, ou caberá, ao PMDB.

O governo Lula tem uma visão expansionista do funcionalismo público que criou quase 200 mil novos cargos, e atende ao apetite de sua base partidária, heterogênea ideologicamente, mas muito homogênea na visão do Estado como fonte de poder político.

Quando se trata de ocupar a máquina pública, no entanto, as divergências assomam, e foi, aliás, por causa delas que o escândalo do mensalão veio à tona, a partir de desavenças entre o PTB e o PT na divisão dos lucros políticos dos Correios.

Aliás, entre os 40 indiciados do mensalão, apenas o ex-deputado José Borba, que renunciou para não ser cassado, pertence ao PMDB, que naquela época não tinha o peso político dentro da coalizão governista que tem hoje.

Na esteira do mensalão veio a debacle de partidos como o PP, o PL e o PTB, e a perda de prestígio político do próprio PT. O PMDB foi aumentando sua força política dentro do governo e de sua máquina administrativa, e chega hoje a ser o partido dominante na aliança eleitoral.

Ao mesmo tempo, os escândalos envolvendo figuras importantes de sua estrutura foram surgindo. Ficando marcado como um partido fisiológico e corrupto, como membros proeminentes como os senadores Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon acusam, o PMDB pode se tornar um estorvo na sucessão, e não a solução.

Dito e feito

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Se o encontro de prefeitos com o presidente Luiz Inácio da Silva e a ministra Dilma Rousseff nos dias 10 e 11 de fevereiro, em Brasília, foi ou não um ato de caráter eleitoral passível de punição legal cabe ao Tribunal Superior Eleitoral decidir.

Agora, que a campanha para a troca de presidente da República em 2010 já começou há muito tempo isso é uma evidência que a Advocacia-Geral da União não poderá negar sem desmentir a chefia.

Não foi uma nem foram duas as vezes em que Lula deixou patente o curso da disputa. Orgulha-se disso. Há dois anos não perde a oportunidade de avisar "a eles" - os adversários da oposição, subentende-se - que vai ganhar a eleição de 2010.

O ano passado dedicou inteiro à propaganda da ministra da Casa Civil. Em fevereiro de 2008, lançou a "mãe do PAC" para facilitar a captação do espírito da coisa e, de lá para cá, tem se empenhado pessoalmente na explicitação da candidatura e da potencial supremacia do governo sobre as forças de oposição.

O presidente prega abertamente a continuidade, seu partido fala explicitamente na candidatura, solenidades oficiais servem de palco a manifestações de apoio a Dilma Rousseff, ministros tratam do assunto sem nenhuma cerimônia, a eleição é o centro. O governo não tem a menor preocupação em desmentir o significado desses gestos.

Ao contrário: sempre que possível, acentua o clima de certame eleitoral no ambiente. É a maneira de competir com o favoritismo dos dois pré-candidatos oposicionistas (José Serra e Aécio Neves) nas pesquisas e tentar tirar a diferença.

Método eficaz do ponto de vista dos índices: em um ano, Dilma conseguiu acrescentar 10 pontos porcentuais à sua performance, vista, falada e tratada no âmbito dos preparativos eleitorais como, de resto, qualquer coisa que a ministra da Casa Civil diga ou faça. Incluídos plástica, renovação de corte de cabelo e maquiagem.

Até então, não havia reclamações formais. Todos os movimentos eram considerados legítimos, nenhum reparo se impunha ao governo tirar vantagem da sua natural exposição privilegiada criando, assim, uma situação eleitoral de fato contra um impedimento de direito válido só para os adversários.

Um quadro inequívoco de desigualdade contra o qual ninguém se indispôs a não ser em manifestações isoladas de integrantes do Judiciário.

É natural que os alvos da ação se defendam como possam. Mas seu poder de convencimento é reduzido diante das evidências produzidas, alimentadas e robustecidas pelo governo e mais ninguém.

O modelo de governança eleitoral foi escolhido por Lula. Ele o favorece, mas abre espaço para a contestação judicial. Risco, aliás, previsto, pois o advogado-geral da União, José Toffoli, sabe onde pisa.

Tanto que, em sua defesa, já adiantou um pedido de penalidade reduzida. Sabedor, muito provavelmente, de que o esquema político governamental faz um teste com a Justiça e com a oposição.

Desta, espera timidez. Deixa isso claro quando espalha a versão de que a ação judicial só contribui para divulgar ainda mais a candidatura Dilma, seja ela fato ou factoide.

Da Justiça, conta com a tradição de tolerância para com governantes de escalão superior. Mantida, o "se colar" terá colado.

Flagrante

"Nós cumprimos a lei. Para que alguma coisa se caracterize como legalidade ou ilegalidade, ou há uma prova real ou há uma manifestação do Judiciário", disse a ministra Dilma Rousseff em defesa dos repasses de recursos feitos ao MST e denunciados como ilegais pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

O governo não cumpre a lei e a ministra sofisma.

A "prova" exigida por ela está na indiferença à legislação que veda verbas e acesso ao programa de reforma agrária para invasores de terras. Acima disso, há ainda a Constituição que assegura a inviolabilidade da propriedade privada.

Cascata de efeito

A proposta de incorporação de parte da verba extra de R$ 15 mil aos salários dos senadores e deputados é apresentada ao público em invólucro moralizante.

É chamada de "extinção" da verba, mas não extingue coisa alguma. Se aprovada, os parlamentares passam a ganhar os R$ 24,5 mil equivalentes à tão desejada equiparação aos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Isso por ato da Mesa, sem a necessária, e politicamente complicada, aprovação de lei.

Uma vez parcialmente incorporada aos salários, a verba em tese destinada às despesas das estruturas regionais dos parlamentares cairá para cerca de R$ 7 mil. O que ensejará - senão de imediato, certamente em breve tempo - a reivindicação de reajuste no valor dos recursos "extras" para os gastos nos Estados.

Ademais, a incorporação aos salários contorna a obrigatoriedade de divulgação das notas fiscais das despesas feitas com aquele dinheiro.

Dificuldades à frente

Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A Frente Contra a Corrupção, a que deputados pretendem dar início, depende vitalmente do apoio da classe média

A FRENTE Contra a Corrupção, a que 30 deputados pretendem dar início logo mais, surge em ocasião muito oportuna, mas é uma dessas boas iniciativas que tendem a esfumar-se pouco além dos primeiros degraus. Sua sobrevida depende de um fator cada vez mais rarefeito.

Em seguida à promissora mobilização de cidadania nos sucessivos episódios das Diretas-Já, da morte de Tancredo, do Plano Cruzado e do afastamento de PC Farias-Collor, a reversão se impôs e a despolitização faz dos brasileiros, hoje, um oceano de indiferença e omissão. E, no entanto, uma iniciativa como a Frente Contra a Corrupção depende vitalmente do apoio que receba de fora da Câmara (e do Senado, se nele interessar alguém).

Esse apoio só pode ser da classe média, mais ciente do tema, e até porque o movimento sindical foi extinto pelo governo Lula, depois de oito anos de estado de coma no governo Fernando Henrique. A classe média, por sua vez, só pode despertar um pouco, em alguns dos seus segmentos, se muito sacudida pela imprensa. O que depende de fatores variados segundo a área na imprensa/TV, e também da capacidade dos integrantes da Frente de espicaçar o interesse jornalístico.

Material não falta. Que o diga o senador Jarbas Vasconcelos. Diga mesmo, espera-se, no discurso prometido também para logo mais, com a resposta às críticas à sua aplaudida acusação de que ao PMDB, seu partido, o que interessa são oportunidades de corrupção. PMDB que já oferece, na pessoa de Edison Lobão, um ponto de partida interessante para a Frente.

Se, como ministro (sic) de Minas e Energia, Lobão denunciou a ocorrência de "bandidagem, safadeza" na diretoria do fundo de pensão Real Grandeza, dos funcionários e pensionistas de Furnas Centrais Elétricas, tem o dever (não se diga que dever moral) de expor os fundamentos da acusação. E explicar por que, a despeito da acusação, agora comunica que os "bandidos e safados" não mais serão incomodados até o fim do seu mandato, em outubro.Se não tem como sustentar a acusação, justifica o interesse da Frente e de um processo criminal por usar governo e falsidade como armas no golpe que pretendeu derrubar dois diretores do fundo, para entregar o movimento desse caixa de R$ 6,5 bilhões a testas-de-ferro do PMDB de Lobão e outros.

Material não falta. Para a Frente e para o senador Jarbas Vasconcelos. Será ótimo se não lhes faltarem também outras coisas necessárias.

Silêncio

Hugo Chávez está condenado a calar-se por três dias. Condenado pelo médico, que diagnosticou uma infecção de garganta. É claro que quem falou sobre o silêncio exigido foi o próprio Chávez.

O que lembra episódio recente, no Fórum Social Mundial realizado em Belém.

Na apresentação dos presidentes convidados, cada um recebeu 20 minutos para sua intervenção. Chávez quis falar depois de Evo Morales, Rafael Correa e Fernando Lugo. Nenhuma objeção, e os três usaram seus respectivos 20 minutos. Chávez, feita a referência a "mis veinte minutos", foi-se às falas. De repente, recebe um bilhete. Chávez titubeia, faz um arremate e encerra.

O bilhete era de João Pedro Stédile. Dizia: "Chega". Chávez já falava por 50 minutos.

O risco de casuísmo está nas entrelinhas

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Militante da causa da reforma política, o senador Marco Maciel (DEM-PE) acha que as propostas em discussão no Congresso devem ser votadas este ano, mas adverte que é preciso tomar cuidado com o risco de casuísmo. Maciel argumenta que a legislação, quando estabeleceu o prazo de um ano antes das eleições para a vigência de mudanças nas regras do jogo, foi justamente para evitar o casuísmo de última hora dos poderosos de plantão.

Sem casuísmo, portanto, qualquer mudança nas regras das eleições presidenciais de 2010 deve ser aprovada até o próximo dia 3 de outubro, um sábado. Ou seja, daqui a sete meses. Mas esse é o prazo, também, de filiação partidária dos candidatos às próximas eleições, de presidente a deputado estadual.

O projeto de reforma que o governo enviou ao Congresso, no entanto, prevê que detentores de mandato possam deixar seus cargos, para concorrer nas eleições de outubro, até 30 dias antes das convenções partidárias (30 de junho de 2010). Como fica então a questão do prazo de filiação para quem pretende concorrer às eleições? Além disso, o projeto faz tábula rasa da fidelidade partidária, que também é de um ano.

"Seria um retrocesso", diz Marco Maciel. Mas ele assegura não estar "preocupado" com iniciativas casuísticas do governo ou dos partidos que integram sua base de sustentação no Congresso. O que acha é que "nós não podemos mais adiar a reforma política. Nós devemos nos concentrar nessa questão porque ela é essencial para melhorar a governabilidade do país", diz, com a autoridade de quem foi vice-presidente da República nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso.

A era tucana, como a atual, teve de se amparar no PMDB como viga de sustentação. Eleito duas vezes no primeiro turno, FHC tinha poucos mais de um terço do Congresso.

Em 2009, Maciel vai trocar o termo "reforma política" por "reforma institucional". Mais importante do que fortalecer apenas os partidos - argumenta - é consolidar todos os instrumentos democráticos estabelecidos na Constituição de 1988.

O senador recorre a Norberto Bobbio para dizer que a política não deve ser tratada somente como uma questão de homens. "Os homens, em sua maioria, são aquilo que são; as boas instituições revelam as qualidades positivas, as más instituições, as negativas", diz Bobbio em seu estudo sobre as origens da democracia italiana "Entre duas Repúblicas". Mas recriminar "a malvadeza dos governantes quando as instituições não são boas é, no mínimo, tão absurdo quanto esperar que os governantes se tornem providencialmente sábios sem que as más instituições sejam removidas".

"O que diz Bobbio é que o importante é fortalecer as boas instituições", afirma Marco Maciel. E quais seriam elas? O senador pernambucano responde com as mesmas "duas" palavras de Norberto Bobbio: "instituições democráticas". Em resumo, quando fala em reformas institucionais, Maciel quer dizer que é preciso fortalecer as instituições democráticas para melhorar o nível de governabilidade.

"Enquanto nós não melhorarmos o nível de governabilidade, nós vamos continuar a conviver, por exemplo, com a insegurança jurídica", diz. Maciel ainda tem nitidos, na memória, casos que vivenciou no governo FHC de empresários internacionais interessados em investir no país que costumavam terminar as conversas com a mesma pergunta: "Quais são as garantias que você me dá de que essas regras não vão mudar"?

Boas instituições e regras permanentes podem ser considerados o resumo da bandeira que Marco Maciel acha que não pode mais ser adiada. Ele considerou o projeto de reforma do governo uma "proposta em aberto, para discussão". O importante, acredita, "é que nós não devemos adiar mais a votação dessas matérias. Sei que não é fácil formar os consensos para votar, mas o momento é agora".

"O fortalecimento das instituições começa logicamente com o fortalecimento dos partidos, que pressupõe - coisa dificílima - mudar o sistema eleitoral em vigor, que não ajuda que os governantes tenham maioria no Congresso. Dificilmente se tem maioria no parlamento". De fato, a própria chapa de Maciel ganhou duas eleições em primeiro turno, mas fez pouco mais de um terço das cadeiras do Congresso.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Má interpretação

EDITORIAL
DEU EM O GLOBO

Adestrado na arte de equilibrar-se sobre uma aliança política tão eclética quanto a diversidade do mapa de ideologias, o presidente Lula morde e sopra o MST, ou qualquer outro aliado em situação delicada - de Severino Cavalcanti a João Pedro Stédile. Ontem em São Paulo, perguntado sobre os mais recentes e graves fatos protagonizados por esta organização política radical, Lula procurou elogiá-la: disse que o movimento foi criado em 1980, "portanto já atingiu a maturidade". Logo, deve saber o que é legal e ilegal. Mas não deixou de criticá-la pelo assassinato dos quatro seguranças: "É inaceitável usar a desculpa de legítima defesa para matar quatro pessoas." Ou seja, também mordeu. Pelo menos fez aquilo que ministros ligados diretamente à questão - Tarso Genro, da Justiça; Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário - deveriam ter feito, e de forma enfática, na semana passada. Mas como estas são áreas mais claramente loteadas entre facções políticas, elas reagem ao sabor de interesses ideológicos e partidários.

A reação discreta de ministros diante de assassinatos - por terem sido cometidos por "amigos" contra "inimigos", supõe-se - e a postura do governo frente ao correto e grave alerta dado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, não apenas sobre a violência sem freios do MST, mas também acerca de ilegalidades no repasse de verbas para esta e outras organizações similares, indicam a dimensão do risco de o Planalto continuar avalizando atos arbitrários. Não surpreende, mas assusta, que Guilherme Cassel e Dilma Rousseff defendam, a priori, a legalidade dos repasses, sem que haja uma investigação séria e isenta do destino dos milhões liberados para entidades usadas como laranjas pelo MST e satélites.

No caso desta organização, uma das faces legais utilizadas para receber dinheiro público - o MST é nome fantasia, não existe legalmente, para não ser responsabilizado na Justiça - é a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca). O ministro diz desconhecer a ligação MST-Anca. Mas repórter que deseja contato com o MST sabe que um caminho é telefonar para a Anca.

Na mesma entrevista em São Palo, Lula disse entender que Gilmar Mendes se pronunciou como "cidadão comum". Erro do presidente. Pelo teor das declarações do ministro do STF, é impossível desvinculá-las do alto cargo que ocupa na Justiça. A interpretação correta é outra: apenas um quadro de alta gravidade, por causa do atropelamento da Constituição e ataques ao estado de direito, poderia levar um magistrado do Supremo a fazer alertas públicos.

Estar legal

Luiz Garcia
DEU EM O GLOBO

Para acabar com a discussão, a ministra chefe da Casa Civil sentenciou: "Enquanto estivermos legais, estamos fazendo."

É uma pena que o bom uso do idioma não seja obrigatório para ocupantes de altos cargos. Mas, sabe-se lá, falar desse jeito pode ser recomendação explícita dos estrategistas eleitorais de Brasília. É assim que o povão entende, devem dizer.

A frase de Dilma Roussef aparentemente resumia a posição do governo sobre o repasse de dinheiro público para o Movimento dos Sem Terra. Mas, como lembrara o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, é ilegal repassar verbas públicas a organizações que cometem ilegalidades. Estaria nesse caso o MST, por violências praticadas durante a invasão de fazendas.

O episódio que provocou a discussão do assunto foi a morte de quatro seguranças de fazendas pernambucanas. Dois líderes do MST estão respondendo a processo por homicídio qualificado.

É notável que ontem, ao falar pela primeira vez sobre o episódio, o presidente Lula tenha escolhido aceitar como pertinente a opinião de Gilmar Mendes e definir como homicídio a morte dos quatro seguranças. Não criticou diretamente a posição de Dilma, mas parece ter sentido a necessidade de deixar claro que o governo não passa a mão na cabeça de assassinos. Exatamente o que ela se esquecera de fazer.

Foi um pito severo em velhos aliados. Na verdade, formalmente, o MST não recebe um tostão de verbas federais. Nem poderia: ele não tem existência legal. Mas o dinheiro do governo vai para a pouco conhecida Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca). Em Brasília, MST e Anca funcionam no mesmo endereço, com o mesmo telefone; na verdade, são uma coisa só. Mas, formalmente, só a Anca e ONGs criadas em assentamentos recebem verbas públicas.

O estratagema é simples, quase simplório, mas funciona. Permite ao governo, e isso não é recente, alegar que recursos públicos não financiam invasões de fazendas. No momento, o mau uso desse dinheiro está sendo investigado por órgãos do próprio governo - Polícia Federal e Ministério Público.

Praticamente todos os problemas nessa área têm uma só raiz: o fracasso histórico da reforma agrária, expressão antiga, até fora de moda. Tinha o belo objetivo de modernizar e democratizar a estrutura da agricultura brasileira.

Hoje em dia, pouco se fala na reforma. A política agrária federal, a cargo do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Incra, parece se concentrar no varejo dos contratos e convênios com assentamentos de sem-terra. O número deles sob investigação da Polícia Federal é desanimador. A quantidade de episódios violentos, mais ainda.

A ministra chefe da Casa Civil provavelmente concorda com seu colega do Ministério da Justiça, Tarso Genro, que definiu o problema da violência no campo como responsabilidade exclusiva de autoridades estaduais.

Depois das declarações de Lula, talvez ela precise reescrever o seu discurso. Para incluir nele o reconhecimento de que "estar legal" exige de um membro do governo dar aos bois o nome que merecem.

Ministros defendem ilegalidade

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dois ministros de Estado, contestando as mais do que pertinentes advertências do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, sobre a inconstitucionalidade, a ilegalidade e a ilegitimidade de repasses de dinheiro público a organizações sem existência legal e que, ainda por cima, praticam ilícitos penais, como o Movimento dos Sem-Terra (MST), defendem essa prática do governo, utilizando-se para isso da mais deslavada chicana com o objetivo de negar que o MST jamais recebeu qualquer dinheiro do governo.

Entende-se que líderes dos MST, como João Pedro Stédile e Jaime Amorim, se utilizem de argumentos tão primários quanto cínicos para a defesa de sua entidade fora da lei - Stédile afirmando que, por ser "um movimento", o MST não pode ter CNPJ e registros legais; e Amorim enfatizando que os recursos públicos canalizados para associações ligadas ao MST se destinam, exclusivamente, à capacitação profissional de assentados, fornecimento de crédito para produção, etc. Pouco estão ligando, estes personagens, que todos saibam que o MST e seus assemelhados repudiam qualquer coisa que lhes assegure existência formal, legal, pois o que temem é que isso os obrigue a prestar contas do dinheiro público recebido junto aos Tribunais de Contas, Receita Federal e outros órgãos oficiais de fiscalização.

Evidentemente, os ministros Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, e Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, não poderiam simplesmente endossar os argumentos emessetistas - a menos que a identidade ideológica com os movimentos fora da lei os levassem também a menosprezar a capacidade alheia de entender o que é notório. Por isso preferiram, com enorme dose de cinismo, recorrer à chicana pura e simples. Disse o ministro Cassel, com efeito, que é impossível associar as entidades beneficiadas com recursos públicos a movimentos sociais como o MST, pelo que tais "vinculações" não passam de meras "suposições".

Até o asfalto de Brasília sabe, há muito tempo, que MST e Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola) são uma coisa só. Se o ministro Cassel se desse ao trabalho de ligar para os números do MST, em Brasília, ouviria uma telefonista dizer, do outro lado da linha: "Anca, bom dia." E a Anca tem CNPJ, é registrada na Junta Comercial e recebe recursos públicos - como uma espécie de tesouraria do MST.

Menos preocupada com "sutilezas", a ministra Dilma Rousseff, em sua campanha eleitoral - perdão, em visita administrativa a Florianópolis -, disse que "não há irregularidades" nos repasses (de recursos públicos a entidades ligadas ao MST), e que "para que alguma coisa se caracterize como ilegalidade ou legalidade ou há uma prova real ou há um julgamento". É como se a ministra dissesse que, se o criminoso conseguiu jogar a arma do crime no fundo do mar e ainda não foi julgado, não se pode dizer que tenha cometido algum ato dentro da "ilegalidade" ou da "legalidade"...

Se alguém - ministro ou não - não sabia que tanto a Anca quanto a Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária) são as entidades "legalizadas" que repassam recursos públicos para o MST e assemelhados, a CPI da Terra deixou esses vínculos mais do que cristalinos. Assim, as irregularidades apontadas pelo presidente do STF não são novidade alguma - embora novidade seja a figura mais proeminente do Poder Judiciário precisar dizer, com todas as letras, o que está escrito na Constituição e nas leis vigentes, como admoestação ao governo da União.

Sem dúvida, a advertência do ministro Gilmar Mendes encontrou boa repercussão no Ministério Público (MP), como mostra o fato de o Ministério Público Federal e a Polícia Federal já terem encontrado indícios de desvio de verbas federais por ONGs ligadas aos sem-terra da região do Pontal do Paranapanema, no interior de São Paulo, área de atuação de um dos maiores beneficiários individuais da generosidade do governo com o MST, José Rainha, que, por sinal, foi posto de quarentena pelo movimento social que se sente lesado por ele. Por enquanto, estão sendo investigados três contratos do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário com as duas entidades, em 2007, envolvendo a soma de R$ 3,35 milhões. Aguardemos.

Presidente ataca MST e sai em defesa de Mendes

Raquel Landim, de São Paulo
DEU NO VALOR ECONÔMICO


"É inaceitável a desculpa de legítima defesa para matar quatro pessoas". A frase foi a dura reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ser questionado ontem pela imprensa sobre o envolvimento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) na morte de quatro seguranças de uma fazenda em Pernambuco. Lula garantiu que "a justiça será feita para apurar a verdadeira responsabilidade".

O confronto entre os seguranças e o MST ocorreu no dia 21 de fevereiro em São Joaquim do Monte, a 134 km de Recife, e resultou na morte de quatro empregados rurais. O líder do MST, Jaime Amorim, afirmou que os sem-terra agiram em "defesa do acampamento" e que "pistoleiros armados" fizeram três investidas para "matar todo mundo".

O presidente disse que o MST existe desde a década de 80, já atingiu a "maioridade", e sabe diferenciar o legal do ilegal. "Todos nós - presidente da República, sem-terra e o mais humilde dos brasileiros - pagaremos um preço se cometermos uma ilegalidade". Os comentários de Lula foram feitos ontem depois de encontro com o primeiro-ministro dos Países Baixos, Jan Peter Balkenende, na Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp).

Os assassinatos provocaram uma crítica do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, ao financiamento público para o MST e "outros movimentos sociais" ligados à questão agrária: "A lei é muito clara. Não pode haver dinheiro público para subsidiar tais movimentos, que agem contra o Estado de direito."

Lula minimizou as declarações de Mendes, que provocaram embaraço entre os Poderes, e disse acreditar que Mendes teria dado sua opinião como "cidadão brasileiro". "Quando houver um processo, certamente ele se manifestará como presidente (do STF) e dará o seu voto". O presidente, que possui laços históricos com o MST e movimentos sociais, fez questão de citar suas realizações na reforma agrária: 43 milhões de hectares desapropriados e 520 mil famílias assentadas: "Cada um tem que ter juízo antes de fazer as coisas."

O presidente do Supremo, entretanto, rebateu ontem à noite, por meio de sua assessoria de imprensa, declaração dada pelo presidente Lula: "A Secretaria de Comunicação Social do Supremo Tribunal Federal esclarece que o presidente (Gilmar Mendes) falou na qualidade de chefe do Poder Judiciário, que tem responsabilidades políticas e institucionais inerentes ao cargo", esclareceu o STF.

Segundo o MST, a invasão à fazenda Castanhal do Espírito Santo, na madrugada de sexta-feira, foi uma reação às declarações de Gilmar Mendes. A propriedade é da empresa Agropecuária Santa Bárbara, que pertence ao grupo Opportunity do banqueiro Daniel Dantas. "Essa é uma ação em protesto às manifestações públicas de Gilmar Mendes "Dantas"", disse Charles Trocate, coordenador da ocupação em Eldorado dos Carajás, incluindo o sobrenome do banqueiro ao do ministro. (Com agências noticiosas)

Lula ataca MST por mortes; Tarso diz que foi só 'arrojo'

Flávio Freire, Tatiana Farah e Bernardo Mello Franco
DEU EM O GLOBO

Movimento tinha arsenal e estava pronto para confronto", diz delegado

Nove dias após líderes do MST matarem a tiros quatro seguranças de fazendas em Pernambuco, o presidente Lula disse ontem considerar "inaceitável a desculpa de legítima defesa para matar quatro pessoas" e cobrou a punição dos culpados. Dois líderes do MST estão presos e foram indiciados pelo crime - um por homicídio qualificado e outro por coautoria - e mais quatro envolvidos estão foragidos. Apesar dos assassinatos, o ministro da Justiça, Tarso Genro, minimizou a violência no campo. "A reforma agrária vem sendo feita de maneira ordenada, dentro da Constituição, e não vejo nenhum índice de aumento de violência. O que ocorre é a mobilização de movimentos sociais, em determinadas circunstâncias de uma maneira mais arrojada", disse. O delegado Luciano Soares, de São Joaquim do Monte (PE), disse que um dos sem-terra indiciados abastecia com armas os integrantes do MST. "Pelo que dizem as testemunhas, o MST tinha um arsenal e estava pronto para o confronto."

"Desculpa da legítima defesa é inaceitável"

Lula cobra apuração de crime de integrantes do MST; Tarso Genro, porém, minimiza violência no campo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem considerar inaceitável que líderes do Movimento dos Sem Terra (MST) aleguem legítima defesa depois de matar quatro pessoas, no conflito com funcionários das fazendas Consulta e Jabuticaba, em São Joaquim do Monte, em Pernambuco. Para Lula, o MST já atingiu a maioridade e tem que ter juízo ao "fazer as coisas".

- É inaceitável a desculpa de legítima defesa para matar quatro pessoas. É inaceitável e, portanto, (eles) sabem que a Justiça terá de ser feita para apurar a verdadeira responsabilidade - disse Lula, em encontro com empresários brasileiros e holandeses na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Em Brasília, porém, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse não ver aumento da violência no campo, apesar da prisão de dois sem-terra acusados de matar os quatro seguranças. Para ele, o que ocorreu foi "arrojo":

- A reforma agrária vem sendo feita de maneira ordenada, dentro da Constituição, e eu não vejo nenhum índice de aumento de violência. O que ocorre é a mobilização de movimentos sociais, em determinadas circunstâncias de uma maneira mais arrojada. Quando eles violam a lei e a Constituição, os estados têm que operar.

Tarso voltou a afirmar que a invasão de terras é problema de ordem pública, que deve ser administrado pelos estados, e não pelo governo federal. Ele disse que só pode enviar a Força Nacional de Segurança se receber pedidos de governadores, o que até agora não aconteceu.

- A ocupação de propriedade privada, segundo a Constituição e a lei, é uma questão de ordem pública dos estados. A Força Nacional só pode entrar num estado quando é solicitada pelo governador - disse o ministro.

"Gilmar deu opinião como cidadão"; ministro contesta

Em tom incisivo, Lula disse em São Paulo que se deve pagar um preço por praticar ilegalidades. O presidente descartou a possibilidade de crise diante da troca de acusações entre líderes do MST e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que criticou o governo por repassar dinheiro público para movimentos que invadem terras.

- Não tem nenhuma possibilidade de crise institucional (...). Para aquilo que é ilegal, seja (cometido pelo) presidente, sem-terra ou o mais humilde dos brasileiros, todos pagaremos um preço - disse Lula.

Os sem-terra reagiram às declarações do ministro com duas invasões no fim de semana, em propriedades que têm o banqueiro Daniel Dantas como sócio. Dantas foi beneficiados por dois habeas corpus concedidos por Gilmar à época da Operação Satiagraha.

Sobre a polêmica envolvendo o STF e o MST, Lula evitou tomar partido. Mas afirmou:

- Eu quero crer que o presidente Gilmar tenha dado opinião como cidadão brasileiro. Quando houver o processo, certamente ele se manifestará como presidente e dará seu voto - disse Lula, que emendou com números sobre o processo de reforma agrária no país. Por meio de sua assessoria, Gilmar Mendes reagiu e disse que falou como chefe do Judiciário, "que tem responsabilidades políticas e institucionais inerentes ao cargo".

- O que nós já fizemos por reforma agrária no Brasil... Vou dar os números. Já desapropriamos 43 milhões de hectares, o que significa 53% de tudo o que já foi desapropriado no Brasil. E já assentamos 520 mil famílias. Minha prioridade, agora, é tornar as pessoas que já adquiriram a terra em pessoas produtivas para que a gente possa melhorar a quantidade e a qualidade dos alimentos produzidos no Brasil. Portanto, acho que cada um de nós tem que ter juízo antes de fazer as coisas.

Governo admite concentração de terras

Apesar de todos os números apresentados por Lula, o ministro da Justiça, Tarso Genro, admitiu que o governo ainda não conseguiu resolver o problema da concentração de terras, mesmo com os investimentos na reforma agrária.

- Essas questões no Brasil são cíclicas, desde a Revolução de 30. A questão da terra no Brasil é uma questão pendente - afirmou.

O ministro disse não estar preocupado com a nova onda de ocupações de terras. Afirmou que a tensão entre lavradores e grandes proprietários rurais é cíclica. E evitou comentar a invasão, pelo MST, das duas fazendas de Dantas no Pará, em ato que foi justificado pelos sem-terra como uma retaliação contra Gilmar.

- Absolutamente não vou manifestar minha opinião sobre isso, porque não é da minha esfera de competência - esquivou-se.

O ministro também se recusou a responder se haveria uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais, como alegam líderes do Movimento dos Sem Terra.

- Isso eu deixo mais para o terreno do debate político, que não é o caso da nossa entrevista - desconversou.

O líder dissidente do MST José Rainha Júnior concordou com as afirmações do presidente Lula de que os assassinatos dos quatro seguranças em Pernambuco são inaceitáveis. Rainha afirmou que os conflitos na região são históricos, mas disse que não há justificativa para os crimes.

- Em qualquer circunstância, a vida tem que ser preservada. Não se pode conquistar um pedaço de terra, por mais que seja o nosso sonho, com sangue. A região é mesmo muito conflituosa, mas o MST não foi criado para isso.

Hoje, haverá uma audiência pública na Procuradoria Geral de Justiça de Pernambuco para discutir a situação na região. Os integrantes do MST disseram que vão apresentar alguns casos de conflito que ocorrem há anos e até agora não foram resolvidos.

Ascensão e queda da inflação de ativos

Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Sob o comando da economia americana, os dois últimos ciclos de crescimento da economia global (1995-1999 e 2003-2007) foram impulsionados pelo efeito-riqueza apoiado na expansão do crédito fácil e barato.

Os gastos de consumo das famílias ampliaram a participação na formação do dispêndio agregado e se tornaram o componente mais importante da taxa de crescimento das economias mais desenvolvidas, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra. Em contrapartida, o consumo deixou de ter o comportamento relativamente estável previsto pela função - consumo keynesiana e passou a apresentar uma instabilidade típica das decisões de investimento.

Não se trata apenas de que uma fração do consumo deixa de ser proporcional à renda corrente, fenômeno que aliás se estabelece à partir da generalização do crédito ao consumidor. Significa, isto sim, que aumenta significativamente a possibilidade de "alavancagem" por parte dos consumidores. Esta alavancagem é fruto da percepção das famílias e de seus financiadores a respeito da valorização acelerada dos ativos financeiros e imobiliários que acumulam em seus portfólios. O efeito-riqueza, diga-se, não se realiza mediante a venda dos ativos, com a conversão do resultado monetário em consumo, senão mediante a ampliação da demanda de crédito por parte dos consumidores "enriquecidos".

Confiantes numa trajetória ascendente de valorização da sua riqueza, os consumidores tendem a elevar imprudentemente a propensão a consumir sobre a renda corrente, apoiados no aumento do endividamento. A perspectiva de enriquecimento acelerado passa a comandar as decisões de gasto de consumo: o nível de endividamento não é mais calculado sobre a renda corrente e sim sobre a expectativa de crescimento do preços dos ativos que compõem o portfólio das famílias. Assim, é possível observar aumentos na relação dívida/renda corrente, embora a relação entre a dívida e o estoque de riqueza possa se manter estável ou mesmo declinar.

A captura de grupos expressivos da população pelo efeito riqueza engendra um ciclo de valorização de ativos com força para excitar a demanda muito além das expectativas normais dos empresários que produzem bens de consumo e bens de capital. O arranjo sino-americano que comandou o espetáculo de crescimento global nos últimos anos dirigiu os efeitos da excitação do consumo dos súditos de Tio Sam para o déficit do balanço de pagamentos e deslocou as decisões de investimento das empresas para os emergentes em rápida graduação industrial , com poucas pressões sobre os preços. As elevações de preços causadas pela excitação da demanda ficam circunscritas aos serviços e aos demais bens não envolvidos no comércio exterior .

As decisões de investimento produtivo nas novas áreas, por seu turno, sofreram um tripla influência da inflação de ativos: 1) o superaquecimento do consumo, excitou a expectativa de lucros da indústria, com os efeitos conhecidos sobre a demanda de commodities ; 2) o aumento do valor do patrimônio líquido - via aumento do valor de mercado da empresa - e a consequente ampliação da capacidade de endividamento empresarial. Assim, apesar das empresas estarem envolvidas num esforço de investimento e no processo de fusões/aquisições, a relação dívida/ capital próprio se manteve estável, ou mesmo declinou; 3) a consequente redução dos custos de capital para a empresa melhor avaliada pelas agências de rating baixou a percepção de risco para prestamistas e para tomadores.

A aceleração da taxa de investimento nos emergentes asiáticos levou à rápida acumulação de capacidade produtiva em quase todos os setores ligados ao comércio exterior. São óbvias as conexões entre o investimento na indústria manufatureira da China e a taxa de crescimento das exportações. O bom desempenho das exportações e o investimento público em infraestrutura promoveram o crescimento do emprego , da renda da famílias chinesas e a manutenção de um alto nível de ocupação da capacidade produtiva.

O ciclo recente "internacionalizou" as informações que promovem a incitação ao investimento. Os índices que medem a confiança dos consumidores americanos e europeus se elevaram de forma persistente, devido à redução da taxa de desemprego e à continuada valorização de ativos. Os emergentes presenciaram o fenômeno "kalekiano" do reforço do círculo virtuoso: o aumento dos investimentos produz um aumento dos lucros. Nos Estados Unidos e na China, a elevação dos lucros induziu a uma maior valorização do patrimônio líquido das empresas, o que se refletiu numa ulterior valorização das ações. O sistema de crédito, com elevados níveis de liquidez, ajusta-se para atender de forma elástica a demanda por novos empréstimos.

Como em todo o ciclo expansivo, o preço de demanda dos ativos reais e dos ativos financeiros tendem a crescer conjuntamente. No ciclo recente, comandados pela inflação de ativos, o crescimento dos preços de mercado dos ativos foi muito mais rápido do que do fluxo de rendimentos. Uma das marcas registradas da capitalização das bolsas e da explosão dos ativos imobiliários foi a impressionante elevação das relações preço/lucro e preço/aluguel.

Como era de se prever, um colapso abrupto dos preços da "riqueza" levaria inevitavelmente a economia à beira da depressão, devido ao caráter cumulativo e de autorreforço imposto pela deflação de ativos. Diante alavancagem imprudente que sustentou seu "enriquecimento", as famílias e as empresas foram "surpreendidas" por um forte crescimento das suas dívidas. O grau de endividamento se elevou tanto em relação à renda corrente quanto em relação aos respectivos patrimônios. No caso das empresas não-financeiras, neste momento já se consolida a percepção de que a relação dívida/capital próprio cresce involuntariamente, com deterioração do rating, o que torna mais cara e difícil a tomada de novos empréstimos. Essa degradação do valor de mercado das empresas e de sua situação de endividamento provocará, com vem provocando, ulteriores desvalorizações de suas ações.

Não bastasse a montanha de lixo tóxico que os desvairados bancos americanos e europeus carregam em suas carteiras, a deterioração das receitas correntes e dos patrimônios não estimulam a retomada do crédito. À falta de uma intervenção mais incisiva dos governos, o bicho da longa recessão vai pegar.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

Palpite de agência

Panorama Econômico :: Mirian Leitão
DEU EM O GLOBO


O relatório da Moody"s pondo o crédito bancário dos bancos brasileiros em perspectiva negativa é precipitado e velho ao mesmo tempo. Precipitado porque é, mais uma vez, a reação natural das agências: quando erra muito num país, precisa exagerar o risco do outro para parecer vigilante. Velho porque ressalta o aperto de crédito internacional enfrentado pelo Brasil em setembro.

Não há uma economia sem riscos neste momento. Então, qualquer um que queira fazer um relatório sobre os riscos de qualquer setor do mundo encontrará alguns bons argumentos. Mas as agências classificaram a AIG e o Lehmam Brothers com o melhor nível de risco, AAA, um pouco antes de os dois quebrarem. A Moody"s classificava a Islândia como AAA e dizia que ela tinha "instituições sólidas", um pouco antes de o país desmoronar. A Moody"s elevou a classificação do Banco Santos, aqui no Brasil, um pouco antes de ele quebrar. Na verdade, as agências, seus critérios, suas ligações com os bancos emissores de papéis que foram dados como bons e eram arriscados estão agora em debate na nova regulação do mercado. Elas avaliaram como risco baixo os portfólios de hipotecas que detonaram a crise que vivemos. Mas as agências continuam existindo, soltando seus relatórios e provocando oscilações.

Na Febraban, o documento foi recebido com tranquilidade. Não seria, segundo entendeu a federação, um relatório negativo sobre os bancos brasileiros, mas sobre o crédito. Ora, o próprio relatório vai de uma coisa à outra: se deteriorarem as condições de crédito e a capacidade de os bancos se financiarem, eles é que entram em perspectiva negativa. O relatório mesmo diz, explicitamente, dos riscos dos bancos médios brasileiros. E mais: é bom lembrar que a Moody"s dá C para as instituições brasileiras (entre A e E).

Não é que os riscos não existam. Mas há duas coisas a dizer. Primeiro: logo após setembro houve, realmente, um momento difícil. As linhas de crédito secaram rapidamente para os bancos brasileiros e a reação deles foi suspender o financiamento à exportação e as operações no interbancário. Naquele momento, os bancos pequenos e médios tiveram dificuldades. A ação do Banco Central foi rápida: liberou compulsório, induziu os bancos grandes a comprarem as carteiras dos menores, criou linhas de crédito com as reservas para financiar a exportação, via bancos. Naquele momento, os bancos brasileiros passaram por um verdadeiro teste de estresse, porque houve uma reviravolta no sistema de crédito. Agora, o sistema está voltando a funcionar mais normalmente. Tanto que em fevereiro, dado que ainda será divulgado, o nível de rolagem dos ACCs (linhas de crédito de exportação) é o mais alto desde o começo da crise. Há também uma certa recuperação do crédito da pessoa física e um crescimento dos depósitos nos bancos. O segundo ponto é que falar em perspectiva negativa para crédito e para bancos, neste momento, cria fatos concretos. Em outros países, os bancos estão entrando em colapso, o que não é, nem de longe, nem remotamente, o caso do Brasil. A crise criou nos Estados Unidos o que os economistas chamam de "bancos mortos vivos", e os bancos do Leste da Europa estão abrindo uma nova frente dessa interminável crise. Os brasileiros estão em situação inteiramente diferente: aqui há menos crédito disponível, houve uma pequena elevação da inadimplência, os bancos já estão fazendo provisões contra devedores duvidosos, o Brasil tem regras mais exigentes que os outros países em termos de requisição de capital dos bancos.

Ceres Lisboa, analista de bancos da Moody"s, disse que depois da crise de setembro vem, agora, a segunda fase, quando os bancos brasileiros terão que administrar dois problemas: a falta de crédito externo e a inadimplência interna, com o desemprego e a queda na produção das empresas. E isso pode afetar os bancos médios, que são baseados num único modelo de negócios. Estes seriam os mais vulneráveis. Agora, a qualidade da carteira de cada instituição passa a ser fundamental.

O país entrará, de fato, numa fase de menor crescimento, com queda da massa salarial e do emprego. O ponto é que os problemas de crédito vividos em outros países são de uma natureza inteiramente diversa da que é previsível no Brasil.

O relatório de ontem é curioso porque é cercado de elogios à "resiliência" da economia brasileira, à qualidade da regulação prudencial, e diz que é saudável o fato de 75% do crédito e dos ativos estarem concentrados em algumas poucas instituições. Por outro lado, alerta que um crescimento menor e um prolongado estreitamento do crédito podem afetar os bancos individualmente. Diz que mantém estável a avaliação sobre os bancos, mas que permanecerá atenta para futuras reavaliações das classificações de risco.

Não é nada, não é nada, veio num dia em que aumentam as preocupações com o sistema bancário mundial, em que a bolsa despencou 5%, o risco subiu 8% e o dólar teve alta de 3%. A hora não podia ser pior.

Bolero de Ravel

Maurice Bejart

Bom dia.
Antes de ler a crônica de Arnaldo Jabor, que tal ver e ouvir o bolero de Ravel. Abra o Blog e clique no link, abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=UnSh-KPV7QQ

"Consciência social de brasileiro é medo da polícia"

Arnaldo Jabor
DEU EM O GLOBO/ SEGUNDO CADERNO


Nelson Rodrigues previu a onda atual de neocanalhas

Uma das obsessões de Nelson Rodrigues era o canalha. Ele dizia: "Ninguém sai na rua e bate no peito berrando: "Eu sou um canalha"". O maior dos pulhas se achava um santo de vitral. Mas isso mudou muito.

Hoje, o canalha se orgulha de sê-lo. Veste-se de canalha, bigode e gravata de canalha, cabelo pintado, carantonhas ferozes. Antes, o canalha se ocultava pelos cantos, escondido da própria sombra. Hoje, os sem-vergonhas ostentam orgulho pelo que chamam de "realismo político" ou necessidade de alianças. Roubar são ossos do ofício. A pornopolítica tomou conta de tudo, e Nelson é que tem fama de pornográfico - logo quem... um moralista que corava diante de um palavrão. Mas, hoje, Nelson, revisto como estilo e como visão de mundo, traz uma lição política.

Filho do jornalismo policial com o fundo talento de Dostoievski caboclo, Nelson mostrava como um escritor deveria se posicionar diante do texto neste país. Uma vez ele me disse ao telefone que o "problema da literatura nacional era que nenhum escritor sabia bater escanteio". Ensolarada imagem esportiva para definir muito literato folgado.

Formado nas delegacias sórdidas, vendo cadáveres de negros plásticos e ornamentais, metido no cotidiano marrom do jornal do pai, Nelson flagrou verdades imortais que estavam ali, no meio da rua, na nossa cara, e que ninguém via.

Uma vez ele me disse: "Se Deus perguntar para mim se eu fiz alguma coisa que preste na vida para entrar no céu, eu responderei a Deus: "Sim, Senhor, eu inventei o óbvio!""

Sua literatura nos ensina o óbvio e isso é profundo numa literatura eivada de ambiciosos engajamentos "corretos" ou cheia de intenções formais desesperançadas que transformam o cinismo debochado numa visão de mundo.

Como criar (querem uns), sem denunciar o "mal latino", a miséria, como o chatola García Márquez, ou como criar (querem outros) sem babar o ovo de Joyce, Kafka ou Beckett?

Ele foi o primeiro a sacar o futuro dos marxistas de galinheiro do passado que hoje lutam por boquinhas e roubam no mensalão.

Até hoje, muita gente não entendeu que sua grandeza está justamente na sincronia com os detritos do cotidiano. A faxina que Nelson fez na prosa é semelhante à que João Cabral fez na poesia. Nelson baniu as metáforas a pontapés "como ratazanas grávidas" e criou o que podemos chamar de antimetáforas feitas de banalidades condensadas. Suas comparações sempre nos remetem a um "mais concreto" que denota comicamente a impotência da literatura.

Shakespeare tinha isso, Cervantes também. Suas frases famosas nunca aspiravam ao sublime. Exemplos: "O torcedor rubro-negro sangra como um César apunhalado", "A mulher dava gargalhadas de bruxa de disco infantil", "Seu ódio era tanto que ele dava arrancos de cachorro atropelado", "Seu peito se encheu de um ar heroico como anúncio de fortificante", "A bola seguia Didi com a fidelidade de uma cadelinha ao seu dono", "O juiz correu como um cavalinho de carrossel", "A virtude é bonita, mas exala um tédio homicida. Não acredito em honestidade sem acidez, sem dieta e sem úlcera", "O sujeito vive roendo a própria solidão como uma rapadura".

Às vezes, ele dá lições de arte e literatura: "Enquanto o Fluminense foi perfeito, não fez gol nenhum. E vem a grande verdade: a obra-prima no futebol e na arte tem de ser imperfeita. A partir do momento em que o Fluminense deixou de ser tão elitista, tão Flaubert, os gols começaram a jorrar aos borbotões".

Gilberto Freyre sacou sua "superficialidade profunda", assim como André Maurois entendeu que a genialidade de Proust era "a épica das irrelevâncias...". E isso é muito saudável, num país onde ninguém escreve um bilhete sem buscar a eternidade.

Em meio a esta crise, dominados pela mídia, sem projeto político claro, "somos uns Narcisos às avessas que cuspimos na própria imagem", "vivemos amarrados no pé da mesa bebendo água numa cuia de queijo Palmira", "hoje o brasileiro é inibido até para chupar um Chicabon". E uma das razões para estarmos "mergulhados em negra e cava depressão" é a visão épica, generalista, ideológica ou ambiciosa demais nos projetos e programas e utopias para o Brasil. Se bem que ele mesmo dizia: "Sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo".

A lição política de Nelson é de que talvez as coisas sejam muito mais simples. Não adianta nem nos "atolarmos em brutais euforias" nem vivermos com "complexo de vira-latas", atravessando a "aridez de três desertos".

O Brasil não se salvará com planos messiânicos ou ideias gerais de "epopeias de Cecil B. de Mille", sejam elas epopeias operárias ou epopeias neoliberais. O "óbvio ululante" é limpar a casa e cuidar do detalhe, do enxugamento do Estado, "chupando a carótida dos chefes das estatais como tangerinas" quando se mostrarem obviamente ladrões ou favorecendo correligionários, como vemos todo dia.

Salvar o Brasil é óbvio, tão simples e puro como a prosa do NR - é só pensar no presente e não sonhar com um futuro impossível. O PMDB, por exemplo, é um partido que extirpou o canalha e instituiu o pragmatismo dos delitos permitidos, de modo a nos anestesiar com a impossibilidade de solução ou de punições. A extraordinária entrevista de Jarbas Vasconcelos, fundamental para o país, teve até o sabor de algo arcaico, nostálgico dos parlamentos do Império. Seus colegas velhacos até riram da "inatualidade" de seu gesto - que coisa "antiga", denunciar ladrões...

O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-lata e protestar, como fez agora com sucesso na tentativa de assalto à mão armada do PMDB ao fundo Real Grandeza de Furnas.

Não conseguiram. Porque, como Nelson dizia: "Consciência social de brasileiro é medo da polícia." E, agora sabemos, da opinião pública também.